Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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Ao termo da leitura, soaram os tambores e as cometas uníssonos com o<br />
badalejar lúgubre da campa, e o préstito <strong>de</strong>sfil<strong>ou</strong>.<br />
Então, à semelhança <strong>de</strong> uma floresta que é tomada <strong>de</strong> assalto por um tufão<br />
e ao passo que se retorce e anseia, <strong>de</strong>sfaz-se em sussurros e farfalhos<br />
prolongados, o povo, movendo-se para acompanhar os personagens da medonha<br />
tragédia, enchia o espaço <strong>de</strong> um ruído confuso.<br />
Era como <strong>ou</strong>vir-se ao longe o roncar <strong>de</strong> uma cachoeira.<br />
Contidos por algum tempo pela comiseração, as exclamações, os<br />
comentários, as pragas jorravam agora <strong>de</strong> todos os lados.<br />
Alguns mais exaltados negavam-se à súplica que lhes era dirigida pelos<br />
caridosos irmãos da Misericórdia.<br />
Desse número era uma velha, que tendo um dos braços passado ao redor<br />
da cintura <strong>de</strong> uma rapariguinha morena, <strong>de</strong> olhos esbugalhados e boquiaberta, via<br />
passar o préstito, parada a um dos cantos da praça Municipal.<br />
A darmos crédito aos muxoxos que provocava aos vizinhos, a feia da velha<br />
era uma <strong>de</strong>ssas beatas impertinentes que não se importam <strong>de</strong> incomodar aos mais<br />
contanto que elas não sejam ao <strong>de</strong> leve prejudicadas nos seus cômodos.<br />
Quando <strong>Coqueiro</strong> passava-lhe <strong>de</strong>fronte, a velha enrugando ainda mais as<br />
enregelhadas pelancas, que <strong>ou</strong>trora tinham sido faces, taramel<strong>ou</strong> para a<br />
companheira:<br />
— Olha aquele pedaço <strong>de</strong> malvado; vai ali que parece um santinho. Credo!<br />
que mal-encarado.<br />
— Oh! Nhanhã, coitado, vai tão triste.<br />
— Cala a boca, tola, resmung<strong>ou</strong> a velha, ao passo que apertava um p<strong>ou</strong>co<br />
mais o polegar e o indicador na cinta da pequena. — Ter dó <strong>de</strong>le, te arrenego,<br />
tinhoso; é pena que o malvado não tenha no pescoço tantas vidas quantas arranc<strong>ou</strong>,<br />
para espirrarem-lhe todas nas unhas do carrasco. Deus lhe perdoe, mas está se<br />
vendo mesmo que foi ele.<br />
— Ui! Exclamaram n<strong>ou</strong>tro grupo, que carrasco tão feio, meu Deus!<br />
— Oito mortes, oito, entre velhos e crianças, a vida <strong>de</strong>le só não paga. Eu, cá<br />
no meu pensar, entendo que se <strong>de</strong>via fazer o mesmo à família <strong>de</strong>le, para que ele<br />
s<strong>ou</strong>besse se era bom!<br />
— Deus te perdoe, Deus te perdoe! Escapava mais adiante ao anônimo<br />
popular.<br />
E o préstito caminhava, parando, porém, a todas as esquinas para dar lugar<br />
à leitura da sentença.<br />
De cada vez que o préstito parava <strong>ou</strong>via-se um como cicio partido dos lábios<br />
dos sacerdotes e do con<strong>de</strong>nado.<br />
Uma <strong>de</strong>ssas vezes, po<strong>de</strong>-se distinguir algumas das palavras segredadas<br />
pelo ministro <strong>de</strong> Deus:<br />
— Confesse toda a verda<strong>de</strong>, irmão, purifique a sua consciência na hora <strong>de</strong><br />
comparecer perante Deus.<br />
— Repito, meu padre; não man<strong>de</strong>i fazer tais assassinatos.<br />
E duas lágrimas tardas e volumosas, <strong>de</strong>ssas que só os hipócritas confessos<br />
<strong>ou</strong> os <strong>de</strong>sgraçados sabem chorar, escorregaram pelas faces cadaverosas do<br />
pa<strong>de</strong>cente.<br />
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