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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Já não era possível escondê-lo, porque à proporção que a noite se<br />

avizinhava, <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> entristecia cada vez mais, e cheg<strong>ou</strong> a tal estado <strong>de</strong><br />

melancolia que, durante o jantar, foi amigavelmente interpelado pelo Sr. Conceição.<br />

— Homem, você está com a cara da noite <strong>de</strong> ontem. Quer até parecer-me<br />

que o nosso amigo <strong>de</strong>u agora em forreta e está arrependido, <strong>de</strong> não nos ter<br />

carregado mais <strong>de</strong>z por cento no preço das ma<strong>de</strong>iras. Mas não vale zangar por isso;<br />

nós ainda estamos aqui, esfole-nos a seu gosto.<br />

— É mesmo verda<strong>de</strong> que eu est<strong>ou</strong> triste, respon<strong>de</strong>u o capitão, e o mais<br />

singular é ser por uma asneira.<br />

— Perdão, interveio o Sr. Conceição, é o mais natural.<br />

— Ontem, <strong>ou</strong> melhor esta madrugada, quando <strong>de</strong>itei-me, continu<strong>ou</strong> o<br />

fazen<strong>de</strong>iro, tive uma espécie <strong>de</strong> pesa<strong>de</strong>lo. Figur<strong>ou</strong>-se-me estar em um lugar <strong>de</strong>serto<br />

e como que <strong>ou</strong>vi gemidos dolorosíssimos. Procurei por toda a parte e não vi viva<br />

alma. Porém, daí a p<strong>ou</strong>co <strong>de</strong>scobri perto <strong>de</strong> mim gran<strong>de</strong>s línguas <strong>de</strong> fogo, e <strong>de</strong>pois<br />

um montão <strong>de</strong> cadáveres.<br />

O mais esquisito é que durante todo o dia eu tenho pensado neste sonho.<br />

— Há <strong>de</strong> ser lembrança daquele clarão que o Sr. disse-nos ter visto na<br />

viagem, p<strong>ou</strong>co antes <strong>de</strong> cair o temporal, interrompeu um dos amigos.<br />

— Ora sonhos! Exclam<strong>ou</strong> o Sr. Conceição.<br />

— Há <strong>de</strong> ser mesmo, prosseguiu <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, porque fiquei bastante<br />

impressionado. Parecia o clarão <strong>de</strong> um incêndio mas <strong>de</strong> repente extinguiu-se.<br />

— Pois você queria que h<strong>ou</strong>vesse um incêndio que resistisse à chuva <strong>de</strong><br />

ontem.<br />

O Sr. Conceição, que foi quem proferiu essas palavras, pôs-se a rir da<br />

melhor vonta<strong>de</strong>, buscando <strong>de</strong>sfazer a impressão profunda do fazen<strong>de</strong>iro.<br />

Inútil esforço; <strong>de</strong>pois do jantar <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, pedindo licença aos seus<br />

hóspe<strong>de</strong>s para ir saber do feitor o que se tinha passado durante a sua ausência,<br />

confirm<strong>ou</strong> plenamente que fora baldada a tentativa <strong>de</strong> Conceição.<br />

Apertando a mão <strong>de</strong>ste, disse-lhe perturbado:<br />

— Desculpe-me esta fraqueza, mas há c<strong>ou</strong>sa <strong>de</strong> um ano que este maldito<br />

sítio só serve para dar-me trabalhos. Em chegando aqui, fico logo <strong>de</strong>satinado.<br />

O Sr. Conceição não galhof<strong>ou</strong> <strong>de</strong>sta vez; e, ao contrário, <strong>de</strong>pois da saída do<br />

fazen<strong>de</strong>iro, disse aos <strong>ou</strong>tros que também ficara impressionado com a tristeza do<br />

amigo.<br />

Na mesma hora em que na sala <strong>de</strong> jantar entrechava-se a conversação, que<br />

<strong>de</strong>ixamos exarada, perto da casa gran<strong>de</strong> a tia Balbina dava toda a atenção a um<br />

interlocutor.<br />

A feiticeira, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o dia da emboscada contra <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> fora<br />

passada para os serviços da casa gran<strong>de</strong>, gozava <strong>de</strong> certas regalias e <strong>de</strong>las usava<br />

sem o mínimo prejuízo.<br />

Durante a noite, quando acabava a lavagem da r<strong>ou</strong>pa, não era mais<br />

ocupada para nenhum trabalho, e ficava-lhe completamente o tempo e o seu<br />

emprego, sem quebra da or<strong>de</strong>m estabelecida para todos os escravos.<br />

Balbina, que saíra a disfarçar o cativeiro, segundo a sua frase, encontr<strong>ou</strong>-se,<br />

junto do casario, com um homem que lhe era totalmente <strong>de</strong>sconhecido.<br />

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