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Curso de Pós-Graduação em Interesses Difusos e Coletivos<br />
Módulo de Estatuto da Criança e do Adolescente<br />
AULA 01<br />
Leitura <strong>Facultati</strong>va: DIREITOS HUMANOS, DIREITOS SOCIAIS<br />
E JUSTIÇA - Uma visão contemporânea - Jose Luis Bolzan de<br />
Morais*<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01<br />
1
Sumário<br />
Considerações Iniciais<br />
I - Os Direitos Humanos<br />
II - Do Individual ao Transindividual<br />
III - Direitos Humanos e Constituição<br />
3.1.O Quê e Porquê(?) Constituição<br />
3.2.O Caráter Eficacial das Normas Constitucionais Relativas a Direitos<br />
Humanos<br />
3.3.A Concretização dos Direitos Humanos<br />
IV - O Futuro dos Direitos Humanos<br />
4.1.Direitos Humanos e Constituição. De novo!<br />
4.2.Globalização, Neoliberalismo e Flexibilização. A fragilização das conquistas.<br />
4.3.O Futuro dos Direitos Humanos, Constituição e Jurisdição Estatal<br />
4.4.A Internacionalização dos Direitos Humanos e das Constituições. Um<br />
caminho dúplice<br />
V - O Brasil e os Direitos Humanos<br />
5.1.O Histórico Constitucional Brasileiro<br />
5.2.A Ordem Social na CF/88<br />
5.3.A Educação como Direito Constitucionalizado<br />
5.4.Mecanismos Constitucionais. O Mandado de Injunção e o Controle<br />
Incidental de Constitucionalidade<br />
Notas Finais<br />
Bibliografia de Referência<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
Considerações Iniciais<br />
Pensar as possibilidades práticas para os direitos humanos, em especial no que se refere<br />
aos sociais, econômicos, culturais, assim como os de solidariedade - como veremos abaixo<br />
-, dando especial atenção aos primeiros, muito embora as tensões que os afetam digam de<br />
perto com os problemas respeitantes aos demais, nos coloca interrogações das mais difíceis.<br />
Dentre as tantas questões que se apresentam tencionamos apontar algumas daquelas que<br />
cremos ser das mais significativas para os operadores do Direito, sem negar a ocorrência de<br />
tantas outras, traçando algumas intersecções necessárias.<br />
Optamos, assim, por refletir, ao longo do texto, alguns tópicos que digam com as condições<br />
de tornar tais conteúdos usufruíveis, apontando aspectos de natureza teórica, bem como<br />
sugerindo a necessidade de uma atuação positiva-interventiva por parte dos responsáveis<br />
por dizer o direito - prestar a jurisdição - no caso concreto.<br />
Não há, nisto, como se esquivar da análise de uma tentativa de implementação dos direitos<br />
humanos tendo como cenário o espectro da globalização do universo das relações sócioeconômicas<br />
e seus corolários, sobretudo quando visamos instrumentalizar para isso as<br />
práticas jurídicas e os operadores do direito por elas responsáveis.<br />
Adotamos como estratégia operacional a de discorrer topicamente sobre os diversos<br />
aspectos que tocam esta temática, sem que isso implique rupturas ao longo do texto mas,<br />
apenas, um mecanismo metodológico que viabilize a compreensão das posições adotadas<br />
e permita o estabelecimento de uma interface ativa com aqueles a quem se destina este<br />
estudo.<br />
Preferimos, ainda, referir nas notas de rodapé apenas o indicativo das fontes utilizadas,<br />
deixando para a lista de bibliografia expressa ao final, a função de apontar todos os dados<br />
referentes as mesmas, além de algumas vozes que nos orientam silenciosamente.<br />
Com isso pretendemos dar conta da temática sugerida - direitos humanos, direitos<br />
sociais e justiça, com ênfase no direito à educação - não nos limitando a expressar uma<br />
visão dogmática da ordem jurídica pátria nesta seara, sequer falsear o debate com uma<br />
hermenêutica silogística mas, sobretudo, abrir possibilidades e dar condições àqueles todos<br />
que nos preocupamos com o futuro dos direitos humanos para que no nosso cotidiano de<br />
labor, tenhamos, no mínimo, uma inserção comprometida com sua efetividade e estejamos<br />
aptos a dar respostas suficientes e eficientes aos anseios da cidadania para a qual prestamos<br />
a nossa função de dar vida ao direito, independentemente da posição ocupada neste<br />
processo, partindo da premissa que fazer (bem) direito implica em um compromisso ético e<br />
jurídico fundante com a eficácia e efetividade do conteúdo dos direitos humanos.<br />
I - Os Direitos Humanos<br />
A preocupação com o tema dos direitos humanos está presente desde há muito tempo nos<br />
trabalhos jurídicos daqueles que somos preocupados com a qualificação da vida quotidiana<br />
dos indivíduos, dos grupos sociais, da humanidade e de todos os seres que habitam o<br />
planeta.<br />
Dessa forma é que inúmeros juristas, como também sociólogos, politólogos, filósofos,<br />
etc..., além daqueles que buscamos construir uma visão transdisciplinar da temática que<br />
nos move, bem como agentes sociais engajados na luta por sua efetivação, consolidação<br />
e ampliação, vêm desenvolvendo pesquisas e projetos, tentando, a todo o momento,<br />
constituir um saber e práticas mais apuradas, além de um discurso garantidor da eficácia e<br />
efetividade dos conteúdos próprios – tradicionais ou inovadores - aos direitos humanos.<br />
Deve-se ter presente que tais questionamentos devem acompanhar não apenas as<br />
transformações que se operam nos conteúdos tidos como próprios dos mesmos - e aqui<br />
observamos que, como adverte Norberto Bobbio em seu “A Era dos Direitos” 1 , os direitos<br />
humanos não nascem todos de uma vez, eles são históricos e se formulam quando e como<br />
as circunstâncias sócio-histórico-políticas são propícias ou referem a inexorabilidade<br />
do reconhecimento de novos conteúdos, podendo-se falar, assim, em gerações 2 de<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
direitos humanos, cuja primeira estaria ligada aos direitos civis e políticos - as liberdades<br />
negativas -, uma segunda geração atrelada aos conteúdos das liberdades positivas, como<br />
os econômicos, sociais e culturais e uma terceira vinculando as questões que afligem os<br />
homens em conjunto, como os relativos à paz, desenvolvimento, meio ambiente, etc...<br />
Há, ainda, quem os identifique por intermédio do valor privilegiado em seus conteúdos.<br />
Assim, teríamos os direitos de liberdade, os de igualdade e os de solidariedade,<br />
acompanhando as diversas gerações como acima explicitadas.<br />
Por outro lado, temos a necessidade de dar-lhes efetividade prática, podendo-se agregar,<br />
neste aspecto, com José Eduardo Faria 3 , a idéia de que às diversas gerações pode-se<br />
atrelar o maior compromisso de uma das funções do Estado – à cidadania civil e política (1a<br />
geração) atrelava-se, de regra, a ação legislativa pois bastaria o seu reconhecimento legal<br />
para a sua concreção por tratarem-se de liberdades negativas cuja intenção privilegia o<br />
caráter de não-impedimento das ações por parte do Estado; à cidadania social e econômica<br />
(2a geração), a ação executiva através de prestações públicas; à cidadania pós-material<br />
(3a geração), a ação jurisdicional em sentido amplo, garantindo a efetividade de seus<br />
conteúdos. 4<br />
Ou seja, os Direitos Humanos são universais e, cada vez mais se projetam no sentido de<br />
seu alargamento subjetivo, mantendo seu caráter de temporalidade. São históricos, não<br />
definitivos, exigindo a todo o instante não apenas o reconhecimento de situações novas,<br />
como também a moldagem de novos instrumentos de resguardo e efetivação. Prefiro dizer<br />
que se generalizam – ou difundem – na medida em que sob as gerações atuais observamos,<br />
muitas vezes, um aprofundamento subjetivo, a transformação ou a renovação (função<br />
social) dos conteúdos albergados sob o manto dos direitos fundamentais de gerações<br />
anteriores, além do reconhecimento de situações novas 5 . Ou seja, da 1a geração com<br />
interesses de perfil individual passamos a, na(s) última(s), transcender o indivíduo como<br />
sujeito dos interesses reconhecidos 6 , sem desconsiderá-lo, obviamente. Assim é que se<br />
pode falar, nos dias que passam, de uma multiplicação de gerações em razão de novos<br />
conteúdos próprios ao universo dos direitos humanos, tais como aquelas relacionadas com<br />
as questões ambientais, a paz, o desenvolvimento e, mais recentemente, aquelas ligadas<br />
à pesquisa genética - que dá origem a um novo ramo do direito, reconhecido como o<br />
biodireito - e à cibernética, o que só confirma a hiipótese bobbiana da historicidade destas<br />
matérias, bem como de uma certa independência de umas em relação a outras na medida<br />
em que o aparecimento de uma nova geração não implica o desaparecimento de alguma<br />
das precedentes, embora possa redefiní-la, como já expresso.<br />
O que se percebe nesta seara é que muito dos conteúdos básicos sequer foram<br />
implementados ou muitos são sonegados e ao mesmo tempo precisamos dar conta de<br />
situações novas cada vez mais complexas, impondo-se ao jurista uma formação qualificada<br />
que lhe permita enfrentar competentemente os conflitos surgidos neste meio, sem contudo<br />
esquecer o fundamental que são, como veremos abaixo, as estratégias próprias ao Estado<br />
de Direito como Estado Democrático de Direito 7 .<br />
Resumidamente poderíamos dizer, então, que os direitos humanos, como conjunto de<br />
valores históricos básicos e fundamentais, que dizem respeito à vida digna jurídico-políticopsíquico-física<br />
dos seres e de seu habitat, tanto daqueles do presente quanto daqueles do<br />
porvir, surgem sempre como condição fundante da vida, impondo aos agentes políticojurídico-sociais<br />
a tarefa de, para além do seu reconhecimento formal, agirem no sentido<br />
de permitir que a todos seja consignada a possibilidade de usufruí-los em benefício<br />
próprio e comum ao mesmo tempo. Assim como os direitos humanos se dirigem a todos, o<br />
compromisso com sua concretização caracteriza tarefa de todos, em um comprometimento<br />
comum com a dignidade comum.<br />
II - Do Individual ao Transindividual<br />
Para entendermos esta transformação dos interesses é importante que a vejamos refletidas<br />
no campo da teoria do direito, onde podemos vislumbrá-los a partir do conceito clássico<br />
de interesse individual - que dá origem à idéia de direito subjetivo -, que passa a interesse<br />
coletivo e, por fim, a interesse difuso 8 . Esta tripartição, entendemos, nos permitirá melhor<br />
compreender a temática que nos interroga.<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
Assim, como o próprio nome indica, interesse individual é aquele que atina ao indivíduo<br />
isoladamente, não abarcando, portanto, situações em que o mesmo se insira em<br />
determinados contextos coletivos, grupais. Pode-se tratá-lo como interesse fundamental<br />
do homem-indivíduo, ou seja, aquele que reconhece autonomia ao particular, garantindo<br />
iniciativa e independência ao indivíduo diante dos demais membros da sociedade política<br />
e do próprio Estado. Para Rodolfo de C. Mancuso 9 a forma de concepção destes se faz pelo<br />
elemento predominante, assim, será individual o interesse cuja fruição se esgota no círculo<br />
de atuação de seu destinatário.<br />
Na visão da tradição liberal erigiu-se um conceito fundamental à explicação e<br />
embasamento do interesse individual que é o de direito subjetivo, o qual é produto da<br />
reunião do interesse individual com a garantia oferecida pelo Direito.<br />
Diz-se, então, que os direitos subjetivos compreendem posições de vantagem, privilégios,<br />
prerrogativas, que, uma vez integradas ao patrimônio do sujeito, passam a receber tutela<br />
especial do Estado (sobretudo através da ação judicial , de atos de conservação e de<br />
formalização perante órgãos públicos, etc.)(...)Quando tais prerrogativas se estabelecem em<br />
forma de critérios formados contra ou em face do Estado, tomam a designação de direitos<br />
públicos subjetivos. 10<br />
A doutrina do direito subjetivo recebeu um profundo desenvolvimento pela teoria jurídica,<br />
erigindo-se em conceito fundamental da ordem liberal, calcada na figura do indivíduo<br />
titular de direitos. 11<br />
Assim, podemos elencar, como características de tais interesses:<br />
1. Fruição individual com caráter excludente, ou seja, o titular desse direito dispõe dele<br />
de forma exclusiva, afastando, com o seu benefício/prazer, qualquer possibilidade<br />
concorrencial ou compartilhada de desfrute do mesmo. O meu direito implica o não-direito<br />
do outro ao mesmo objeto e o conseqüente impedimento de acesso. Esta fruição é de tal<br />
ordem de exclusividade que permite ao titular do direito a destruição do objeto, sem a<br />
possibilidade de qualquer interferência impeditiva 12 ;<br />
2. Como conseqüência desta exclusividade, há a possibilidade, embora nem sempre<br />
presente, de disponibilidade direta e imediata do bem objeto do mesmo. Ou seja,<br />
caracteriza-se como um direito disponível;<br />
3. O exercício deste direito, sua guarda, é pessoal de seu titular, embora excepcionalmente<br />
a lei possa prever casos de substituição processual, quando, então, autoriza a que terceiro(s)<br />
possa(m) participar de ou praticar atos visando a salvaguarda do direito de outrem.<br />
4. O prejuízo causado a um direito individual é passível de ressarcimento proporcional à sua<br />
identidade com o padrão monetário em vigor, ou seja, converte-se o direito em pecúnia. 13<br />
5. Em razão disso, os interesses individuais implicam no que poderíamos chamar de<br />
conflituosidade mínima/circunscrita, na medida em que envolve na disputa apenas sujeitos<br />
limitados, individualidades;<br />
6. Conseqüentemente, as lides emergentes de tais pretensões apontam para uma<br />
politização neutral, enquanto, dada a sua circunscrição subjetiva, permite limitar o conflito,<br />
impondo-lhe uma definição jurídica pretensamente neutra, asséptica.<br />
Tomando-se tais características, podemos visualizar os direitos individuais como interesses<br />
que produzem um espectro conflitual circunscrito àqueles envolvidos no litígio, apontando,<br />
assim, para o que poderíamos chamar, para contrapor aos interesses transindividuais de<br />
tipo difuso, como veremos a seguir, conflituosidade mínima. Em decorrência desta limitação<br />
espaço-pessoal do conflito a politização que se produzirá será uma politização neutral,<br />
posto que o debate será circunscrito a dizer, declarar em sentido amplo, quem seja o titular<br />
do direito em disputa sem, com isso, adentrar no debate acerca do mesmo.<br />
Em razão disso, pode-se dizer que, em suas relações, o direito individual aponta para um<br />
