Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
qual é a causa que o move? No dia em que nos encontramos, vosmecê disse-me<br />
somente: "Não é assim que um homem se <strong>de</strong>sforra; segue-me." Acompanhei-o;<br />
nunca pergunt<strong>ou</strong>-me sequer por que razão eu ia perpetrar um crime, e nunca<br />
também me disse o seu nome, nem pergunt<strong>ou</strong> pelo meu. Pensa talvez que eu s<strong>ou</strong><br />
levado por uma questão sem valor, por uma criançada, e zomba <strong>de</strong> mim.<br />
— Se eu não lhe tivesse lido no coração, não chamá-lo-ia para junto <strong>de</strong> mim.<br />
Quem se resolve ao que você resolveu-se, é porque tem uma dor gran<strong>de</strong>.<br />
— Pois saiba que é mais do que uma dor, é uma <strong>de</strong>sgraça. A filha do nosso<br />
inimigo venceu-me, fiz-me seu escravo. Vivia só por ela sem importar-me com o<br />
mundo: não tinha nada com ele. H<strong>ou</strong>ve um dia <strong>de</strong> l<strong>ou</strong>cura na minha vida, porém quis<br />
pagá-lo com o gran<strong>de</strong> amor que tenho àquela mulher e no entanto ela fugiu-me<br />
como a um cão danado.<br />
— Foi então que você <strong>de</strong>cidiu-se a matá-la, expondo-se à justiça. Criança! O<br />
ódio precisa <strong>de</strong> crescer, reforçar-se e criar cabelos brancos para <strong>de</strong>pois ter ação; ao<br />
contrário tem a sorte das crianças, que brincam com espingardas: ferem-se <strong>ou</strong><br />
suicidam-se.<br />
O narrador não parecia ter atendido ao seu interlocutor, e continu<strong>ou</strong>:<br />
— O mais cruel é que eu penso que é por um <strong>ou</strong>tro que ela me <strong>de</strong>spreza.<br />
Este é rico e forte; po<strong>de</strong> tudo e insult<strong>ou</strong>-me, e correu-me. Oh! Se ele há <strong>de</strong> pagar-me!<br />
O pai <strong>de</strong>la tent<strong>ou</strong> perseguir-me, ao passo que anda <strong>de</strong> mãos dadas com um<br />
miserável que me per<strong>de</strong>u, e lhe per<strong>de</strong>u uma filha. Por quê? Há alguma diferença<br />
entre nós? Ambos somos da mesma casta, ambos pobres. Por que, pois, repeliremme.<br />
Hei <strong>de</strong> vingar-me, e duplamente, porque eles escarneceram da minha fraqueza!<br />
Tenha pena <strong>de</strong> mim, abrevie o meu sofrimento; veja que eu não posso por<br />
muito tempo conservar-me na casa <strong>de</strong> um homem a quem o<strong>de</strong>io; bem posso um dia<br />
per<strong>de</strong>r a cabeça e então lá se vai toda a minha esperança. É uma cruelda<strong>de</strong> fazerme<br />
seguir quase sempre os passos do infame agregado; é uma falta <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong>; se<br />
vosmecê não quer já acabar com ele, para que havemos <strong>de</strong> espreitá-lo sempre?<br />
— Suponha que é para <strong>de</strong>scobrir o melhor ponto para cravar-lhe uma bala,<br />
<strong>ou</strong> vará-lo <strong>de</strong> lado a lado com a minha faca. Mas não é isto o que nos importa. Qual<br />
é o <strong>ou</strong>tro homem que o insult<strong>ou</strong>, qual o seu nome?<br />
— <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, o dono <strong>de</strong>ste sítio.<br />
— O filho do Goitacás sabia; mas queria que você confirmasse, para lhe<br />
dizer o seu plano. Ontem, quando à noite eu estive no terreiro da casa do nosso<br />
inimigo, os escravos <strong>de</strong>sse homem apareceram para tomar contas às malfeitorias <strong>de</strong><br />
Francisco Benedito. Depois um <strong>de</strong>les quis pôr fogo à casa. Hoje todo o Macabu<br />
<strong>de</strong>ve saber disto, porque <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pela manhã Francisco Benedito anda <strong>de</strong> um para<br />
<strong>ou</strong>tro lado.<br />
— Mas o que temos com isto?<br />
— O que temos? E é você que diz que sabe odiar! O que temos: você uma<br />
dupla vingança; a ambos nós a liberda<strong>de</strong>.<br />
— Ah! Exclam<strong>ou</strong> o interlocutor, levando a mão à testa.<br />
— Enten<strong>de</strong>u agora? Pois bem, trate <strong>de</strong> saber quando chega o fazen<strong>de</strong>iro;<br />
até lá esperemos.<br />
147