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o papel da família na reabilitação do paciente afásico - CEFAC

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<strong>CEFAC</strong><br />

CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA<br />

LINGUAGEM<br />

O PAPEL DA FAMÍLIA NA REABILITAÇÃO DO<br />

PACIENTE AFÁSICO<br />

Daniela Bonini<br />

São Paulo<br />

1998


<strong>CEFAC</strong><br />

CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA<br />

LINGUAGEM<br />

O PAPEL DA FAMÍLIA NA REABILITAÇÃO DO<br />

PACIENTE AFÁSICO<br />

Daniela Bonini<br />

São Paulo<br />

1998<br />

Monografia de conclusão <strong>do</strong> curso<br />

de especialização em linguagem<br />

Orienta<strong>do</strong>ra: Mirian Goldenberg


RESUMO<br />

O objetivo <strong>do</strong> presente estu<strong>do</strong> foi o de verificar o <strong>papel</strong> <strong>da</strong> <strong>família</strong> <strong>na</strong><br />

<strong>reabilitação</strong> <strong>do</strong> <strong>paciente</strong> <strong>afásico</strong>.<br />

Para tanto, foi realiza<strong>do</strong> um levantamento bibliográfico visan<strong>do</strong> pesquisar as<br />

reações <strong>do</strong> <strong>paciente</strong> <strong>afásico</strong> e de sua <strong>família</strong> com relação ao déficit lingüístico<br />

decorrente de uma lesão cerebral.<br />

Constatou-se, no decorrer <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, que as reações vivi<strong>da</strong>s e ações<br />

realiza<strong>da</strong>s pela <strong>família</strong> que convive com um <strong>afásico</strong> dependem <strong>do</strong> grau de<br />

flexibili<strong>da</strong>de e abertura para mu<strong>da</strong>nças. Existem <strong>família</strong>s prepara<strong>da</strong>s para<br />

desempenhar seus papéis, aceitan<strong>do</strong> situações de mu<strong>da</strong>nça e conflito com maior<br />

facili<strong>da</strong>de. Por outro la<strong>do</strong>, existem <strong>família</strong>s que mantém rigi<strong>da</strong>mente os seus<br />

padrões de interação, até mesmo quan<strong>do</strong> uma mu<strong>da</strong>nça <strong>na</strong>s regras é essencial<br />

para o desenvolvimento de seus membros.<br />

A aceitação <strong>da</strong> afasia, acompanha<strong>da</strong> por uma atitude aberta, favorece a<br />

a<strong>da</strong>ptação social e a utilização mais satisfatória <strong>da</strong> linguagem funcio<strong>na</strong>l.<br />

Desta forma, conclui-se que o comportamento <strong>da</strong> <strong>família</strong> influencia o <strong>do</strong><br />

<strong>afásico</strong>, e até mesmo sua recuperação. Portanto, ocupa um <strong>papel</strong> importante no<br />

processo de <strong>reabilitação</strong> tanto no que se refere à fala quanto no que diz respeito<br />

ao aspecto emocio<strong>na</strong>l.


SUMMARY<br />

The objective of this paper was to verify the role of the family in the<br />

reabilitation of the aphasic patient.<br />

For that reason it was <strong>do</strong>ne a bibliographical exami<strong>na</strong>tion in order to search<br />

for the reaction of the aphasic patient and his family in relation to the linguistic<br />

défice origi<strong>na</strong>ted from a cerebral injury.<br />

It was confirmed, in the course of the study, that the experienced reaction<br />

and the realized action by the family that live together with <strong>na</strong> aphasic depend on the<br />

degree of flexibility and opening to changes. There are families prepared to play<br />

their parts, accepting siterations of change and conflict with more facility. On the<br />

other hand, there are families that keep their stan<strong>da</strong>rd of interaction rigidly, even<br />

when a change in the rules is essencial to the development of their members.<br />

The aphasia acceptance, fellowed by an open attitude, benefits the social<br />

a<strong>da</strong>ptation and the most satisfactory utilization of the functio<strong>na</strong>l language.<br />

In this way, we conclude that the behavior of the family influences the<br />

behavior of the aphasic and even his recuparation. Therefore, it occupies an<br />

important role in the process of reabilitation as much relating to the speech as to the<br />

emocio<strong>na</strong>l aspect.


Dedico esta monografia<br />

a to<strong>do</strong>s os<br />

fonoaudiólogos e<br />

profissio<strong>na</strong>is de áreas<br />

afins.


AGRADECIMENTOS<br />

Aos meus pais, por tu<strong>do</strong> o que<br />

me proporcio<strong>na</strong>m.<br />

À minha irmã Vanessa e prima<br />

Jade por imensa<br />

disponibili<strong>da</strong>de e espírito<br />

colabora<strong>do</strong>r.<br />

Ao Beto, meu noivo, pela sua<br />

compreensão e incentivo a<br />

ca<strong>da</strong> novo desafio.<br />

À Patrícia, Daniela, Marisa,<br />

Beth e Priscila pela carinhosa<br />

revisão deste trabalho.


“Assim, se to<strong>da</strong>s as coisas inteiras pudessem ser parti<strong>da</strong>s<br />

ao meio... to<strong>do</strong>s teriam possibili<strong>da</strong>de de sair de sua<br />

uni<strong>da</strong>de obtusa e ignorante.<br />

Eu era inteiro e to<strong>da</strong>s as coisas eram, para mim, <strong>na</strong>turais e<br />

confusas, estúpi<strong>da</strong>s como o ar, acreditava ver tu<strong>do</strong>, porém,<br />

era ape<strong>na</strong>s aparência. Se algum dia se transformar <strong>na</strong><br />

metade de si mesmo...compreenderá coisas que estão<br />

além <strong>da</strong> inteligência comum <strong>do</strong>s cérebros inteiros. Terá<br />

perdi<strong>do</strong> a metade de si e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, porém, a metade que<br />

sobrar será mil vezes mais profun<strong>da</strong> e preciosa.”<br />

ITALO CALVINO


SUMÁRIO<br />

1. Introdução................................................................................1<br />

2. Discussão Teórica...................................................................4<br />

3. Considerações Fi<strong>na</strong>is............................................................28<br />

4. Referências Bibliográficas.....................................................34


1. INTRODUÇÃO<br />

Tem si<strong>do</strong> muito discuti<strong>da</strong> por profissio<strong>na</strong>is <strong>da</strong> área <strong>da</strong> saúde, a importância<br />

<strong>da</strong> <strong>família</strong> <strong>na</strong> <strong>reabilitação</strong> <strong>do</strong> <strong>paciente</strong> <strong>afásico</strong>.<br />

Sabe-se que a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de se comunicar pelo emprego<br />

adequa<strong>do</strong> <strong>da</strong> linguagem constitui-se um grave problema, que não só atinge o<br />

<strong>paciente</strong>, como a to<strong>do</strong>s que com ele convivem ou que dele dependem.<br />

O indivíduo, ao ficar <strong>afásico</strong>, percebe que não mais tem controle sobre sua<br />

forma de exteriorização verbal, parecen<strong>do</strong> ser uma pessoa diferente <strong>da</strong>quela que<br />

era antes. O <strong>afásico</strong> vive o peso <strong>da</strong> solidão mais profun<strong>da</strong>, sentin<strong>do</strong>-se<br />

incompreendi<strong>do</strong>. Para a <strong>família</strong>, muitas vezes sua presença tor<strong>na</strong>-se um incômo<strong>do</strong><br />

e ele se sente aprisio<strong>na</strong><strong>do</strong> dentro de si e embora o deseje não consegue ter uma<br />

relação com o mun<strong>do</strong> exterior. Tu<strong>do</strong> isso porque não consegue mais compreender<br />

o que os outros dizem ou dizer o que pensa.<br />

Ten<strong>do</strong> em vista essa reali<strong>da</strong>de, busquei, no meu estu<strong>do</strong>, respostas para a<br />

seguintes questões:<br />

- Qual a importância <strong>da</strong> <strong>família</strong> <strong>na</strong> <strong>reabilitação</strong> <strong>do</strong> <strong>paciente</strong> <strong>afásico</strong>?<br />

- Até que ponto a <strong>família</strong> tem consciência de sua importância no processo<br />

de <strong>reabilitação</strong> <strong>do</strong> <strong>paciente</strong>?<br />

<strong>afásico</strong>?<br />

- Que aju<strong>da</strong> a <strong>família</strong> pode lançar mão para estimular e incentivar o<br />

Na presente investigação optei por desenvolver uma pesquisa teórica, <strong>na</strong><br />

1


qual realizei um levantamento bibliográfico <strong>na</strong> Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica de<br />

São Paulo com o objetivo de evidenciar aspectos importantes que foram<br />

apresenta<strong>do</strong>s e desenvolvi<strong>do</strong>s neste estu<strong>do</strong>, abor<strong>da</strong>n<strong>do</strong> a importância <strong>da</strong> <strong>família</strong><br />

no processo de recuperação <strong>do</strong> <strong>paciente</strong> <strong>afásico</strong>.<br />

Uma vez que o <strong>papel</strong> <strong>da</strong> <strong>família</strong> é considera<strong>do</strong>, por diversos autores, como<br />

estruturante <strong>na</strong> reconstrução não somente <strong>da</strong> linguagem <strong>do</strong> <strong>afásico</strong>, mas também<br />

<strong>da</strong>s relações sociais e afetivas, fica níti<strong>da</strong> a importância de novos estu<strong>do</strong>s para o<br />

enriquecimento <strong>da</strong> fonoaudiologia, áreas afins, além de também orientar os<br />

familiares <strong>do</strong> <strong>paciente</strong> <strong>afásico</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> se fala em afasia logo se pensa <strong>na</strong> <strong>família</strong> <strong>do</strong> <strong>paciente</strong>. Isso porque<br />

