12.04.2013 Views

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

percebeu on<strong>de</strong> ele ia bater, <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> tomar mais explícita a censura, que tanto<br />

infamava <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>, reteve a erupção da cólera <strong>de</strong> Francisco Benedito,<br />

pon<strong>de</strong>rando ao violeiro:<br />

— Ora, <strong>ou</strong>tro ofício, Sebastião, isto é uma história da carocha.<br />

— As vezes são verda<strong>de</strong>iras, respon<strong>de</strong>u o violeiro, e esta é, eu lho juro.<br />

Viana que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> atirar a suspeita, se havia calado, coloc<strong>ou</strong>-se então na<br />

frente <strong>de</strong> Francisco Benedito, cujas mãos segur<strong>ou</strong>, e disse, voltando-se primeiro<br />

para o sub<strong>de</strong>legado e <strong>de</strong>pois para o agregado:<br />

— Infelizmente há histórias da carocha que são verda<strong>de</strong>iras, e aqui temos<br />

uma prova. Seu Chico, escusado é ir longe buscar o seu inimigo; Antonica po<strong>de</strong><br />

dizer o que há com o capitão.<br />

O efeito das palavras do ven<strong>de</strong>iro exce<strong>de</strong>u à mais calculada expectativa: a<br />

amarelidão cadaverosa que tingiu as faces <strong>de</strong> Antonica, o tremor convulsivo que a<br />

obrigava a tiritar, o estupor chispante que estagn<strong>ou</strong>-lhe o olhar faziam pensar a<br />

todos os circunstantes não em um protesto doloroso a uma ofensa pungente, mas<br />

em uma confissão extorquida <strong>de</strong> súbito a um sigilo que se julgava inviolável.<br />

E tinha justificação eloqüente a perturbação da <strong>de</strong>sventurada moça; pobre<br />

pérola perdida em um esterquilínio <strong>de</strong> caracteres em <strong>de</strong>composição, sentia-se<br />

alinhavada nos farrapos sórdidos <strong>de</strong> uma vingança baixa e vila, que, sem coragem<br />

para um <strong>de</strong>sforço não já em uma luta <strong>de</strong> honra, mas sequer em uma emboscada,<br />

lançava mão da intriga e por ela espojava-se em uma alegria insensata.<br />

Uma intuição perspicaz encobrir-lhe-ia no espírito, <strong>de</strong> pé, solenes e iguais na<br />

estatura, a revolta da mulher pura insultada, e a vergonha da amante ao sentir em<br />

nu<strong>de</strong>z profanada o íntimo da sua alma povoada <strong>de</strong> perdões e esperanças; <strong>de</strong><br />

mágoas e abnegação; dor santa e veneranda porquanto, nessa hora em que a<br />

iniquida<strong>de</strong> consumava tanta torpeza, ela estava só, in<strong>de</strong>fesa, entregue à indignação<br />

da boa fé paterna ilaqueada e aos golpes ru<strong>de</strong>s do <strong>de</strong>speito triunfante.<br />

Via todos os olhos cravados na sua perturbação inevitável, cheios <strong>de</strong><br />

cruelda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> interrogações aviltantes, agora que a sua consciência chorava as<br />

amargas lágrimas do pudor angustiado, e, o que mais penoso era, via essas<br />

lágrimas serem grosseiramente confundidas com as do brio feminil acordado <strong>de</strong><br />

chofre <strong>de</strong> uma letargia moral por uma sacudi<strong>de</strong>la <strong>de</strong> censura.<br />

Os lábios negavam-lhe uma única palavra, porque as combinações do<br />

alfabeto e dos sons falecem irremediavelmente nas horas das gran<strong>de</strong>s crises dos<br />

sentimentos. Também <strong>de</strong> que lhe serviria falar, se todos os argumentos estavam <strong>de</strong><br />

antemão con<strong>de</strong>nados, se um grito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero seria julgado uma explosão <strong>de</strong><br />

vexame <strong>ou</strong> refinamento <strong>de</strong> hipocrisia'?<br />

Com a boa vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um sequioso que farta-se a beber água salobra, o<br />

ven<strong>de</strong>iro saciava neste martírio a sua <strong>de</strong>sforra indigna; corvejavam-lhe jubilosos,<br />

sobre a hedion<strong>de</strong>z do caráter, os instintos da perversida<strong>de</strong> fria e calculista.<br />

— Anda <strong>de</strong> lá, velhaca; brad<strong>ou</strong> bruscamente Francisco Benedito, conta-me,<br />

antes que eu perca o tino, as tuas sapecarias, sonsa dos diabos, que <strong>de</strong>sonras as<br />

barbas do teu pai, fala enquanto não te esgano, que é quanto tu mereces.<br />

— Calma! Tenha calma, seu Chico, disse ameigando a voz o sub<strong>de</strong>legado;<br />

ela não é a mais culpada.<br />

106

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!