Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama
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Assim, pois, em vez <strong>de</strong> romper como era <strong>de</strong> esperar do seu gênio fogoso,<br />
Antonica apenas <strong>de</strong>sculp<strong>ou</strong>-se e suplic<strong>ou</strong>.<br />
— Nem sempre as juritis se amansam, às vezes as coitadas morrem <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sespero. Pensa que eu não lhe estimo? E mau pensar; não lhe estimaria mais<br />
uma irmã. Pois se vosmecê foi sempre bom para mim... e a prova é gostar ainda <strong>de</strong><br />
uma pessoa que já lhe maltrat<strong>ou</strong>. Mas escute, eu juro-lhe por Deus que nos está<br />
<strong>ou</strong>vindo, se eu pu<strong>de</strong>sse ... mas não está em mim, é um feitiço; tenha dó, vosmecê<br />
teve mãe e pai, pelo amor que lhes teve me perdoe. E que eu nunca viveria<br />
contente.<br />
Estavam claramente provadas as afirmações <strong>de</strong> Manuel João; o ven<strong>de</strong>iro<br />
<strong>ou</strong>viu no soluçar da súplica <strong>de</strong> Antonica a revelação <strong>de</strong> um amor profundo,<br />
arraigado, mortífero.<br />
Não era igual a esta a afeição que ele votava à moça; era uma c<strong>ou</strong>sa que<br />
impressionava às vezes, mas que nunca lhe ensombrara a razão sequer um<br />
momento; nunca lhe arrancara lágrimas e soluços; nunca lhe diminuíra ao menos o<br />
apetite.<br />
Molest<strong>ou</strong>-o, é verda<strong>de</strong>, o mau trato que recebeu da sua noiva, mas do<br />
mesmo modo que o molestava a firmeza <strong>de</strong> um freguês quando, para não chegar ao<br />
preço, ia fazer negócio em <strong>ou</strong>tra venda. Demais ele não pens<strong>ou</strong> nunca em triunfar<br />
senão em virtu<strong>de</strong> da sua posição <strong>de</strong> negociante e credor do pai <strong>de</strong> Antonica. O seu<br />
casamento foi sempre, no seu enten<strong>de</strong>r, um problema que, mais do que o coração, a<br />
gaveta do seu balcão podia ren<strong>de</strong>r.<br />
Ao dar <strong>de</strong> face com esse mundo <strong>de</strong> agonias plangentes, a sua inata<br />
grosseria, a sua alma semelhante às prateleiras da sua vendola, p<strong>ou</strong>so e atração do<br />
mosqueiro, a sua falta <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> enfim só encontr<strong>ou</strong> uma pergunta bestial, e<br />
uma condição miserável.<br />
— E a quem é então que sá Antonica estima? Se me disser o nome talvez<br />
eu ceda.<br />
O pudor da moça cobriu com um véu róseo o nome pedido, e o seu olhar<br />
inflamado, convergindo para o colo, para esse espesso invólucro do coração, fazia<br />
pensar na espada <strong>de</strong> fogo do arcanjo velando às portas do É<strong>de</strong>n. Aqui o paraíso era<br />
o coração <strong>de</strong> Antonica habitado pela imagem do fazen<strong>de</strong>iro.<br />
O pudico silêncio da infeliz <strong>de</strong>u azo a uma nova grosseria.<br />
— Então não temos nada feito; riu <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhosamente o ven<strong>de</strong>iro. Afinal não<br />
vale a pena fazer mistério daquilo que todo o mundo sabe.<br />
— Quem? Interrog<strong>ou</strong> Antonica, é um segredo só meu, e por isso mesmo<br />
<strong>de</strong>ve-se ter dó.<br />
— Sim, eu tenho dó <strong>de</strong> seu pai, que vive enganado e <strong>de</strong>sonrado pelo<br />
malvado do capitão.<br />
— E falso; é uma calúnia. Eu já não lhe peço nada. Faça o que quiser. Digolhe<br />
só isto: não hei <strong>de</strong> dobrar-me à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> meu pai; não hei <strong>de</strong> ir aturar as suas<br />
malda<strong>de</strong>s, seu malvado; só se quiser casar com uma <strong>de</strong>funta.<br />
Viana pôs-se a rir <strong>de</strong>saforadamente, e a sacudir o corpo com um movimento<br />
convulso; <strong>de</strong>pois par<strong>ou</strong> <strong>de</strong> chofre e pergunt<strong>ou</strong> entre uma gargalhada.<br />
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