é comum a mesma não saber li<strong>da</strong>r com o sujeito no dia-a-dia, tratá-lo como<br />

criança, falar alto ou devagar com ele e, pior ain<strong>da</strong>, falar no lugar dele, tentan<strong>do</strong><br />

adivinhar sua vontade. Não é raro, também que a <strong>família</strong> reaja contra as poucas<br />

expressões que o <strong>afásico</strong> consegue produzir.<br />

O ambiente familiar é o lugar mais apropria<strong>do</strong> para que o <strong>afásico</strong> se<br />

reconstrua como sujeito, independentemente <strong>da</strong>s restrições de seu novo esta<strong>do</strong><br />

pessoal. Diante disso, é de extrema relevância conhecer a <strong>família</strong> e o mo<strong>do</strong> como<br />

esta concebe e li<strong>da</strong> com o <strong>afásico</strong>.<br />

Quan<strong>do</strong> uma <strong>família</strong> está viven<strong>do</strong> com um <strong>do</strong>ente, ela to<strong>da</strong> pode ficar<br />

<strong>do</strong>ente. A saúde de to<strong>do</strong>s os membros é importante para que haja uma aju<strong>da</strong><br />

eficaz.<br />

O presente estu<strong>do</strong> foi inspira<strong>do</strong> pelo interesse em <strong>do</strong>is assuntos pouco<br />

2


explora<strong>do</strong>s por mim: afasia e <strong>família</strong>. Assuntos esses que se fundiram, para dessa<br />

forma contribuir para a fonoaudiologia, áreas afins, bem como para os <strong>paciente</strong>s e<br />

os familiares.<br />

Eu acredito que a <strong>família</strong> pode aju<strong>da</strong>r, incentivar o <strong>afásico</strong> não só <strong>na</strong><br />

<strong>reabilitação</strong> de sua linguagem, mas também <strong>na</strong> recuperação de sua auto-estima,<br />

proporcio<strong>na</strong>n<strong>do</strong> momentos de independência e autonomia no que se refere a<br />

situações hábeis.<br />

Além disso, eu acredito que o apoio familiar é essencial em to<strong>do</strong>s os<br />

momentos <strong>da</strong> recuperação <strong>do</strong> <strong>paciente</strong>, deven<strong>do</strong> portanto ocorrer por parte <strong>do</strong>s<br />

profissio<strong>na</strong>is envolvi<strong>do</strong>s uma série de explicações e orientações pertinentes a<br />

ca<strong>da</strong> caso, evitan<strong>do</strong> que o <strong>afásico</strong> seja relega<strong>do</strong> a seu silêncio ou que seja<br />

superprotegi<strong>do</strong>, impedin<strong>do</strong> dessa forma que ele conquiste um certo grau de<br />

autonomia.<br />

Eu acredito também que as <strong>família</strong>s que estão sen<strong>do</strong> bem atendi<strong>da</strong>s e<br />

orienta<strong>da</strong>s possuem consciência de sua importância no processo de <strong>reabilitação</strong><br />

<strong>do</strong> <strong>paciente</strong> <strong>afásico</strong>.


2. DISCUSSÃO TEÓRICA<br />

3<br />

A afasia é defini<strong>da</strong> por alterações <strong>do</strong>s processos lingüísticos de<br />

significação de origem discursiva e articulatória decorrentes de lesão focal<br />

adquiri<strong>da</strong> no sistema nervoso central, em áreas responsáveis pela linguagem,<br />

poden<strong>do</strong> ou não se associarem a alterações de outros processos cognitivos. Um<br />

indivíduo é considera<strong>do</strong> <strong>afásico</strong> quan<strong>do</strong>, <strong>do</strong> ponto de vista lingüístico, o<br />

funcio<strong>na</strong>mento de sua linguagem, após lesão cerebral, não leva em conta<br />

determi<strong>na</strong><strong>do</strong>s recursos de produção ou interpretação (COUDRY, 1988).<br />

As causas <strong>da</strong> afasia são <strong>da</strong>nos cerebrais e/ou acidentes encefálicos<br />

(derrames) e que cientificamente recebem a sigla de AVC (acidente vascular<br />

cerebral) e/ou AVE (acidente vascular encefálico). Dentre eles encontram-se as<br />

embolias, os infartes, os aneurismas, as tromboses, os ferimentos por que<strong>da</strong>s ou<br />

armas de fogo quan<strong>do</strong> atingem a massa encefálica, e, às vezes, tumores cerebrais<br />

(JAKUBOVICZ e MEINBERG, 1992).<br />

Segun<strong>do</strong> estas autoras, as afasias ocorrem em maior freqüência em época<br />

de guerra e, é estima<strong>do</strong> que até bem pouco tempo sua ocorrência era muito maior<br />

no sexo masculino. Essa freqüência tenderá a igualar-se em decorrência <strong>da</strong><br />

modificação <strong>do</strong>s hábitos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> femini<strong>na</strong>, quer dizer, pela maior exposição aos<br />

acidentes automobilísticos, ferimentos de guerra, fumo, álcool e pela própria<br />

tensão <strong>do</strong> trabalho dentro e fora de casa.<br />

A afasia não é uma <strong>do</strong>ença nova e nem mesmo rara. É conheci<strong>da</strong>


4<br />

e estu<strong>da</strong><strong>da</strong> desde o fi<strong>na</strong>l <strong>do</strong> século XIX por clínicos interessa<strong>do</strong>s, como o francês<br />

Paul Broca (1865) ou o alemão Carl Wernicke (1874), que até legaram os seus<br />

nomes para formas clínicas particulares de afasia (PONZIO, LAFOND,<br />

DEGIOVANI et al., 1995).<br />

BOONE e PLANTE (1994), categorizaram a afasia basea<strong>do</strong>s em<br />

GOODGLASS e KAPLAN (1984), de acor<strong>do</strong> com a fluência ou não fluência. Os<br />

tipos de afasia estão descritos a seguir:<br />

1- Afasia não-fluente:<br />

1.1- Afasia de Broca ou motora<br />

Pacientes com este tipo de afasia possui muitas dificul<strong>da</strong>des quanto à<br />

fonologia, embora apresentem compreensão de linguagem normal. A apraxia oral-<br />

verbal também é encontra<strong>da</strong> com freqüência.<br />

1.2- Afasia transcortical motora<br />

Pacientes com este tipo de afasia possuem uma fala telegráfica (sem<br />

artigos e conjunções). Além disso, o fluxo prosódico melódico <strong>da</strong> fala está ausente.<br />

Neste tipo de afasia a compreensão também não está afeta<strong>da</strong>.<br />

2- Afasia fluente:<br />

2.1- Afasia anômica<br />

Pacientes com anomia apresentam déficits de linguagem receptiva entre<br />

leves à modera<strong>da</strong>s. A maior dificul<strong>da</strong>de entretanto está em encontrar as palavras,<br />

tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> sua fala disfluente no momento de encontrar a palavra que quer dizer.<br />

2.2- Afasia condutiva


5<br />

Pacientes com este tipo de afasia possuem compreensão próxima à<br />

normal, sen<strong>do</strong> que a dificul<strong>da</strong>de está em dizer uma palavra específica. A afasia<br />

condutiva não é muito encontra<strong>da</strong> clinicamente.<br />

2.3- Afasia de Wernicke<br />

Neste tipo de afasia os <strong>paciente</strong>s apresentam um padrão de fala fluente que<br />

soa como jargão. Além disso, o indivíduo exibe problemas de compreensão<br />

auditiva que vão de modera<strong>do</strong>s à severos.<br />

2.4- Afasia transcortical sensorial<br />

Este tipo de <strong>paciente</strong> possui uma fala que soa como jargão, com algumas<br />

palavras soan<strong>do</strong> próximas às reais. O maior problema entretanto é com a<br />

compreensão auditiva e de leitura, que é considera<strong>da</strong> severa.<br />

3- Afasia global:<br />

Pacientes com este tipo de afasia possuem dificul<strong>da</strong>des tanto de<br />

compreensão como de emissão, tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> a maior parte <strong>da</strong> comunicação<br />

impossível.<br />

A presente investigação irá se apoiar neste modelo de categorização <strong>da</strong>s<br />

afasias por considerá-lo amplo e detalha<strong>do</strong>, fato que contribuirá para o<br />

conhecimento <strong>do</strong> indivíduo a ser pesquisa<strong>do</strong> perante sua <strong>família</strong>.<br />

É importante ressaltar que <strong>na</strong> maioria <strong>da</strong>s vezes o <strong>afásico</strong> é mal<br />

compreendi<strong>do</strong> pelos que o cercam. Alguns <strong>paciente</strong>s, como os que possuem<br />

afasia de Wernicke são considera<strong>do</strong>s como <strong>do</strong>entes psiquiátricos ou como ten<strong>do</strong><br />

problemas intelectuais.


6<br />

Em seus estu<strong>do</strong>s sobre a afasia JAKUBOVICZ e MEINBERG (1992;45)<br />

apontam os aspectos <strong>da</strong> inteligência e pensamento como sen<strong>do</strong> processos mais<br />

lentos em alguns indivíduos <strong>afásico</strong>s, mas não ausentes. Isso é constata<strong>do</strong> no<br />

processo de <strong>reabilitação</strong>, no qual ocorrem melhoras, pois o <strong>afásico</strong> reaprende a<br />

operar, utilizan<strong>do</strong> uma capaci<strong>da</strong>de que já possuía. Nessa perspectiva, as autoras<br />

colocam que:<br />

“... trata-se de um indivíduo que já possui linguagem, em to<strong>da</strong>s as suas<br />

formas, e, em conseqüência de uma lesão cerebral, ficou impedi<strong>do</strong> de<br />

exteriorizar seus pensamentos e sua inteligência em forma lingüística. O<br />

lesio<strong>na</strong><strong>do</strong> cerebral é mais lento, demora<strong>do</strong>, tanto nos processos de input<br />

como nos de output. To<strong>do</strong>s os seus processos intelectuais se fazem com<br />

maior dificul<strong>da</strong>de, falan<strong>do</strong>-se de maneira genérica, porém sabemos que há o<br />

pensamento e há a inteligência...”<br />

A afasia afeta o indivíduo, tanto no que diz respeito a sua capaci<strong>da</strong>de de<br />

compreender ou de se expressar como também no que se refere ao seu esta<strong>do</strong><br />

psíquico. A afasia é, provavelmente, a seqüela ou limitação mais importante, mais<br />

incapacitante, seja no plano pessoal, social ou econômico, provoca<strong>da</strong> por uma<br />

lesão cerebral. Ela atinge a pessoa em vários níveis, tanto no plano intelectual<br />

quanto afetivo (COUDRY, 1988).<br />

Neste contexto, não é raro encontrar sujeitos <strong>afásico</strong>s que apresentam<br />

mu<strong>da</strong>nças radicais em sua perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de, parecen<strong>do</strong> não se tratar <strong>da</strong> mesma<br />

pessoa. Outros fatores como o prognóstico, a quali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s tanto


