contos de fadas: a construção discursiva ea ... - ICHS/UFOP
contos de fadas: a construção discursiva ea ... - ICHS/UFOP
contos de fadas: a construção discursiva ea ... - ICHS/UFOP
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
ocasionados pela mudança das crenças <strong>de</strong> cada escritor. A respeito disso, Angela Carter no<br />
prefácio <strong>de</strong> 103 Contos <strong>de</strong> Fadas afirma que “qualquer um po<strong>de</strong> se apropriar <strong>de</strong> uma história<br />
e modificá-la” (2007, p.15).<br />
Essas histórias calcadas na tradição oral <strong>de</strong> diversas regiões foram responsáveis por<br />
dizer ao seu público o que era “certo” e o que era “errado”, <strong>de</strong> acordo com os preceitos <strong>de</strong><br />
suas respectivas épocas. Ao perceberem como os <strong>contos</strong> <strong>de</strong> <strong>fadas</strong> são carregados <strong>de</strong> crenças,<br />
escritores como Angela Carter, Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Guimarães Rosa, Marina<br />
Colassanti, Robert Coover e outros, se apropriaram <strong>de</strong> histórias consagradas com o intuito <strong>de</strong><br />
rever tais crenças. Como procuramos <strong>de</strong>monstrar, as figuras femininas exerceram um papel<br />
fundamental, seja <strong>de</strong>ntro dos enredos, como na história <strong>de</strong> Chapeuzinho, seja para a<br />
consolidação e <strong>de</strong>senvolvimento do gênero <strong>contos</strong> <strong>de</strong> <strong>fadas</strong> com as précieuses e Angela<br />
Carter. Segundo Warner (1999), os <strong>contos</strong> folclóricos<br />
(...) moldam intensamente a memória nacional; suas versões poéticas<br />
cruzam-se com a História, e na atormentada busca contemporân<strong>ea</strong> por<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nativa, subestimar a influência <strong>de</strong>les sobre valores e atitu<strong>de</strong>s<br />
po<strong>de</strong> ser tão perigoso quanto ignorar mudanças <strong>de</strong> r<strong>ea</strong>lida<strong>de</strong> históricas. (<br />
WARNER, 1990, p. 450).<br />
Da mesma forma em que, no século XVII, as précieuses fizeram dos <strong>contos</strong> <strong>de</strong> <strong>fadas</strong><br />
uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> protesto ou, pelo menos, <strong>de</strong> <strong>de</strong>safiar i<strong>de</strong>ias estabelecidas, no século XX,<br />
não foi diferente. Sob uma perspectiva mo<strong>de</strong>rna, os <strong>contos</strong> <strong>de</strong> <strong>fadas</strong> ofereceram para muitos<br />
escritores contemporâneos um território <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> não só para expressarem suas crenças,<br />
mas também suas revoltas. Como afirma Warner, protestos e <strong>contos</strong> <strong>de</strong> <strong>fadas</strong> são parceiros <strong>de</strong><br />
longas datas.<br />
Ao estudar as formas para <strong>de</strong>terminar as constantes e as variantes dos <strong>contos</strong><br />
folclóricos russos, o eminente formalista Vladimir Propp, em seu ensaio intitulado “As<br />
Transformações dos Contos Fantásticos” (1928), afirma que embora os <strong>contos</strong> <strong>de</strong> <strong>fadas</strong><br />
apresentem algumas características diferentes, como aparências, ida<strong>de</strong>s, sexos, estado civil,<br />
etc., eles r<strong>ea</strong>lizam durante o curso da ação os mesmos atos. Carter, em The Bloody Chamber,<br />
brinca com os limites e, ao mesmo tempo, com a liberda<strong>de</strong> das transformações dos <strong>contos</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>fadas</strong>, atualizando-os, principalmente, em relação ao modo como as mulheres passaram a ser<br />
vistas no século XX. A seguir, analisaremos algumas <strong>de</strong>ssas “variantes” que estão presentes<br />
nos <strong>contos</strong> da escritora.