caráter repulsivo que se expressa pela oposição de interesses própria ao feitio egoístaexclusivista<br />
do mesmo. Os indivíduos, titulares dos direitos subjetivos, encontram-se em<br />
oposição, em posições antagônicas uns diante dos outros, na medida em que a titularidade<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
do direito por parte de um deles implica na impossível titularidade pelo outro. Tal relação<br />
caracteriza-se, portanto, como de exlcusão.<br />
O que pretendemos salientar, em especial, é o caráter exclusivista do direito individual, aqui<br />
representado pela figura do sujeito isolado, sem vínculos, impermeável às intersecções<br />
externas. Os eventuais laços que podem se estabelecer dizem respeito à pretensão de<br />
ver garantidos tais interesses pela ordem jurídica positiva, o que permite, como direito<br />
subjetivo, a sua persecução judicial e o seu asseguramento através do poder do Estado de<br />
dizer o Direito por intermédio da jurisdição.<br />
Por fim, é importante percebermos que quando falamos em indivíduo não restringimos esta<br />
locução à sua materialização em um homem fisicamente definido. Em muitos casos uma<br />
individualidade pode manifestar-se sob aspectos diversos, mesmo sob a roupagem de um<br />
ente grupal ou multi-individual.<br />
Por outro lado, dentro do gênero dos interesses transindividuais aparecem, em primeiro<br />
lugar, os chamados interesses coletivos que, estando titularizados por um conjunto de<br />
pessoas, permanecem adstritos a uma determinada classe ou categoria delas, ou seja, são os<br />
interesses que são comuns a uma coletividade de pessoas e a elas somente.<br />
Para a caracterização destes pressupõe-se a delimitação do número de interessados com a<br />
existência de um vínculo jurídico que una os membros desta comunidade para que, assim, a<br />
titularidade possa ser coletivamente definida 14 .<br />
Teremos, assim, configurados interesses coletivos quando um interesse comum afetar uma<br />
coletividade inteira de indivíduos reunidos por meio de vínculos jurídicos.<br />
O interesse será coletivo quando além de depassar o círculo de atributividade individual,<br />
corresponde à síntese dos valores predominantes num determinado segmento ou categoria<br />
social 15 . Todavia, esta é uma situação que se apresenta também com relação aos interesses<br />
difusos - como veremos abaixo - o que nos coloca frente à impossibilidade de diferenciá-los<br />
de forma definitiva, dada a invariabilidade residente neste aspecto.<br />
Logo, para definirmos o que sejam interesses coletivos devemos lançar mão de seu<br />
elemento caracterizador, para dizer que um interesse será coletivo quando o mesmo<br />
representar a síntese das pretensões de um grupo determinado ou determinável de<br />
indivíduos, unidos entre si por um liame jurídico comum. 16<br />
Partindo destas assertivas, podemos dizer que os interesses coletivos caracterizam-se<br />
primordialmente por:<br />
A. Apresentar-se como síntese dos interesses individuais, configurando o fenômeno da<br />
despersonalização dos interesses individuais. Todavia, esta é uma característica partilhada<br />
com os interesses difusos;<br />
B. Ser interesses que pressupõem a existência de um vínculo jurídico de união<br />
dos elementos componentes do grupo, o que, de certa forma, garante/assegura a<br />
homogeneidade do mesmo, embora, por outro lado possa engendrar um processo<br />
de corporativização, o que pode significar a desnaturação do interesse coletivo como<br />
fenômeno superior de transindividualização/socialização do Direito, reconduzindo-o à<br />
identidade de interesse individual egoístico. Este vínculo referenda a ocorrência de uma<br />
titularidade identificável;<br />
C. Permitir, como conseqüência do laço jurídico que os une, a determinação/identificação<br />
dos elementos componentes da coletividade. Ou seja: a titularidade destes interesses pode<br />
ser a todo instante reconhecida;<br />
D. Impedir a fruição individual excludente por parte de qualquer componente da<br />
coletividade. Assim, os integrantes da categoria ou classe não podem fruir individualmente<br />
do interesse sintetizado no grupo, muito embora possam, a título particular, aproveitar-se<br />
de tal interesse sem, no entanto, com isto afastar a possibilidade de fruição dos demais<br />
co-titulares, que dele poderão beneficiar-se em momento diverso ou simultâneo. Todavia,<br />
pode-se, ainda, considerar excludente a fruição quando considerarmos a posição de uma<br />
dada coletividade frente às demais;<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
E. Ter como característica, sendo a síntese de determinados valores do grupo - o que<br />
não significa a unificação dos diversos interesses num único interesse coletivo - a<br />
indisponibilidade. Assim, nem a coletividade, como organização superposta aos indivíduos<br />
isolados, nem os membros simples, poderão, como ocorre com os interesses individuais,<br />
dispor de tais interesses que, uma vez estabelecidos, representam um valor disponível<br />
da coletividade como entidade diversa tanto de sua apresentação estrutural como figura<br />
jurídica, quanto de seus membros vistos separadamente;<br />
F. Sua tutela estar intimamente ligada ao grupo que dá substrato jurídico para a formação da<br />
coletividade. Como conseqüência desta tomada de importância de um tal tipo de interesse<br />
jurídico, se espraia a idéia de controle público, perdendo força a dualidade estatizaçãoprivatização.<br />
17<br />
Por outro lado, não podemos perder de vista o viés corporativo assumido repetidamente<br />
pelos entes representativos dos interesses coletivos, o que os faz reaproximarem-se<br />
dos interesses individuais. Ou seja: quando uma coletividade propõe seus interesses<br />
corporativamente, reproduz aspectos próprios aos interesses individuais na medida em que<br />
se comporta como uma mônada isolada ou um indivíduo de segundo grau, um indivíduo<br />
composto. Em especial, sua atuação referenda a pretensão exclusivista/excludente própria<br />
do interesse individual, quando com a sua pretensão busca excluir/impedir o acesso dos<br />
demais ao mesmo.<br />
Todavia, a teoria dos interesses coletivos está longe de esgotar as possibilidades desse<br />
processo de despersonalização dos interesses. Se, do início aos meados do século XX, a<br />
resposta jurídica à questão social e aos demais aspectos ligados ao Estado do Bem-Estar<br />
Social significaram a crise profunda da idéia de direito individual, a segunda metade deste<br />
mesmo período histórico impõe, diante do próprio esgotamento das condições vitais do<br />
planeta, ao lado de outros problemas ligados à sociedade industrial, novas questões que,<br />
para serem apreendidas pelo universo jurídico, significam o aprofundamento da crise da<br />
racionalidade jurídica individualista.<br />
São estes novos impasses relacionados genericamente à qualidade de vida das pessoas<br />
que põem na ordem do dia um novo tipo de interesses que, longe de serem individuais,<br />
diferenciam-se profundamente daqueles transindividuais de que até aqui vimos falando, os<br />
coletivos.<br />
Então, os interesses difusos, apesar de estarem relacionados à coletividade de indivíduos,<br />
distinguem-se sobremaneira dos anteriormente referidos por não estarem alicerçados em<br />
qualquer vínculo jurídico de base.<br />
A reunião de pessoas em torno de um interesse difuso assenta-se em fatos genéricos,<br />
acidentais e mutáveis 18 , como refere o jurista italiano Mauro Cappelletti 19 . Em razão disso,<br />
o grupo ligado aos interesses difusos apresenta-se fluido, indeterminado e indeterminável,<br />
pois estão diluídos na satisfação de necessidades e interesses de amplos setores da<br />
sociedade de massas, característica dos tempos atuais.<br />
Os interesses difusos significam uma indeterminação subjetiva de sua titularidade, embora<br />
pressuponham, da mesma forma que os interesses coletivos, um reforço da sociedade civil<br />
organizada, como único instrumento capaz de colocá-los em prática embora, neste caso,<br />
os agrupamentos organizados têm um papel fundante pois, é a partir de sua identidade<br />
interna que se estabelecerá o liame jurídico oportunizador da concretização dessa síntese<br />
própria ao interesse de grupo. No que diz respeito aos interesses difusos, estes mesmos<br />
organismos da sociedade civil, embora participem ativamente como instrumentos<br />
de viabilização dos interesses, não têm um papel jurídico fundamental como ordem<br />
integradora da coletividade para justificar a emergência do interesse, muito embora<br />
apareçam como essenciais para a sua projeção tanto política quanto jurídica.<br />
Dessa forma, é o indivíduo, enquanto cidadão, que atuará para dar conteúdo a esta<br />
forma fluida. É evidente que esse indivíduo que está presente na definição dos interesses<br />
difusos não pode ser o mesmo que titulariza os interesses individuais egoísticos, uma vez<br />
que o objeto destes interesses representa questões que afetam problemas cruciais da<br />
comunidade, referendando, em verdade, opções prático-políticas cuja satisfação ou lesão<br />
implicam a da coletividade como um todo.<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
Essa condição, eminentemente política, impõe aos operadores jurídicos uma nova postura<br />
frente ao Direito, reincorporando o seu conteúdo ético. 20<br />
A marca tradicional de distinção interna aos interesses transindividuais releva a<br />
existência(interesses coletivos) ou não(interesses difusos) de vínculo jurídico entre os<br />
membros do grupo. No caso destes últimos a unidade se formará a partir de situações<br />
contingenciais de fato e, sobretudo, calcada em pretensões de natureza prospectiva e<br />
positiva e não em reparações a prejuízos já sofridos. 21<br />
Podemos, então, arrolar as principais características destes interesses como sendo: A.<br />
Os interesses difusos caracterizam interesses que não pertencem a pessoa alguma de<br />
forma isolada, tampouco a um grupo mesmo que delimitável de pessoas, mas a uma<br />
série indeterminada ou de difícil determinação de sujeitos. Neste sentido é já tradicional<br />
a questão posta por M. Cappelletti inquirindo a quem pertence o ar que respiramos(?)<br />
e respondendo: a cada um e a todos, a todos e a cada um. O mesmo vale para outros<br />
interesses igualmente difusos: valores culturais, espirituais, consumidores, meio ambiente,<br />
etc.; B. Como conseqüência da indeterminação subjetiva, sequer poder-se-ia falar em<br />
titularidade para definir a quem caberia a tutela dos interesses difusos. Eventualmente,<br />
podemos defini-la como uma titularidade aberta, podendo ser conferida a um ente<br />
esponenziale que refletiria de maneira maximizada o interesse pretendido - como<br />
organismos intermediários da sociedade civil que encarnam a defesa de tais interesses<br />
de forma não burocrática (associações de moradores ou de consumidores, grupos<br />
ecológicos, partidos políticos, etc.) - e, pensamos nós, até mesmo a indivíduos isolados<br />
que assumam os ônus de uma tal démarche ou, a órgãos burocráticos tradicionais,<br />
como é o caso do Ministério Público no Brasil, não sem os riscos próprios a todos os<br />
organismos burocratizados ligados ao Estado; C. À diferença dos interesses coletivos,<br />
inexiste vínculo jurídico que reúna os sujeitos eventuais ligados aos interesses difusos.<br />
Com isso, a categoria jurídica fundamental do direito subjetivo resta, para muitos juristas,<br />
desconectada desta nova realidade, pois este só subsistiria enquanto relacionado a alguém<br />
que o titularizasse diretamente, ou seja, haveria a necessidade de uma conexão perfeita<br />
entre o objeto do direito e seu detentor. Aqui, contudo, o debate não é findo. Há posições<br />
divergentes, considerando a possibilidade de falar-se em um direito subjetivo difuso,<br />
e.g., um direito subjetivo ao meio ambiente. D. Os interesses difusos referem-se a bens<br />
indivisíveis, significando que a satisfação do interesse implica sempre na satisfação de toda<br />
a coletividade, da mesma forma que sua lesão se concretiza para todos; E. Neles não há<br />
hipótese para se pensar em fruição exclusiva por algum titular, posto que sua satisfação ou<br />
lesão são inapreensíveis, pois disseminadas indistintamente entre os sujeitos todos e ao<br />
mesmo tempo. Há, pelo contrário, uma inapropriabilidade individual exclusiva, mais até do<br />
que uma eventual apropriabilidade inclusiva; F. A indisponibilidade é uma conseqüência de<br />
sua afetação indeterminada positiva ou negativamente; G. Há uma conflituosidade intensa<br />
- conflitualitá massima, na expressão de Mauro Cappelletti - que se expressa em razão da<br />
indeterminação dos sujeitos e da efemeridade e contingência dos próprios interesses, o<br />
que não permite limitar sua abrangência, oportunizando seu alargamento ad infinitum,<br />
principalmente no tocante aos sujeitos envolvidos, mas também quanto a extensão dos<br />
objetos atingidos; H. Por seu próprio conteúdo diluído no campo do embate político da<br />
sociedade civil, os interesses difusos têm uma tendência à transição e mutação no tempo<br />
e no espaço. Têm um caráter de efemeridade, o que exige uma prestação jurisdicional<br />
imediata e eficaz sob pena de irreparabilidade da lesão.<br />
Assim, o que se observa desta complexidade de interesses que convivem no universo<br />
jurídico diz respeito a dois aspectos fundamentais. O primeiro refere as dificuldades que<br />
temos - os juristas - de refletirmos para além do quadro clássico dos interesses individuais<br />
- por conseqüência, dos direitos subjetivos - e os limites materiais e formais que tal atitude<br />
implica, até mesmo porque muitos dos conteúdos assimiláveis no espectro das pretensões<br />
subjetivas individualizadas passam a ter sua compreensão revista a partir de uma ótica onde<br />
o indivíduo isolado deixa de ser o ator principal, tornando-se co-partícipe e co-interessado<br />
- sendo suficiente elencarmos, aqui, o exemplo do direito de propriedade que, com a<br />
inclusão da função social, passa a ser visto não mais com a extensão que lhe fora dada<br />
na origem e que ainda se expressa em muitos diplomas legais como um interesse que se<br />
estenderia, inclusive, até a possibilidade de fazer-se desaparecer o objeto da propriedade,<br />
independentemente das afetações que isto poderia causar a outras pessoas destituídas<br />
desta titularidade.<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
O segundo diz respeito à falta de mecanismos procedimentais instrumentalizadores<br />
