Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Tal presença incomodava-a duplamente: nunca lhe perdoara o <strong>de</strong>sgosto por<br />
ele causado à sua mãe pelo rapto <strong>de</strong> Chiquinha, e além disso seria testemunha da<br />
Sua perturbação, e um vigia a pôr-lhe obstáculos.<br />
Rápido contentamento; maior contrarieda<strong>de</strong> do que a presença do violeiro<br />
veio logo turvar-lhe a alegria que sentira ao <strong>de</strong>spertar.<br />
O seu egoísmo <strong>de</strong> amante regozijava-se com a exigência paterna,<br />
<strong>de</strong>scomunal embora. E que via aí uma <strong>de</strong>mora no ajuste e portanto maior espaço<br />
para contemplar o fazen<strong>de</strong>iro.<br />
Mas estava marcado, talvez pelo <strong>de</strong>stino, que para ela não haveria mais<br />
estabilida<strong>de</strong>; todo o sentimento grato <strong>de</strong>via esvaecer-lhe como um sonho.<br />
Francisco Benedito, segurando o seu forte manguá, saiu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter dito à<br />
mulher que ia dar a resposta ao compadre e que <strong>de</strong>pois seguiria incontinente a<br />
conciliar-se com o Viana.<br />
A resolução do agregado foi uma punhalada cravada no coração <strong>de</strong><br />
Antonica: frustrava-lhe a ocasião <strong>de</strong> ver o fazen<strong>de</strong>iro, e, perdida esta, quando se<br />
apresentaria <strong>ou</strong>tra?<br />
Era mais <strong>de</strong> meio-dia quando <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, cansado <strong>de</strong> esperar pelo<br />
agregado, resolveu ir procurá-lo para obter a <strong>de</strong>cisão do negócio que tanto<br />
interessava ao seu bem-estar.<br />
A Sra. D. Maria, sempre prevenida para com os sertanejos, queria que o seu<br />
esposo levasse em companhia d<strong>ou</strong>s escravos para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rem-no <strong>de</strong> qualquer<br />
assalto, porventura planejado; mas o corajoso fazen<strong>de</strong>iro, referindo o que se tinha<br />
passado d<strong>ou</strong>s dias antes, os modos humil<strong>de</strong>s, e a <strong>de</strong>liberação em que Francisco<br />
Benedito fingiu estar acerca da venda do sítio, neg<strong>ou</strong>-se a <strong>ou</strong>vir o conselho que se<br />
lhe dava e partiu só, cavalgando o seu fogoso e célere alazão.<br />
Não obstante a resistência do marido, a cautelosa senhora não abandon<strong>ou</strong> a<br />
sua prevenção, e p<strong>ou</strong>co <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> fez sair Carlos no seu encalço.<br />
O moleque, obe<strong>de</strong>cendo a meio a or<strong>de</strong>m recebida, seguiu a princípio a<br />
galope, porém logo <strong>de</strong>pois na vagarosa marcha do animal, guiando-se pelas<br />
pegadas das patas do alazão.<br />
Para atalhar caminho, o fazen<strong>de</strong>iro entr<strong>ou</strong> pelo interior das suas roças,<br />
conduzido ora pelo galopar largo, ora pela andadura veloz e uniforme do seu<br />
corredor, distanciando-se assim cada vez mais do seu pajem.<br />
Não tard<strong>ou</strong> muito a achar-se diante da casa <strong>de</strong> Francisco Benedito, on<strong>de</strong> foi<br />
informado <strong>de</strong> que este saíra justamente para <strong>de</strong>cidir a venda.<br />
— Então não há tempo a per<strong>de</strong>r, observ<strong>ou</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>; v<strong>ou</strong> encontrarme<br />
com ele em caminho.<br />
Dando <strong>de</strong> ré<strong>de</strong>as ao valente alazão, tom<strong>ou</strong> pela estrada geral, que<br />
apresentava o seu lombo vermelho no meio do capoeirão, como disforme coral<br />
estendida a fio comprido sobre um capinzal.<br />
Quando ele sumiu-se na gran<strong>de</strong> volta do caminho, Antonica veio encostar-se<br />
ao umbral, embebidos os olhares lamentosos na direção tomada pelo cavaleiro.<br />
Transluzia-lhe no semblante a eloqüência arrebatadora da sauda<strong>de</strong>, e logo se lhe<br />
<strong>de</strong>sliz<strong>ou</strong> do coração aos lábios uma queixa, repassada <strong>de</strong> tristeza:<br />
— Nem pergunt<strong>ou</strong> por mim: soluç<strong>ou</strong> baixinho a sua voz comovida.<br />
124