7<br />

<strong>da</strong> <strong>família</strong> quanto <strong>da</strong> equipe clínica, e o nível de quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> que o <strong>afásico</strong><br />

pode esperar de seu futuro imediato (volta ou não para casa, possível retoma<strong>da</strong> de<br />

suas ativi<strong>da</strong>des preferi<strong>da</strong>s) também desempenham um importante <strong>papel</strong> <strong>na</strong><br />

determi<strong>na</strong>ção <strong>da</strong>s condições emocio<strong>na</strong>is <strong>do</strong> indivíduo <strong>afásico</strong> (PONZIO, LAFOND,<br />

DEGIOVANI et al., 1995).<br />

De acor<strong>do</strong> com estes autores, uma série de comportamentos ou reações<br />

psicológicas fazem parte <strong>do</strong> quadro clínico encontra<strong>do</strong> nos <strong>paciente</strong>s <strong>afásico</strong>s (em<br />

média de seis à <strong>do</strong>ze meses após a lesão) e consideram que essas atitudes<br />

devem ser compreendi<strong>da</strong>s, pois derivam de momentos de a<strong>da</strong>ptação diante <strong>da</strong><br />

per<strong>da</strong> e <strong>do</strong> fracasso em que estão passan<strong>do</strong>. Tais comportamentos são:<br />

• Ansie<strong>da</strong>de<br />

O nível de ansie<strong>da</strong>de freqüentemente é eleva<strong>do</strong> nos <strong>afásico</strong>s (me<strong>do</strong> de<br />

recaí<strong>da</strong>, me<strong>do</strong> de morrer ou de não entender o que está acontecen<strong>do</strong>). Eles<br />

enfrentam também o me<strong>do</strong> de um futuro incerto, o me<strong>do</strong> de não serem mais<br />

como antes e o risco de perder pessoas ama<strong>da</strong>s. Precisam enfrentar a<br />

situação mais difícil de suas vi<strong>da</strong>s e têm de fazê-lo com meios limita<strong>do</strong>s.<br />

Quanto mais aumenta o grau de consciência, mais a ansie<strong>da</strong>de se amplia e<br />

algumas vezes de maneira incontrolável.<br />

• Negação<br />

O <strong>afásico</strong> muitas vezes faz de conta que <strong>na</strong><strong>da</strong> está acontecen<strong>do</strong>, ou seja,<br />

recusa tomar consciência de seus limites, tanto físicos quanto psicológicos.<br />

Freqüentemente a negação pode funcio<strong>na</strong>r como uma


proteção contra a depressão.<br />

• Regressão<br />

8<br />

Em alguns casos o <strong>afásico</strong>, ao procurar formas de a<strong>da</strong>ptação, regride a<br />

comportamentos menos evoluí<strong>do</strong>s, menos elabora<strong>do</strong>s. Dessa forma, não é<br />

surpresa a <strong>família</strong> considerar a pessoa afásica como se ela tivesse volta<strong>do</strong><br />

à infância.<br />

• Egocentrismo e Infantilismo<br />

Algumas vezes, a pessoa afásica pode se comportar como se fosse o<br />

centro de tu<strong>do</strong>, exigin<strong>do</strong> atitudes imediatas. A dificul<strong>da</strong>de de perceber uma<br />

situação em sua totali<strong>da</strong>de pode aumentar esse tipo de comportamento.<br />

• Danos a Auto-Estima<br />

O <strong>afásico</strong> por se sentir profun<strong>da</strong>mente atingi<strong>do</strong> e feri<strong>do</strong> pode chegar a<br />

perder o senso de identi<strong>da</strong>de. Ele vê desaparecer boa parte <strong>da</strong>quilo que<br />

podia <strong>da</strong>r-lhe importância ou prestígio. Pode encontrar-se <strong>na</strong><br />

impossibili<strong>da</strong>de de cumprir seus papéis familiares e sociais, como fazia<br />

antes. Durante algum tempo, seus meios de valorização ficam inibi<strong>do</strong>s e<br />

alguns talvez nunca mais voltem.<br />

• Solidão e Isolamento<br />

A dificul<strong>da</strong>de para se comunicar com os outros e a diminuição <strong>da</strong> auto-<br />

estima podem levar o <strong>afásico</strong> a se isolar socialmente. Além disso, o me<strong>do</strong><br />

de ser rejeita<strong>do</strong> pelos que lhe são próximos também facilita o isolamento.<br />

Dessa forma, a solidão pode aumentar o sentimento de tristeza e


9<br />

depressão, ao mesmo tempo em que diminui a chances de ocorrência de<br />

situações que possam melhorar a linguagem ou a elaboração de novos<br />

meios de comunicação.<br />

• Labili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Emoções<br />

As pessoas afásicas possuem com bastante freqüência uma tendência a<br />

chorar de mo<strong>do</strong> i<strong>na</strong>propria<strong>do</strong>, devi<strong>do</strong> à limitação <strong>do</strong>s processos de inibição<br />

e de controle <strong>da</strong>s emoções liga<strong>do</strong>s à lesão cerebral. Pode ocorrer também<br />

a tendência a passar rapi<strong>da</strong>mente de um esta<strong>do</strong> emocio<strong>na</strong>l para outro, sem<br />

que a reali<strong>da</strong>de exterior justifique.<br />

• Agressivi<strong>da</strong>de<br />

Os <strong>afásico</strong>s são facilmente irritáveis devi<strong>do</strong> às numerosas fontes de<br />

frustração e o controle prejudica<strong>do</strong> de suas emoções. Para alguns, a<br />

agressivi<strong>da</strong>de tor<strong>na</strong>-se uma maneira de controlar o ambiente ou de se<br />

afirmar. Inevitavelmente, são os que lhes são próximos que se tor<strong>na</strong>rão suas<br />

vítimas, não porque mereçam, mas sobretu<strong>do</strong> porque estão presentes no<br />

momento <strong>da</strong> crise de agressivi<strong>da</strong>de.<br />

• Vergonha e Culpa<br />

O fato de se ver diminuí<strong>do</strong> enquanto pessoa pode provocar vergonha no<br />

<strong>afásico</strong>. Ele freqüentemente tem vergonha <strong>do</strong> que lhe ocorreu, chega a se<br />

sentir como alguém que não vale <strong>na</strong><strong>da</strong>. Pode também achar que está<br />

sobrecarregan<strong>do</strong> as pessoas que lhe são próximas (cônjuge, <strong>família</strong> e<br />

colegas) devi<strong>do</strong> a suas limitações físicas e ou psicológicas. Se a causa


10<br />

<strong>do</strong>s déficits não for bem compreendi<strong>da</strong>, a <strong>família</strong> e o círculo próximo<br />

também podem ter vergonha <strong>do</strong> <strong>afásico</strong> ou se sentirem incomo<strong>da</strong><strong>do</strong>s ao<br />

acompanhá-lo fora de casa.<br />

• Dependência e Passivi<strong>da</strong>de<br />

Consideran<strong>do</strong>-se tu<strong>do</strong> de negativo que acontece com o <strong>afásico</strong>, não é de<br />

estranhar que ele seja tenta<strong>do</strong> a se resig<strong>na</strong>r e a se aban<strong>do</strong><strong>na</strong>r aos cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>s outros. Muitas vezes as limitações são tantas que a pessoa afásica não<br />

pode deixar de depender <strong>do</strong> meio por algum tempo, implican<strong>do</strong> um golpe<br />

<strong>na</strong> auto-estima e dessa maneira provocan<strong>do</strong> agressivi<strong>da</strong>de ou<br />

desencorajamento.<br />

• Desinibição<br />

Devi<strong>do</strong> à falta de controle de suas necessi<strong>da</strong>des de afeição e pulsões<br />

sexuais ou à auto-crítica i<strong>na</strong>dequa<strong>da</strong>, a pessoa afásica pode se comportar<br />

de mo<strong>do</strong> incorreto e transgredir as normas sociais por sua falta de<br />

compostura e cerimônia.<br />

As reações ou manifestações cita<strong>da</strong>s podem evidentemente ser menores ou<br />

maiores, dependen<strong>do</strong> <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de e duração <strong>da</strong>s seqüelas, <strong>da</strong> reação <strong>do</strong> meio e<br />

<strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> apoio que ele pode oferecer, <strong>da</strong> rapidez e quali<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s<br />

cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s ofereci<strong>do</strong>s pela equipe de <strong>reabilitação</strong>.<br />

Sen<strong>do</strong> a linguagem um instrumento de comunicação privilegia<strong>do</strong>, sua per<strong>da</strong><br />

gera no <strong>afásico</strong> uma fonte de isolamento perante sua <strong>família</strong> e a socie<strong>da</strong>de.<br />

Incapazes de se exteriorizarem, de se comunicarem pela


linguagem, seus pensamentos tor<strong>na</strong>m-se acessíveis ape<strong>na</strong>s a si mesmos.<br />

11<br />

Neste processo, a <strong>família</strong> possui uma função fun<strong>da</strong>mental, pois ela é o local<br />

de relações privilegia<strong>da</strong>s, ou seja, é o lugar <strong>da</strong> estruturação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> psíquica (<br />