das pretensões respeitantes a tais interesses e, quando não, à sua fragilização por parte<br />
significativa da doutrina jurídica apegada a concepções clássicas e equivocadas, para não<br />
dizer inconformada com as possibilidades abertas por tais mecanismos para uma prática de<br />
cidadania que possa fazer da jurisdição um meio de concretização dos conteúdos jurídicos<br />
expressos legislativamente - em particular em sede constitucional - tornando-os praticáveis<br />
e usufruíveis pelos cidadãos, como no caso, em particular, do mandado de injunção, como<br />
analisaremos abaixo.<br />
III.Direitos Humanos e Constituição<br />
.1.O quê e porquê(?) Constituição<br />
Agora, para enfrentarmos o problema dos direitos humanos - mesmo que<br />
particularizadamente, todavia, é preciso, desde sempre, que se recupere a importância<br />
das Constituições para a história jurídico-política ocidental. Não podemos abandonar a<br />
certeza de que, com os matizes que são necessários, o constitucionalismo desempenhou/<br />
desempenha - talvez por isso mesmo tantos se empenhem em desacreditá-lo - um papel<br />
fundamental, se não para o desenvolvimento, para o asseguramento de parâmetros<br />
mínimos de vida social democrática.<br />
Por óbvio que nem sempre a formalização de um texto constitucional impediu que a prática<br />
política fosse desenvolvida em desacordo com a expressão contida na Carta Magna, da<br />
mesma forma que em muitos momentos esta não representou aquilo que se pretendia ser<br />
a materialização da vontade política de um povo - como expressou Dalmo Dallari 22 - mas,<br />
pelo contrário, serviu para dar um véu de legalidade a um poder arbitrário - como ocorrido<br />
seguidamente, e.g., na história constitucional latino-americana, em suas experiências<br />
burocrático-autoritárias 24 .<br />
Entretanto, tais circunstâncias históricas não podem, nem devem, permitir que se<br />
desconheça o significado estratégico do reconhecimento de pretensões legítimas do povo<br />
plasmadas em sede constitucional e que adquirem, assim, o caráter formal de normas<br />
constitucionais, qualificando-se pela hierarquia e estabilização que tal significa - normas<br />
superiores e com uma maior estabilidade garantida, de regra, pela rigidez dos conteúdos<br />
incluídos na Lei Maior - especialmente no constitucionalismo escrito.<br />
Assim, resumidamente, pode-se dizer que a Constituição como expressão do pacto social<br />
, nada mais é - e por isso mesmo é muito - do que aquele acordo de vontades políticas<br />
desenvolvido em um espaço democrático que permite a consolidação temporária - porém<br />
longeva - das pretensões sociais de um grupo, consolidando, hoje em dia, não apenas<br />
aquilo que diga respeito única e exclusivamente aos seres humanos individual, coletiva e<br />
difusamente, mas também os diversos fatores que influem na construção de um espaço e<br />
de um ser-estar digno no mundo - e.g. meio ambiente, espaço urbano, ecossistemas, etc.<br />
-, bem como as preocupações futuras para com aqueles que estão por vir, para além de<br />
funcionar como uma estratégia de estabililzação de conquistas e de forjar instrumentos que<br />
dêem condições para a prática dos conteúdos nela expressos.<br />
E, por isso mesmo, o papel do constitucionalismo, com as nuances advindas da (des)ordem<br />
contemporânea, nos parece ainda central para aqueles que não apenas nos ocupamos<br />
em estudá-lo, mas, e particularmente, para todos aqueles que nos preocupamos com a<br />
continuidade democrática assentada conteudisticamente em um conjunto de regras do<br />
jogo democrático, como quer Bobbio 25 e em seus pressupostos humanitários.<br />
Porquê Constituição se não para expressar estas preocupações e definir as regras do jogo,<br />
não para impedir que este se estabeleça e desenvolva, mas para assegurar que serão<br />
os próprios jogadores os titulares da ação de jogar, sabedores das circunstâncias, das<br />
garantias e dos riscos que envolvem tal ato, não ficando a mercê de eventuais poderosos, ou<br />
mesmo de maiorias constituídas aleatóriamente com a utilização de instrumentos políticomidiáticos<br />
ou financeiros.<br />
Assentada que está a importância do constitucionalismo e de seu instrumento formal, a<br />
Constituição, merece atenção para a nossa investigação a questão de definirmos o caráter<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
eficacial das normas constitucionais, em especial daquelas que expressam conteúdos<br />
próprios aos direitos humanos, sobretudo aos genericamente nominados direitos sociais.<br />
. . O caráter eficacial das normas constitucionais relativas a direitos<br />
humanos<br />
Particularmente importante nesta matéria é o trato que se dê à questão da eficácia das<br />
normas constitucionais, em especial àquelas que dizem respeito aos direitos humanos de<br />
segunda e terceira gerações ou de igualdade e de solidariedade, como classificamos acima.<br />
De longa data vem esta discussão, a qual ganha contornos fundamentais com o surgimento<br />
do constitucionalismo social, a partir das Constituições Mexicana(1917) e de Weimar(1919),<br />
quando então os textos constitucionais passam a incorporar normas de caráter premial,<br />
ou normas jurídicas às quais se agregam conseqüências jurídicas positivas ou, mais<br />
particularmente, normas que definem objetivos a serem atingidos, programas a serem<br />
postos em práticas, etc...<br />
Até então as questões sugeridas para a teoria constitucional permitiam o seu trato através<br />
de instrumentos tradicionais à teoria jurídica na medida em que o impedimento de uma<br />
ação considerada legítima poderia ser resolvido através de uma intervenção paralisante<br />
da ação contrária à norma. Com a diferenciação estabelecida entre as diversas normas<br />
que compõem a Carta Magna começou-se a ter problemas em relação a diferenciação de<br />
tratamento dado às mesmas, optando-se, então, por classificá-las quanto à carga eficacial da<br />
qual são dotadas . 26<br />
Tal atitude, muitas vezes, aponta para uma fragilização eficacial destas normas de novo<br />
tipo, próprias do constitucionalismo contemporâneo, dizendo-as dependentes de uma<br />
ação legislativa posterior que lhes complete o sentido e permita, assim, a usufruição<br />
dos conteúdos nela expressos. Como, de regra, a legislação infraconstitucional não era<br />
adotada, via-se o cidadão frustrado em suas expectativas, servindo tal atitude não apenas<br />
para impedir o acesso aos conteúdos constitucionais mas, também, para fragilizar o valor<br />
atribuído ao pacto constituinte do Estado.<br />
Mesmo que tratemos diversamente os vários conteúdos constitucionais, cremos que as<br />
normas de direitos sociais, embora diversas daquelas que prevêem preceptivamente<br />
direitos e garantias 27 , incorporam, para além de uma eficácia paralisante de atitudes<br />
com elas incompatíveis, verdadeira pretensão a ser satisfeita pela autoridade pública<br />
inconstitucionalizando a sua atitude omissiva, além de permitir que o interessado<br />
demande a satisfação do conteúdo proposto/prometido em sede constitucional, sob<br />
pena de contribuir-se para o desgaste de legitimação suportado pelo constitucionalismo<br />
contemporâneo e ofender de morte a base estruturante da república brasileira - o estado<br />
democrático de direito.<br />
Para dar conta disso, uma das reações propostas pela teoria constitucional foi a de construir<br />
instrumentos procedimentais que permitissem ao cidadão o acesso aos conteúdos<br />
constitucionais através de estratégias diversas da legislativa.<br />
Muito embora tal apropriação doutrinária incorra em postura contraditória com o perfil do<br />
constitucionalismo contemporâneo, de caráter eminentemente social e devotado à tese da<br />
igualdade, dotou-se a ordem jurídica de mecanismos viabilizadores das promessas inseridas<br />
na Lei Maior, apropriando à jurisdição a tarefa gloriosa de responder satisfativamente às<br />
pretensões deduzidas em juízo e que buscassem ver materializados aqueles conteúdos<br />
próprios a tais normas.<br />
Nesta senda surgiram diversos instrumentos, dentre eles ressaltamos a ação direta de<br />
inconstitucionalidade por omissão 28 e o mandado de injunção 29 que, com perfis próprios,<br />
têm o objetivo comum de tornar praticável a Constituição em todo o seu espectro.<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Todavia, enquanto se buscava, seja pela releitura do caráter eficacial das normas<br />
programáticas - como será tratado a seguir -, seja pela disponibilização de novos<br />
procedimentos, parte da doutrina investia, agora, na desqualificação dos mesmos como<br />
aptos a serem utilizados com a finalidade para a qual foram criados, seja por entenderem<br />
não serem aplicáveis a tais situações, seja por exigirem determinadas características para a<br />
legitimação ativa, seja, ainda, por colocarem em contraposição - apesar de tudo ser Estado 10<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
- a ação executiva, a legislativa e a jurisdicional, dando a entender que à jurisdição não<br />
se poderia atribuir a competência para atribuir materialmente ao cidadão o conteúdo da<br />
Constituição.<br />
. - A Concretização dos Direitos Humanos<br />
Quando pensamos em concretização dos conteúdos dos direitos humanos, particularmente<br />
os de segunda geração (ou dimensão, como preferem alguns), propomos que tal<br />
enfrentamento deva ser feito sob duas perspectivas distintas, sem que sejam excludentes.<br />
A - Em um primeiro plano deve-se pensar em uma vertente de concretização pelo Estado,<br />
ou seja é de verificar-se o papel do ente público estatal para que se obtenha o máximo de<br />
efetividade, assim como o máximo de adequação dos conteúdos que lhe são próprios. Por<br />
evidente que a ação pública estatal deverá incluir não apenas o reconhecimento a nível<br />
legislativo expresso ou implícito – através de uma cláusula constitucional aberta - ( vide art.<br />
5o da CF/88) que, como visto tem serventia fundamental no âmbito das liberdade negativas,<br />
mas é insuficiente já na seara dos direitos sociais, econômicos e culturais.<br />
Quando tratamos das liberdades positivas, a essa ação do legislador – pelo reconhecimento<br />
e pela regulação – é imprescindível que se agregue uma atuação promotora dos mesmos,<br />
a qual se funda em geral na ação executiva do Estado colocando em prática conteúdos<br />
reconhecidos pelo Direito Positivo. Este caráter prestacional se vincula inexoravelmente<br />
à implementação dos direitos sociais, econômicos e culturais, se colocando todos os<br />
questionamentos referentes aos projetos de Reforma do Estado, em particular aqueles<br />
dotados de um ideário neoliberal/capitalista.<br />
Portanto, quanto à implementação dos conteúdos de tal geração de direitos humanos<br />
é inafastável a necessária compreensão dos contornos próprios às crises do Estado<br />
Contemporâneo, nos seus aspectos conceituais (em particular o problema da soberania) e<br />
estruturais (no que diz com os problemas financeiros, ideológicos e fillosóficos do Welfare<br />
state) 30<br />
De outro lado, é preciso que se pense a concretização dos direitos humanos a partir<br />
do prisma da jurisdição, muito embora à função jurisdicional seja atribuída expressão<br />
fundamental quando estejamos frente aos direitos de terceira geração, o que não a afasta<br />
da problemática ora enfrentada o que não a afasta da problemática ora enfrentada. Se<br />
pensarmos, nos limites deste trabalho, a função da jurisdição em uma perspectiva ampliada,<br />
que inclua não apenas a ação do agente público encarregado das atribuições afetas à<br />
função pública estatal, mas incorporando algo que poderíamos denominar como uma<br />
prática jurídica comprometida que congregue todos os operadores jurídicos, poderíamos<br />
refletir, aqui, acerca da necessidade de, com o alrgamento e aprofundamento dos catálogos<br />
de direitos humanos, enfrentarmos o problema de como tornar tais conteúdos usufruíveis<br />
pelos cidadãos.<br />
Temos, portanto, um problema ampliado. Temos um problema de teoria jurídica<br />
constitucional que se inicia com a compreensão mesma do perfil das normas que introjetam<br />
tais conteúdos e que aparecem, muitas vezes, apenas como embelezamentos estratégicos<br />
e legitimadores da ordem normativa estatal, sem refletirem-se no cotidiano prático do<br />
cidadão.<br />
Aqui se põe a necessidade de referirmos e refletirmos acerca das ditas normas<br />
programáticas e de sua concretização assentada na idéia de ótima concretização da<br />
norma, assentada em princípios tais como o da unidade constitucional, concordância<br />
prática, exatidão funcional, efeito integrador e força normativa da Constituição(máxima<br />
efetividade), como explicita Konrad Hesse 31 em seus trabalhos. Portanto, a implementação<br />
dos conteúdos de direitos humanos, em particular os positivos, implicam na necessária<br />
compreensão da ação jurídica assentada em uma prática comprometida e assente em uma<br />
teoria engajada, onde a Constituição não seja percebida exclusivamente como uma folha de<br />
papel 32 .<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Por outro lado, a questão jurisdicional – como aqui entendida - refere, ainda, a necessidade<br />
de que, para além da compreensão do tema, façamos uma utilização dos instrumentos<br />
procedimentais para fazer valer os seus conteúdos, apropriando-nos do que o próprio texto 11<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
constitucional coloca à disposição do cidadão. Assim, em situações individuais temos o<br />
habeas corpus, habeas data e o mandado de segurança; para situações coletivas temos o<br />
mandado de segurança coletivo; para as situações que envolvem interesses difusos temos a<br />
ação popular, ação civil pública, além de devermos considerar as possibilidades postas pelo<br />
mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão.<br />
Por óbvio que não se trata de tarefa fácil, em quaisquer dos aspectos acima expressos,<br />
particularmente quando tomamos como pano de fundo o Estado Contemporâneo e sua<br />
conformação e caráter da formação jurídica dos atores envolvidos. Ou seja: o cenário que<br />
dispomos nos conduz a circunstâncias complicadoras das já difíceis tarefas que temos.<br />
É preciso que saibamos que a Constituição como documento jurídico-político está imersa<br />
neste jogo de tensões e de poderes, mas é indispensável que tenhamos presente, os que<br />
militamos no direito constitucional e os direitos humanos, também, que a Constituição<br />
não é programa de governo, ao contrário são os programas de governo que precisam se<br />
