Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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www.nead.unama.br<br />
Uma risada estrondosa acolheu o gracejo do sub<strong>de</strong>legado, que regozij<strong>ou</strong>-se<br />
interiormente com a certeza <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>scoberto o segredo dos noivos, e, satisfeito<br />
com essa vitória da sua perspicácia, multiplic<strong>ou</strong> os epigramas, com o fim <strong>de</strong><br />
conseguir pela irritação o que não podia obter espontaneamente.<br />
— Já havia-me passado pela cabeça uma idéia, disse ele; era servir <strong>de</strong><br />
padrinho ao Viana, se isto fosse do seu agrado, e não h<strong>ou</strong>vesse pessoa mais<br />
consi<strong>de</strong>rada já convidada. Depois eu disse com os meus botões: não, não me<br />
ofereço; o Chico é lá agregado do capitão e há <strong>de</strong> querer que ele seja o padrinho; já<br />
lhe <strong>de</strong>u a batizar uma filha...<br />
— Mas hoje, interrompeu o agregado, não lhe d<strong>ou</strong> por meu gosto nem um<br />
coco d’água. É bichinho que entra com pés <strong>de</strong> lã e <strong>de</strong>pois arranha e mor<strong>de</strong>.<br />
— Isto é o que você pensa agora, mas antes ele era o seu <strong>de</strong>us; e o Viana<br />
ainda hoje não tem razão <strong>de</strong> queixa. Não é verda<strong>de</strong>, santinho?<br />
— Queira perdoar vosmecê, seu sub<strong>de</strong>legado, mas eu hoje est<strong>ou</strong> um p<strong>ou</strong>co<br />
doente e v<strong>ou</strong>-me chegando à casa, respon<strong>de</strong>u o ven<strong>de</strong>iro.<br />
— E dispensa uma companhia? Interrog<strong>ou</strong> Oliveira.<br />
— Está visto que não, até gostarei.<br />
— Pois neste caso eu v<strong>ou</strong> consigo; a conversa abrevia muito as viagens.<br />
O melhor é irmos todos, pon<strong>de</strong>r<strong>ou</strong> Sebastião; não há nada mais a fazer aqui<br />
e para palestrar estamos muito melhor lá no casarão.<br />
Quando o farrancho ia a entrar na casa do agregado, o violeiro, apontando<br />
para o porto, cham<strong>ou</strong> a atenção geral para essa parte do campo.<br />
— Parece que cheg<strong>ou</strong> canoa da cida<strong>de</strong> e se não me engano aqueles que lá<br />
estão no porto são o Faustino Silva e o Peregrino.<br />
Dentro em alguns minutos não h<strong>ou</strong>ve mais dúvida; as pessoas que estavam<br />
no porto, com os remos às costas e cestos à cabeça, tomaram a direção da casa<br />
gran<strong>de</strong>.<br />
— Agora não sai ninguém daqui, exclam<strong>ou</strong> o agregado; o Faustino há <strong>de</strong><br />
candongar por força ao amo e eu quero meter-lhe ferro por saber que vocês<br />
estiveram comigo. É uma pagazinha dos <strong>de</strong>saforos que me tem feito.<br />
— É direito, muito direito; acrescent<strong>ou</strong> o violeiro; mostre-se àquele inchado<br />
capitão que a gente não morre <strong>de</strong> caretas.<br />
Todos concordaram com a resolução do agregado, patrocinada pela<br />
arrogância do violeiro, ainda que não muito por vonta<strong>de</strong> do sub<strong>de</strong>legado e inspetor,<br />
que só ficaram para não mostrarem-se medrosos.<br />
Na porta do casarão, com o chapéu <strong>de</strong> lebre na mão e rosto carrancudo,<br />
assom<strong>ou</strong> Faustino Silva, que apenas saud<strong>ou</strong> o agregado e seus hóspe<strong>de</strong>s, e logo<br />
retir<strong>ou</strong>-se <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter entregado a Francisco Benedito uma carta que lhe era<br />
dirigida pelo capitão <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong>.<br />
Um movimento <strong>de</strong> surpresa <strong>de</strong>scor<strong>ou</strong> todos os rostos e ainda os mais<br />
corajosos estremeceram involuntariamente. De feito, era singular que em tão p<strong>ou</strong>co<br />
tempo <strong>de</strong> ausência já o fazen<strong>de</strong>iro tivesse motivos urgentes para dirigir-se ao seu<br />
compadre.<br />
A pedido <strong>de</strong> Francisco Benedito, o sub<strong>de</strong>legado coloc<strong>ou</strong> os seus óculos,<br />
quebr<strong>ou</strong> a obréia da carta e leu com voz pausada:<br />
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