Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Chegado junto do altar curv<strong>ou</strong> os joelhos e <strong>de</strong>ix<strong>ou</strong> pen<strong>de</strong>r a cabeça sobre os<br />
seus frios <strong>de</strong>graus.<br />
Comovido por esta cena, o sacerdote, inclinando-se para o pa<strong>de</strong>cente,<br />
disse-lhe: como se <strong>de</strong>sejasse não ser <strong>ou</strong>vido por mais ninguém:<br />
— Há entre vós ambos um segredo sagrado; eu não o quero perscrutar.<br />
Resta-me apenas absolver-vos, meu irmão, em nome <strong>de</strong> Deus.<br />
— Oh! Obrigado, exclam<strong>ou</strong> o sentenciado, que não pô<strong>de</strong> mais conter as<br />
lágrimas, e fit<strong>ou</strong> os olhos amortecidos na imagem silenciosa do Cristo.<br />
As seis luzes da banqueta do altar-mor, meio ofuscadas pela clarida<strong>de</strong> do<br />
templo, cobriam <strong>de</strong> tons sangrentos a livi<strong>de</strong>z do Homem do Calvário.<br />
Dir-se-ia que se trocava um misterioso olhar <strong>de</strong> inteligência entre os dois<br />
sentenciados, e que os seus corações conversavam na lutuosa intimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
inaudito sacrifício: tamanha era a expressão do semblante do réu e tão animadora a<br />
atitu<strong>de</strong> do divino mártir.<br />
Entre eles estava baqueada a coragem do <strong>de</strong>sconhecido, completando a<br />
<strong>de</strong>solada trinda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um martírio inenarrável.<br />
C<strong>ou</strong>sa singular, <strong>de</strong>sses sofrimentos o que parecia mais sereno era o do<br />
moribundo, que <strong>de</strong> vez em quando levantava os braços algemados para embeber o<br />
pano da alva nas lágrimas perenes.<br />
A impressão produzida por este quadro sombrio parecia ter apiedado a<br />
multidão, que se mantinha em sincero recolhimento.<br />
Algumas pessoas visivelmente comovidas diziam já:<br />
— Há uma voz que me diz que o <strong>Coqueiro</strong> não foi o autor dos assassinatos.<br />
A isto objetavam <strong>ou</strong>tros, mas a maneira pela qual o faziam: as palavras <strong>de</strong><br />
que se serviam eram muito mais comedidas.<br />
Para o <strong>de</strong>sventurado estava, porém, marcado o <strong>de</strong>stino e apesar das<br />
inocentações <strong>de</strong> uns, das acusações <strong>de</strong> <strong>ou</strong>tros, <strong>de</strong>ntro em p<strong>ou</strong>co ele <strong>de</strong>via<br />
<strong>de</strong>saparecer do número dos vivos.<br />
Teriam <strong>de</strong>corrido <strong>de</strong>z minutos após a entrada do préstito, quando um<br />
prolongado tilintar <strong>de</strong> campainhas, vindo do lado da sacristia, anunci<strong>ou</strong> que o<br />
sacrifício da missa ia principiar.<br />
Logo <strong>de</strong>pois o sacerdote, paramentado com uma casula negra, orlada e<br />
listrada <strong>de</strong> largos galões amarelos, aproxim<strong>ou</strong>-se do altar-mor, e, em seguida á<br />
genuflexão, exordi<strong>ou</strong> em alta voz o sacrifício pelo introibo in altare Dei.<br />
Os sons enternecedores do órgão espalharam-se como um sopro <strong>de</strong><br />
melancolia pelo âmbito sagrado.<br />
E o celebrante, acompanhado pelos altos amens e et cum spiritu tuo do<br />
sacristão e os soluços angustiosos do <strong>de</strong>sconhecido, prosseguiu resmuninhando o<br />
latim do missal.<br />
A educação religiosa dos assistentes tinha neste momento extinguido<br />
quaisquer <strong>ou</strong>tros pensamentos que não fossem os <strong>de</strong> respeito pelo ato, que se<br />
efetuava.<br />
Havia, porém, um homem em quem a solenida<strong>de</strong> singela do ofício divino não<br />
produzia a menor impressão. Era o carrasco, o monstro negro, que brincava<br />
distraidamente com o seu barrete, revolvendo-o entre as mãos.<br />
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