contos de fadas: a construção discursiva ea ... - ICHS/UFOP
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mulheres anômalas, subversivas <strong>de</strong>ntro da or<strong>de</strong>m do Antigo Regime. Além <strong>de</strong> suas histórias<br />
terem sido esquecidas ou apagadas pelo gran<strong>de</strong> sucesso <strong>de</strong> Perrault, elas foram satirizadas por<br />
Molière em Lês précieuses ridicules (1697) e Les femmes savantes (1699).<br />
Perrault, que frequentava esses círculos literários, não hesitou em tomar a causa das<br />
précieuses como po<strong>de</strong>mos notar em seus <strong>contos</strong>, principalmente em Chapeuzinho Vermelho,<br />
em que insere uma moral adjacente ao conto, advertindo as menininhas para não conversarem<br />
com certos “lobos”. Dessa forma, embora as précieuses tenham sido negligenciadas pela<br />
História, elas influenciaram diretamente as obras mais conhecidas <strong>de</strong> Perrault e, por isso, em<br />
seu livro o autor cria uma arquetípica contadora <strong>de</strong> histórias: A Mamãe Gansa.<br />
A partir do século XVIII, o interesse pelos <strong>contos</strong> <strong>de</strong> <strong>fadas</strong> passou a ser gran<strong>de</strong>, pois o<br />
público infantil foi seduzido por essas narrativas curtas. Como afirma Warner (1999), os<br />
livreiros e tipógrafos, tendo em mente as censuras dos pais, expurgaram muitas das histórias,<br />
fato que fez com que as manifestações do grotesco e do brutal, muito comum a essas<br />
narrativas e ao folclore, fossem suprimidas para agradar aos pedagogos e aos editores. Como<br />
nos afirma Angela Carter na introdução <strong>de</strong> 103 Contos <strong>de</strong> Fadas (2007), a eliminação <strong>de</strong><br />
certas expressões “pesadas” contribuiu para que o divertimento universal dos pobres se<br />
transformasse em passatempo da burguesia, principalmente das crianças burguesas.<br />
Marina Warner (1999) nos relata alguns <strong>de</strong>sses elementos grotescos que existiam na<br />
versão oral <strong>de</strong> Chapeuzinho Vermelho, mas que foram suprimidas por Perrault. Segundo ela,<br />
o lobo usa <strong>de</strong> ardis para levar a heroína a comer um pedaço <strong>de</strong> carne <strong>de</strong> sua avó e a beber um<br />
pouco <strong>de</strong> sangue da velha, mas a criança, ao final, consegue se safar, recusando-se a <strong>de</strong>itar na<br />
cama com o pretexto <strong>de</strong> urinar. O lobo, então, amarra uma corda ao pé da menina, que ao<br />
chegar ao bosque, consegue se livrar do nó da corda e foge.<br />
Assim como Perrault, os irmãos Grimm, no final do século XIX, na Alemanha,<br />
também transcreveram histórias advindas da tradição oral. Tendo como principal fonte uma<br />
mulher chamada Doroth<strong>ea</strong> Viehnmann, eles também excluíram e acrescentaram elementos<br />
que habitualmente não havia nas versões orais. Conforme a psicanalista Dra. Clarissa Pinkola<br />
Estés, no prefácio <strong>de</strong> uma coletân<strong>ea</strong> que faz dos <strong>contos</strong> dos irmãos Grimm (2005), ao<br />
transcreverem as histórias folclóricas os autores alemães acrescentaram uma versão judaico-<br />
cristã <strong>de</strong> Deus em alguns dos <strong>contos</strong> mais antigos, o que nos mostra que <strong>contos</strong> <strong>de</strong> <strong>fadas</strong> são<br />
impregnados <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias dos autores e da época em que se inseriam. Portanto, são<br />
atribuídos aos <strong>contos</strong> folclóricos crenças e i<strong>de</strong>ologias <strong>de</strong> seu tempo e <strong>de</strong> sua nação. Uma<br />
característica marcante <strong>de</strong>ssas histórias é a transformação a que seus enredos estão sujeitos,