REIS, 1984).<br />

Entretanto, a afasia pode provocar tanto um estritamento, quanto um<br />

distanciamento <strong>do</strong>s laços familiares. Isso não depende somente <strong>da</strong>s relações<br />

anteriores, ou seja, <strong>do</strong> tipo de vínculo, mas também <strong>da</strong>s reações <strong>do</strong>s membros em<br />

resposta a esse evento perturba<strong>do</strong>r. Tais reações podem ser: indiferença,<br />

rejeição, superproteção e entusiasmo frente a resulta<strong>do</strong>s espetaculares, quer<br />

dizer, melhoras.<br />

MINUCHIN (1990), refere-se à <strong>família</strong> como sen<strong>do</strong> um sistema aberto em<br />

transformação, que se a<strong>da</strong>pta às diferentes exigências <strong>da</strong>s fases de<br />

desenvolvimento que enfrenta. Desta maneira, a <strong>família</strong> precisa se reestruturar e<br />

encorajar o crescimento de to<strong>do</strong>s os seus membros. Quanto mais flexibili<strong>da</strong>de e<br />

a<strong>da</strong>ptabili<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s membros, mais significativa se tor<strong>na</strong>rá a <strong>família</strong>, como a<br />

fun<strong>da</strong>nte <strong>do</strong> desenvolvimento psicossocial.<br />

Segun<strong>do</strong> este mesmo autor, a <strong>família</strong> é uma uni<strong>da</strong>de social que enfrenta<br />

uma série de tarefas de desenvolvimento. Estas diferem junto com parâmetros de<br />

diferenças culturais, mas possuem raízes universais.<br />

O envolvimento familiar é algo que antecede até mesmo o <strong>na</strong>scimento.<br />

Sen<strong>do</strong> assim, a <strong>família</strong> contribui para a formação <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de <strong>do</strong> indivíduo,<br />

pois exerce uma série de influências extremamente significativas que acabam


13<br />

tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> possível a reestruturação. Se uma <strong>família</strong> responde ao estresse com<br />

rigidez, ocorrem padrões disfuncio<strong>na</strong>is ( MINUCHIN, 1990).<br />

PONZIO, LAFONDI, DEGIOVANI et al. (1995) relatam em seus trabalhos<br />

que o <strong>afásico</strong> dificilmente retoma as relações sociais que tinha antes <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença,<br />

desde sua relação com o cônjuge como seu relacio<strong>na</strong>mento com os filhos. Seu<br />

<strong>papel</strong> perante o grupo familiar parece estar modifica<strong>do</strong>, ameaça<strong>do</strong>. A <strong>família</strong> por<br />

sua vez também encontrará dificul<strong>da</strong>des em situar o seu <strong>papel</strong> frente ao indivíduo<br />

<strong>do</strong>ente. Alguns membros entram em pânico diante <strong>da</strong> amplitude <strong>da</strong> tarefa para<br />

com o <strong>afásico</strong>, outros encontram dentro de si possibili<strong>da</strong>des até então<br />

desconheci<strong>da</strong>s e consideram seus novos papéis satisfatórios ou até mesmo<br />

gratificantes.<br />

Diante dessa perspectiva, fica níti<strong>do</strong> a necessi<strong>da</strong>de de haver um trabalho<br />

de orientação por parte <strong>da</strong> equipe multidiscipli<strong>na</strong>r para com a <strong>família</strong> <strong>do</strong> <strong>paciente</strong><br />

<strong>afásico</strong>. Um trabalho que busque a conscientização e que informe o que é a<br />

<strong>do</strong>ença, como será o tratamento, que benefícios poderão ocorrer, etc.<br />

A <strong>família</strong> deve ser orienta<strong>da</strong> no senti<strong>do</strong> de compreender e aceitar as<br />

dificul<strong>da</strong>des e limitações <strong>do</strong> <strong>afásico</strong> interagin<strong>do</strong> com ele tal como ele é; não tratá-<br />

lo como criança; não tentar substituí-lo em suas ativi<strong>da</strong>des; não falar no lugar dele<br />

e acompanhar sua evolução (COUDRY, 1988).<br />

JAKUBOVICZ e MEINBERG (1992), por sua vez, descrevem uma série de<br />

incentivos que a <strong>família</strong> pode prestar para o <strong>afásico</strong>, afim de favorecer e acelerar<br />

sua recuperação, dentre eles estão: falar com o <strong>paciente</strong> de maneira


14<br />

clara, pausa<strong>da</strong>, procuran<strong>do</strong> olhá-lo; não interrompê-lo no momento em que estiver<br />

falan<strong>do</strong>; encorajá-lo sempre para participar de ativi<strong>da</strong>des familiares; compreender<br />

o aparente egoísmo <strong>do</strong> <strong>afásico</strong>; se esforçar para entender o que o <strong>paciente</strong> quer<br />

dizer ou fazer e não isolá-lo no seu convívio, mas tampouco colocá-lo em situações<br />

estressantes.<br />

Como vimos, o comportamento <strong>da</strong> <strong>família</strong> influencia o <strong>do</strong> <strong>afásico</strong>, e até<br />

mesmo sua recuperação. WILLIAMS e FREER (1986), afirmam que os <strong>paciente</strong>s<br />

sem apoio familiar tendem à deterioração física e emocio<strong>na</strong>l e não tiram muito<br />

proveito <strong>da</strong> reeducação. Atualmente, é reconheci<strong>do</strong> por muitos centros<br />

especializa<strong>do</strong>s que a <strong>família</strong> ocupa um lugar importante no processo de<br />

reeducação <strong>do</strong> <strong>afásico</strong> e assim é incluí<strong>da</strong> no programa de recuperação tanto no<br />

que se refere à fala quanto no que diz respeito ao aspecto emocio<strong>na</strong>l.<br />

Conhecer e identificar a dinâmica familiar e suas conseqüências, bem<br />

como compreender o que significa e como se estrutura o sintoma<br />

linguagem nessa relação, parece colaborar muito para a sua compreensão<br />

contextualiza<strong>da</strong>, o que facilita o trabalho com o indivíduo. Tal conduta favorece<br />

ain<strong>da</strong> uma possível intervenção que ajude <strong>na</strong> modificação dessa dinâmica, quan<strong>do</strong><br />

necessário, permitin<strong>do</strong> à <strong>família</strong> facilitar o processo terapêutico (FRANCO, 1992).<br />

Nem sempre, porém, é possível intervir em determi<strong>na</strong><strong>da</strong>s dinâmicas<br />

familiares. O grau de flexibili<strong>da</strong>de e abertura para mu<strong>da</strong>nças vai depender de ca<strong>da</strong><br />

<strong>família</strong>.


15<br />

Existem <strong>família</strong>s que não só aceitam como estimulam, tanto a coesão<br />

familiar, como a individuali<strong>da</strong>de de seus membros, reagin<strong>do</strong> bem diante de certas<br />

desorganizações que possibilitam o crescimento, o encontro com novos papéis e<br />

com novas formas de equilíbrio mais amadureci<strong>do</strong>s. Neste tipo de organização<br />

familiar, segun<strong>do</strong> ANDOLFI (1984;20), “ca<strong>da</strong> um sabe que pode compartilhar seu<br />

espaço pessoal com os outros sem sentir-se força<strong>do</strong> a existir ape<strong>na</strong>s como função<br />

deles”.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, há <strong>família</strong>s mais rígi<strong>da</strong>s, que reagem a qualquer tipo de<br />

mu<strong>da</strong>nça, buscan<strong>do</strong> manter seus equilíbrios sempre constantes, dificultan<strong>do</strong>, desta<br />

forma, a individuali<strong>da</strong>de, o crescimento e a maturi<strong>da</strong>de de seus membros e<br />

impossibilitan<strong>do</strong> a existência de limites interpessoais claros. Neste tipo de<br />

relacio<strong>na</strong>mento, ANDOLFI (1984;20) a<strong>na</strong>lisa que o “espaço pessoal é confundi<strong>do</strong><br />

com o espaço interativo”. Portanto, neste caso, “a única possibili<strong>da</strong>de para<br />

coexistência pode então tor<strong>na</strong>r-se a intrusão no espaço pessoal <strong>do</strong>s outros,<br />

acompanha<strong>da</strong> pela per<strong>da</strong> de seu próprio espaço pessoal”.<br />

A medi<strong>da</strong> em que o clínico conhece mais a fun<strong>do</strong> o <strong>paciente</strong> e sua <strong>família</strong>, e<br />

observa que, embora a terapia seja centra<strong>da</strong> no indivíduo (o que se oporia a uma<br />

terapia centra<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>família</strong>) MAIA (1986), descreve que suas modificações geram<br />

também mu<strong>da</strong>nças perceptíveis <strong>na</strong> <strong>família</strong>. Isto indica que, mesmo um atendimento<br />

individual repercute sobre a <strong>família</strong>: as transformações <strong>do</strong> <strong>afásico</strong> afetam suas<br />

representações sobre si mesmo e sobre sua <strong>família</strong>, assim como alteram as<br />

representações <strong>do</strong>s familiares sobre o <strong>afásico</strong> e sobre si<br />

mesmos.


Desta forma, movimenta-se a dinâmica <strong>da</strong>s relações familiares como um to<strong>do</strong>.<br />

16<br />

De acor<strong>do</strong> com ANDOLFI (1984), a <strong>família</strong> é um sistema relacio<strong>na</strong>l, que se<br />

configura como um sistema aberto. Ou seja, a <strong>família</strong> estrutura uma rede de<br />

relações inter<strong>na</strong>, numa progressão por mútuas influências.<br />

No interior desta uni<strong>da</strong>de familiar, vamos encontrar subsistemas, ou seja,<br />

uma forma de organização fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>na</strong>s relações de papéis familiares. Assim,<br />

numa <strong>família</strong> nuclear intacta, encontramos os subsistemas <strong>do</strong>s pais, <strong>do</strong>s esposos,<br />

<strong>do</strong>s filhos e <strong>do</strong>s irmãos, ca<strong>da</strong> um desses subgrupos possui tarefas específicas<br />

dentro <strong>da</strong> <strong>família</strong> (CALIL, 1987).<br />

Através <strong>da</strong> forma que estes subsistemas (que devem ter uma delimitação<br />

própria) se relacio<strong>na</strong>m entre si e com o sistema global é que a <strong>família</strong> terá sua<br />

organização e estrutura específica. É a partir deste to<strong>do</strong> estrutura<strong>do</strong> que vai se<br />

relacio<strong>na</strong>r com o mun<strong>do</strong> externo, influencian<strong>do</strong>-o e sen<strong>do</strong> por ele influencia<strong>do</strong>.<br />

