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Hélio Rebello Cardoso Júnior - ICHS/UFOP

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Esse entorpecimento, segundo Nietzsche, surge de uma inversão da relação<br />

entre o esquecimento e a memória, que, a princípio, se afigurava positiva e<br />

saudável. Historicamente, o esquecimento teria de vir antes da memória, pois<br />

para todo animal, para toda a vida, o mais importante é o ar fresco da<br />

felicidade. Porém, enquanto animal, ao contrário dos outros animais, o homem<br />

passaria por uma imposição paradoxal; é que ele deveria conciliar o<br />

esquecimento com a capacidade de fazer promessas. É esse paradoxo que<br />

torna o animal humano, de acordo com Nietzsche. O esquecimento, nesse<br />

homem ativo, é interrompido episodicamente pela memória para que ele possa<br />

afirmar e manter uma promessa contraída, no entanto, o exercício e a<br />

execução dessa promessa dependeriam da força do esquecimento.<br />

A convivência paradoxal entre o esquecimento e a memória altera a<br />

relação do passado com o presente, pois prometer não é apenas um “não-<br />

mais-poder-livrar-se da impressão uma vez recebida”, mas é o “não-mais-<br />

querer-livrar-se, um prosseguir querendo o já querido, uma verdadeira memória<br />

da vontade (...) sem que assim se rompa esta longa cadeia do querer”<br />

(NIETZSCHE, 1998, p.148). A faculdade do esquecimento permite então que o<br />

passado e, portanto, as promessas nele contraídas e mantidas na memória não<br />

se tornem pesos e imposições, já que se pode “prosseguir querendo o já<br />

querido”.<br />

O esquecimento não é só uma vis inartie, como crêem os<br />

espíritos superfinos; antes é um poder ativo, uma faculdade<br />

moderadora, à qual devemos o fato de que tudo quanto nos<br />

acontece na vida, tudo quanto absorvemos, se apresenta à<br />

nossa consciência durante o estado da “digestão” (que poderia<br />

chamar-se absorção física), do mesmo modo que o multíplice<br />

processo da assimilação corporal tão-pouco fatiga a

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