Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Para não faltar à consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>vida a sua esposa, o fazen<strong>de</strong>iro retir<strong>ou</strong>-se<br />
sem respon<strong>de</strong>r-lhe a pergunta.<br />
Depois <strong>de</strong> oscilar num oceano <strong>de</strong> alvitres, ach<strong>ou</strong> um que pareceu-lhe o mais<br />
acertado: tratar <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedir do sítio o compadre, que tanto o incomodava. Escreveu<br />
então a carta cuja leitura foi feita pelo sub<strong>de</strong>legado na casa <strong>de</strong> Francisco Benedito,<br />
carta que <strong>de</strong>via acomodar também a sua esposa.<br />
De feito a Sra. D. Maria concord<strong>ou</strong> com o expediente tomado.<br />
CAPÍTULO VIII<br />
COMO SE PAGAM BENEFÍCIOS<br />
No domingo da semana em que a carta <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> foi recebida por<br />
Francisco Benedito, efetu<strong>ou</strong> este a mudança para a casa nova.<br />
A família achava-se agora aumentada por mais um membro, verda<strong>de</strong>iro<br />
monstro encanecido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento, feroz, sanguinário. O seu nome era o ódio,<br />
o seu caráter a perfídia, o seu culto a vingança. Cego e surdo corria por toda a parte,<br />
<strong>de</strong>sgrenhado, brutal, insultuoso, a provocar intermináveis querelas com uma sanha<br />
inquebrantável, com um <strong>de</strong>sgarro revoltante.<br />
Era agora este o fiel conselheiro do agregado e o seu inseparável<br />
companheiro. Pregava a <strong>de</strong>struição e incitava para realizá-la a natural petulância <strong>de</strong><br />
Francisco Benedito, presentemente exagerada pela proteção do sub<strong>de</strong>legado e do<br />
inspetor que lhe garantiam a impunida<strong>de</strong> para todos os abusos que fossem<br />
cometidos em prejuízo <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>.<br />
A gente do sítio era diariamente alarmada pela pilhagem acintosa exercida<br />
nas roças e no campo do sítio. Nada estava seguro, porque sempre o furto, o r<strong>ou</strong>bo,<br />
a <strong>de</strong>predação espiava o gado, os cafezais, as matas e assaltava-os para <strong>de</strong>struí-los.<br />
Além <strong>de</strong>sses meios <strong>de</strong> vingança <strong>ou</strong>tro mais temível foi posto em prática; a sedução<br />
dos escravos.<br />
Aconselhavam-nos para que fugissem, acenando-lhes com a perspectiva do<br />
<strong>de</strong>scanso, acordando-lhes a eterna aspiração do espírito humano — a liberda<strong>de</strong>.<br />
Em vão a tenacida<strong>de</strong> inesperada <strong>de</strong> Fidélis tentava opor diques a esta<br />
<strong>de</strong>senfreada torrente <strong>de</strong> cólera, que inundava <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m e ruínas a proprieda<strong>de</strong><br />
do seu senhor. A franca resistência do escravo encontrava a astúcia precavida dos<br />
inimigos <strong>de</strong> <strong>Coqueiro</strong>, <strong>de</strong> maneira que era impossível puni-los.<br />
As vezes, aos clarões suaves dos crepúsculos <strong>de</strong> setembro e <strong>ou</strong>tubro, os<br />
gran<strong>de</strong>s capoeirões começavam a fumegar <strong>de</strong>sdobrando no espaço uma enorme e<br />
negra cortina <strong>de</strong> fumo; logo <strong>de</strong>pois, vermelhas como um ferro em brasa,<br />
ameaçadoras labaredas principiavam a trepar pelo horizonte, a inteiriçar-se e a<br />
correr um imenso reposteiro <strong>de</strong> fogo, que ameaçava os cafezais, os mandiocais e<br />
milharais contíguos.<br />
O contínuo arrebentar dos taquaruçus, estrondoso como uma <strong>de</strong>scarga <strong>de</strong><br />
artilharia, dava rebate medonho, que obrigava a gente do eito, cansada pelo trabalho<br />
<strong>de</strong> um dia inteiro, a acumular fadigas penosíssimas ao seu cansaço.<br />
Outras vezes gran<strong>de</strong> parte da ma<strong>de</strong>ira que estava amontoada no porto<br />
amanhecia afundada nas águas, e a gente era forçada a ficar, logo <strong>de</strong> manhã, por<br />
largo tempo molhada para não <strong>de</strong>ixar perdidas as gran<strong>de</strong>s toras <strong>de</strong> árvores<br />
preciosíssimas.<br />
114