Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Foram ambos até o corredor que comunicava a sala <strong>de</strong> jantar com uma<br />
saleta interior, na qual achavam-se Balbina e <strong>ou</strong>tras pretas.<br />
Chegados aí, Fidélis, com a voz quase embargada pelos arquejos contínuos,<br />
disse com uma inflexão dolorosa:<br />
— São eles, meu senhor; estão todos mortos.<br />
— Quem? Mas quem é que está morto? Interrog<strong>ou</strong> assustado o fazen<strong>de</strong>iro.<br />
— Já estão mortos, sim senhor, seu Chico, a mulher e os filhos todos.<br />
— Oh! Meu Deus, meu Deus, que <strong>de</strong>sgraça, brad<strong>ou</strong> em lancinante<br />
<strong>de</strong>sespero o malfadado <strong>Coqueiro</strong>; que mal fiz eu para que cala sobre mim tamanha<br />
punição.<br />
— O que é, gritaram os hóspe<strong>de</strong>s, que vieram prestes cercar o fazen<strong>de</strong>iro,<br />
que apertava com ambas as mãos a cabeça, e <strong>de</strong>sfazia-se em lágrimas.<br />
— Deixem-me, <strong>de</strong>ixem-me, pelo amor <strong>de</strong> Deus! Eu s<strong>ou</strong> um <strong>de</strong>sgraçado. O<br />
que será <strong>de</strong> minha mulher, <strong>de</strong> meus filhos. Malditos negros!<br />
Cambaleando como um ébrio, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> foi cair sobre uma ca<strong>de</strong>ira na<br />
sala <strong>de</strong> jantar, enquanto os hóspe<strong>de</strong>s estupefatos olhavam sem coragem <strong>de</strong><br />
interrogá-lo.<br />
Depois <strong>de</strong> um silêncio longamente soluçado pelo <strong>de</strong>sventurado; erguendo-se<br />
com os punhos cerrados e a cabeça voltada para o céu, exclam<strong>ou</strong> ele com uma<br />
entoação, que provoc<strong>ou</strong> as lágrimas dos hóspe<strong>de</strong>s.<br />
— Mas não é possível, meu Deus, tu bem sabes que não é possível que se<br />
acredite que eu fosse capaz <strong>de</strong> semelhante barbarida<strong>de</strong>. Não, eu não creio que os<br />
meus inimigos sejam tão maus que atirem sobre mim esta mancha.<br />
Como que um momento lúcido foi então concedido à razão do infeliz<br />
fazen<strong>de</strong>iro. Atent<strong>ou</strong> nos seus amigos que o cercavam comovidos, e, redobrando <strong>de</strong><br />
soluços, disse-lhes resolutamente:<br />
— Os senhores precisam <strong>de</strong> partir, não se <strong>de</strong>morem por minha causa.<br />
Demais seria talvez comprometê-los. Deixem-me só; eu agra<strong>de</strong>cerei sempre tanta<br />
bonda<strong>de</strong> e espero muito da vossa lealda<strong>de</strong>. A<strong>de</strong>us, rezem a Deus por mim.<br />
Perplexos, os hóspe<strong>de</strong>s relutaram em obe<strong>de</strong>cer a peremptória intimação,<br />
mas a insistência do fazen<strong>de</strong>iro, solenizada pelo <strong>de</strong>sespero e as lágrimas, resolveuos<br />
por fim.<br />
Tocante <strong>de</strong>spedida esta; como que todos os corações temeram que a<br />
palavra lhes atraiçoasse a sincerida<strong>de</strong> do sentimento, externado-os em inflexão<br />
menos própria. Mudos, apertaram-se as mãos, mudos saíram e por muito tempo<br />
caminharam.<br />
O Sr. Conceição, rompendo afinal o silêncio, disse ao embarcar-se na canoa<br />
que os esperava:<br />
— Não sei por que, mas tremo pelo futuro <strong>de</strong> <strong>Coqueiro</strong>.<br />
— Gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sgraça o feriu, respon<strong>de</strong>ram os <strong>ou</strong>tros.<br />
Depois <strong>de</strong> ficar só, o fazen<strong>de</strong>iro, mais feroz que uma pantera esfaimada,<br />
atir<strong>ou</strong>-se contra Fidélis, esbofeteando-o e bradando:<br />
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