A Atividade Humana do Trabalho [Labor] em Hannah Arendt ...
A Atividade Humana do Trabalho [Labor] em Hannah Arendt ...
A Atividade Humana do Trabalho [Labor] em Hannah Arendt ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
t<strong>em</strong>po [trata-se justamente da época moderna] <strong>em</strong> que tu<strong>do</strong> aquilo que,<br />
outrora, os homens consideravam inalienável tornou-se objeto de troca, de<br />
tráfico, poden<strong>do</strong> alienar-se. Trata-se <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que as próprias coisas<br />
que, até então, eram transmitidas, mas jamais trocadas, oferecidas, mas<br />
jamais vendidas, conquistadas, mas jamais compradas –virtude, amor,<br />
opinião, ciência, consciência, etc.– trata-se <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que tu<strong>do</strong><br />
finalmente, passa pelo comércio. O t<strong>em</strong>po de corrupção geral, de venalidade<br />
universal ou, para expressá-lo <strong>em</strong> termos de economia política, o t<strong>em</strong>po <strong>em</strong><br />
que todas as coisas, morais e físicas, tornan<strong>do</strong>-se valores venais, dev<strong>em</strong> ser<br />
levadas ao merca<strong>do</strong> para que se aprecie o seu mais justo valor”. 33<br />
Enquanto Marx nos diz que tu<strong>do</strong> se tornou objeto de troca, <strong>Arendt</strong> nos diz que<br />
tu<strong>do</strong> se tornou objeto de consumo e esse seria, segun<strong>do</strong> ela, o ponto de vista puramente<br />
social <strong>do</strong> trabalho que se identifica com a interpretação que leva apenas <strong>em</strong> conta o<br />
processo vital da humanidade. Tratar-se-ia apenas <strong>do</strong> processo vital, no senti<strong>do</strong> da vida<br />
biológica da humanidade?<br />
Na produção capitalista, segun<strong>do</strong> Marx, o processo social de trabalho (um<br />
processo que é considera<strong>do</strong> por <strong>Arendt</strong> como o de um metabolismo <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> com a<br />
natureza, definição que ela atribui, na página 86, a Marx) aparece como um meio para a<br />
criação de mais-valia; no processo de reprodução capitalista, ou seja, no processo de<br />
produção capitalista considera<strong>do</strong> <strong>em</strong> sua continuidade, no decorrer de sua renovação<br />
incessante, o mesmo processo de trabalho aparece “como um meio para reproduzir o<br />
valor adianta<strong>do</strong> como capital, isto é, como valor que se valoriza” 34 ; e ainda: “O processo<br />
de produção capitalista, considera<strong>do</strong> como um to<strong>do</strong> articula<strong>do</strong> ou como processo de<br />
reprodução, produz por conseguinte não apenas a merca<strong>do</strong>ria, não apenas a mais-valia,<br />
mas produz e reproduz a própria relação capital, de um la<strong>do</strong> o capitalista, <strong>do</strong> outro o<br />
trabalha<strong>do</strong>r assalaria<strong>do</strong>”. 35 O processo de produção capitalista, considera<strong>do</strong> aqui por<br />
Marx como processo de reprodução, produz e reproduz a sua base: o trabalha<strong>do</strong>r<br />
assalaria<strong>do</strong>. É esse e não outro o ponto de vista “puramente social” <strong>do</strong> trabalho, <strong>em</strong><br />
Marx.<br />
Pod<strong>em</strong>os notar, prossegue <strong>Arendt</strong>, na página 78, que as distinções entre trabalho<br />
qualifica<strong>do</strong> e não-qualifica<strong>do</strong> e entre trabalho manual e intelectual “não des<strong>em</strong>penham<br />
papel algum na economia política clássica n<strong>em</strong> na obra de Marx. Comparadas à<br />
33. K. Marx, Miséria da Filosofia. Resposta à Filosofia da Miséria <strong>do</strong> Sr. Proudhon [1847], tradução de<br />
José Paulo Netto, São Paulo, Livraria Ed. Ciências <strong>Humana</strong>s, 1982, p. 41.<br />
34. K. Marx, O Capital, Livro Primeiro, vol. 1, tomo 2, p. 153.<br />
35. Ibid<strong>em</strong>, p. 161.<br />
26