Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Embaixo, os irmãos da Misericórdia e os sacerdotes, reunidos em torno da<br />
cruz, puseram o seu estandarte em posição <strong>de</strong> cobrir o sentenciado, caso<br />
arrebentasse a corda.<br />
Era uma vá esperança: a corda fora especialmente mandada por uma<br />
autorida<strong>de</strong> elevada da província, e os abusos da própria confraria inutilizavam a sua<br />
intervenção a favor dos infelizes, votados à morte infamante.<br />
O carrasco e o réu tinham chegado ao tablado. O pregoeiro leu pela ultima<br />
vez a íntegra da sentença que con<strong>de</strong>nava à morte e às multas da lei o réu <strong>Motta</strong><br />
<strong>Coqueiro</strong>, mandante dos assassinatos <strong>de</strong> Francisco Benedito da Silva, sua mulher,<br />
um filho <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito para <strong>de</strong>zenove anos, duas filhas maiores <strong>de</strong> quatorze, duas<br />
maiores <strong>de</strong> sete e uma <strong>de</strong> dois para três anos, e finda a leitura, o magistrado<br />
or<strong>de</strong>n<strong>ou</strong> ao carrasco o cumprimento <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>ver.<br />
O negro instrumento da morte, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> conchegar à cabeça<br />
encarapinhada o gorro vermelho, e experimentar com violentos puxões a segurança<br />
das algemas do preso, tom<strong>ou</strong>-lhe o capuz, que lhe pendia nas costas, e com ele<br />
cobriu-lhe o rosto.<br />
Pass<strong>ou</strong> a <strong>de</strong>senroscar a corda da cintura do pa<strong>de</strong>cente e ajustar-lhe o<br />
baraço ao pescoço. Feito isto, conduziu o <strong>de</strong>sventurado para uma pequena escada<br />
posta entre o tablado e a trave; assent<strong>ou</strong>-o em um dos <strong>de</strong>graus, e foi pren<strong>de</strong>r a<br />
corda em dois ganchos <strong>de</strong> ferro pregados no alto do patíbulo.<br />
Escarranchando-se na trave, ágil inclin<strong>ou</strong>-se e segurando-se nela com um<br />
braço, com o <strong>ou</strong>tro empurr<strong>ou</strong> violentamente o pa<strong>de</strong>cente, tirando <strong>de</strong> improviso a<br />
escada <strong>de</strong> sob ele.<br />
O sentenciado fic<strong>ou</strong> suspenso pela corda, esperneando, agitando os braços<br />
amarrados e bal<strong>ou</strong>çando como enorme pêndula.<br />
Deixando então a primitiva posição, o carrasco, voltado para a multidão<br />
segur<strong>ou</strong>-se com as mãos robustas na trave e pendur<strong>ou</strong>-se no ar.<br />
Em um dos vaivéns dados pelo corpo do sentenciado, os pés do carrasco<br />
alcançaram os ombros daquele.<br />
Colado um pé sobre cada ombro, o monstro carregava sobre o moribundo e<br />
impelia-o em largos balanços.<br />
Durante toda esta cena que aterrorava os mais exaltados, o negro executor<br />
ria a sua fereza através <strong>de</strong> uns lábios grossos e roxos.<br />
Talvez sentisse nesse momento a satisfação <strong>de</strong> Quasímodo quando<br />
bambaleava-se no espaço, agarrado às orelhas do sino gran<strong>de</strong> da Notre Dame.<br />
Esta cena dur<strong>ou</strong> o tempo imenso que duram sempre as cenas horrorosas;<br />
minutos que parecem horas.<br />
A um golpe dado na corda o cadáver do sentenciado bateu em cheio no<br />
tablado e o carrasco veio, <strong>de</strong> um salto, colocar-se sobre ele, carregando-lhe com a<br />
mão sobre a boca.<br />
Estava <strong>de</strong>safrontada a socieda<strong>de</strong>. Rufaram os tambores, clangoraram as<br />
cornetas e o carrasco <strong>de</strong>sceu para recolher-se <strong>de</strong> novo à fermentação silenciosa dos<br />
seus ruins instintos.<br />
A confraria <strong>de</strong>sfil<strong>ou</strong> precedida pela sua ban<strong>de</strong>ira e fechada pela cruz, on<strong>de</strong> a<br />
cabeça <strong>de</strong>scorada do Cristo parecia ter-se inclinado ainda mais.<br />
E que, <strong>de</strong>sfeando-a, na história da humanida<strong>de</strong> redimida negrejava mais<br />
uma iniqüida<strong>de</strong>.<br />
Uma hora <strong>de</strong>pois, a praça do Rossio e as ruas principais <strong>de</strong> Macaé estavam<br />
completamente vazias e a cida<strong>de</strong> recaía no seu silêncio habitual.<br />
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