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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Fidélis retir<strong>ou</strong>-se duplamente contrariado pelo sangue frio <strong>de</strong> sua senhora e<br />

pela sua falta <strong>de</strong> perícia no <strong>de</strong>sempenho da comissão.<br />

Uma <strong>ou</strong>tra pessoa da casa mostrava-se profundamente sentida pelo<br />

acontecimento; era a tia Balbina.<br />

Os seus soluços e imprecações conseguiram captar novamente a simpatia<br />

da Sra. D. Maria e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquela hora abriram-se-lhe as portas da casa gran<strong>de</strong>.<br />

Fatal imprevidência!<br />

A dor <strong>de</strong> Balbina encontr<strong>ou</strong>-se com a <strong>de</strong>cepção <strong>de</strong> Fidélis, sinceramente<br />

empenhado em <strong>de</strong>safrontar <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> da agressão recebida!<br />

— Ah! Tia Balbina, disse Fidélis, eu antes queria ser surrado do que não<br />

achar o diabo do agregado; queria quebrar-lhe os ossos daquele <strong>de</strong>salmado.<br />

— O feitor <strong>de</strong>ve estar sempre do lado dos brancos, respon<strong>de</strong>u a feiticeira. O<br />

grito vai sempre para o lado que segue o vento. Fidélis já não é como seus<br />

parceiros. Os sinais do castigo estão nas costas <strong>de</strong>stes, não importa; o sol queima a<br />

samambaia e mata as pucaçus, o eito sobe sempre; o escravo sua a tirar fora a<br />

camisa, não importa; o feitor manda seguir sempre para diante porque é o lucro do<br />

seu senhor. Fidélis já não é um parceiro, é um senhor-moço: quem ofen<strong>de</strong>-lhe<br />

ofen<strong>de</strong> ao senhor.<br />

— Por que vosmecê diz isto, tia Balbina; eu tenho sido mau para os<br />

escravos do sítio?!...<br />

— Não saiu isto da boca <strong>de</strong> Balbina, nem da <strong>de</strong> seus parceiros: todos<br />

querem bem ao feitor, mas nem por isso esqueceram o rigor do cativeiro. Fidélis<br />

sente a dor <strong>de</strong> seu senhor; Balbina lembr<strong>ou</strong>-se <strong>de</strong> uma dor sua. Um dia, ainda caía<br />

neblina e o céu tinha a estrela gran<strong>de</strong> da madrugada, e Balbina foi amarrada no<br />

cabeçalho do carro. O frio feria como espinhos <strong>de</strong> jurubeba o corpo da escrava, e o<br />

senhor <strong>de</strong> pé na porta, embrulhado no seu capote, disse com má voz: surrem-me<br />

esta negra. Os parceiros <strong>de</strong> Balbina foram dizer que era ela a que gerava a doença<br />

nos escravos e nos animais do sítio. Na senzala da feiticeira estavam o Deus que<br />

Balbina conheceu na sua terra, e as ervas com que a escrava tinha amiza<strong>de</strong> quando<br />

era criança e livre. Bast<strong>ou</strong> para se ver aí a feitiçaria que mata.<br />

Os chicotes bateram sem dó nas costas da feiticeira, como as varas fortes<br />

sobre as vagens maduras do feijoal. O sangue já corria, mas o castigo não parava.<br />

O filho dos brancos, criado por Balbina, o filho dos brancos querido por Balbina<br />

como seu, estava amarelo e magro; o d<strong>ou</strong>tor cans<strong>ou</strong> <strong>de</strong> tratar, não sabia a moléstia.<br />

É feitiço da escrava, diziam todos. O pai queria vingar o seu filho e não teve dó <strong>de</strong><br />

Balbina, que não chorava porque tinha ódio só, e não sentia que a iam matando.<br />

Quando o castigo acab<strong>ou</strong> a negra ainda ferida foi para o eito, e lá não h<strong>ou</strong>ve<br />

ninguém que tivesse pena <strong>de</strong>la; todos fugiam da feiticeira, como se foge <strong>de</strong> cobra.<br />

— Hoje o senhor <strong>de</strong> Balbina apanh<strong>ou</strong> das mãos do agregado, e mulher e<br />

filhos e escravos, todos choram e Fidélis antes queria ser surrado, do que voltar<br />

para a casa <strong>de</strong> seu senhor sem o ter vingado.<br />

— Para que há <strong>de</strong> guardar este ódio, tia Balbina? Nós não encontraremos<br />

melhor senhor.<br />

— Balbina não tem ódio, chor<strong>ou</strong> também a <strong>de</strong>sgraça, mas lembra que<br />

ninguém chor<strong>ou</strong> por ela. Hoje ninguém diz que é o castigo <strong>de</strong> Deus pela malda<strong>de</strong><br />

com a inocente; paciência.<br />

— Ah! Se o senhor s<strong>ou</strong>besse disto, tia Balbina; o que vosmecê não sofreria.<br />

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