12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

— Sim, mas Deus quer que não seja eu quem me vingue; escolheu <strong>ou</strong>tro<br />

para manejar a arma.<br />

— Outro; eu, não é verda<strong>de</strong>; s<strong>ou</strong> eu? Hei <strong>de</strong> manejá-la, hei-<strong>de</strong>? Com a força<br />

do meu ódio.<br />

— Não és tu também, é <strong>ou</strong>tro.<br />

— Oh! Homem malvado, exclam<strong>ou</strong> o espião, pois você pensa que eu<br />

consentirei? Antes morrer.<br />

— Cala-te aí já! Se eu não <strong>de</strong>vo fartar-me no sangue do <strong>ou</strong>tro, quem me diz<br />

que não posso beber o teu, a quem confiei o meu segredo e que me queres per<strong>de</strong>r?<br />

Ouve bem; não irás amanhã à noite à casa do inimigo; <strong>de</strong>ixa que as mãos<br />

escolhidas por Deus se incumbam da vingança. Escuta e pensa; eu ando sem ruído<br />

como o peixe nada no rio; mudo <strong>de</strong> p<strong>ou</strong>so como o vento muda <strong>de</strong> rumo; se não me<br />

aten<strong>de</strong>res, fugirás em vão. Para que me pu<strong>de</strong>sses <strong>de</strong>scobrir era preciso pôr em terra<br />

todas as matas e arrasar todos os morros; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os que se sobem correndo, até os<br />

que se vestem <strong>de</strong> nuvens. Ainda assim era preciso secar todos os rios; eu corro<br />

como o veado, mergulho como a anta e bóio sobre águas como a vagem do ingá à<br />

mercê da correnteza. Escuta e pensa; o sangue do inimigo só correrá pelas mãos<br />

escolhidas por Deus.<br />

— Maldita a hora em que nos encontramos; eu não recuaria com medo! Não<br />

seria fraco!<br />

De um salto o homem robusto tinha empolgado e atirado por terra o<br />

companheiro, ao qual subjugava com um joelho sobre o ventre e uma das mãos<br />

sobre a garganta, enquanto na <strong>ou</strong>tra brilhava a faca luzidia.<br />

Mas a explosão <strong>de</strong> cólera extinguiu-se <strong>de</strong> chofre e o espião foi <strong>de</strong>ixado em<br />

liberda<strong>de</strong>, ferido apenas por um sarcasmo.<br />

— Criança; vê se eu s<strong>ou</strong> medroso e fraco; ali estão as armas, mata-me!<br />

— Oh! Meu Deus; eu s<strong>ou</strong> bem <strong>de</strong>sgraçado, soluç<strong>ou</strong> o miserável.<br />

A noite calada e escura e após ela uma aurora triste, parcamente gazeada e<br />

tocada apenas por uns efêmeros tons avermelhados em estreita barra <strong>de</strong> um céu<br />

cor <strong>de</strong> chumbo, esten<strong>de</strong>ram-se entre o silêncio dos d<strong>ou</strong>s companheiros.<br />

Seguiu-se da mesma sorte o dia, suando por entre nuvens carregadas baça<br />

e tristonha clarida<strong>de</strong>, que se ume<strong>de</strong>cia passando através <strong>de</strong> impertinentes chuviscos<br />

periódicos, que, batendo na folhagem, enchiam a mata <strong>de</strong> abafados sussurros.<br />

Ao anoitecer, o filho dos goitacases acerc<strong>ou</strong>-se do seu companheiro e disselhe<br />

buscando armar-lhe pelo carinho do acento a boa vonta<strong>de</strong>.<br />

— Esta noite você vai <strong>de</strong>scansar na casa do amigo. Po<strong>de</strong> ir sem rancor <strong>de</strong><br />

mim; a sua vingança nem por isso <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> ser levada a cabo. O rio que volteia<br />

pela serra há <strong>de</strong> chegar a cair na várzea. Agora <strong>ou</strong> logo, que importa? Vai em paz.<br />

O <strong>ou</strong>vinte não respon<strong>de</strong>u; taciturno, peg<strong>ou</strong> da sua espingarda e <strong>de</strong> uma das<br />

foices e caminh<strong>ou</strong> para a saída do escon<strong>de</strong>rijo.<br />

— Não mereço mais nem um a<strong>de</strong>us?! Não faz mal; não tardará que você<br />

compreenda que eu s<strong>ou</strong>be pagar a confiança com que acompanh<strong>ou</strong>-me, sem saber<br />

ao menos o meu nome. Breve voarão sobre a cabeça do amigo os sonhos serenos;<br />

o pesa<strong>de</strong>lo da ofensa há <strong>de</strong> mudar-se no <strong>de</strong>safogo da vingança. Se esta não é<br />

152

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!