Neste senti<strong>do</strong>, podemos entender a <strong>família</strong> como um to<strong>do</strong> coeso que formula<br />

implícita ou explicitamente uma série de regras de funcio<strong>na</strong>mento, num jogo de<br />

atribuições e assunção de papéis, que vai buscar equilíbrio e estabili<strong>da</strong>de. Este<br />

processo é difícil e turbulento por circunstâncias inerentes à convivência social.<br />

Em primeiro lugar porque a <strong>família</strong> deve corresponder minimamente às<br />

solicitações <strong>do</strong> meio social em que está inseri<strong>da</strong>, meio este que está em<br />

constante transformação. Em segun<strong>do</strong>, porque é dentro deste sistema interacio<strong>na</strong>l<br />

que os indivíduos se desenvolvem em direção à uma progressiva perso<strong>na</strong>lização,<br />

a se tor<strong>na</strong>rem uma singulari<strong>da</strong>de, até o ponto de se tor<strong>na</strong>rem


17<br />

independentes e formarem sua própria <strong>família</strong>. E em terceiro, porque a<br />

própria uni<strong>da</strong>de familiar está em constante transformação, por mais rígi<strong>da</strong>s que<br />

sejam suas relações. Isto posto, podemos entender a <strong>família</strong> e o indivíduo<br />

como <strong>do</strong>is sistemas em evolução (ANDOLFI, 1984).<br />

Assim sen<strong>do</strong>, a <strong>família</strong>, para cumprir sua função de permitir a maturação<br />

biológica e o desenvolvimento psicossocial, ao mesmo tempo em que deve<br />

manter-se uni<strong>da</strong>, deve ser capaz de tolerar situações de crise e conflito, ten<strong>do</strong><br />

uma espécie de norte: a estabili<strong>da</strong>de possível que lhe permita a própria<br />

sobrevivência como grupo social. Mas nem sempre a sobrevivência <strong>da</strong> <strong>família</strong> se<br />

dá através de padrões interacio<strong>na</strong>is funcio<strong>na</strong>is. Por vezes, a <strong>família</strong> pode<br />

equilibrar-se em torno de padrões disfuncio<strong>na</strong>is, pois não suporta a ameaça de<br />

desintegração (GOMES, 1994).<br />

De acor<strong>do</strong> com CALIL (1987), as <strong>família</strong>s prepara<strong>da</strong>s para desempenhar<br />

seu <strong>papel</strong>, apresentam flexibili<strong>da</strong>de para li<strong>da</strong>r com as situações de mu<strong>da</strong>nça e<br />

conflito. Além disso, no interior destas <strong>família</strong>s, existe uma pre<strong>do</strong>minância de<br />

mensagens recíprocas (os parceiros são capazes de aceitar as diferenças<br />

individuais, levan<strong>do</strong> ao respeito mútuo e à confiança no respeito <strong>do</strong> outro, o que<br />

equivale a uma confirmação realista e recíproca de semipermeabili<strong>da</strong>de <strong>na</strong>s<br />

fronteiras que delimitam a <strong>família</strong> e seus subsistemas, ou seja, há uma<br />

possibili<strong>da</strong>de de diferenciação de seus subsistemas ao mesmo tempo em que há<br />

possibili<strong>da</strong>de de trocas entre os membros e entre os subsistemas.<br />

De outro la<strong>do</strong>, há <strong>família</strong>s que, como já foi mencio<strong>na</strong><strong>do</strong>, se organizam


18<br />

em torno de padrões disfuncio<strong>na</strong>is. CALIL (1987), descreve o sistema familiar<br />

disfuncio<strong>na</strong>l como aquele que mantém rigi<strong>da</strong>mente os seus padrões de interação,<br />

até mesmo quan<strong>do</strong> uma mu<strong>da</strong>nça <strong>na</strong>s regras é essencial para o desenvolvimento<br />

de seus membros, ou para a a<strong>da</strong>ptação a novas condições familiares. Nesse caso<br />

as regras de associação e comunicação que gover<strong>na</strong>m o sistema familiar<br />

impedem a individuação e a autonomia de seus membros isola<strong>do</strong>s, as pessoas<br />

passam a coexistir ao nível <strong>da</strong>s funções: um é ape<strong>na</strong>s função <strong>do</strong> outro. Ca<strong>da</strong> um<br />

encontra dificul<strong>da</strong>de de afirmar e reconhecer sua própria identi<strong>da</strong>de, bem como a<br />

<strong>do</strong>s outros. Ninguém pode escolher livremente entre elaborar certas funções ou<br />

libertar-se. Ca<strong>da</strong> um acha-se força<strong>do</strong> a ser sempre aquilo que o sistema lhe<br />

impõe.<br />

A <strong>família</strong> disfuncio<strong>na</strong>l pode reagir à situações de mu<strong>da</strong>nça e \ ou<br />

conflito, senti<strong>da</strong>s como ameaça<strong>do</strong>ras <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de familiar. Neste caso, o membro<br />

eleito para desempenhar o <strong>papel</strong> de “bode expiatório” ou “messias salva<strong>do</strong>r <strong>da</strong><br />

<strong>família</strong>”, passa a ser o depositário <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s ameaça<strong>do</strong>res ou <strong>da</strong>s<br />

expectativas ilusórias. PICHON-RIVIÈRE (1986), se refere a este mecanismo<br />

propon<strong>do</strong> a teoria <strong>do</strong>s três “Ds”: o depositário (aquele em que se deposita uma<br />

mensagem <strong>do</strong> grupo), o depositante (aquele que deposita) e o deposita<strong>do</strong> ( o<br />

conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong> mensagem que foi deposita<strong>da</strong>). Este membro é, em geral, aquele<br />

que a <strong>família</strong> refere como sen<strong>do</strong> o porta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> problema, <strong>da</strong> patologia. É o<br />

<strong>paciente</strong> identifica<strong>do</strong>.<br />

Diante desta perspectiva, pode-se afirmar que não existem


19<br />

relações isola<strong>da</strong>s <strong>da</strong> <strong>família</strong> às adversi<strong>da</strong>des. A <strong>família</strong> não inventa um padrão<br />

relacio<strong>na</strong>l totalmente alheio ao seus padrões usuais para responder aos<br />

problemas que enfrenta (GOMES, 1994).<br />

No seio <strong>da</strong> célula familiar, o <strong>afásico</strong> é rapi<strong>da</strong>mente identifica<strong>do</strong> como um<br />

<strong>do</strong>ente, mas precisa lutar, não ape<strong>na</strong>s contra seu problema de linguagem, mas<br />

também contra uma freqüente má interpretação <strong>do</strong> que está <strong>na</strong> origem desse<br />

problema, que diz respeito à dinâmica psicológica individual e, principalmente, à<br />

<strong>na</strong>tureza <strong>da</strong>s estruturas familiares. Assim, é comum ocorrer nos familiares e nos<br />

indivíduos próximos ao <strong>afásico</strong>, reações de catástrofe, de rejeição ou de<br />

superproteção e, às vezes, de negação pura e simples <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença. Esses<br />

mecanismos, freqüentemente concomitantes, podem resultar em situações de<br />

fracasso terapêutico (PONZIO, 1987).<br />

As mu<strong>da</strong>nças nos papéis familiares e a dificul<strong>da</strong>de de ajustamento aos<br />

novos papéis constituem um importante problema. O cônjuge sadio subitamente<br />

precisa assumir responsabili<strong>da</strong>des e funções que até então eram <strong>da</strong> competência<br />

<strong>do</strong> outro membro <strong>do</strong> casal. A maior parte <strong>do</strong>s cônjuges enfrenta alterações <strong>na</strong>s<br />

responsabili<strong>da</strong>des. O cônjuge não <strong>afásico</strong> além de se tor<strong>na</strong>r o único prove<strong>do</strong>r,<br />

tor<strong>na</strong>-se responsável também pela educação <strong>da</strong>s crianças, pela manutenção e<br />

organização <strong>da</strong> casa, bem como pelos cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s e atenção para com o parceiro.<br />

Essas mu<strong>da</strong>nças ain<strong>da</strong> são mais duras <strong>na</strong>s <strong>família</strong>s em que o <strong>afásico</strong> era o único<br />

sustentáculo fi<strong>na</strong>nceiro. Em alguns casos, o outro cônjuge afirma sentir-se<br />

esmaga<strong>do</strong> por tantas responsabili<strong>da</strong>des, que antes eram dividi<strong>da</strong>s<br />

(BUCK,1968).


20<br />

Este mesmo autor coloca que quan<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is parceiros trabalham ou<br />

quan<strong>do</strong> estão acostuma<strong>do</strong>s a dividir as responsabili<strong>da</strong>des fi<strong>na</strong>nceiras,<br />

familiares e <strong>do</strong>mésticas, o impacto <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça de papéis é menos dramática, e<br />

o aumento de responsabili<strong>da</strong>des pode parecer menos assusta<strong>do</strong>r, apesar de<br />

difícil. Habitua<strong>do</strong>s a dividir, eles acham justo que seu parceiro, mesmo ten<strong>do</strong> se<br />

tor<strong>na</strong><strong>do</strong> <strong>afásico</strong>, reencontre seu lugar <strong>na</strong> dinâmica familiar e assuma<br />

responsabili<strong>da</strong>des compatíveis com seu déficit lingüístico. Neste contexto familiar,<br />

as chances de reencontrar um novo equilíbrio parecem maiores.<br />

PONZIO, LAFONDI, DEGIOVANI et al. (1995) referem que o<br />

constrangimento e a culpa impedem, com muita freqüência, o cônjuge de<br />

comportar-se <strong>na</strong>turalmente com aquele que sofreu uma alteração em sua maneira<br />

de ser e de se exprimir. Já a atenção, a escuta podem aju<strong>da</strong>r o <strong>afásico</strong> a estar<br />

presente e a valorizar o que ain<strong>da</strong> existe nele. A angústia, a fadiga e a depressão<br />

impedem o outro de ser disponível, ter paciência, ser criativo. Os fatos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

cotidia<strong>na</strong> são outros tantos pretextos de insatisfação e de isolamento, levan<strong>do</strong><br />

ca<strong>da</strong> um <strong>do</strong>s cônjuges a se fechar em uma existência paralela. O cônjuge que não<br />

está <strong>do</strong>ente dedica-se a ativi<strong>da</strong>des exter<strong>na</strong>s, ocupa-se com o dinheiro e os<br />

gastos, assume to<strong>da</strong>s as responsabili<strong>da</strong>des, enquanto outro se isola dentro de<br />

casa, protegen<strong>do</strong>-se assim, <strong>do</strong>s contatos sociais que teme.<br />