constitucionalizar, o que envolveria, ainda, um discurso competente acerca da mutação<br />
constitucional e do controle de constitucionalidade, os quais afetam indelevelmente o<br />
problema da concretização dos direitos humanos.<br />
B – De outra banda seria preciso pensar a questão da concretização dos direitos humanos a<br />
partir de uma perspectiva social, para o quê apenas faremos menção.<br />
Ou seja: de que estratégias deveriam lançar mão, além daquelas já apontadas, os atores<br />
sociais para verem materializadas as políticas humanitárias erigidas ou não – uma vez que<br />
poderiam agir com o objetivo de verem satisfeitas pretensões novas emergentes de novos<br />
contextos e conflitos – como direitos fundamentais.<br />
Por óbvio que as possibilidades de verem satisfeitas tais pretensões pode, nos dias de hoje,<br />
ser pensada a partir de uma dupla via.<br />
Na primeira, através de pretensões dirigidas à autoridade pública estatal, buscando fazêlos<br />
valer desde alguma estratégia positivo/prestacional ou negativa – na dependência do<br />
conteúdo da pretensão – por parte do Estado, de suas funções, de suas agências ou agentes.<br />
Na segunda, poder-se-ia supor um processo de autonomização social – o que não significa<br />
adoção de uma matriz (neo)liberal/capitalista – que conduzisse a uma apropriação coletiva<br />
das incumbências necessárias à efetivação de tais conteúdos. Tal efetivação dar-se-ia, então,<br />
a partir de um comprometimento coletivo pelo bem-estar comum, desde a assunção de<br />
tarefas sociais no próprio âmbito da sociedade e pelos atores sociais os mais diversos,<br />
independizando-se de amarras, muitas vezes, intransponíveis, próprias às características<br />
estruturais do Estado Contemporâneo, como Estado do Bem-Estar Social em suas diversas<br />
experimentações práticas.<br />
Aqui e dessa forma poder-se-ia incluir diversas experiências que vão desde uma<br />
“flexibilização” participativa da democracia representativa até a implementação mesma de<br />
políticas públicas autônomas que “rompem” ideologicamente com o caráter transferencial<br />
adrede ao modelo representativo.<br />
IV - O Futuro dos Direitos Humanos<br />
.1.Direitos Humanos e Constituição. De novo!<br />
O processo de mundialização, como preferem os franceses, ou globalização econômica<br />
implica em uma radical mudança no perfil do Estado contemporâneo 33 , particularmente<br />
em seu caráter soberano, o que inexoravelmente se reflete sobre a sua capacidade de autoorganização<br />
Daí derivam, para o tema em tela, conseqüências significativas na medida em que a<br />
fragilização das estruturas estatais e a perda de sua centralidade exclusivista e superior faz<br />
repensar a questão constitucional, posto que as constituições foram sempre o reflexo da<br />
ocorrência do poder soberano dos Estados Nacionais dotados de um território - elemento<br />
objetivo - e de um povo - elemento subjetivo - sobre e para os quais se constituíam e<br />
organizavam em um documento legislativo supremo as formas e os conteúdos da vida<br />
política e social da comunidade.<br />
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1<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
Desaparecido, transformado ou minimizado o poder característico do Estado Moderno<br />
- a soberania -, pode-se perguntar para onde se dirige o constitucionalismo, em especial<br />
quando o agigantamento do poder privado faz sombra à tradicional suprema potestade<br />
estatal, implicando, muitas vezes, na sua incapacitação em reagir ou controlar as decisões<br />
tomadas alhures, ou mesmo, ter de se adaptar aos interesses e vontades do capital<br />
transnacionalizado, em um mundo onde, como diz J. E. Faria 34 , a globalização econômica<br />
está substituindo a política pelo mercado, como instância privilegiada de regulação social,<br />
onde um pluralismo jurídico marcado pela desinstitucionalização do direito açambarca cada<br />
vez mais espaços - lex mercatoria, direito marginal, etc., ou à pax americana imposta pelas<br />
possibilidades militarizadas de definir os rumos da política em alguns locais do planeta.<br />
Assim, se constrói um quadro onde essa soberania compulsoriamente partilhada, sob pena<br />
de acabar ficando à margem da economia globalizada, tem obrigado o Estado-nação a<br />
rever sua política legislativa, a reformular a estrutura de seu direito positivo, a redimensionar<br />
a jurisdição de suas instituições judiciais mediante amplas e ambiciosas estratégias<br />
de desregulamentação, deslegalização e desconstitucionalização, implementadas<br />
paralelamente à promoção da ruptura dos monopólios públicos.(grifo nosso)<br />
Neste quadro dramático de concorrência de poderes, a articulação entre estes diversos<br />
espaços, muitas vezes aponta para a flexibilização - para usar um termo da moda - do<br />
constitucionalismo, em sentida fragilização das conquistas sociais obtidas ao longo de<br />
séculos de luta cidadã.<br />
De outro lado, deve-se ter presente que tais questionamentos devem vir acompanhados,<br />
por uma leitura estratégica de um dos temas mais centrais para os homens, qual seja os<br />
direitos humanos, que conduza a uma percepção não apenas as transformações que se<br />
operam nos conteúdos tidos como próprios dos mesmos - e aqui observamos que, como<br />
adverte Norberto Bobbio 35 , os direitos humanos não nascem todos de uma vez, eles<br />
são históricos e se formulam quando e como as circunstâncias sócio-histórico-políticas<br />
são propícias e, é por isso que se fala em gerações de direitos humanos - como também<br />
a necessidade que temos da dar-lhes efetividade prática, até mesmo lançando mão da<br />
perspectiva globalizante utilizada pelo capital, mas, então, sob a lógica humanitária.<br />
Este parece ser o grande ponto de estrangulamento de inúmeras questões ligadas a esta<br />
temática e, para podermos traçar um perfil mais ampliado desta discussão, parece-nos<br />
indispensável que tenhamos presente e repisemos alguns tópicos preliminares.<br />
Se, de um lado, o reconhecimento dos conteúdos das várias gerações de direitos humanos<br />
parece ser algo com o que as diversas correntes ideológicas sustentadoras dos mais<br />
diferentes governos podem conviver e, mais do que isso, buscar legitimação interna e<br />
internacional, de outro a tentativa de dar-se efetividade aos mesmos esbarra nos mais<br />
diferentes empecilhos, seja de ordem prático-política - e aí estão os inúmeros governos<br />
autoritários espalhados pelo mundo -; seja de ordem teórico-jurídica - e aí estão as posições<br />
da tradição jurídica do Estado Moderno, em especial naqueles países orientados pela<br />
tradição jurídica romano-germânica, que impõem uma postura contraditória em face de<br />
uma convivência de ordens jurídicas diversas, particularmente entre o direito interno e<br />
o direito internacional, ou pela supremacia de um discurso jurídico liberal que privilegia<br />
a figura do indivíduo como titular do direito desvinculada de suas relações sociais; seja,<br />
ainda, de ordem econômica - e aí estão as propostas neoliberais orientadas por um projeto<br />
econômico globalizado, onde a orientação da política e do jurídico - reféns da economia<br />
financeira do capitalismo neoliberal - se dá sob a égide de um discurso calcado na idéia de<br />
eficácia, flexibilização, desregulação, etc., como apontada acima.<br />
Pode-se sugerir, assim, que neste quadro, mais do que as estratégias normativas com base<br />
constitucional, é o próprio sentido do poder político democrático representativo que se<br />
dilui, pois:<br />
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(...)O aparelho de Estado se divide em setores que lidam com a economia, ditos sérios, com<br />
os maiores recursos, enquanto os que tratam da cultura, meio ambiente e ciência passam<br />
por secundários descartáveis, por luxo.<br />
...<br />
O resultado é que as autoridades eleitas - isto é, representativas - foram esvaziadas de seu<br />
poder...na verdade, ele até deixou de ser um poder! O poder que subsiste é um que nunca<br />
foi eleito, o das finanças que rodam pelo mundo.<br />
...<br />
Haverá, talvez, um poder cujos circuitos de comunicação se tornem financeiros; cujo 1<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
discurso aos homens se revista de uma objetividade fria, gelada, a dos números que tornam<br />
necessária tal ou qual receita (a privatização é, delas, a mais visível); cuja linguagem, por<br />
isso mesmo, deixa de ser aberta à interlocução (àquela diversidade de opiniões básica na<br />
democracia), para se travestir de uma necessidade diante da qual empalideceria a própria<br />
ciência exata nos tempos do determinismo.<br />
...<br />
Da tese de que a economia dita o rol de possibilidades, àquela segundo a qual ela<br />
determina a necessidade, vai só um passo. 36<br />
Apesar disso, cremos ser importante recuperar/retomar o debate acerca da matéria visando<br />
compartilhar algumas preocupações no sentido de buscar mecanismos que nos permitam<br />
dar maior efetividade - no sentido dado pelo constitucionalista português Jorge Miranda -<br />
possível aos conteúdos normativos reconhecedores dos direitos humanos em suas diversas<br />
expressões.<br />
Pode-se dizer que, para além desta pretensão primária, muitas outras se colocam, podendose<br />
aduzir que:<br />
1 - em primeiro lugar está, sem dúvida, a importância da temática, a qual veicula as<br />
preocupações relativas ao que há de fundamental para a construção de um quotidiano<br />
digno para o ser humano;<br />
2 - em seguida, pode-se referir a necessidade de constante revitalização não apenas dos<br />
conteúdos próprios destas pretensões humanitárias mas, sobretudo, aos mecanismos que<br />
lhe dão efetividade, sendo indispensável que tenhamos sempre presente a necessidade<br />
de construirmos instrumentos cada vez mais facilitadores da colocação em prática e da<br />
possibilitação da usufruição destes conteúdos; e,<br />
3 - por fim, no caso brasileiro, é preciso que se busque, até mesmo pela experiência<br />
histórica, instrumentalizar os operadores jurídicos com os meios necessários para uma<br />
prática comprometida com a eficácia dos direitos humanos, especialmente a partir da<br />
promulgação da Carta Magna de 1988 que se assenta, fundamentalmente, na salvaguarda<br />
dos direitos e garantias fundamentais, na esteira, diga-se, do constitucionalismo<br />
contemporâneo, estruturado sob a opção do Estado Democrático de Direito 37 . E, mais do<br />
que isso, como prática político-jurídica de enfrentamento das estratégias de globalização<br />
dominadas pelas práticas do capitalismo financeiro.<br />
No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988, referenda alguns conteúdos que nos<br />
conduzem a compreendê-la como inserida no rol daquele constitucionalismo cujo objeto<br />
fundante está nos direitos humanos, os quais devem orientar não apenas os trabalhos dos<br />
juristas, como também a atuação das autoridades públicas e da sociedade como um todo.<br />
. - Globalização, neoliberalismo e flexibilização. A fragilização das<br />
conquistas<br />
Assim, de que adianta retomar o tema dos Direitos Humanos e sua implementação, a<br />
partir de uma estratégia constitucional e de hermenêutica de suas disposições, para<br />
consolidarmos e ampliarmos o seu catálogo, os mecanismos procedimentais e as instâncias<br />
de proteção dos mesmos se, diante do atual quadro de crise das instituições públicas<br />
– crise do espaço público, da democracia, do Estato enquanto tal e até mesmo de sua<br />
fórmula privilegiada de organização pactada, ou seja, o constitucionalismo, etc... – as<br />
instâncias de regulação social – como é o caso do Direito – estão se enfraquecendo ou,<br />
pior, desaparecendo, como espaços públicos de apelo, em especial frente a estruturas e<br />
estratégias pára-estatais e mercadológicas?<br />
Não basta, neste espectro, que nos restrinjamos ao debate jurídico-positivo acerca do tema<br />
enfrentado, se não tivermos presente que o seu “sucesso” – efetividade – não depende<br />
unicamente de seu reforço por mecanismos jurídicos, posto que estes, muitas vezes, se<br />
esfacelam perante o estabelecimento de um espaço “público” privatizado ou paralelo.<br />
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Deve-se, por outro lado, observar uma inevitável correspondência entre os direitos<br />
humanos e a democracia, posto que se esta se enfraquece são aqueles os primeiros e<br />
principais prejudicados, onde, em muitas situações, se explicita a incapacidade de as 1<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
instituições democráticas enfrentarem a força não repercute únicamente no âmbito<br />
dos Direitos Humanos civis e políticos, mas a todas as suas gerações, fazendo supor,<br />
como aponta Renato Janine Ribeiro, de que somente é legítimo, na política, o regime<br />
democrático... 38<br />
. - O futuro dos direitos humanos, Constituição e jurisdição estatal<br />
Mesmo assim é de ser revisitado um tema tradicional para a teoria constitucional, mas que<br />
assume foros diferenciados quando refletimos acerca do papel da jurisdição constitucional<br />
na definição e compreensão do conteúdo material das constituições, bem como de sua<br />
extensão, assumindo verdadeiro foro de (re)construção hermenêutica cotidiana da norma<br />
constitucional legislada, bem como quando nos damos conta do papel desempenhado pela<br />
função executiva do Estado para o cotidiano da prática constitucional.<br />
Neste quadro de idéias, discutir o tema da mutação constitucional, mais do que refletir<br />
sobre as estratégias legislativas permissivas de modificação, via poder constituído<br />
derivado 39 , seja por reforma ou revisão, impõe uma tomada de posição relativamente ao<br />
papel político-constitucional assumido pelos órgãos jurisdicionais incumbidos da tarefa<br />
suprema de dizer o que diz a Constituição.<br />
Sob a primeira questão é possível, então, supor com José Acosta Sánchez 40 que ocorre<br />
ao longo do século XX uma significativa mutação no universo do constitucionalismo,<br />
que consiste en la creciente presencia de un Derecho Constitucional jurisprudencial y el<br />
decreciente papel del Derecho Constitucional formal. Aqui ganha importância, para este<br />
autor, a idéia norteamericana de uma constituição viva que se transforma constantemente<br />
a partir da sua própria prática, avançando para além mesmo da Constituição formal vigente<br />
e transformando-se em seu prolongamento material, como demonstram as práticas das<br />
diversas cortes constitucionais européias e norte-americana ao longo deste tempo, bem<br />
