Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
— Fica mesmo aqui no casarão, <strong>ou</strong> o capitão manda fazer casa nova?<br />
A veemência do insulto ocasion<strong>ou</strong> um verda<strong>de</strong>iro acesso <strong>de</strong> l<strong>ou</strong>cura na<br />
humilhada Antonica. Com uma temerida<strong>de</strong> inaudita, a sua mão pequena agit<strong>ou</strong>-se<br />
no ar e, certeira, inesperadamente espalm<strong>ou</strong>-se na face do ven<strong>de</strong>iro.<br />
A larga faca polida, a companheira inseparável dos roceiros, luziu vibrada<br />
pela mão possante do ven<strong>de</strong>iro; que vomit<strong>ou</strong> colérico uma pungente injúria.<br />
Antonica imóvel, braços cruzados sobre o colo ofegante, o olhar vivaz e<br />
percuciente, esper<strong>ou</strong> impassível o <strong>de</strong>sfechar do golpe sem pôr dique à sua cólera<br />
indomável.<br />
— Po<strong>de</strong>s matar-me, seu miserável; antes o casarão do que a casa <strong>de</strong> um<br />
covar<strong>de</strong>. E até um benefício; mate-me <strong>de</strong> uma vez. Mate-me porque é a vonta<strong>de</strong>: eu<br />
amo, sim, ao capitão e só ele, que não é miserável como tu, infame, homem que<br />
julga <strong>de</strong>sonrada a mulher com quem quer casar, malvado.<br />
Apesar da provocação, em vez da lâmina polida o violeiro <strong>de</strong>sfech<strong>ou</strong> sobre a<br />
moça uma gargalhada, três vezes pior do que o golpe.<br />
— Descanse, Sra. Dona... não há <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a sua vez; por ora é cedo; mas<br />
não ficará para semente.<br />
A cruelda<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>sdéns <strong>de</strong> Viana contiveram a <strong>de</strong>sgraçada moça. Ao<br />
passo que o insultador, <strong>de</strong>speitado, afastava-se ela quedava perplexa, não<br />
adiantava. Havia <strong>de</strong>sfeito entre eles um gran<strong>de</strong> charco <strong>de</strong> lodo; — era o caráter do<br />
ven<strong>de</strong>iro.<br />
A sua fotografia perfeita foi feita numa frase <strong>de</strong> Antonica relembrando o<br />
insulto que foi vibrado por Viana, quando lastim<strong>ou</strong> a <strong>de</strong>sonra paterna pelo Capitão.<br />
Era o requinte da hipocrisia fundabulando com a mais negra das torpezas.<br />
Depois da longa quietação, semelhantemente ao que saco<strong>de</strong> um pesa<strong>de</strong>lo,<br />
e porque ainda ante os olhos vê as larvas truculentas que o afligiam, foge ao lugar<br />
em que dormia e não se liberta da impressão <strong>de</strong>sagradável senão ao <strong>ou</strong>vir uma voz<br />
humana; Antonica, ao recuperar a calma após a luta violenta com o ven<strong>de</strong>iro, correu<br />
até o quarto em que, suspirando à vergonha, e carpindo o seu erro, Chiquinha<br />
madornava a prostração moral que a extenuava.<br />
Aí, como a criança amedrontada, subiu apressada ao leito e concheg<strong>ou</strong> a<br />
cabeça afogueada ao colo <strong>de</strong> Chiquinha. As lágrimas <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram-se-lhe, e, com<br />
elas, um soluçar nervoso.<br />
A enferma sofria assaz para saber compreen<strong>de</strong>r as dores alheias, porque<br />
<strong>de</strong>sgraçadamente é preciso a dor para aferir a dor.<br />
Com a voz úmida <strong>de</strong> ternura e compaixão, escon<strong>de</strong>ndo nas palavras o<br />
espanto, Chiquinha, anediando os cabelos <strong>de</strong> Antonica, pergunt<strong>ou</strong>-lhe com a<br />
<strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za que os sentimentos fraternais emprestam à mulher:<br />
eu?!...<br />
amo.<br />
— É possível, minha irmã, que também você seja tão <strong>de</strong>sgraçada como<br />
— Mais ainda, Chiquinha, soluç<strong>ou</strong> Antonica, eu amo, e nem <strong>de</strong>vo dizer —<br />
101