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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— E quem foi que disse a Carlos que o senhor gostava da filha do<br />

agregado? Pergunt<strong>ou</strong> a feiticeira.<br />

— Ele via e a senhora já sabe também e tanto que é a causa da maior raiva.<br />

não sei por que, mas eu tenho uma c<strong>ou</strong>sa que me diz que, amanhã; quando o<br />

senhor chegar, há gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sgraça aqui.<br />

Como se não <strong>ou</strong>visse mais as palavras <strong>de</strong> Carolina, a feiticeira, levantandose<br />

com os olhos fitos no céu, ergueu o braço e, apontando para a nuvem negra,<br />

resmung<strong>ou</strong> junto da face <strong>de</strong> Carolina.<br />

— Olha a nuvem; cresce cada vez mais. Está como o luto da morte; negra,<br />

negra. O quarto da lua traz trovoada e a pedra do raio; a estrela do céu vai cair da<br />

porta dos brancos. Balbina saberá do canto do galo quem disser que a estrela caiu<br />

da casa do mau senhor. Vai dormir, criança.<br />

Sem forças para resistir à intimação da feiticeira, a cri<strong>ou</strong>la entr<strong>ou</strong> logo na sua<br />

senzala e só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter fechado a porta saud<strong>ou</strong> com voz trêmula a vingativa<br />

escrava.<br />

Balbina afast<strong>ou</strong>-se lentamente e <strong>de</strong>ntro em p<strong>ou</strong>co entr<strong>ou</strong> em casa, fazendo<br />

arruir a fechadura.<br />

Tudo fic<strong>ou</strong> silencioso e o vulto do espião perfil<strong>ou</strong>-se no oitão da casaria.<br />

— Amanhã; bem <strong>ou</strong>vi, amanhã; resmung<strong>ou</strong> ele; não quero per<strong>de</strong>r um minuto<br />

mais, tenho se<strong>de</strong> <strong>de</strong> sangue daquela raça. Oh! Meu amigo, qual não será a tua<br />

alegria.<br />

Alta noite, na hora em que a superstição pren<strong>de</strong> sob os tetos os moradores<br />

do sertão, duas pessoas afrontavam corajosas as aparições <strong>de</strong> almas penadas e o<br />

ranger <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes dos lobisomens.<br />

Como se uma das gran<strong>de</strong>s nuvens negras, que escureciam o céu, tivesse<br />

<strong>de</strong>scido à terra e <strong>de</strong>slizasse, cosida com as pare<strong>de</strong>s, pela face da casaria do sítio;<br />

um vulto, que pulara a janela <strong>de</strong> uma das senzalas, aproxim<strong>ou</strong>-se a p<strong>ou</strong>co e p<strong>ou</strong>co<br />

da casa gran<strong>de</strong>. Na última porta que abria sobre a sala <strong>de</strong> visitas, alvejava um papel,<br />

no qual <strong>de</strong>senhava-se uma larga cruz, emoldurando algumas linhas <strong>de</strong> caracteres<br />

tipográficos.<br />

O vulto par<strong>ou</strong> diante da porta, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> escutar atentamente, subiu à<br />

soleira e correu a mão sobre o papel. Esper<strong>ou</strong> algum tempo, e afinal lev<strong>ou</strong> <strong>de</strong> novo a<br />

mão ao mesmo ponto da porta. Tinha <strong>de</strong>saparecido daí o sinal que alvejava nas<br />

trevas.<br />

Com a mesma precaução o vulto tom<strong>ou</strong> para a senzala <strong>de</strong> on<strong>de</strong> tinha e a luz<br />

<strong>de</strong> um can<strong>de</strong>eiro ilumin<strong>ou</strong> o interior.<br />

Quem olhasse pela fresta da janela viria agora a tia Balbina, diante do<br />

can<strong>de</strong>eiro, sorrindo e remirando um papel que tinha nas mãos.<br />

Depois <strong>de</strong> minucioso exame, a feiticeira cheg<strong>ou</strong> à chama o papel que tinha<br />

nas mãos, e atir<strong>ou</strong>-o ao chão. A combustão foi rápida; em alguns segundos estava<br />

convertido em cinzas.<br />

— Agora, disse ela fitando-o; raça <strong>de</strong> brancos, sem coração e sem pieda<strong>de</strong>,<br />

zomba do raio <strong>de</strong> Deus que vem na nuvem negra do quarto da lua, e foge também<br />

da vingança da escrava. Os sinais do castigo ainda estão vivos nas da feiticeira, e,<br />

enquanto eles durarem, Balbina não terá perdão. Viesse embora o caçula, alvo<br />

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