como em razão da novidade que se estabelece desde a experiência legislativa-jurisdicional<br />
comunitária através do direito comunitário e da jurisprudência supranacional dos tribunais<br />
comunitários da União Européia.<br />
Todavia, como salienta, deve-se considerar que el derecho constitucional jurisprudencial<br />
está determinado por complejos contextos sociales, económicos y políticos, incluso<br />
transnacionales, y reclama un nuevo concepto de Constitución material, sin nada que ver<br />
com ningún outro anterior del mismo nombre.<br />
Mas, mais do que isso, cremos que esta tomada de atitude por parte da jurisdição<br />
constitucional estatal implica sobretudo a assunção por parte desta parcela da soberania<br />
pública estatal de seus atributos e responsabilidades como poder/função de estado com<br />
seus bônus, mas também com seus ônus.<br />
Ainda, em particular, tal reforço da tarefa de dizer o direito impõe a construção de uma<br />
jurisdição sóbria e ao mesmo soberba em sua prática cotidiana, quando mais em países<br />
onde a tarefa de controle de constitucionalidade se pratica concentrada e difusamente<br />
por parte do órgão de cúpula da jurisdição, via ação direta de (in)constitucionalidade por<br />
ação ou omissão - o que por si só caracteriza um déficit, uma vez que a necessidade deste<br />
tipo de procedimento reflete uma inação do órgão a quem incumbia a tarefa de explicitar<br />
o conteúdo da Constituição - ou através de todos os seus membros pelo mecanismo do<br />
incidente de inconstitucionalidade 41<br />
De outra banda, convém, ainda, que reflitamos rapidamente sobre um outro tópico que<br />
interfere substantivamente no constitucionalismo contemporâneo. Ou seja, aquilo que<br />
propomos reconhecer como a executivização da Constituição ou sua administrativização<br />
economicista, quando a função executiva do Estado passa a desempenhar um papel de<br />
relevância para a (re)definição do conteúdo da Constituição utilizando-se dos mecanismos<br />
jurídico-constitucionais e de um discurso economicista apocalíptico, totalizante e<br />
monocórdico, para promover uma verdadeira desmontagem do texto constitucional<br />
originário patrocinado através da atuação do poder constituinte, em um verdadeiro golpe<br />
de estado institucional . 42<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Ao que transparece de algumas experiências constitucionais contemporâneas periféricas<br />
1<br />
o direito constitucional passou a ser refém de uma lógica mercadológica da política,<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
transformando as constituições em prolongamentos subservientes aos programas de<br />
governo e rompendo com seu caráter estabilizante e sua pretensão a uma certa perenidade,<br />
provenientes do projeto liberal revolucionário vitorioso no final do século XVIII em seu<br />
núcleo político (ou político-jurídico) - sem que isto signifique um engessamento do real,<br />
ou uma vinculação estrita do ser ao dever-ser - bem como destroçando conquistas sociais<br />
consolidadas<br />
Neste sentido, é evidente que, mesmo matizado pelo reforço do papel da função executiva<br />
estatal assistido ao longo do século XX em face da mudança no perfil do Estado, assumido<br />
como Welfare state, esta executivização/administrativização da Constituição experimentada<br />
em diversos países - dos quais o Brasil parece se notabilizar - produz um refluxo profundo<br />
na prática constitucional permitindo que se fale em um golpe de Estado institucional<br />
caracterizado, em contraposição ao golpe de Estado governamental, pela remoção de<br />
regimes e não de governos, posto que não entende com pessoas mas com valores, não<br />
busca direitos mas privilégios, não invade Poderes mas os domina por cooptação de<br />
seus titulares; tudo obra em discreto silêncio, na clandestinidade, e não ousa vir a público<br />
declarar suas intenções..., sendo, então, o golpe dos ditadores constitucionais, fazendo<br />
mudar o teor, a substância e a essência das instituições e não seus nomes.<br />
. - A internacionalização dos direitos humanos e das Constituições.<br />
Um caminho dúplice<br />
Deve-se ter presente, para além da carta de direitos fundamentais expressa em seu interior<br />
e do caráter eficacial que lhe é atribuído - art. 5o, par. 1o da CF/88 -, dentre outros, o disposto<br />
no art. 5o par. 2o do texto constitucional brasileiro, in verbis:<br />
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do<br />
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República<br />
Federativa do Brasil seja parte.<br />
Esta norma inovadora, constitui cláusula constitucional aberta, pois, a partir dela podese<br />
construir a hipótese que se assenta na perspectiva de que a mesma atribui natureza<br />
de norma constitucional aos tratados de direitos humanos, a partir de uma interpretação<br />
sistemática e teleológica do texto de 88, diante da assunção da dignidade humana e<br />
dos direitos fundamentais como axiomas do fenômeno constitucional, o que se vincula<br />
à legitimidade material da Constituição - uma fundamentação substantiva para os atos<br />
do poder público afirmando-se como um parâmetro material, diretivo e inspirador dos<br />
mesmos, o que é fornecido pelo elenco dos direitos fundamentais 43 .<br />
Assim, a atividade do jurista, como dito acima, deve ser a de consignar máxima efetividade<br />
às Normas Constitucionais, ou seja, a uma norma constitucional tem de ser atribuído o<br />
sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada<br />
a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação. Este é um fator<br />
inafastável para o trato da temática relativa aos direitos humanos e, mais ainda, para a<br />
compreensão do papel desempenhado pelos tratados internacionais relativos aos direitos<br />
humanos, em um processo que podemos chamar de internacionalização do direito<br />
constitucional que se complementa pela internalização/constitucionalização do direito<br />
internacional público(dos direitos humanos), uma novidade para o constitucionalismo atual.<br />
Como diz Konrad Hesse 44 , a interpretação 45 tem significado decisivo para a consolidação e<br />
preservação da força normativa da Constituição, estando submetida ao princípio da ótima<br />
concretização da norma, para que, assim, se viabilize um espaço valorizado de globalização<br />
destes conteúdos.<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Nesta mesma linha pode-se incluir, ainda, o temário relativo aos processos de regionalização<br />
dos espaços estatais ou, como preferimos, de montagem de estruturas supranacionais<br />
ao estilo comunitário. Tal circunstância direciona o debate constitucional para um novo<br />
aspecto, qual seja o de um constitucionalismo desvinculado dos Estados Nação, ou de um<br />
supraconstitucionalismo alicerçado em bases comunitárias e com capacidade regulatória<br />
superposta àquelas dos Estados Parte dos blocos comunitários. Neste espectro parece<br />
possível acompanhar a conclusão de Oscar Vilhena Vieira 46 no sentido de que no caso<br />
da integração regional não está ocorrendo apenas uma internacionalização do direito<br />
constitucional, mas também uma constitucionalização do sistema regional sem, no 1<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
entanto, a mesma força e intensidade, uma vez que o fortalecimento deste último não vem<br />
acompanhado da sua conformação aos princípios constitucionais. Lembra, ainda, este autor,<br />
da necessidade de ter-se presente o déficit democrático presente na história da construção<br />
da União Européia, o que, se transposto para a experiência latino-americana(MERCOSUL, em<br />
particular) - despreocupando-se de seu caráter eminentemente econômico até então - se<br />
agudiza diante do trágico histórico autoritário próprio à região.<br />
O ritmo de tal transformação, assim como o seu conteúdo dependerão, parece-nos, em<br />
muito da capacidade interventiva dos movimentos sociais e do poder de fogo da economia<br />
pública regionalizada em contraposição às estratégias e pretensões autonomizantes do<br />
capital transnacionalizado e de tendência monopolística.<br />
É, a regionalização/comunitarização, um novo “mercado” constitucional que se abre,<br />
cujas perspectivas ainda se colocam de maneira interrogante, podendo, eventualmente,<br />
abrir caminho para um constitucionalismo planetário - o que é uma incógnita e coloca<br />
superlativamente a questão democrática.<br />
V - O Brasil e os Direitos Humanos<br />
.1 - O histórico constitucional brasileiro<br />
A história da positivação dos direitos humanos no Brasil muitas vezes está em desacordo<br />
com a prática dos mesmos ao longo de nosso histórico político de Nação independente 47 .<br />
O Brasil, por incrível, aparece dentre os precursores no reconhecimento constitucional<br />
do conteúdo dos direitos do homem. Já na Constituição Imperial(1824), se antecipando<br />
à Bélgica(1831), havia a inserção destes no âmbito da Carta Magna, em seu art. 179,<br />
reconhecendo aqueles próprios à época.<br />
De lá para cá pouco se operou nesta matéria em sentido positivo, tendo ocorrido, ao longo<br />
destes anos, a incorporação paulatina das novidades humanitárias em sede constitucional.<br />
Assim foi com a primeira Constituição da República que, em seu art. 72, da mesma forma<br />
que a Carta de 1934, em seu art. 113, inseriu-se um catálogo de direitos fundamentais que,<br />
com esta última, incluía os de natureza econômico-social mesmo que incipientemente,<br />
sob a influência da Constituição de Weimar de 1919, incluiu, por primeira vez, um título da<br />
ordem econômica e social.<br />
O interregno de 1937-1945 será submetido a um dos tantos períodos de exceção vividos<br />
pelo País, onde, a partir de uma Lei Fundamental autoritária, de forte caráter corporativo,<br />
contemplam-se os direitos e garantias individuais (art. 122), introduzindo-se os conteúdos<br />
de corte social relativos às relações de trabalho, apesar de, na prática, o desrespeito aos<br />
direitos humanos ser uma constante.<br />
A partir de 1946, com nova Constituição, pequenas trasnformações são previstas,<br />
mantendo-se o cerne até então consolidado. Inclue-se, então, a Ação Popular(art. 131),<br />
o direito à vida, contendo, ainda, o que para muitos lhe é característico, um catálogo de<br />
direitos de importância profunda.<br />
Todavia, o autoritarismo se projeta novamente sobre o País com o Golpe Militar de 1964,<br />
o qual, em 1967, impõe nova Carta marcada, a partir da edição do AI-5, pelo perfil da<br />
excepcionalidade institucional e de práticas incompatíveis com os direitos humanos. Sua<br />
trajetória curta, posto que profundamente transformada em 1969 (EC n. 1, verdadeira<br />
nova Constituição), no que diz com a extensão dos direitos e garantias explicitados em seu<br />
interior.<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
É a Constituição de 1988, produto de um processo constituinte congressual - não-exclusivo<br />
- que irá trazer, como corolário da longa e controlada abertura política iniciada pelo General<br />
Geisel, profunda sigificação para a matéria dos direitos humanos, inclusive com um capítulo<br />
específico sobre os direitos sociais apartado do título da ordem social, o qual aparece<br />
em separado daquele da ordem econômica. Reflexo, para muitos, daquilo que marcou o<br />
constitucionalismo de diversos países europeus, cujo histórico de passagem de uma versão<br />
autoritária para a democracia se assemelha ao brasileiro 48 , a CF/88 aportou, já pela adoção<br />
da República Federativa do Brasil como estado democrático de direito, um conjunto de 1<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
direitos fundamentais que referendam todas as gerações supostas de direitos humanos,<br />
abrindo-se ainda para eventuais lacunas deixadas pelo constituinte no seu afã, e impôs,<br />
ainda, uma postura compatível com tal proposição para quando de sua colocação em<br />
prática.<br />
Assim, temos que a CF/88 oportunizou, para além do alargamento da carta de direitos<br />
fundamentais, estratégias procedimentais viabilizadoras de sua implementação, além de<br />
impor às autoridades públicas e à sociedade em geral uma postura compatível com uma<br />
visão positiva dos direitos e garantias expressos e subentendidos, fazendo com que a<br />
prática político-jurídica deva ser pautada pelo afiançamento e concretização dos direitos<br />
humanos, propugnando-os não apenas como pertencentes às gerações e seres do presente<br />
como também uma herança a ser legada incólume e maximizada para o futuro, pautando,<br />
cremos, o seu ideário pela dignidade da pessoa humana.<br />
. - A Ordem Social na CF/<br />
A ordem social ganha importância a partir da CF/88, quando desvincula-se estruturalmente<br />
da ordem econômica e forma o cerne da idéia de estado democrático de direito inscrito<br />
no art. 1o da Carta Magna, como já explicitado, ao lado dos demais direitos humanos<br />
positivados que formam o catálogo “aberto” dos direitos fundamentais pátrios.<br />
Compõem este Titulo constitucional a seguridade social, composta pela saúde, previdência<br />
e assistência social, a ordem constitucional da cultura - como refere Jose Afonso da Silva<br />
- onde estão presentes a educação, o ensino, a cultura, o desporto, a ciência e tecnologia,<br />
comunicação social e meio ambiente, além das questões relativas à família, criança,<br />
adolescente, idoso e indígena.<br />
. - A educação como direito constitucionalizado<br />
Deixando de lado as demais matérias, é relevante considerar que, mesmo<br />
particularizadamente, a questão do direito à educação, nele incluído o acesso ao ensino,<br />
precisa ser enfrentada no contexto antes sugerido, sendo esta problematização, ao que nos<br />
parece, inescapável para podermos melhor tratar o tema.<br />
No que diz com o aspecto particular, parece-nos relevante referir que no contexto<br />
contemporâneo a educação passa a ser, talvez, a “mercadoria” mais relevante socialmente<br />
na medida em que a detenção do conhecimento importa na apropriação de poder e na<br />
agregação de valor aos bens e produtos levados ao mercado de consumo. Ou seja os<br />
bens valem mais, muitas vezes, pelo conhecimento tecnológico incorporado do que pelo<br />
conjunto de materiais empregados, impondo-se, assim, a detenção do conhecimento como<br />
uma instância de autonomização das sociedades e dos indivíduos diante da dependência e<br />
vinculação ao saber importado.<br />
Por outro lado, esta precisa ser percebida não apenas como o acesso ao conhecimento<br />
posto como também a capacitação para o acesso ao conhecimento a ser construído,<br />