Os mesmos autores colocam ain<strong>da</strong> que o <strong>afásico</strong> sem ter escolhi<strong>do</strong> esta<br />

posição que lhe é imposta pela <strong>do</strong>ença, tor<strong>na</strong>-se possessivo, exigente em


21<br />

relação àquele que não perdeu <strong>na</strong><strong>da</strong> e que está até mesmo toman<strong>do</strong> posse de<br />

em que um <strong>do</strong>s cônjuges é <strong>afásico</strong>, os laços de união ou de desunião tor<strong>na</strong>m-<br />

se mais intensos, existe um exagero <strong>do</strong> tipo de vínculo que existia antes <strong>da</strong><br />

<strong>do</strong>ença.<br />

De acor<strong>do</strong> com BUCK (1968), a ruptura e a per<strong>da</strong> não existem só para o<br />

<strong>afásico</strong> e para o casal, mas também para o cônjuge sadio. Aquele que é sadio<br />

precisa, sozinho, salvar a identi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> casal e deve deslocar para outro lugar<br />

tu<strong>do</strong> aquilo que havia projeta<strong>do</strong> sobre o outro.<br />

A destruição provoca<strong>da</strong> pela <strong>do</strong>ença e a castração cria<strong>da</strong> pela afasia<br />

mobilizam defesas que vão permitir a ca<strong>da</strong> um enfrentar a crise. As acomo<strong>da</strong>ções<br />

serão diferentes, dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong>s casais. Nos casais mais jovens, não ape<strong>na</strong>s o<br />

presente, mas também to<strong>do</strong> o futuro são altera<strong>do</strong>s. Eles perdem seus sonhos,<br />

esperanças e projetos de vi<strong>da</strong>. É uma etapa difícil, pois perdem-se coisas que<br />

ain<strong>da</strong> nem chegaram a ser conquista<strong>da</strong>s. Já em alguns casais por volta <strong>do</strong>s<br />

cinqüenta anos ou mais, as mu<strong>da</strong>nças serão bastante limita<strong>da</strong>s. Os anos<br />

passa<strong>do</strong>s juntos cristalizaram certas atitudes. Mas é também graças a esse<br />

passa<strong>do</strong> comum que os déficits podem ser, às vezes, melhor aceitos. A<br />

cumplici<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s anos comuns, têm, para alguns, importância significativa para<br />

permitir-lhes conservar estima e energia suficientes para continuarem juntos<br />

apesar <strong>da</strong> afasia (PONZIO, LAFONDI, DEGIOVANI et al., 1995).<br />

Para KINSELLA & DUFFY (1978), a afasia gera nos casais mu<strong>da</strong>nças


22<br />

em suas vi<strong>da</strong>s conjugais. Os cônjuges se queixam <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des para conversar<br />

sobre os acontecimentos cotidianos. Eles não conseguem mais exprimir com<br />

detalhes suas impressões ou sentimentos. Os casais vivem problemas de<br />

comunicação interpessoal, per<strong>da</strong> <strong>do</strong> sentimento de compartilhar algo e<br />

diminuição <strong>da</strong> satisfação sexual. Uma insegurança em relação ao outro se instala<br />

e os atritos não tar<strong>da</strong>m a aumentar. Em seus estu<strong>do</strong>s os autores relatam que 83%<br />

<strong>do</strong>s casais pararam de ter relações sexuais.<br />

A per<strong>da</strong> <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de falar afeta também o relacio<strong>na</strong>mento entre pais<br />

e filhos como é demonstra<strong>do</strong> por PONZIO, LAFONDI, DEGIOVANI et al. (1995)<br />

que colocam o <strong>afásico</strong> como experiencia<strong>do</strong>r de uma diminuição de autori<strong>da</strong>de em<br />

relação aos filhos <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que essa autori<strong>da</strong>de é mal verbaliza<strong>da</strong>, ou seja, a<br />

formulação de ordens, de pedi<strong>do</strong>s, de justificativas falham. O <strong>afásico</strong>, então, toma<br />

uma atitude de isolamento, de distanciamento devi<strong>do</strong> à impotência. Eventualmente<br />

podem ocorrer reações violentas, significan<strong>do</strong> o <strong>papel</strong> de válvula de escape <strong>da</strong><br />

tensão inter<strong>na</strong> vivi<strong>da</strong> pelo sujeito.<br />

Dessa forma, a educação <strong>da</strong>s crianças passa a ser controla<strong>da</strong> ape<strong>na</strong>s pelo<br />

cônjuge sadio, acompanha<strong>da</strong> por um olhar impotente, mas presente, <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente. O<br />

<strong>papel</strong> <strong>do</strong> pai é particularmente ameaça<strong>do</strong>, pois a <strong>do</strong>ença deixa-o constantemente<br />

em casa, assumin<strong>do</strong> às vezes o <strong>papel</strong> tradicio<strong>na</strong>lmente feminino <strong>na</strong>s ativi<strong>da</strong>des<br />

<strong>do</strong>mésticas, sen<strong>do</strong> necessário conseguir um novo equilíbrio, com papéis não<br />

habituais.<br />

Estes mesmos autores descrevem que a i<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s filhos no momento em


23<br />

que ocorre o evento traumatizante e a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> relação com os pais<br />

influenciam as reações <strong>da</strong>s crianças e a sua a<strong>da</strong>ptação à afasia de um <strong>do</strong>s pais.<br />

O <strong>afásico</strong>, pai de crianças peque<strong>na</strong>s, se arrisca com mais facili<strong>da</strong>de de emitir<br />

suas idéias, não temen<strong>do</strong> a crítica por uma linguagem incorreta. Na<br />

a<strong>do</strong>lescência, os filhos reagem ao pai <strong>afásico</strong> com a impulsivi<strong>da</strong>de forte e ativa<br />

característica de sua i<strong>da</strong>de. O pai deficiente raramente é mencio<strong>na</strong><strong>do</strong> diante <strong>do</strong>s<br />

colegas. Sua existência é nega<strong>da</strong>, sua palavra é inexistente. Os a<strong>do</strong>lescentes às<br />

vezes assumem um tom protetor e mater<strong>na</strong>l, poden<strong>do</strong> ter um <strong>papel</strong> importante <strong>na</strong><br />

aju<strong>da</strong> presta<strong>da</strong>.<br />

SATIR (1967), considera a <strong>família</strong> como uma enti<strong>da</strong>de homeostática, onde<br />

ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de depende <strong>da</strong> outra e onde a dependência mútua significa que<br />

qualquer mu<strong>da</strong>nça em uma uni<strong>da</strong>de modifica o to<strong>do</strong>. Assim, quan<strong>do</strong> a afasia<br />

atinge um <strong>do</strong>s familiares, transtor<strong>na</strong> to<strong>do</strong> o equilíbrio familiar, cria ansie<strong>da</strong>de e<br />

gera novos comportamentos em to<strong>do</strong>s os outros membros <strong>da</strong> <strong>família</strong>. Para este<br />

autor, <strong>família</strong> pode ser sua própria <strong>família</strong> de origem, seus pais, irmãos, tios e,<br />

talvez, também a <strong>família</strong> <strong>do</strong> cônjuge, a qual os laços de afeição variam de acor<strong>do</strong><br />

com as histórias e as afini<strong>da</strong>des.<br />

O <strong>afásico</strong> busca <strong>na</strong> <strong>família</strong> disponibili<strong>da</strong>de e compreensão, precisa de<br />

alguém para compartilhar um ritmo de vi<strong>da</strong> que tornou-se lento, mas nem sempre<br />

esse alguém é o pai, a mãe ou o próprio cônjuge. Às vezes, é um cunha<strong>do</strong>, uma<br />

tia, ou seja, uma pessoa não diretamente envolvi<strong>da</strong> com o <strong>do</strong>ente. A <strong>do</strong>ença deixa<br />

as conveniências de la<strong>do</strong>, as cumplici<strong>da</strong>des aparecem


24<br />

de maneira espontânea. O <strong>afásico</strong>, em sua <strong>família</strong> de origem ou por afini<strong>da</strong>de,<br />

pode deixar vir à to<strong>na</strong> sua identi<strong>da</strong>de real e isso aju<strong>da</strong> a aceitar a regressão e<br />

a impotência. Muitas vezes, a <strong>família</strong> por afini<strong>da</strong>de é suficientemente próxima<br />

para poder compreendê-lo, apesar de sua linguagem reduzi<strong>da</strong> ou ininteligível.<br />

Além disso, os parentes menos próximos têm menos necessi<strong>da</strong>de de se<br />

defender e pode aceitar reações que são insuportáveis para o cônjuge ou para os<br />

pais (PONZIO, LAFONDI, DEGIOVANI et al., 1995).<br />

Durante os três ou quatro primeiros meses de hospitalização, a <strong>família</strong> se<br />

preocupa com as necessi<strong>da</strong>des imediatas <strong>do</strong> <strong>paciente</strong>: seu bem-estar físico, seu<br />

moral positivo, sua recuperação física e lingüística. Depois disso, vem o perío<strong>do</strong><br />

de reintegração <strong>do</strong> <strong>afásico</strong> no meio familiar. É nesse momento que o estresse, os<br />

déficits físicos, cognitivos e lingüísticos se manifestam concretamente e assumem<br />

to<strong>do</strong> seu significa<strong>do</strong> (MALONE, 1970).<br />

Este autor coloca que a a<strong>da</strong>ptação às mu<strong>da</strong>nças no gênero de vi<strong>da</strong> e no<br />

funcio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong> <strong>família</strong> que o <strong>afásico</strong> deve enfrentar em seu retorno ao lar será<br />

facilita<strong>da</strong> se a <strong>família</strong> a<strong>do</strong>tar uma atitude colabora<strong>do</strong>ra. Os ganhos obti<strong>do</strong>s com a<br />

reeducação serão manti<strong>do</strong>s e supera<strong>do</strong>s somente se a <strong>família</strong> encorajar a<br />

utilização <strong>da</strong> linguagem funcio<strong>na</strong>l. A <strong>família</strong> é igualmente incumbi<strong>da</strong> <strong>da</strong> tarefa de<br />

facilitar a reintegração social <strong>do</strong> <strong>afásico</strong>.<br />

