A Atividade Humana do Trabalho [Labor] em Hannah Arendt ...
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A esfera privada no seu senti<strong>do</strong> moderno de esfera <strong>do</strong> íntimo, e não mais no seu<br />
senti<strong>do</strong> antigo de privação, isto é, de não-acesso à esfera verdadeiramente humana (a<br />
esfera pública), não se opõe ao público enquanto político, mas ao social: “A reação de<br />
revolta contra a sociedade (...) foi dirigida, <strong>em</strong> primeiro lugar, contra as exigências<br />
nivela<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> social, contra o que hoje chamaríamos de conformismo inerente a toda<br />
sociedade” (HC, p. 36). A sociedade espera de to<strong>do</strong>s os seus m<strong>em</strong>bros não a ação<br />
espontânea, mas um certo tipo de comportamento, uma “normalização” <strong>do</strong><br />
comportamento de seus m<strong>em</strong>bros. Em to<strong>do</strong>s os seus níveis, a sociedade exclui assim,<br />
diz <strong>Arendt</strong>, a possibilidade da ação (na Antiguidade, era na esfera privada <strong>do</strong> lar que a<br />
ação não se podia efetuar). A atividade que corresponde à esfera social (esfera<br />
caracterizada pelo conformismo) não é n<strong>em</strong> o trabalho n<strong>em</strong> a obra n<strong>em</strong> a ação, mas o<br />
comportamento [behavior]: “o comportamento substituiu a ação como principal forma<br />
de relação humana” (HC, p. 38).<br />
Ao traduzir por labor e trabalho (?) a distinção proposta por <strong>Arendt</strong> entre<br />
trabalho [labor; Arbeit] e obra ou fabricação [work; Werk ou das Herstellen], Roberto<br />
Raposo (mas também Celso Lafer na sua Introdução a esta obra, “A Política e a<br />
Condição <strong>Humana</strong>”, p. v) 6 deturpa o senti<strong>do</strong> desta distinção e o leitor inevitavelmente<br />
ficará confuso ao abordar <strong>em</strong> particular o terceiro e o quarto capítulos desta obra. Fica<br />
difícil compreender toda a polêmica antimoderna de <strong>Arendt</strong>, sua crítica ao conceito de<br />
trabalho [Arbeit] <strong>em</strong> Marx e à importância atribuída, na era moderna, ao conceito de<br />
trabalho produtivo [productive labor]. Em nenhum momento, no original inglês,<br />
encontramos a expressão “productive work” quan<strong>do</strong> <strong>Arendt</strong> se refere a Adam Smith e a<br />
Karl Marx, mas s<strong>em</strong>pre “productive labor”. Ao traduzir “labor” ou “Arbeit” por labor,<br />
6. O que é bastante surpreendente já que num ensaio anterior, “A trajetória de <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>” (texto<br />
revisto <strong>em</strong> 1979 e publica<strong>do</strong> no seu livro, <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong>: Pensamento, Persuasão e Poder, Rio de<br />
Janeiro, Paz e Terra, pp. 21-38), Celso Lafer tinha explicita<strong>do</strong> essa distinção: “De acor<strong>do</strong> com H.<br />
<strong>Arendt</strong>, exist<strong>em</strong> três experiências humanas básicas. A primeira é a <strong>do</strong> animal laborans, assinalada pela<br />
necessidade e concomitante futilidade <strong>do</strong> processo biológico, <strong>do</strong> qual deriva, uma vez que é algo que se<br />
consome no próprio metabolismo, individual e coletivo. No senti<strong>do</strong> etimológico, labor indica a idéia de<br />
tarefas penosas, que cansam e, por essa razão, a primeira palavra, <strong>em</strong> português, que ocorre, é labuta,<br />
cuja orig<strong>em</strong> provável é labor. Entretanto, julgo que a palavra etimologicamente indicada para traduzir,<br />
<strong>em</strong> português, labor, que é o termo que <strong>Hannah</strong> <strong>Arendt</strong> <strong>em</strong>prega no seu livro, seria trabalho [os grifos<br />
são nossos]. (...) Seja como for, trata-se de viga que to<strong>do</strong>s nos carregamos na penosa e sisífica labuta de<br />
lidar com a necessidade. A segunda experiência básica é a <strong>do</strong> homo faber, que cria coisas extraídas da<br />
natureza, converten<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> num espaço de objetos partilha<strong>do</strong>s pelos homens. (...) Esses objetos são<br />
frutos de um fazer, cuja orig<strong>em</strong> v<strong>em</strong> de facere, significan<strong>do</strong> atividade executada num determina<strong>do</strong><br />
instante que, por isso mesmo, t<strong>em</strong> começo, meio e fim. O artesão é um homo faber, como também o é o<br />
artista, pois ambos fabricam objetos” (pp. 29-30; os grifos são nossos).<br />
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