permitindo-se uma formação constante e multifacetada, constituindo-se, com este perfil,<br />
direito de todos e dever do Estado, elevando-a à categoria de serviço público essencial que<br />
ao Poder Público impende possibilitar a todos, daí a preferência constitucional pelo ensino<br />
público, pelo que a iniciativa privada, nesse campo, embora livre, é, no entanto, meramente<br />
secundária e condicionada.<br />
Para tal impõe-se à educação o caráter de viabilizador do pleno desenvolvimento da<br />
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, a partir<br />
de princípios tais como: igualdade no acesso, liberdade de “cátedra”, pluralismo, gratuidade<br />
nos estabelecimentos públicos e qualidade.<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Já no art. 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem preconizava-se que toda<br />
a pessoa tem direito à educação que deve ser gratuita, pelo menos no que concerne à<br />
elementar e fundamental, sendo esta obrigatória. Além disso este documento refletia<br />
acerca do conteúdo e dos objetivos do processo educativo, vinculando-o ao pleno<br />
desenvolvimento da personalidade humana, e o fortalecimento do respeito aos direitos<br />
humanos e às liberdades fundamentais, favorecendo a compreensão, a tolerância e a<br />
amizade entre todas as nações e todos os grupos étnicos ou religiosos, promovendo o<br />
desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para manutenção da paz. 1<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
Neste mesmo sentido caminhou, em 1990, a Declração Mundial sobre Educação para<br />
Todos - aprovada pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos e Satisfação das<br />
Necessidades Básicas de Aprendizagem, em Jomtien, Tailândia - que, a partir da avaliação do<br />
contexto mundial de crise e de deficiências na área da educação - entendida esta como um<br />
direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro,<br />
podendo contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero<br />
e ambientalmente mais puro, e que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social,<br />
econômico e cultural, a tolerância e a cooperaçào internacional - aprovou a Declaração que<br />
contempla:<br />
a - Cada pessoa - criança, jovem ou adulto - deve estar em condições de aproveitar<br />
as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de<br />
aprendizagem;<br />
b - Lutar pela satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos exige mais<br />
do que a ratificação do compromisso pela educação básica..., compreendendo: universalizar<br />
o acesso à educação e promover a eqüidade, concentrar a atenção na aprendizagem,<br />
ampliar os meios e o raio de ação da educação básica, propiciar um ambiente adequado à<br />
aprendizagem e fortalecer alianças;<br />
Parece-nos, assim, que nesta esteira insere-se o que poderíamos nominar projeto políticoinstitucional<br />
educacional brasileiro positivado na Constituição Federal de 1988 - desde<br />
a opção pela forma de Estado Democrático de Direito, em seu art. 1o - e explicitado<br />
em capítulo próprio da Ordem Social e na LDB (lei 9394/20.12.96) 49 que, ao que parece<br />
incorpora este sentido ao conferir à educação uma amplitude que se projeta para além dos<br />
muros dos estabelecimentos de ensino formais, incluindo a família, a convivência humana,<br />
os movimentos sociais, as organizações da sociedade civil e outras manifestações culturais<br />
como espaços propiciadores de conhecimento e forja do cidadão (art. 1o.da LDB), muito<br />
embora as suas regras, como não poderia ser diferente, dirijam-se à educação escolar em<br />
instituições próprias (art. 2o)<br />
Desde logo cabe ressaltar que sob esta ótica a obrigação em face da educação caracterizase<br />
como uma das obrigações fundamentais para o desenvolvimento da dignidade humana,<br />
sendo que a obligación de realizar la enseñanza bássica constituye un postulado mínimo<br />
para la reaización de la persona y para desarrollar en ella el sentido de la libertad y una<br />
conciencia crítica respecto a las posiciones de poder...Constituye así también una exigencia<br />
apoyada en la creencia del valor que posee la cultura en la consecución y realización de los<br />
valores superiores del sistema jurídico-político 50 .<br />
De outra banda, não se pode olvidar que, como Estado Democrático de Direito o Brasil<br />
assume o caráter desta forma estatal, tendo presente que quando se inventó la fórmula del<br />
Estado de Derecho Democrático y Social, y en su virtud la sociedad puede y debe decidir<br />
democráticamente sobre su estructura económica y social, se hizo igualmente patente que<br />
ésta tiene solamente sentido si abarca no sólo los aspecto económicos, sino también los<br />
educativos; es decir, si confiere a todos las mismas oportunidades educativas y destina a<br />
fines educacionales abundantes medios públicos 51<br />
Assim, si consideramos a la educación como derecho subjetivo de prestación, exigible<br />
frente a los poderes públicos, es razonable que el Estado tenga la obligación de garantizar<br />
plazas suficientes en determinados niveles de la enseñanza...En efecto, el desarrollo de la<br />
educación, fundamento del progreso de la ciencia y de la técnica, es condición de bienestar<br />
social y prosperidad material, y soporte de las libertades individuales en las sociedades<br />
democráticas... . 52<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Se a lição de direito internacional e constitucional acima expressa se aplica à realidade<br />
institucional brasileira em face da opção constitucional, não muito diversa é a realidade<br />
da legislação ordinária, até mesmo porque os sistemas jurídicos - e histórico-políticos que<br />
orientaram o constituinte são semelhantes (retomada democrática após período autoritário)<br />
- se aproximam. Assim, podemos buscar na tradição espanhola para dizer que lá, como<br />
aqui, em particular desde a vigência da LDB, hoy en dia, la obrigatoriedad y la gratuidad<br />
están estrechamente vinculadoas, y así, la Ley 8/85, en su artículo 1.1, dispone: Todos los<br />
españoles tienen derecho a una educación básica que les permita el desarrollo de su<br />
propia personalidad y la realización de una actividad útil a la sociedad. Esta educación será 1<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
obligatoria y gratuita en el nivel de educación general básica y, en su caso, en la formación<br />
profesional de primer grado, así como en los demás niveles que la ley establezca. 53<br />
Portanto, guardadas as diferenças é preciso termos presente que a base informadora dos<br />
direitos sociais, incluído aí o direito à educação, imprescinde da compreensão da infraestrutura<br />
de base sobre a qual se assenta o edifício político-institucional pátrio, para, a partir<br />
daí, podermos lidar com consciência com o problema específico, o que buscamos fazer nos<br />
tópicos precedentes.<br />
É de se ter presente que, sob o modelo federativo onde o pressuposto do Estado<br />
Democrático de Direito diz respeito não apenas ao ente federado superior mas a todos<br />
os níveis da federação - no Brasil: União, Estados, Municípios e Distrito Federal -, o<br />
compromisso constitucional estatal para com a educação implica tanto à União quanto as<br />
demais unidades da federação - art. 211 da CF/88 -, muito embora a LDB tenha imposto aos<br />
municípios uma responsabilidade acrescida relativamente à execução da educação infantil e<br />
fundamental, inclusive tendo receita vinculada aplicável prioritariamente no sistema público<br />
de ensino - vide arts. 212 e 213 da CF/88 - tendo-se presente que esta Lei, como não poderia<br />
deixar de ser, em razão do princípio da unidade, que implica na hierarquização das normas<br />
jurídicas no interior do ordenamento jurídico -, muito embora direcione os recursos públicos<br />
às escolas públicas (art. 69), deixa em aberto a possibilidade destes poderem ser dirigidos às<br />
escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que comprovem os requisitos expressos<br />
no texto legal (art. 77).<br />
Questão fundante para o debate diz com a gratuidade do ensino 54 , a qual é assegurada<br />
no ensino fundamental - que compõe a educação básica, ao lado da educação infantil e<br />
do ensino médio -, como definida pelo art. 21, I, da LDB - a qual deverá ter por finalidade<br />
desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício<br />
da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores(art.<br />
22 LDB), e prometida progressivamente para os demais níveis, atrelado que está pelo<br />
princípio constitucional do ensino gratuito em estabelecimentos públicos (art. 206, IV da<br />
CF/88) e da universalização do acesso a este nível de formação educacional (art. 208, I da<br />
CF/88)d. Este parece ser aspecto por demais relevante àqueles que militam no âmbito da<br />
infância e adolescência, posto que diz respeito de perto com o enfrentamento cotidiano<br />
dos conflitos que lhes são trazidos, até mesmo porque a questão social não pode ser tratada<br />
como caso de polícia mas, sim, como caso de política, impondo que se a pense no contexto<br />
global de construção do indivíduo-cidadão, para o que a educação contextualizada e<br />
multifacetada ocupa importância fundamental..<br />
Neste sentido o acesso gratuito ao conhecimento, compreendido de maneira ampla,<br />
além de tradição pátria, configura-se estratégia constitucional adotada em consonância<br />
com o perfil da sociedade contemporânea, onde a educação assume caráter sócioeconômico<br />
estruturante. Não por outro motivo que, desde logo, o constituinte expressou<br />
o compromisso público-estatal com a gratuidade do ensino, mesmo que de maneira<br />
progressiva, em consonância com a orientação dos documentos internacionais pertinentes<br />
ao tema, os quais ingressam em nosso conjunto normativo pela porta aberta pelo art. 5o. da<br />
CF/88, como acima demonstrado.<br />
. - Mecanismos constitucionais: o mandado de injunção e controle<br />
incidental de constitucionalidade<br />
Para além do reconhecimento substancial é necessário intrumentalizar-se a sociedade<br />
para a concretização dos conteúdos reconhecidos atribuindo-se-lhe legitimidade para<br />
demandar, por instrumentos próprios, ágeis e eficazes, no sentido de ver satisfeitas as<br />
pretensões surgidas a respeito.<br />
Nesta seara, o constituinte de 1988 foi pródigo. Além de manter estratégias procedimentais<br />
consolidadas, trouxe para o constitucionalismo pátrio um conjunto de instrumentos<br />
adaptados ao perfil socializante da Carta promulgada. Foi assim que, para além da<br />
ampliação do perfil da ação popular e da ação civil pública - as quais não vão nos ocupar<br />
neste trabalho - incorporou-se a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, já<br />
referida, e o mandado de injunção, o qual, por seu perfil e potencialidade, parece-nos<br />
merecer atenção pelos operadores jurídicos.<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01<br />
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O mandado de injunção, um dos mais oportunos institutos jurídico/políticos criados pelo<br />
legislador constituinte, próximo da tradição anglo-americana, se limita a proteger direitos,<br />
liberdades e prerrogativas constantes do texto da Constituição Federal 55 na intenção de<br />
torná-los concretos no dia-a-dia do cidadão, malgrado a omissão daquele a quem incumbia<br />
a tarefa de patrocinar o ato exigido pela Lei Fundamental.<br />
Ora, neste sentido sua principal finalidade consiste assim em conferir imediata<br />
aplicabilidade à norma constitucional portadora daqueles direitos e prerrogativas, inertes<br />
em virtude de ausência de regulamentação 56 .<br />
Portanto, desde sempre este remédio constitucional veio para fazer eco ao conjunto<br />
do texto constitucional, a partir da instrumentalização do cidadão em face da apatia da<br />
autoridade pública.<br />
Dois aspectos sobrelevam. O primeiro diz com a extensão do próprio instrumento, a qual<br />
parece-nos deva ser a mais ampla possível, inclusive para justificar-se a sua inclusão ao lado<br />
da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e do próprio perfil socializante de uma<br />
Constituição que erige o País em Estado Democrático de Direito.<br />
Em segundo lugar, ao lado da oferta do instrumento constitucional põe-se o compromisso<br />
social de a cidadania fazer-se presente na tarefa de por em prática o texto constitucional<br />
promulgado, bem como atribui-se à função jurisdicional um compromisso jurídicopolítico<br />
de comprometimento com os conteúdos constitucionais, sem que isso signifique o<br />
açambarcamento das demais funções de Estado.<br />
Por outro lado, temos que o tema a ser enfrentado seria o da competência e incumbência<br />
relativamente ao controle de constitucionalidade por omissão. Para além da ação<br />
própria, com as limitações de legitimação impostas, parece-nos que no contexto de um<br />
sistema dúplice de controle de constitucionalidade - concentrado e difuso - a função<br />
jurisdicional, em particular aquela especializada que trata de matérias afetas à ordem<br />
social, tem a responsabilidade de promover um controle específico de constitucionalidade,<br />
independentemente de acionamento por eventual interessado, inclusive em face da<br />
inércia da autoridade(omissão), permitindo-se, dessa forma, que venha a prover pretensões<br />
sociais incluídas no universo da cidadania constitucionalmente estabelecida, como no caso<br />
específico do direito público subjetivo de acesso ao ensino obrigatório e gratuito expresso<br />
no art. 208, par. 1o. da CF/88.<br />
No caso da educação nacional, o texto constitucional já o antevia, a nova LDB explicitou o<br />
compromisso do poder público com este direito público subjetivo e, para além, ao abrir à<br />
cidadania e às instituições que de alguma forma a representam a possibilidade de acionar o<br />
poder público exigindo o cumprimento do mesmo, deixou a cargo da função jurisdicional a<br />
atribuição de garantir as possibilidades de usufruição, através de procedimento próprio, do<br />
mesmo, tudo em conformidade com o art. 5o da lei 9394/96<br />
Cumpre, assim, à jurisdição sua tarefa constitucional de prestar a solução ao caso concreto<br />
mas, sobretudo, de guardião do texto constitucional e de sua estrutura fundante o Estado<br />
Democrático de Direito, dando concretude às previsões contidas no pacto originário da<br />
sociedade política e, antes de tudo, contribuindo para forjar uma civilização comprometida<br />
com os valores insculpidos nas normas e princípios positivados refletidos no asseguramento<br />