Para este mesmo autor, algumas atitudes mantêm o <strong>afásico</strong> em um esta<strong>do</strong><br />

de impotência e contribuem, a longo prazo, para o desenvolvimento de um<br />

esta<strong>do</strong> depressivo. Já as <strong>família</strong>s que persistem <strong>na</strong>s atitudes


25<br />

superprotetoras, evitan<strong>do</strong> submeter o <strong>afásico</strong> a situações embaraçosas,<br />

contribuem para seu retraimento social e progressivo isolamento.<br />

PONZIO, LAFONDI, DEGIOVANI et al. (1995) descrevem que a indiferença<br />

por parte <strong>do</strong>s familiares para com o <strong>afásico</strong> freqüentemente é uma aparência<br />

atrás <strong>da</strong> qual esconde-se uma boa <strong>do</strong>se de ódio. Ódio que ficava reprimi<strong>do</strong> antes<br />

<strong>do</strong> acidente e impossível de se manifestar depois. Consideram que neste tipo de<br />

dinâmica ocorrem, as situações mais dramáticas, onde a regra será a negação<br />

pura e simples de tu<strong>do</strong> que possa ser considera<strong>do</strong> como necessi<strong>da</strong>de vital <strong>do</strong><br />

indivíduo, e a ausência total de consideração pelos desespera<strong>do</strong>s esforços de<br />

comunicação <strong>do</strong> <strong>afásico</strong>.<br />

De acor<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> com estes autores, a exclusão é, às vezes, o destino <strong>do</strong><br />

<strong>afásico</strong> quan<strong>do</strong> a dinâmica familiar é de indiferença. Mas essa exclusão pode,<br />

evidentemente, tor<strong>na</strong>r-se óbvia nos casos em que ela própria constitui o sintoma.<br />

Em sua <strong>família</strong>, o <strong>afásico</strong> vive uma farsa, faz-se de conta que tu<strong>do</strong> é como<br />

antes: sua presença real é uma imagem <strong>do</strong>lorosa. Ele é afasta<strong>do</strong> <strong>da</strong>s<br />

discussões e <strong>da</strong>s decisões. Os atos mais comuns tor<strong>na</strong>m-se experiências<br />

novas às quais é preciso a<strong>da</strong>ptar-se ( PONZIO, LAFONDI, DEGIGIOVANI et<br />

al.,1995).<br />

O fenômeno <strong>da</strong> afasia abala fortemente o indivíduo, até o mais profun<strong>do</strong> de<br />

seu ser. Ela liga-se ao <strong>papel</strong> privilegia<strong>do</strong> que a linguagem tem em nossa<br />

socie<strong>da</strong>de e à importância <strong>da</strong> qual se reveste <strong>na</strong> definição <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />

identi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ser humano (TISSOT, 1986).<br />

A aceitação <strong>da</strong> afasia, acompanha<strong>da</strong> por uma atitude aberta, favorece


26<br />

a a<strong>da</strong>ptação social e a utilização mais satisfatória <strong>da</strong> linguagem funcio<strong>na</strong>l.<br />

WEBSTER (1986) descreve como uma mu<strong>da</strong>nça de atitude e de percepção <strong>do</strong><br />

déficit lingüístico por parte <strong>do</strong> cônjuge de um <strong>afásico</strong>, permite o surgimento de<br />

uma comunicação funcio<strong>na</strong>l e de mu<strong>da</strong>nças no comportamento social, apesar de<br />

uma afasia severa.<br />

A ocorrência <strong>da</strong> afasia provoca importantes alterações no funcio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong><br />

<strong>família</strong>. Na fase crítica <strong>do</strong> inicio <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença, a <strong>família</strong>, toma<strong>da</strong> por grande<br />

inquietação, dedica-se totalmente às necessi<strong>da</strong>des <strong>do</strong> <strong>paciente</strong>. Quan<strong>do</strong> as<br />

dificul<strong>da</strong>des de comunicação persistem, a <strong>família</strong> pouco a pouco toma consciência<br />

delas. Nesse estágio, o desejo de reencontrar o equilíbrio perdi<strong>do</strong> e voltar à<br />

situação anterior oculta-lhe a gravi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> déficit levan<strong>do</strong>-a a crer em um possível<br />

retorno à normali<strong>da</strong>de. Gradualmente, a situação tor<strong>na</strong>-se tão opressiva que uma<br />

grande ansie<strong>da</strong>de invade os membros <strong>da</strong> <strong>família</strong> e leva-os a se afastarem. Eles<br />

assumem responsabili<strong>da</strong>des pesa<strong>da</strong>s e sentem-se incapazes de enfrentar as<br />

mu<strong>da</strong>nças que a <strong>do</strong>ença impõe. Eles tendem a crer que não podem fazer <strong>na</strong><strong>da</strong><br />

para melhorar o esta<strong>do</strong> de seu parente <strong>afásico</strong> (JAKUBOVICZ e MEINBERG,<br />

1992).<br />

Ao <strong>papel</strong> de apoio ao qual a <strong>família</strong> é associa<strong>da</strong>, FLORENCE (1981)<br />

descreve um mais específico, o de agente terapêutico. O cônjuge que se tor<strong>na</strong> um<br />

auxiliar terapêutico, afirma o autor, tor<strong>na</strong> mais eficazes os esforços terapêuticos e<br />

diminui também o tempo de terapia, facilitan<strong>do</strong> os processos de generalização e<br />

aju<strong>da</strong>n<strong>do</strong> a consoli<strong>da</strong>r as mu<strong>da</strong>nças.


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

27<br />

O interesse pelo tema <strong>da</strong> presente monografia surgiu <strong>da</strong> vontade de me<br />

aprofun<strong>da</strong>r a respeito de afasia e <strong>família</strong>, bem como desta difícil relação. O pouco<br />

contato com indivíduos <strong>afásico</strong>s e suas <strong>família</strong>s também contribuíram para<br />

aumentar a minha motivação.<br />

Contu<strong>do</strong>, o objetivo não foi abor<strong>da</strong>r a afasia enquanto enti<strong>da</strong>de patológica,<br />

mas sim o <strong>afásico</strong> enquanto indivíduo que é posto diante de um problema que, não<br />

só diminui ou acaba com suas possibili<strong>da</strong>des de comunicação, como,<br />

freqüentemente, é acompanha<strong>do</strong> por problemas familiares e ou sociais.<br />

A pesquisa mostra as conseqüências <strong>da</strong> afasia sobre a <strong>família</strong> e sobre a<br />

pessoa por ela atingi<strong>da</strong>, o <strong>afásico</strong>, que nesta obra é considera<strong>do</strong> como sujeito de<br />

sua própria história.<br />

No âmbito profissio<strong>na</strong>l, <strong>na</strong>s poucas vezes que tive contato com pessoas<br />

afásicas pude constatar através de seus relatos ou de relatos de familiares o<br />

quanto a afasia é ruptura. Ao meu ver, é ruptura pessoal, quan<strong>do</strong> a afasia tor<strong>na</strong><br />

difícil a expressão <strong>do</strong> pensamento, colocan<strong>do</strong> o indivíduo em um universo fecha<strong>do</strong>.<br />

É ruptura familiar, pois pode transformar o <strong>afásico</strong> em um ser estranho no dia a dia<br />

de sua própria casa. É ruptura conjugal, quan<strong>do</strong> anos ou deze<strong>na</strong>s de anos de vi<strong>da</strong><br />

em comum são destruí<strong>do</strong>s, diante <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de compartilhar sentimentos<br />

e idéias.<br />

Dentre to<strong>da</strong>s as <strong>do</strong>enças que uma pessoa pode sofrer durante a vi<strong>da</strong>,


28<br />

a afasia é, provavelmente a que mais diretamente repercute sobre a <strong>família</strong>. Como<br />

ela interrompe a comunicação bruscamente, sem aviso prévio, e freqüentemente<br />

de mo<strong>do</strong> permanente, to<strong>do</strong> sistema de interações familiares é perturba<strong>do</strong>.<br />

A súbita per<strong>da</strong> <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de se comunicar afeta to<strong>do</strong>s os aspectos <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s <strong>afásico</strong>s e de suas <strong>família</strong>s. O <strong>afásico</strong> é alguém que intimi<strong>da</strong> seus<br />

familiares. Ele se sente envergonha<strong>do</strong> de sua condição atual quan<strong>do</strong> compara<strong>da</strong><br />

às suas capaci<strong>da</strong>des anteriores; ele provoca pe<strong>na</strong> e sugere indulgência, <strong>da</strong><br />

mesma forma como pode ser considera<strong>do</strong> uma criança ou uma pessoa com<br />

deficiência mental. O <strong>afásico</strong> percebe esse sentimentos e sofre por ser vítima<br />

dessa fatali<strong>da</strong>de. Ele procura uma razão que explique o porquê desse golpe<br />

trágico. Estes fatos vem ressaltar o que COUDRY (1988) disse antes: a afasia é<br />

provavelmente a seqüela ou limitação mais importante, mais incapacitante, seja no<br />

plano pessoal, social ou econômico. Ela atinge a pessoa em vários níveis, tanto no<br />

plano intelectual quanto afetivo.<br />

Outros autores vem confirmar estas perspectivas, revelan<strong>do</strong> que uma série<br />

de comportamentos ou reações psicológicas fazem parte <strong>do</strong> quadro clínico<br />

encontra<strong>do</strong> nos <strong>paciente</strong>s <strong>afásico</strong>s.<br />

Sen<strong>do</strong> a linguagem a forma de comunicação mais eficiente, eu acredito que<br />

a sua per<strong>da</strong> gera no indivíduo uma limitação, não ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> sua capaci<strong>da</strong>de de<br />

compreender ou de se expressar, mas também em seu esta<strong>do</strong> psíquico. Não é<br />

difícil imagi<strong>na</strong>r o estigma que pode representar, para uma pessoa, o fato de não<br />

poder mais se comunicar efetivamente. Ela fica repenti<strong>na</strong>mente fora <strong>do</strong> circuito.


