Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Se a máquina tivesse alma <strong>de</strong>via estar bem <strong>de</strong>svanecida <strong>de</strong> ver a<br />
curiosida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>spertava a sua brutalida<strong>de</strong>, e procurar atitu<strong>de</strong>s especiais para<br />
relevar ainda mais os seus toscos e hediondos contornos.<br />
A parte superior dos esteios era ligada por uma grossa trave, e abaixo,<br />
mediando p<strong>ou</strong>co mais da maior altura <strong>de</strong> um homem, corria um tablado, terminando,<br />
<strong>de</strong> um lado, rente com a face dos esteios.<br />
Do tablado até o chão corria uma escada <strong>de</strong> <strong>de</strong>graus estreitos e roliços.<br />
Tudo tosco, brutal, como o fim a que era <strong>de</strong>stinado.<br />
Para aí conduziu o carrasco o homem aferretoado pela con<strong>de</strong>nação pública.<br />
Ia enfim <strong>de</strong>sdobrar-se a última cena do assassinato legal, esse que, mais<br />
digno <strong>de</strong> reprovação do que os <strong>ou</strong>tros, é feito a sangue frio, premeditado nos<br />
cômodos <strong>de</strong> uma ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> juiz <strong>de</strong> fato, <strong>de</strong> uma poltrona <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembargador, e<br />
confirmado pela irresponsabilida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r mo<strong>de</strong>rador.<br />
Os juizes chegam ao tribunal com os estômagos cheios e os corações<br />
afagados pelos carinhos da família; riram ao almoço satisfeitos com a graciosida<strong>de</strong><br />
dos brincos dos seus caçulas; riram à entrada do tribunal, alegrados pela jocosida<strong>de</strong><br />
dos amigos; aplaudiram os tropos ar<strong>de</strong>ntes da acusação e da <strong>de</strong>fesa e<br />
entusiasmaram-se com a arte revelada pelos juristas na elaboração do libelo e do<br />
contralibelo, e <strong>de</strong>pois retirados para a saia secreta, submetem os quesitos, não ao<br />
critério formado pela sensata apreciação do entrecho do processo, mas aos<br />
preconceitos que em suas mentes <strong>de</strong> burgueses honestos foram arraigados pelos<br />
comentários e legendas abortados da ignorância popular, tão oficiosa em cooperar<br />
para o mal do próximo, quanto remissa para fazer-lhe bem.<br />
O sentenciado chegara junto ao patíbulo.<br />
Para juntar a ironia à malva<strong>de</strong>za, uma ban<strong>de</strong>ja com alguns pratos cheios <strong>de</strong><br />
confeituras, um cálice e uma garrafa <strong>de</strong> vinho generoso foram apresentados ao<br />
preso, como símbolo da solicitu<strong>de</strong> social, e da máxima e indizível pieda<strong>de</strong> que vem<br />
cevar a vítima antes <strong>de</strong> imolá-la.<br />
O réu volt<strong>ou</strong> nobremente o rosto à injúria açucarada dos seus matadores, e,<br />
<strong>ou</strong> fosse pela dor que esta afronta lhe causasse, <strong>ou</strong> fosse pelo terror inspirado pela<br />
vizinhança do patíbulo, os joelhos vergaram-lhe, e teria baqueado se não fosse<br />
arrimado pelo sacerdote.<br />
Não longe <strong>de</strong>ste grupo uma face negra <strong>de</strong> mulher banhava-se em pranto<br />
copioso. Era o protesto <strong>de</strong> uma raça contra o procedimento <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus<br />
membros, por que ao passo que a boa da preta chorava, o carrasco esvaziava um<br />
cálice do vinho rejeitado pelo con<strong>de</strong>nado, e apreciava-lhe o sabor dando estalinhos<br />
com a língua.<br />
Despertado da prostração, revivido do <strong>de</strong>sânimo pelos soluços da<br />
comiseração espontânea daquela mulher, o réu cobr<strong>ou</strong> <strong>de</strong> novo forças, e volt<strong>ou</strong>-se<br />
para a lacrimosa, dizendo-lhe:<br />
— Chora, minha filha, porque eu morro inocente.<br />
Para abafar a voz do con<strong>de</strong>nado as caixas marciais rufaram<br />
prolongadamente, e fez-se sinal ao carrasco para começar a sua missão.<br />
O monstro apert<strong>ou</strong> então ainda mais o braço do lívido pa<strong>de</strong>cente; pux<strong>ou</strong>-o<br />
para si em direção à escada, e colocando-se <strong>de</strong>pois por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong>le, fê-lo subir os<br />
<strong>de</strong>graus da forca.<br />
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