12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

Daí há p<strong>ou</strong>co Francisco Benedito saía <strong>de</strong> casa vestido com uma calça <strong>de</strong><br />

ganga amarela e um paletó <strong>de</strong> riscadinho cor-<strong>de</strong>-rosa abotoado sobre uma camisa<br />

que o anil tomara cor <strong>de</strong> sanhaçu. De um manguá atravessado sobre o ombro,<br />

pendia-lhe o par <strong>de</strong> sapatos ingleses, cujo seio envaidava-se com o colorido azul<br />

<strong>de</strong>smaiado das meias.<br />

Depois <strong>de</strong> alguns passos, volt<strong>ou</strong> novamente à casa.<br />

— Ó Juca, brad<strong>ou</strong> ele, põe nova carga à espingarda e não arre<strong>de</strong>s pé do<br />

terreiro.<br />

Dirigindo-se <strong>de</strong>pois à Mariquinhas, que viera com sua mãe espiá-lo à porta,<br />

sorriu mostrando os <strong>de</strong>ntes escuros, e, esten<strong>de</strong>ndo a mão que a moça beij<strong>ou</strong>, disse:<br />

— Cautela e caldo <strong>de</strong> galinha nunca fizeram mal a doentes. Eu não quero<br />

que você volte-me <strong>de</strong> novo arranhada para casa, e a c<strong>ou</strong>sa fique sem castigo.<br />

De novo afast<strong>ou</strong>-se da casa e and<strong>ou</strong> cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z braças; mas parando <strong>de</strong><br />

chofre brad<strong>ou</strong> sobressaltado:<br />

— Ó mulher! On<strong>de</strong> está a Antonica? Não lhe pus hoje a vista em cima...<br />

Man<strong>de</strong>-a cá para lançar-lhe a bênção.<br />

O velho havia parado junto <strong>de</strong> um t<strong>ou</strong>ceira <strong>de</strong> bananeiras que abriam como<br />

um leque as suas folhas novas e inteiriças, ainda cobertas <strong>de</strong> um verniz <strong>de</strong> pérola<br />

<strong>de</strong>vido ao rocio da manhã.<br />

Saindo <strong>de</strong> trás da t<strong>ou</strong>ceira, com voz trêmula e melancólica murmur<strong>ou</strong><br />

Antonica:<br />

— Est<strong>ou</strong> aqui, papai, a bênção!<br />

— Então fez madrugada hoje? Por on<strong>de</strong> andava?<br />

— Eu fui lavar o rosto no ribeirão.<br />

— Estás com cara <strong>de</strong> quem fugiu com medo do compadre; e <strong>de</strong>ixa lá que<br />

tinhas razão.<br />

Antonica abaix<strong>ou</strong> os olhos silenciosa; e o velho pôs-se logo a caminho,<br />

levando a certeza <strong>de</strong> ter compreendido a razão do movimento dos olhos <strong>de</strong><br />

Antonica.<br />

Enganava-se. Ao <strong>ou</strong>vir a voz <strong>de</strong> <strong>Coqueiro</strong>, Antonica sentiu a alegria que é<br />

fácil imaginar; a alegria <strong>de</strong> rever o ente amado, que ausente mesmo ia-lhe a p<strong>ou</strong>co e<br />

p<strong>ou</strong>co absorvendo pela sauda<strong>de</strong> toda a existência.<br />

Quis primeiro vir à sala falar-lhe, mas refletiu a tempo que este expediente<br />

traí-la-ia.<br />

Lembr<strong>ou</strong>-se então das bananeiras; daí podia fitar ternamente o fazen<strong>de</strong>iro,<br />

nutrir-se à farta <strong>de</strong> sua imagem, com isenção, com avareza, sem temer que<br />

indiscreta curiosida<strong>de</strong> a viesse surpreen<strong>de</strong>r.<br />

Tomando uma toalha, saiu pela porta lateral e foi colocar-se no lugar <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> foi tirada pelo chamado <strong>de</strong> seu pai.<br />

Daí volt<strong>ou</strong> para casa on<strong>de</strong> sentiu ir-se-lhe esvaecendo a alegria, ao passo<br />

que se lhe aumentava a melancolia.<br />

121

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!