12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

Dentro da t<strong>ou</strong>ceira das gigantescas taquaras os dois emboscados<br />

representavam uma cena silenciosa, enquanto blasonando os três atravessavam a<br />

estreita curva da estrada.<br />

O homem possante, rastejando sem ruído sobre folhas secas, viera<br />

protegido pelas árvores colocar-se à beira da estrada, e com ele o sôfrego<br />

companheiro.<br />

Este, <strong>de</strong>scobrindo o grupo, lev<strong>ou</strong> o <strong>de</strong>do ao gatilho <strong>de</strong> uma espingarda que<br />

trazia consigo, mas fic<strong>ou</strong> logo sem movimento, porque a mão do <strong>ou</strong>tro tolheu-o com<br />

a força das duas peças <strong>de</strong> um torno, apertadas vigorosamente.<br />

Os palradores passaram impunemente. Quando já se haviam distanciado, o<br />

mais impaciente dos emboscados, levantando-se, disse ao <strong>ou</strong>tro, que também se<br />

pusera <strong>de</strong> pé e sorria o habitual sorriso <strong>de</strong> escárnio:<br />

— Eu não posso mais; há quase um ano que por vezes temos tido ocasião<br />

<strong>de</strong> acabar com isso, e vosmecê <strong>de</strong>ixa sempre com vida o nosso inimigo. Se não nos<br />

é possível vingar-nos, o melhor é cuidarmos <strong>de</strong> <strong>ou</strong>tra c<strong>ou</strong>sa.<br />

O corpulento emboscado sorriu e sacudiu os ombros.<br />

— Quem quer vingar-se não faz como vosmecê; parece mais o anjo da<br />

guarda do que uma pessoa que está zangada e quer <strong>de</strong>sforrar-se <strong>de</strong> <strong>ou</strong>tra. Eu v<strong>ou</strong><br />

seguir o meu caminho, como entendo, e o resto fica entregue à minha sorte.<br />

— Não, isto não po<strong>de</strong> ser mais, arrast<strong>ou</strong>-se a voz r<strong>ou</strong>ca do emboscado: eu<br />

<strong>de</strong>i a você, e só a você, o meu segredo, que morava comigo lá vão muitos anos. É<br />

obrigar-me a ser mau, porque eu mato-o se <strong>de</strong>sconfiar que quer fugir <strong>de</strong> mim,<br />

per<strong>de</strong>r-me e sacrificar o meu ódio.<br />

— E por que não se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>, por que está a <strong>de</strong>morar isso? Mate-me, é até<br />

um benefício.<br />

— Não mato por ofício, mato por vingança. Ainda Francisco Benedito não<br />

tinha um filho, e eu já o seguia como um cão <strong>de</strong> caça à pista dos caitetus. Tenho-o<br />

tido muitas vezes ao alcance da minha faca; bastava um salto para enterrá-la até o<br />

cabo naquele coração leproso. não quis, não o fiz. Nos primeiros tempos eu<br />

<strong>de</strong>rramaria apenas o sangue <strong>de</strong>le e da mulher, e não me bastava. não se apaga<br />

uma forja com pingos d'água.<br />

Depois veio um filho, <strong>de</strong>pois <strong>ou</strong>tro, mais <strong>ou</strong>tro, e eu dizia comigo: é tempo,<br />

há sangue bastante nesta raça para saciar, que não para extinguir, o meu ódio. Mas<br />

pensava <strong>de</strong>pois e lembrava-me que ainda havia no corpo do meu inimigo forças<br />

para aumentar o pasto à minha ira, e esperei.<br />

Eu s<strong>ou</strong> filho <strong>de</strong> caboclo; do goitacás que o<strong>de</strong>ia sem barulho, que sofre sem<br />

queixar-se, que morre sem gemer. Meu pai acostum<strong>ou</strong>-me em criança a passar o dia<br />

à popa <strong>de</strong> uma canoa à espera que o piau farto se levantasse do fundo do rio, e<br />

viesse colocar-se ao alcance das nossas flechas. Estas atravessavam as águas sem<br />

ruído e a morte do peixe, que durante longas horas espiávamos, se anunciava<br />

apenas pela cor do sangue que vinha à flor do rio. Espero, esperarei para matar<br />

assim. Do que me serviria matar, para vingar-me, se ao cabo iria parar a uma prisão,<br />

on<strong>de</strong> a minha existência seria ainda mais cruel.<br />

Eu não peço a você que me aju<strong>de</strong>, peço apenas que não me faça per<strong>de</strong>r<br />

tantos anos <strong>de</strong>dicados à minha vingança. Este ódio é a minha vida, tirem-mo, e eu<br />

morrerei. Para satisfazê-lo, hei <strong>de</strong> fazer cair quantos encontre em meu caminho. E<br />

146

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!