Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
— Ora até que afinal o encontro; já fui à sua casa e a todos os pontos da<br />
cida<strong>de</strong> em que o Sr. costuma parar. Recorda-se que ontem à noite o senhor<br />
sustentava que todos os parentes e inclusive a mulher <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> tinham-no<br />
abandonado? Eu dizia-lhe que estava completamente enganado, e, como não gosto<br />
<strong>de</strong> dizer as c<strong>ou</strong>sas sem provas, queira <strong>ou</strong>vir a leitura <strong>de</strong>sta carta, cuja cópia foi<br />
tirada pelo advogado. Escute:<br />
"Meu caro enteado. — Brevemente <strong>de</strong>vo <strong>ou</strong>vir do tribunal do júri <strong>ou</strong> a<br />
confirmação da calúnia com que nos perseguem, <strong>ou</strong> a satisfação que a socieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ve à minha inocência.<br />
A princípio quase <strong>de</strong>sanimei da minha sorte, lembrando o modo por que fui<br />
tratado pelo Oliveira e a iniqüida<strong>de</strong> da pronúncia com que conseguiram prolongar a<br />
minha difamação, mas hoje escrevo-te com a maior esperança, apesar <strong>de</strong> saber<br />
qual o juízo que em geral se faz <strong>de</strong> mim.<br />
Consta-me que minha pobre mulher, e tua infeliz mãe vai ser intimada como<br />
informante. Eu entendo que é <strong>de</strong>snecessário o comparecimento <strong>de</strong>la, não só porque<br />
em c<strong>ou</strong>sa alguma adianta, como também porque, se a minha <strong>de</strong>sgraça levar-me até<br />
a ser con<strong>de</strong>nado, ela não teria resignação para lembrar-se da recomendação que<br />
lhe fiz, quando começ<strong>ou</strong> a fase negra da minha vida.<br />
Peço-te, pois, que a convenças <strong>de</strong> que não <strong>de</strong>ve comparecer. Seria agravar<br />
os seus incômodos, e talvez aventurar-se a um <strong>de</strong>srespeito da população.<br />
Bem sabes, meu caro enteado, que a fé é o melhor consolo dos infelizes;<br />
quero, portanto, pedir-te que durante o mês <strong>de</strong> janeiro, todos os dias reúnas os<br />
meus inocentes filhos e todos rezeis por mim.<br />
Deus há <strong>de</strong> <strong>ou</strong>vir os seus rogos.<br />
A<strong>de</strong>us, beija os meus filhos, a<strong>de</strong>us; a esperança faz-me escrever-te: até<br />
breve.<br />
Manuel da <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>."<br />
— Então, insistirá ainda em dizer que as relações da família <strong>Coqueiro</strong> estão<br />
cortadas?<br />
Mas quer estejam, quer não, esta carta não serve para provar que ele não é<br />
um refinado malvado.<br />
— Não tratei disto; quis só mostrar-lhe que estava em erro.<br />
Pela maneira por que o leitor da carta mostr<strong>ou</strong>-se tão empenhado na <strong>de</strong>fesa<br />
do fazen<strong>de</strong>iro é fácil reconhecer o Sr. Martins, o gratuito sustentador da inocência do<br />
principal dos réus, apesar <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong> todos.<br />
— Veremos ainda quem vence, exclam<strong>ou</strong> ele; só se não há mais do que<br />
cegos nesta terra.<br />
A sessão tinha sido aberta, e fazia-se o sorteio dos jurados, acompanhado<br />
pelos comentários dos espectadores.<br />
Havia nomes que eram aplaudidos e <strong>ou</strong>tros que provocavam sussurro e<br />
reprovação nas galerias.<br />
— Ora é boa; este é conhecido como apaniguado do assassino; se<br />
escolhem jurados iguais, a fera está absolvida por força.<br />
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