da dignidade do ser humano.<br />
Com este pano de fundo projeta-se sua atribuição de guardião da Constituição, tanto com<br />
um sentido paralisante dos atos comissivos e omissivos contrários ao texto constitucional,<br />
como com um sentido atuante de função do Estado que, como as demais - legislativa e<br />
executiva - tem sua ação orientada pelo compromisso em dar vida à letra da lei contida na<br />
Carta Política, conferida por esta à Jurisdição, a qual incumbe a todos os seus membros. Daí,<br />
talvez, provenha o sentido maior da legitimação de um atributo do Estado que, ao contrário<br />
dos demais retira-a não da regra básica da democracia - a maioria - mas, de sua ação<br />
concretizante das pretensões sociais constitucionalizadas, como pretende o garantismo de<br />
Ferrajoli. 57<br />
Notas Finais<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01<br />
1
O que pensar então para o projeto constitucional presente e futuro, nele incluídos os<br />
direitos humanos. Há, como querem alguns, um esgotamento do mesmo em razão de<br />
uma nova conformação/organização político-econômica onde as bases dos Estados<br />
Nacionais, berço do constitucionalismo, se esvaem abrindo caminho para um pluralismo<br />
jurídico desconstitucionalizante e para uma flexibilização generalizada do Direito. Desfazse<br />
o Estado Constitucional e em seu lugar insere-se uma ordem sem limites geográficos e<br />
conteúdos flexíveis, sem espaços próprios pré-determinados, sem um pacto estruturante<br />
organizador e ordenador do ser-estar no mundo, como um parâmetro de justiça da<br />
comunidade, como menciona Oscar V. Vieira 58 , substituído por um mundo governado única<br />
e exclusivamente pelo princípio da utilidade e da eficiência.<br />
O que pensar do futuro do constitucionalismo. Porque “fazer” direito constitucional? Somos<br />
uma espécie em extinção? Dinossauros que não reconhecemos o nosso desaparecimento<br />
da face da terra? Emperradores do desenvolvimento tecnológico e econômico? Castradores<br />
da eficiência do mercado? Alimentadores da preguiça sediciosa? 59<br />
O que mais esperar de uma estratégia jurídica construída há mais de dois séculos, fruto da<br />
revolução e da conquista burguesas frente ao poder absoluto dos monarcas, transformada<br />
pela intervenção dos movimentos sociais? O que nos leva a labutar e esbravejar contra<br />
e frente o desmonte de um projeto liberal universalizado pelas massas populares que<br />
buscaram, da mesma forma que a burguesia ascendente, consolidar conquistas políticas<br />
plasmando-as em normas jurídicas e dando-lhes um caráter diferenciado, envolvendo-as<br />
em um certo manto protetor de intangibilidade relativa?<br />
Há um papel reservado às constituições e ao direito constitucional no presente e no futuro?<br />
Ou estamos aqui, prestando uma homenagem póstuma a esta obra revolucionária? 60<br />
Diz Oscar V. Vieira:<br />
O paradoxal é que apesar desse consenso em torno das qualidades do constitucionalismo,<br />
vive-se hoje uma espécie de “mal-estar da Constituição”, no dizer de Canotilho, decorrente<br />
de um rápido processo de integração regional e mesmo de globalização econômica.<br />
Assim, para muitos o modelo constitucional está se esgotando, devendo ser substituído<br />
por um direito sem fronteiras, produzido de forma reflexiva, pelas mais variadas fontes.<br />
Para os mais idealistas, por outro lado, coloca-se hoje a possibilidade de realização de<br />
um constitucionalismo universal, como projetado na Paz Perpétua, de Immanuel Kant,<br />
aproveitando um momento de fragilização das soberanias.<br />
Cremos que, mesmo com as adequações necessárias - não podemos constituir a sociedade<br />
do século XXI como se estivéssemos moldando uma sociedade do século XVIII, por óbvio,<br />
sequer podemos pretendê-la unicamente assentada em bases reflexivas -, o papel da<br />
Constituição não está terminado, mesmo que esteja passando por uma reformulação<br />
profunda produto de uma realidade nova que impõe seja ordenada levando-se em<br />
consideração o seu cunho aberto e universalizado.<br />
É preciso que remontemos o constitucionalismo para que se coloque à disposição dos<br />
seres humanos aquilo que ele tem de melhor, o estabelecimento de parâmetros para a<br />
organização social e a conduta humana em bases democráticas entendida a democracia,<br />
como diz Bonavides 61 , por direito, por princípio de justiça, por atributo do gênero humano,<br />
por dimensão superior da liberdade; democracia, enfim, como semblante político de que se<br />
reveste a dignidade da pessoa humana, sujeita, de último, a nunca se afirmar num País que a<br />
corrupção das instituições, a catástrofe do Estado de Direito, a incapacidade dos governos e<br />
a traição das elites arrastaram ao despenhadeiro do neocolonialismo.<br />
Malgrado o desprestígio prático suportado pelo constitucionalismo de há muito, produto<br />
muito mais de atitudes deslegitimantes assumidas por aqueles responsáveis por sua<br />
implementação, incapacitando-a de tornar-se prática constante da cidadania, o seu<br />
prestígio teórico deve ser repisado para que possamos recuperar ao menos um certo<br />
padrão objetivo do justo 62 que a modernidade jus-política nos legou.<br />
Para que servem estas interrogações no entorno do tema proposto? Para tudo,<br />
responderíamos. Não podemos pretender que, para enfrentarmos, na perspectiva sugerida<br />
ao longo do texto, os direitos humanos, em qualquer de seus conteúdos, o possamos fazer<br />
sem termos presente a realidade constitucional atual.<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
Em primeiro lugar por ser a Constituição o local próprio para o reconhecimento e<br />
desenvolvimento do direito humanitário. Depois por termos presente a crise que se abate<br />
por sobre toda a tradição constitucional.<br />
Ao final, e estrategicamente, é preciso que saibamos, mesmo imersos neste contexto crítico,<br />
tirar o proveito possível dos conteúdos e procedimentos constitucionais positivados.<br />
Foi o que pretendemos apontar, pensando o Direito Constitucional como locus privilegiado<br />
de consolidação de pretensões democráticas da cidadania, sendo que são os operadores<br />
jurídicos aqueles que têm a responsabilidade, não apenas por dever de ofício, de concretizálos,<br />
atribuindo o melhor resultado possível às instituições constitucionalizadas.<br />
Mais, ainda, quando enfrentamos a questão do acesso à educação que, para além de ser<br />
a reserva de capital do futuro próximo, se não já do presente, significa a possibilidade<br />
de resgate para a vida de milhões de excluídos não apenas do conhecimento mas e<br />
consequentemente da dignidade de viver. Significa, para além, a possibilidade de resgate<br />
ético do homem em um projeto educativo alicerçado nos direitos humanos.<br />
Voltamos ao início para termos presente que os direitos fundamntais sociais, mais do<br />
que nunca, não constituem mero capricho, privilégio ou liberalidade, mas sim, premente<br />
necessidade, já que a sua supressão ou desconsideração fere de morte os mais elementares<br />
valores da vida, liberdade e igualdade. A eficácia (jurídica e social) dos direitos fundamentais<br />
sociais deverá ser objeto de permanente otimização, na medida em que levar a sério os<br />
direitos (e princípios) fundamentais, corresponde, em última análise, a ter como objetivo<br />
permanente a otimização do princípio da dignidade da pessoa humana, por sua vez, a mais<br />
sublime expressão da própria idéia de Justiça 63 !<br />
Notas<br />
Porto Alegre, Março de 2000<br />
* Mestre(PUC-RJ) e Doutor(UFSC/Université de Montpellier I) em Direito. Professor do<br />
Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS/RS e da UNISC/RS. Procurador do<br />
Estado do Rio Grande do Sul - Coordenador da Procuradoria de Informação, Documentação<br />
e Aperfeiçoamento Profissional(PIDAP). Entre outros trabalhos publicados é autor<br />
de: Do Direito Social aos Interesses Transinidividuais. O Estado e o Direito na ordem<br />
contemporânea; A Idéia de Direito Social. O pluralismo jurídico de Georges Gurvitch;<br />
A Subjetividade do Tempo. Perspectivas transdisciplinares do Direito e Mediação e<br />
Arbitragem. Alternativas à jurisdição!, além de, em co-autoria com Lênio Luiz Streck, Ciência<br />
Política e Teoria Geral do Estado, todos pela Livraria do Advogado editora.<br />
1. Para este debate há uma literatura significativa, podendo-se mencionar, para além da<br />
obra consagrada de Norberto Bobbio referida no texto, o trabalho de Ingo Sarlet – A Eficácia<br />
dos Direitos Fundamentais.<br />
2. Há autores que preferem falar em dimensões, ao invés de gerações, como é o caso de<br />
Ingo Sarlet, op. cit., passim.<br />
3. José Eduardo Faria – Direitos Humanos e Globalização Econômica.Notas para uma<br />
discussão. Tal postura não pode significar que as demais funções do Estado não tenham<br />
nenhum tipo de comprometimento na medida em que, e.g., o desrespeito a qualquer deles<br />
enseja a utilização de remédios rpocedimentais construídos para dar conta destas situações,<br />
tais como o Habeas Corpus, Mandado de Segurança, Mandado de Injunção. Ação Civil<br />
Pública, Ação Popular, etc...<br />
4. É de ver que não há, também neste aspecto, uma uniformidade conceitual, podendo-se<br />
referir autores que multiplicam as gerações de direitos humanos, a partir de concepções<br />
primárias díspares.<br />
5. No âmbito deste trabalho é suficiente adotarmos uma distinção simplificada para<br />
entendermos os direitos fundamentais como sendo o catálogo positivado dos direitos<br />
humanos em uma certa ordem jurídica, o que, ao mesmo tempo que os identifica, pode<br />
difernciá-los em razão da extensão quantitativa de uns e de outros. Ver adiante a questão da<br />
dialéitca entre internacionalização dos direitos humanos e constitucionalização do direito<br />
internacional.<br />
6. A este respeito ver nosso Do Direito Social aos Interesses Transindividuais. O Estado e o<br />
Direito na ordem contemporânea.<br />
7. Ver art. 1o da CF/88. Sobre o conceito de Estado Democrático de Direito ver: BOLZAN DE<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
MORAIS, Do Direito Social aos Interesses Transindividuais, em especial capítulo I. Da mesma<br />
forma ver: BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis e STRECK, Lenio Luiz. Ciência Política e Teoria<br />
Geral do Estado. O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da<br />
realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada<br />
das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material<br />
de concretização de uma vida digna ao homem e, passa a agir simbolicamente como<br />
fomentador da participação pública quando o democrático qualifica o Estado, o que irradia<br />
os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois, também<br />
sobre a ordem jurídica. E mais, a idéia de democracia contém e implica, necessariamente,<br />
a questão da solução do problema das condições materiais de existência. Com efeito,<br />
são princípios do Estado Democrático de Direito: A - Constitucionalidade: vinculação do<br />
Estado Democrático de Direito à uma Constituição como instrumento básico de garantia<br />
jurídica; B - Organização Democrática da Sociedade; C - Sistema de direitos fundamentais<br />
individuais e coletivos, seja como Estado de distância, porque os direitos fundamentais<br />
asseguram ao homem uma autonomia perante os poderes públicos, seja como um Estado<br />
antropologicamente amigo pois respeita a dignidade da pessoa humana e empenha-se<br />
na defesa e garantia da liberdade, da justiça e da solidariedade;D - Justiça Social como<br />
mecanismos corretivos das desigualdades; E - Igualdade não apenas como possibilidade<br />
formal mas, também, como articulação de uma sociedade justa; F - Divisão de Poderes ou<br />
de Funções; G - Legalidade que aparece como medida do direito, isto é, através de um meio<br />
de ordenação racional, vinculativamente prescritivo, de regras, formas e procedimentos<br />
que excluem o arbítrio e a prepotência; H - Segurança e Certeza Jurídicas. Assim, o Estado<br />
Democrático de Direito teria a característica de ultrapassar não só a formulação do Estado<br />
Liberal de Direito, como também a do Estado Social de Direito - vinculado ao welfare state<br />
neocapitalista - impondo à ordem jurídica e à atividade estatal um conteúdo utópico de<br />
transformação da realidade. Dito de outro modo, o Estado Democrático é plus normativo<br />
em relação às formulações anteriores. Vê-se que a novidade que apresenta o Estado<br />
Democrático de Direito é muito mais em um sentido teleológico de sua normatividade<br />
do que nos intrumentos utilizados ou mesmo na maioria de seus conteúdos, os quais vêm<br />
sendo construídos de alguma data.<br />
8. Deixaremos de mencionar, por ora, outros tipos de interesses juridicamente protegidos<br />
por serem de menor importância para os objetivos deste trabalho, para o que indicamos a<br />
leitura de nosso trabalho Do Direito Social aos Interesses Transindividuais.<br />
9. MANCUSO, Rodolfo. Interesses Difusos. p. 37<br />
10. idem, ibidem, p. 54<br />
11. Nesta trajetórica, são inúmeros os conceitos emitidos, muito embora seu aspecto fulcral<br />
permaneça inalterado. Von Thur, como demonstra Ovídio A. B. da Silva, define direito<br />
subjetivo como a faculdade reconhecida à pessoa pela ordem jurídica, em virtude da qual<br />
o sujeito exterioriza sua vontade, dentro de certos limites, para a consecução dos fins que<br />
sua própria escolha determine. Já Maria Helena Diniz biparte este conceito entendendo<br />
existir direito subjetivo: a)comum da existência: consistindo na permissão de fazer ou não<br />
fazer, de ter ou não ter alguma coisa, sem violação de preceito normativo; b)defender<br />
direitos: referentemente a autorização de assegurar o uso do direito subjetivo, de modo<br />
que o lesado pela violação da norma está autorizado por ela a resistir contra a ilegalidade,<br />
a fazer cessar o ato ilícito, a reclamar reparações pelo dano e a processar criminosos,<br />
impondo-lhes pena. Caio Mario da Silva Pereira, após esposar várias opiniões e conceitos,<br />
parte para a sua análise, decompondo o mesmo em três elementos essenciais e constantes:<br />
a)sujeito: o titular do direito, ao qual a ordem jurídica assegura a faculdade de agir; b)objeto:<br />
identificado como sendo o bem jurídico sobre o qual o titular do direito exerce-o; c)relação<br />
jurídica: vínculo que submete o objeto ao sujeito. Na doutrina internacional podemos<br />
ancorar os mesmos traços no que diz com este conceito. Assim é que, recorrentemente se<br />
