Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Ai ach<strong>ou</strong> em breve com quem falar para espairecer a sofreguidão, e<br />
aproveit<strong>ou</strong> o ensejo com a sua inata jovialida<strong>de</strong>, ironia e dissimulação.<br />
— Fez madrugada hoje, sá Antonica?<br />
— Tal qual como vosmecê, respon<strong>de</strong>u secamente a moça.<br />
— Mas eu é porque tenho <strong>de</strong> fazer uma viagem gran<strong>de</strong> e preciso adiantar.<br />
— E eu porque sempre acordo a esta hora.<br />
— Deve ser assim mesmo, sá Antonica; é para não <strong>de</strong>smentir o verso:<br />
Quem tem amores não dorme,<br />
Quem dorme não tem pensão.<br />
— Seja o que vosmecê quiser; sabe mais da minha vida do que eu.<br />
— Eu só lhe digo que se farte bem <strong>de</strong> vê-lo hoje; faça matalotagem para a<br />
sua sauda<strong>de</strong>, porque amanhã... porque amanhã o sítio já há <strong>de</strong> estar vendido.<br />
Uma risada prolongada acompanh<strong>ou</strong> as últimas palavras do violeiro,<br />
enquanto que as faces <strong>de</strong> Antonica vestiam <strong>de</strong> uma livi<strong>de</strong>z cadaverosa, que<br />
exagerava ainda mais a cor, os discos <strong>de</strong> ametista que serviam <strong>de</strong> pálpebras aos<br />
olhos tristes.<br />
O violeiro tinha compreendido a justa causa da madrugada <strong>de</strong> Antonica;<br />
vinha com efeito beber com os olhares ternos o filtro da sedução que a<br />
assenhoreara e ao qual ela não <strong>ou</strong>sava resistir.<br />
— Veja se quer governar-me também, respon<strong>de</strong>u <strong>de</strong>speitada; e lembre-se<br />
que ainda vem a esta casa porque há homens que não merecem este nome. Não se<br />
satisfez com <strong>de</strong>sgraçar uma das filhas do amigo, quer difamar a <strong>ou</strong>tra. Po<strong>de</strong><br />
continuar.<br />
Há uma força invencível sobre a terra, é a dignida<strong>de</strong> nas suas explosões<br />
sinceras. Antonica, por intermédio <strong>de</strong>la, pô<strong>de</strong> retirar-se, fazendo calar a mofa do<br />
violeiro.<br />
Francisco Benedito veio daí a p<strong>ou</strong>co tomar mais agradavelmente junto <strong>de</strong><br />
Sebastião o lugar <strong>de</strong>ixado pela moça.<br />
— Então, já está pronto? Pergunt<strong>ou</strong> o violeiro.<br />
— Est<strong>ou</strong>, mas <strong>de</strong>vemos sair com horas diferentes, para não haver suspeita.<br />
— E se ele vier primeiro?<br />
— Qual; há <strong>de</strong> esperar que eu vá lá falar; o agregado é o mesmo que um<br />
escravo.<br />
— Aon<strong>de</strong> então hei <strong>de</strong> ficar à sua espera?<br />
Francisco Benedito medit<strong>ou</strong> um p<strong>ou</strong>co e <strong>de</strong>pois respon<strong>de</strong>u vivamente:<br />
— Nos taquaruçus; ali não po<strong>de</strong> falhar.<br />
— E como esperar um veado no rio.<br />
O violeiro não <strong>de</strong>mor<strong>ou</strong> muito; <strong>de</strong>spediu-se da família e partiu.<br />
Ao ver o seu gratuito apoquentador retirar-se, Antonica pô<strong>de</strong> enfim respirar.<br />
123