Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
A baça luz <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> lampião alumiava o corredor e projetava a<br />
clarida<strong>de</strong> crepuscular no interior da célula.<br />
— Papai, papai, exclam<strong>ou</strong> a menina, pondo os braços por entre as gra<strong>de</strong>s;<br />
venha comigo para ver se mamãe <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> chorar. Ela está muito doente. Um<br />
punhal vibrado, pela mão do verda<strong>de</strong>iro assassino <strong>de</strong> Francisco Benedito, não teria<br />
ferido mais fundo no coração do <strong>de</strong>sventurado réu.<br />
De um salto veio colocar-se junto da gra<strong>de</strong> e seus lábios procuraram<br />
sôfregos as faces da menina.<br />
O carcereiro, com os braços cruzados e encostado à pare<strong>de</strong> em frente à<br />
gra<strong>de</strong>, assistia imóvel à triste cena <strong>de</strong> expansão do amor paterno e da inocência filial.<br />
A menina, aproveitando a ocasião em que seu pai <strong>de</strong>ixara-a um instante<br />
para enxugar as lágrimas, dirigiu-se ao carcereiro.<br />
— Para que é que tem fechado a porta do quarto <strong>de</strong> papai? Ele precisa <strong>de</strong> ir<br />
ver mamãe; abra-lhe a porta.<br />
— Ele está preso, minha menina, disse o carcereiro, que se abaixara e<br />
beij<strong>ou</strong> a menina; não se po<strong>de</strong> abrir o quarto <strong>de</strong>le.<br />
— Deixe o senhor, minha filha; ele não po<strong>de</strong> fazer o que você lhe pe<strong>de</strong>.<br />
Venha conversar com seu pai.<br />
Um leve ruído, vindo do lado da porta principal da ca<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong>spert<strong>ou</strong> a<br />
atenção do carcereiro, que <strong>de</strong>ix<strong>ou</strong> a menina e, pé ante pé, dirigiu-se à escada.<br />
Três homens embuçados chegavam neste instante ao patamar. Disfarçadas<br />
as fisionomias por meias-máscaras <strong>de</strong> pano negro que caíam-lhes das sobrancelhas<br />
até a altura dos lábios.<br />
Antes que o carcereiro tivesse tido tempo <strong>de</strong> proferir uma só palavra, um dos<br />
embuçados, arrancando do rosto o pano negro, <strong>de</strong>u-se-lhe a conhecer.<br />
— Ah! Exclam<strong>ou</strong> o carcereiro; perdoe-me V.S., mas eu não podia <strong>de</strong>sconfiar<br />
sequer.<br />
Quando o carcereiro concluiu a <strong>de</strong>sculpa, já o embuçado tinha-se <strong>de</strong> novo<br />
mascarado e pergunt<strong>ou</strong>:<br />
— Não tinha o senhor recebido or<strong>de</strong>m para não consentir que ninguém<br />
falasse a <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>?<br />
— Sim, senhor, tartamu<strong>de</strong><strong>ou</strong> o carcereiro, mas...<br />
— Mas enten<strong>de</strong>u que não <strong>de</strong>via cumpri-la. Tenha bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir <strong>ou</strong>vir o que<br />
diz aquela menina ao seu protegido.<br />
Como se estivesse obe<strong>de</strong>cendo a um superior, o carcereiro afast<strong>ou</strong>-se sem<br />
fazer a mínima observação.<br />
Ficando sós, disse aos <strong>ou</strong>tros o embuçado, que se <strong>de</strong>u a conhecer ao<br />
carcereiro:<br />
— O sinal está já <strong>de</strong>morando; quem sabe se não resolveram o contrário?<br />
— Não é possível, respon<strong>de</strong>u um <strong>ou</strong>tro; <strong>de</strong>ntro em meia hora, eu tenho<br />
certeza <strong>de</strong> que ele po<strong>de</strong>rá estar em minha casa.<br />
176