observa a alusão ao poder de exigir algo, cuja definição está previamente dada, conferido<br />
a determinado sujeito pela ordem jurídica objetiva, sendo-lhe atribuída a possibilidade<br />
de utilizar-se de mecanismos jurídicos apropriados para a garantia de ver satisfeita a sua<br />
pretensão, caso haja recusa de cumprimento voluntário.<br />
12. Ver a respeito, REMOND-GOUILLOUD, Martine, Du Droit de Détruire: essai sur le droit de<br />
l’environnement. Passim.<br />
13. Ver, a esse respeito, art. 6º do Código de Processo Civil Brasileiro<br />
14. Neste espectro podemos, então, situar, exemplificativamente, a sociedade mercantil,<br />
o condomínio, a família, o sindicato, os órgãos profissionais, entre outros, como grupos de<br />
indivíduos nos quais expressam-se tais interesses.<br />
15. MANCUSO, Rodolfo. Interesses Difusos. p. 33. Precisamos aprofundar a compreensão<br />
da idéia de interesse coletivo para que possamos afastá-la limpidamente de outras que,<br />
apesar de sua feição múltipla, permanecem adstritas ao âmbito dos interesses individuais.<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
Para tanto, podemos acercar-nos desta pureza, distinguindo três conotações diversas que<br />
podem assumir a idéia de interesse coletivo. Destas, somente a última nos será útil para nos<br />
apercebermos da presença de um interesse transindividual, senão vejamos: A. A primeira<br />
acepção corresponde ao interesse pessoal do grupo que é diverso dos interesses pessoais<br />
de seus componentes. Estes dizem respeito aos interesses pessoais da pessoa jurídica ou<br />
moral, configurando neste novo ente um interesse individual de segundo grau, com o<br />
mesmo caráter do interesse individual de primeiro grau titularizado pelo homem isolado;<br />
B. A segunda identifica o interesse coletivo à soma dos interesses pessoais dos membros do<br />
grupo, sendo, portanto, coletivo só na forma de exercício dos diversos interesses individuais;<br />
C. A última apresenta o interesse coletivo como a síntese dos diversos interesses individuais<br />
em jogo no interior do grupo, materializando um todo-novo interesse identificado com o<br />
grupo diretamente e, mediatamente com os seus membros, despersonalizando os diversos<br />
interesses individuais dispersos em seu interior e não personalizando um novo interesse<br />
individual na própria entidade grupal. É somente neste terceiro momento que estará<br />
presente o interesse coletivo adaptado à idéia aqui exposta. Nos dois conteúdos anteriores<br />
estaremos ainda diante de interesses individuais que podem ser os do próprio grupo ou de<br />
seus componentes, exercidos de forma coletiva.<br />
16. Na doutrina brasileira, ligada à questão dos interesses coletivos, é repetidas vezes<br />
referendada esta posição. Tanto Hugo Nigro Mazzilli, quanto Lucia Valle Figueiredo, bem<br />
como Ada Pelegrini Grinover, propõem uma definição destes, partindo da existência de um<br />
vínculo jurídico de união e significando, dessa forma, dizer respeito ao homem socialmente<br />
vinculado, o que implica um privilegiamento da sociedade civil organizada. A Lei 8078/90<br />
- Código do Consumidor – estatui em seu art. 81, II - interesses ou direitos coletivos, assim<br />
entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de seja<br />
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por<br />
uma relação jurídica básica.<br />
17. Há quem, como Rodolfo C. Mancuso, limite a três as notas fundamentais<br />
caracterizadoras dos interesses coletivos: A. um mínimo de organização; B. afetação a<br />
grupos determinados ou determináveis de pessoas - entidades próprias da sociedade civil;<br />
C. um vínculo jurídico básico. Tal assertiva, em todo válida, deixa, todavia, de lado alguns<br />
aspectos que, longe de serem secundários, significam uma tomada de posição distinta<br />
daquela assumida tradicionalmente pelos interesses individuais, permite a falsa idéia de<br />
serem os interesses coletivos, em realidade, interesses individuais assumidos coletivamente,<br />
na medida em que não expulsa de seus limites aspectos ligados à tradição individualista,<br />
tais como a despersonalização e a fruição não-excludente.<br />
18. Como habitar a mesma região, consumir os mesmos produtos, viver sob determinadas<br />
condições sócio-econômicas, sujeitar-se a determinados empreendimentos, etc.<br />
19. CAPPELLETTI, Mauro, Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil, pp.<br />
128-59.<br />
20. Este é um debate que vem sendo travado por inúmeros juristas. No caso brasileiro<br />
podemos apontar, no âmbito da sociologia jurídica, os trabalhos de Jose Eduardo Faria,<br />
Celso Campilongo, Jose Reinaldo de Lima Lopes; na perspectiva processual, Ada Pelegrini<br />
Grinover, Candido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe, Luiz Guilherme Marinoni, Hugo<br />
Nigro Mazzilli, Rodolfo de Camargo Mancuso. Embora não seja objeto de estudo específico<br />
neste momento, deve-se salientar a importância da pesquisa nesta área a fim não só<br />
de compreender e instrumentalizar os operadores jurídicos tradicionais mas, também,<br />
de incorporar a ele a tematização referente a outros operadores que se projetam como<br />
fundamentais nos dias atuais, tais, e.g., os peritos, os quais poderiam ser tidos como<br />
operadores jurídicos secundários, sem minimizar sua importância.<br />
21. Ver, e.g., as definições aportadas por Hugo Nigro MAZZILLI (Revista de Informação<br />
Legislativa, n. 109, p. 289), Ada Pelegrini GRINOVER (Revista de Direito Público, n. 93, p. 20) e<br />
Lei 8078/90, onde dizem-se difusos os interesses transindividuais de natureza indivisível, de<br />
que sejam titulares<br />
22. Ver deste autor o seu Constituição e Constituinte, dando atenção, em particular, ao<br />
seu conceito de Constituição, como sendo a declaração da vontade política de um povo,<br />
feita de modo solene por meio de uma lei que é superior a todas as outras e que, visando a<br />
proteção e a promoção da dignidade humana, estabelece os direitos e as responsabilidades<br />
fundamentais dos indivíduos, dos grupos sociais, do povo e do governo, onde se pode<br />
observar as respostas acerca de quem, como, o que é e para quê? uma Constituição.<br />
23. Sobre este conceito ver: STRECK,, Lenio e BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis. Ciência Política<br />
e Teoria Geral do Estado.<br />
24. Poder-se-ia, aqui, retomar a literatura própria do justnaturalismo contratualista - de<br />
Hobbes, Locke, Rousseau e tantos outros - para referendarmos tal assertiva, o que apenas<br />
referimos, por importante.<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
25. Ver, sobre o tema das regras do jogo democrático: BOBBIO, Norberto. O Futuro da<br />
Democracia: uma defesa das regras do jogo.<br />
26. Muitas são as classificações ou tipologias propostas, em particular quanto à eficácia e<br />
aplicabilidade das normas constitucionais. Poder-se-ia, aqui, mencionar várias delas. Parecenos<br />
suficiente, entretanto apontar aqui as sugestões de Jose Afonso da Silva - Aplicabilidade<br />
das Normas Constitucionais - de Maria Helena Diniz - A Norma Constitucional e seus Efeitos<br />
- Luis Roberto Barroso - O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas - entre<br />
outros.<br />
27. Lucia B. F. de Alvarenga sugere que os direitos sociais, que são normas impositivas de<br />
legislação, não conferindo aos seus titulares verdadeiros poderes de exigir, porque apenas<br />
indicam ou impõem ao legislador que tome medidas para a realização dos bens protegidos.<br />
(...) Não se reconhece, portanto, aos direitos sociais, um conteúdo de direito subjetivo que<br />
permita aos titulares a exigência do respectivo cumprimento, por via judicial, como direito<br />
líquido e certo e legitimidade individual. Ver: Direitos Humanos, Dignidade e Erradicação<br />
da Pobreza. Parece-nos que tal postura, de amplo espectro doutrinário, peca por atrelar-se<br />
sobremaneira a uma tradição individualista do direito com suporte, como visto, na idéia de<br />
direito subjetivo incompatível com o caráter próprio aos direitos sociais, como observado na<br />
classificação proposta.<br />
28. Muito embora este instrumento esteja fragilizado em razão do perfil que lhe foi dado<br />
pelo legislador constituinte, particularmente em razão da legitimidade ad causam restrita,<br />
não há que se removê-lo do elenco de possibilidades que justificam uma hermenêutica<br />
constitucional viabilizadora dos conteúdos sociais nela expressos.<br />
29. Adiante referiremos alguns aspectos relativos a este remédio constitucional que nos<br />
parece de todo importate para a temática ora debatida.<br />
30. A respeito ver, do autor, As Crises do Estado Contemporâneo, in América Latina:<br />
cidadania, desenvolvimento e Estado.<br />
31. Ver o seu A Força Normativa da Constituição. Para o trato da questão hermenêutica ver<br />
Hermenêutica Jurídica (em)Crise, de Lenio Luis Streck.<br />
32. Ver Ferdinand Lassale, Que é uma Constituição, passim..<br />
33. Sobre o tema ver: MORAIS, Jose Luis Bolzan de. As Crises do Estado Contemporâneo.<br />
34. Ver, do autor: Direitos Humanos e Globalização Econômica: notas para uma discussão.<br />
Revista O Mundo da Saúde.<br />
35. Ver: BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, passim.<br />
36. Renato Janine Ribeiro, Um adeus à democracia.<br />
37. Para tanto basta uma leitura, e.g., do art. 1o da CF/88. Ainda: MORAIS, Jose Luis Bolzan<br />
de. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais. O Estado e o Direito na ordem<br />
contemporânea.<br />
38. Ver do autor: Primazias da Democracia. Para ele: Este valor ético da democracia faz com<br />
que os direitos que a constituem tenham primazia sobre todos os outros direitos possíveis<br />
do homem. Aliás, nosso tempo mostra que tais direitos somente são assegurados quando<br />
há o núcleo duro dos direitos democráticos.<br />
39. Acerca desta nomenclatura ver: DANTAS, Ivo. O Valor da Constituição.<br />
40. Ver seu Transformaciones de la Constitución en el Siglo XX, in Revista de Estudios<br />
Políticos (Nueva Época).<br />
41. Não vamos adentrar, por despiciendo neste momento, em considerações relativamente<br />
à ação declaratória de constitucionalidade, sequer na nova ação de descumprimento de<br />
preceito fundamental, recentemente introduzida na experiência constitucional brasileira,<br />
nem ao menos nos instrumentos processuais constitucionais viabilizadores da efetivação da<br />
Carta Magna e de seus conteúdos fundamentais.<br />
42. Ver a respeito o significativo trabalho de Paulo BONAVIDES, intitulado Do País<br />
Constitucional ao País Neocolonial.<br />
43. Neste sentido temos inúmeros trabalhos de juristas, dentre os quais mencionamos:<br />
J.J.Gomes Canotilho, Antonio Augusto Cançado Trindade, Celso Antonio Bandeira de Mello e<br />
Flavia Piovesan.<br />
44. Ver, do autor, A Força Normativa da Constituição.<br />
45. Com relação aos intrincados problemas postos pela hermenêutica jurídica veja-se, por<br />
indispensável, a obra de Lênio Streck, A Hermenêutica Jurídica e(m)Crise.<br />
46. Ver, do autor, Realinhamento Constitucional, in SUNDFELD, Carlos Ari e VIEIRA, Oscar<br />
Vilhena (orgs.). Direito Global.p. 27<br />
47. Vamos deixar de lado, não por desimportante, a questão do déficit democrático que<br />
caracteriza a história latino-americana, devendo apenas fazer referência à difundida idéia de<br />
vivermos em um continente caracterizado por longos períodos de autoritarismo mediados<br />
por soluços democráticos.<br />
48. Veja-se, e.g., os casos da Itália(1947), Portugal pós-Revolução dos Cravos e Espanha, com<br />
Tutela dos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos<br />
Estatuto da Criança e do Adolescente - Aula 01
o fim do franquismo<br />
49. A Lei 9394/96 - LDB - produto de 8 anos de tramitação no Parlamento e de marchas e<br />
contramarchas em razão dos diversos intereses em jogo, substituindo a antiga Lei 5692/71,<br />
é um complexo de 92 artigos que, para além de explicitarem o próprio conteúdo Seção<br />
I, do Capítulo III, do Título VIII da CF/88, representam a consolidação dos aspectos gerais<br />
referentes à educação nacional, sem contudo evitar a flexibilização de seu conteúdo<br />
diante dos interesses em oposição que não encontraram seu termo médio, ficando para<br />
regulamentação posterior. Como não poderia deixar de ser o seu texto, bem como a<br />
hermenêutica proveniente de sua prática, devem estar em conformidade com as normas e<br />
princípios expressos na Constituição Federal, não podendo, em hipótese alguma, permitirse<br />
sequer a tentativa de inversão dos degraus da pirâmide normativa.<br />
50. Ver: ROIG, Rafael de Asis. Deberes y Obligaciones en la Constitucion. pp. 410-411<br />
51. Ver: ABENDROTH, Wolfgang. El Estado de Derecho Democrático y Social como proyecto<br />
político. In VV.AA. El Estado Social. p. 37<br />
52. ROIG, Rafael de Asis. Op. cit., p. 411<br />
53. Id. Ibid, p. 412<br />
54. É necessário que se tenha presente que nem sempre a gratuidade da oferta significa<br />
incondicionalmente garantia de acesso universalizado, como ocorre, e.g., com o ensino<br />
médio no Brasil onde a universalização apresenta-se como uma promessa a ser perseguida<br />
- veja que isto não significa, a contrário senso, o descomprometimento do ente público com<br />
a sua implementação, de acordo com o art. 208, III da CF/88. Por outro lado é interessante<br />
notar que o texto da legislação infraconstitucional pratica uma discriminação positiva ao<br />
prever o acesso à educação especializada aos portadores de necessidades especiais, bem<br />
como a gratuidade em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade (art. 4o,<br />
I, III e IV da LDB e 208, Ivda CF/88).<br />
55. Ver: STRECK, Lenio. O Mandado de Injunção no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Edições<br />
Trabalhistas. 1991. Pp. 77 e 27<br />
56. Ver: SILVA, Jose Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 426<br />
57. Ver: FERRAJOLI, Luigi. O Direito como Sistema de Garantias. In: OLIVEIRA JR., Jose<br />
Alcebíades de. O Novo em Direito e Política.<br />
58. Ver este autor, op. cit., p. 48<br />
59. Sobre a questão do tempo: MORAIS, Jose Luis Bolzan de. A Subjetividade do Tempo.<br />
Uma perspectiva transdisciplinar do direito e da democracia.<br />
60. Op. cit., pp. 19-20<br />
61. Ver do autor, op. cit., p. 17<br />
62. Ver: DALLARI, Dalmo, Op. cit., passim.<br />
63. Ver: SARLET, Ingo W. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. In:<br />
SARLET, Ingo W. O Direito Público em Tempos de Crise. Estudos em homenagem a Ruy<br />
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