Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
CAPÍTULO IX<br />
UM COMPROMETIMENTO FATAL<br />
www.nead.unama.br<br />
O respeito que, pela modéstia, sobrieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> palavras, e madureza <strong>de</strong><br />
ânimo, o fazen<strong>de</strong>iro conseguiu sempre inspirar à sua esposa, obvi<strong>ou</strong><br />
milagrosamente as sérias dificulda<strong>de</strong>s da situação embaraçosa.<br />
O coração da mulher é, como pensava o poeta inglês, um belo <strong>de</strong>feito da<br />
natureza. Divi<strong>de</strong>-o em duas partes distintas e contraditórias uma separação<br />
fragílima, feita <strong>de</strong> apreensões e susceptibilida<strong>de</strong>s: em cima azula-se um firmamento,<br />
embaixo enegrece-se um abismo.<br />
Um abalo é bastante para ocasionar uma explosão <strong>de</strong> trevas <strong>ou</strong> um<br />
transbordamento <strong>de</strong> luz; as temerida<strong>de</strong>s do ciúme <strong>ou</strong> os sacrifícios do amor.<br />
Há uma só exceção; é a que encerra os coraç5es apáticos e indiferentes,<br />
verda<strong>de</strong>iras monstruosida<strong>de</strong>s.<br />
A Sra. D. Maria não era excepcional; amava com a boa vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
espírito que encontr<strong>ou</strong> no mundo um <strong>ou</strong>tro para completá-lo nas alegrias, assim<br />
como nas dores, e por isso mesmo <strong>de</strong>ixava-se facilmente avassalar pelo pânico <strong>de</strong><br />
perdê-lo.<br />
A presença <strong>de</strong> Antonica revivera-lhe as angústias que lhe tinha causado a<br />
carta anônima forjicada pelo violeiro, graças à perícia <strong>de</strong> Licério, o rábula venal.<br />
Demonstrava-se claramente o amor da filha do agregado para <strong>Motta</strong><br />
<strong>Coqueiro</strong>, e embora estivesse absolutamente convencida da nobreza <strong>de</strong> caráter<br />
<strong>de</strong>ste, todavia arrece<strong>ou</strong>-se <strong>de</strong> que <strong>de</strong> futuro não se levantassem mais alto do que a<br />
reflexão os vôos da sensibilida<strong>de</strong> e da compaixão.<br />
Nem sempre o amor é filho da exaltação dos sentidos, multas vezes nasce<br />
da pieda<strong>de</strong>, e em todo o caso por mais platônico, por mais alheio aos anelos<br />
sensuais, o afeto votado pelo fazen<strong>de</strong>iro à Antonica era uma espoliação ao<br />
consórcio.<br />
Convinha, portanto, <strong>de</strong>sarraigá-lo, <strong>de</strong>strui-lo como se faz com as ervas e os<br />
animais daninhos.<br />
A resposta <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> proferida com um acento simples, mas solene<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, impedia à Sra. D. Maria tomar qualquer expediente, que não fosse o da<br />
indiferença <strong>ou</strong> o da gratidão.<br />
Escolheu o primeiro caminho, e a amante retir<strong>ou</strong>-se acompanhada por<br />
Carlos, enquanto que por sua vez o fazen<strong>de</strong>iro e a sua esposa, acompanhados<br />
pelos escravos, seguiram para o sítio.<br />
O ferimento capital não apresentava gravida<strong>de</strong>, e o sangue pô<strong>de</strong> ser<br />
facilmente estancado, à vista do que <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> manteve-se na resolução <strong>de</strong><br />
tomar por única <strong>de</strong>sforra a retirada <strong>de</strong> Francisco Benedito <strong>de</strong> suas terras.<br />
Sua mulher, porém, não se resignava, nem podia satisfazer-se com tão<br />
p<strong>ou</strong>co; incan<strong>de</strong>sciam-se-lhe à proporção que passavam as horas os seus brios <strong>de</strong><br />
fazen<strong>de</strong>ira respeitada, e senhora <strong>de</strong> alta socieda<strong>de</strong>.<br />
Só por uma lição estrondosa, entendia ela, o seu marido po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> novo<br />
entrar nas salas <strong>de</strong> seus amigos com a cabeça erguida.<br />
— O que tenciona o senhor fazer a esse ingrato e ao seu cúmplice?<br />
— Entregá-lo ao <strong>de</strong>sprezo, respon<strong>de</strong>u fleumaticamente o fazen<strong>de</strong>iro; são tão<br />
miseráveis que nem vale a pena persegui-los.<br />
131