Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
— Bem sabe quanto s<strong>ou</strong> mal visto pelo juiz <strong>de</strong> direito e quanto <strong>de</strong>vo ao seu<br />
padrasto. Demais a influência <strong>de</strong>ste é temida pelo juiz, que se quer fazer <strong>de</strong>putado e<br />
tem uma chapa a impor. O melhor caminho é aconselhar o <strong>Coqueiro</strong> que se ausente<br />
até se aclarar a questão.<br />
Quando o coletor seguia o caminho das Covas d'Areia, on<strong>de</strong> era a habitação<br />
<strong>de</strong> <strong>Coqueiro</strong>, foi atraído pela conversação <strong>de</strong> um grupo.<br />
Dizia um dos reunidos:<br />
— Não se po<strong>de</strong> dar maior escândalo; o <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia sabe do fato e<br />
não se move; o juiz <strong>de</strong> direito interino não expe<strong>de</strong> o mandado, e o criminoso está<br />
muito a seu gosto em sua casa. Não há como ser chefe <strong>de</strong> partido nesta terra.<br />
— Ora que queres tu? Interveio <strong>ou</strong>tro; o <strong>de</strong>legado tem no <strong>Coqueiro</strong> o seu<br />
braço direito; seria muito engraçado partir <strong>de</strong>le o golpe. É capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>mitir-se.<br />
Verão.<br />
— Nada se per<strong>de</strong>rá, o <strong>Coqueiro</strong> há <strong>de</strong> ser filado talvez hoje mesmo, porque<br />
o Saião Lobato assume a vara. Isto afianç<strong>ou</strong>-me pessoa muita séria.<br />
— Santo Deus, santo Deus, murmur<strong>ou</strong> o coletor; estamos irremediavelmente<br />
perdidos.<br />
Caminhando como um alucinado, o enteado do fazen<strong>de</strong>iro cheg<strong>ou</strong> quase<br />
l<strong>ou</strong>co à chácara das Covas d'Areia.<br />
— Fuja imediatamente; um minuto mais aqui e será indignamente<br />
enxovalhado. Fuja! Exclam<strong>ou</strong> ele abraçando-se com o padrasto.<br />
— Fogem os criminosos; os que não têm culpa esperam até justificar-se.<br />
— Mas lembre-se <strong>de</strong> que tem inimigos, e estes não hesitarão em perdê-lo.<br />
Evite à nossa família o golpe <strong>de</strong> vê-lo sair daqui preso e com um infamante labéu.<br />
— Não quero fugir; seria talvez expor <strong>ou</strong>trem à calúnia.<br />
O coletor não <strong>de</strong>sanim<strong>ou</strong> apesar da resposta formal <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>;<br />
prosseguiu na sua insistência, pon<strong>de</strong>rando que <strong>de</strong>sta sorte ser-lhes-iam mais fáceis<br />
os recursos, porém <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> resistia sempre, e só ce<strong>de</strong>u quando um pajem<br />
entreg<strong>ou</strong>-lhe uma carta que trazia no sobrescrito — urgentíssima; — abra-a logo<br />
qualquer pessoa da família.<br />
Embora anônima a letra da carta era assaz conhecida por ambos os que<br />
discutiam.<br />
— Leia o que o nosso amigo manda-nos dizer, disse <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>,<br />
passando o papel ao enteado; farei o que ele or<strong>de</strong>nar.<br />
A trêmula voz do coletor fez <strong>ou</strong>vir o seguinte:<br />
"São quase seis horas, prepara-se a força policial para cercar a sua casa.<br />
Logo que chegue o <strong>de</strong>legado, que saiu para uma diligência, mas que voltará até as<br />
seis horas, porque <strong>de</strong>seja ir pessoalmente capturá-lo, será cumprido o que manda a<br />
lei. Todas as saídas foram tomadas e amanhã será publicada uma circular a todas<br />
as autorida<strong>de</strong>s da província para que o prendam on<strong>de</strong> o encontrarem. Ausente-se,<br />
se ainda está aí, é o único meio <strong>de</strong> evitar um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sgosto aos seus amigos.<br />
Escuso-me <strong>de</strong> <strong>de</strong>morar-me em dar-lhe as razoes por que assim procedo: não creio<br />
que por sua or<strong>de</strong>m fosse cometido tão execrando crime.<br />
170