contos de fadas: a construção discursiva ea ... - ICHS/UFOP
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patriarcalismo. Ela fez dos <strong>contos</strong> <strong>de</strong> <strong>fadas</strong> uma po<strong>de</strong>rosa arma <strong>de</strong> ataque aos costumes do<br />
patriarcado, produzindo, assim, uma das releituras mais originais da literatura contemporân<strong>ea</strong>.<br />
Em entrevista à revista Marxism Today, publicada no início <strong>de</strong> 1985, Carter afirma<br />
achar interessante a qualida<strong>de</strong> com que a burguesia se apropriou da cultura dos pobres para o<br />
seu entretenimento. Os <strong>contos</strong> <strong>de</strong> <strong>fadas</strong>, segundo Carter, fizeram parte da tradição oral da<br />
Europa e foram “a ficção dos pobres e dos iletrados” (p. 20). Em A Companhia dos Lobos, a<br />
escritora se apropria e <strong>de</strong>sconstrói uma das histórias folclóricas mais conhecidas por muitas<br />
culturas: Chapeuzinho Vermelho, que foi transcrita por Perrault, na França, e também pelos<br />
Irmãos Grimm, na Alemanha.<br />
O conto da escritora po<strong>de</strong> ser dividido em duas partes: na primeira, há lendas que<br />
envolvem figura <strong>de</strong> lobos e lobisomens. Elas são importantes para a <strong>construção</strong> da narrativa e<br />
contribuem para o clímax do conto. Nelas, os lobos são construídos como seres selvagens,<br />
assustadores e “<strong>de</strong> todos os temíveis perigos da noite e da floresta (...) o lobo é o pior porque<br />
não dá ouvidos à razão” (p. 200).<br />
Na segunda parte nos é <strong>de</strong>scrita a história <strong>de</strong> uma menina que insiste em atravessar o<br />
bosque em pleno inverno para levar uma cesta contendo comida para a sua avó, e encontra no<br />
meio da floresta um belo jovem com o qual fica conversando. A adolescente que, até então,<br />
carregava uma faca para se proteger das “feras”, entrega-a junto com o cesto para o rapaz,<br />
uma vez que ele tinha uma espingarda. Os dois se separam após uma aposta em que se o<br />
jovem chegasse primeiro à casa da avó, ganharia um beijo da protagonista. Ao chegar antes da<br />
adolescente, ele, então, mostra sua outra face (a <strong>de</strong> um lobisomem), e <strong>de</strong>vora a velha<br />
reumática. A menina que <strong>de</strong>morara no caminho para se certificar <strong>de</strong> que o belo jovem<br />
ganharia a aposta, chega à casa da avó e fica <strong>de</strong>sapontada ao ver apenas a “velha” sentada<br />
perto da lareira. Mas, o jovem logo se revela e atira a colcha fora. A menina que não vê sua<br />
avó na casa percebe que está em perigo, mas <strong>de</strong>ixa o medo <strong>de</strong> lado, uma vez que ter medo não<br />
adiantaria nada. O conto termina com os dois na cama da vovozinha, on<strong>de</strong> a heroína “dorme<br />
em paz e docemente (...), entre as patas do lobo afetuoso.” (p. 213).<br />
Preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar neste artigo que ao comparar os <strong>contos</strong> <strong>de</strong> Chapeuzinho<br />
Vermelho, transcritos por Perrault e pelos Irmãos Grimm, com A Companhia dos Lobos <strong>de</strong><br />
Angela Carter, percebemos neste último a subversão <strong>de</strong> funções i<strong>de</strong>ológicas e estruturais em<br />
relação àquelas apresentadas pelos <strong>contos</strong> tradicionais. Para <strong>de</strong>monstrar quais as i<strong>de</strong>ologias e<br />
as características presentes nos <strong>contos</strong> <strong>de</strong> <strong>fadas</strong> tradicionais faz-se necessário apresentar um<br />
3 Nesta pesquisa, investigamos a tradução <strong>de</strong> “O Quarto do Barba Azul” (1999) feita por Carlos Nougué.