29<br />

Diante disso, eu quero salientar que não é só o indivíduo <strong>afásico</strong> que sofre<br />

com o seu atual esta<strong>do</strong>, mas também to<strong>do</strong>s os que o cercam. Familiares muitas<br />

vezes apresentam reações diversifica<strong>da</strong>s, tais como: rejeição, superproteção,<br />

negação para com o indivíduo <strong>do</strong>ente.<br />

Antes de iniciar este estu<strong>do</strong>, achava que era obrigação <strong>da</strong> <strong>família</strong> entender<br />

o indivíduo <strong>afásico</strong>, principalmente quan<strong>do</strong> as conseqüências cognitivas,<br />

psicológicas e sociais <strong>da</strong> afasia eram bastante significativas.<br />

Diante disso, o trabalho em um primeiro momento de sua construção foi<br />

volta<strong>do</strong> para uma relação considera<strong>da</strong> ideal entre <strong>família</strong> e pessoa afásica. Nesta<br />

etapa, foi enfoca<strong>da</strong> a questão <strong>do</strong> que a <strong>família</strong> deve e não deve fazer com o<br />

indivíduo <strong>afásico</strong>. Enfatizou-se desta forma um modelo de interação considera<strong>do</strong><br />

perfeito, no qual, a <strong>família</strong> age sempre de forma muito satisfatória, visan<strong>do</strong><br />

totalmente a evolução <strong>do</strong> membro <strong>do</strong>ente.<br />

Entretanto, a medi<strong>da</strong> em que a monografia foi se realizan<strong>do</strong>, pude notar<br />

através <strong>da</strong>s bibliografias pesquisa<strong>da</strong>s que o que foi descrito anteriormente não<br />

acontece com freqüência.<br />

A <strong>do</strong>ença, e a afasia, criam uma grave crise no seio <strong>da</strong> <strong>família</strong> e provocam<br />

alterações nos laços fun<strong>da</strong>mentais. Desse momento em diante, a <strong>do</strong>ença ocupa o<br />

lugar permanente de um terceiro, às vezes alia<strong>do</strong>, às vezes inimigo.<br />

Com o decorrer <strong>da</strong> pesquisa, constatei que uma convivência harmoniosa <strong>na</strong><br />

<strong>família</strong>, apesar <strong>da</strong> afasia, deve-se à quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> relação que existia entre os<br />

membros antes <strong>da</strong> <strong>do</strong>ença.


30<br />

O movimento realiza<strong>do</strong> pela <strong>família</strong> que convive com um <strong>afásico</strong>,<br />

dependerá <strong>do</strong> grau de flexibili<strong>da</strong>de e abertura para mu<strong>da</strong>nças. Esta dicotomia foi<br />

demonstra<strong>da</strong> por CALIL (1987), que descreve as características tanto <strong>da</strong>s <strong>família</strong>s<br />

funcio<strong>na</strong>is como também <strong>da</strong>s disfuncio<strong>na</strong>is. Neste contexto, ele coloca que<br />

existem <strong>família</strong>s mais prepara<strong>da</strong>s para desempenhar seu <strong>papel</strong>, apresentan<strong>do</strong><br />

flexibili<strong>da</strong>de para li<strong>da</strong>r com as situações de conflito e mu<strong>da</strong>nça. E outras <strong>família</strong>s<br />

que possuem padrões de interação mais rígi<strong>do</strong>s, mesmo quan<strong>do</strong> uma mu<strong>da</strong>nça<br />

favorece o desenvolvimento geral.<br />

Acredito que a minha posição no início <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> (achar que a <strong>família</strong> era<br />

obriga<strong>da</strong> a entender o <strong>afásico</strong>) ocorreu devi<strong>do</strong> a idéia que fazia <strong>do</strong> indivíduo<br />

<strong>afásico</strong> e de sua <strong>família</strong>. Tinha como concepção o <strong>afásico</strong> como aquela pessoa<br />

que não possuía um passa<strong>do</strong>, uma vi<strong>da</strong> marca<strong>da</strong> por atitudes / relações boas e<br />

más. Quanto a <strong>família</strong>, considerava que tinha que aceitar esse membro <strong>do</strong>ente de<br />

qualquer forma. Diante disso, a<strong>na</strong>liso que valorizava mais o <strong>afásico</strong> <strong>do</strong> que o seu<br />

próprio grupo familiar.<br />

Ao chegar no fi<strong>na</strong>l desta monografia, concluo que tanto o <strong>afásico</strong> como sua<br />

<strong>família</strong> merecem ser considera<strong>do</strong>s. O indivíduo <strong>afásico</strong> deve ser considera<strong>do</strong>,<br />

conforme já dito anteriormente, como um sujeito de sua própria história. A <strong>família</strong><br />

por sua vez, necessita ser bem orienta<strong>da</strong> e compreendi<strong>da</strong>, pois ao meu ver, sofre<br />

tanto quanto a pessoa que sofreu a lesão cerebral.<br />

Verificou-se durante a pesquisa, o quanto a <strong>família</strong> é abala<strong>da</strong> pela afasia.<br />

Quan<strong>do</strong> ocorre uma crise importante <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> de um homem, de uma mulher, ou


31<br />

de um a<strong>do</strong>lescente, os laços familiares fun<strong>da</strong>mentais podem ser questio<strong>na</strong><strong>do</strong>s em<br />

to<strong>da</strong>s as suas dimensões.<br />

No senti<strong>do</strong> biológico, a <strong>família</strong> pode ser compara<strong>da</strong> a uma célula, com suas<br />

relações inter<strong>na</strong>s e exter<strong>na</strong>s. No interior, o núcleo, constituí<strong>do</strong> pelo casal e pelos<br />

filhos. Nas proximi<strong>da</strong>des <strong>do</strong> núcleo, quer envolven<strong>do</strong>-o ou constituin<strong>do</strong> uma outra<br />

uni<strong>da</strong>de à distância, os parentes.<br />

Constatou-se também que algumas vezes o indivíduo <strong>afásico</strong> prefere<br />

relacio<strong>na</strong>r-se com parentes mais distantes. Esse relacio<strong>na</strong>mento é considera<strong>do</strong><br />

satisfatório pois o <strong>afásico</strong> nestas situações sente-se bem a vontade, deixan<strong>do</strong> vir à<br />

to<strong>na</strong> sua identi<strong>da</strong>de real, o que aju<strong>da</strong> a aceitar a regressão e a impotência. Além<br />

disso, os parentes mais distantes tem menos necessi<strong>da</strong>des de se defenderem e<br />

aceitam reações que seriam intoleráveis para os parentes muito próximos.<br />

A análise <strong>da</strong>s atitudes familiares, permitiu observar como a <strong>família</strong> pode<br />

incentivar adequa<strong>da</strong>mente o <strong>paciente</strong>. Desta forma, quero ressaltar o que<br />

JAKUBOVICZ e MEINBERG (1992) sugeriram: falar com o <strong>paciente</strong> de maneira<br />

clara, procuran<strong>do</strong> olhá-lo; não interrompê-lo no momento em que estiver falan<strong>do</strong>;<br />

encorajá-lo sempre para participar de ativi<strong>da</strong>des familiares; compreender o<br />

aparente egoísmo <strong>do</strong> <strong>afásico</strong>; se esforçar para entender o que o <strong>paciente</strong> quer<br />

dizer ou fazer e não isolá-lo no seu convívio, mas tampouco colocá-lo em situações<br />

estressantes.<br />

Entretanto, como já cita<strong>do</strong> anteriormente, nem sempre estas atitudes são<br />

possíveis, ocorren<strong>do</strong> muitas vezes reações adversas, como indiferença e


32<br />

rejeição, surgi<strong>da</strong>s algumas vezes por um sentimento de ódio que estava reprimi<strong>do</strong>,<br />

pois como descreve GOMES (1994), não existem relações isola<strong>da</strong>s <strong>da</strong> <strong>família</strong> às<br />

adversi<strong>da</strong>des. A <strong>família</strong> não inventa um padrão relacio<strong>na</strong>l totalmente alheio aos<br />

seus padrões usuais para responder aos problemas que enfrenta.<br />

Esta monografia evidenciou a difícil, porém importantíssima relação entre o<br />

indivíduo <strong>afásico</strong> e sua <strong>família</strong>. Observou-se o quanto a afasia afeta o sujeito e o<br />

seu grupo familiar.<br />

A análise dessas relações permitiu notar a influência que a <strong>família</strong><br />

desempenha <strong>na</strong> <strong>reabilitação</strong> <strong>do</strong> <strong>afásico</strong>, não só no que diz respeito à fala, mas<br />

também no que se refere ao aspecto emocio<strong>na</strong>l.<br />

Eu acredito que apoiar e estimular o <strong>afásico</strong> tor<strong>na</strong>m-se mais fácil para a<br />

<strong>família</strong> quan<strong>do</strong> ela está informa<strong>da</strong> e compreende a <strong>na</strong>tureza <strong>do</strong> problema que deve<br />

enfrentar. Atitudes contrárias são encontra<strong>da</strong>s também em <strong>família</strong>s que<br />

subestimam os distúrbios <strong>da</strong> comunicação ou que atribuem as reações e<br />

comportamentos <strong>do</strong> <strong>afásico</strong> a problemas de memória ou a outros déficits<br />

cognitivos.<br />

Diante <strong>do</strong> exposto, ficou níti<strong>do</strong> que a <strong>família</strong> possui um <strong>papel</strong><br />

importantíssimo <strong>na</strong> reeducação <strong>do</strong> sujeito <strong>afásico</strong>, mas nem sempre é capaz de<br />

exercê-lo. Porém não cabe julgar os padrões interacio<strong>na</strong>is realiza<strong>do</strong>s pela <strong>família</strong>.<br />

Ao meu ver, a nós fonoaudiólogos cabe orientar e entender a dinâmica familiar,<br />

visan<strong>do</strong> dessa forma uma melhora <strong>na</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> familiar em geral e sen<strong>do</strong><br />

assim, uma melhora conseqüente <strong>do</strong> indivíduo <strong>afásico</strong>.


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