11.04.2013 Views

Ainda se ouve a guitarra de Kurt Cobain - Fonoteca Municipal de ...

Ainda se ouve a guitarra de Kurt Cobain - Fonoteca Municipal de ...

Ainda se ouve a guitarra de Kurt Cobain - Fonoteca Municipal de ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

CAPA: ANA CARVALHO APARTIR DE UMA FOTO REUTERS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7017 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

Sexta-feira<br />

20 Novembro 2009<br />

www.ipsilon.pt<br />

<strong>Ainda</strong> <strong>se</strong> <strong>ouve</strong> a <strong>guitarra</strong> <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />

O primeiro álbum dos Nirvana<br />

foi editado há 20 anos<br />

Francis Coppola Robert FrankKimi Djabaté David Claerbout Jo<strong>se</strong>ph O’Neill


CAPA: ANA CARVALHO APARTIR DE UMA FOTO REUTERS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7017 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

Sexta-feira<br />

20 Novembro 2009<br />

www.ipsilon.pt<br />

<strong>Ainda</strong> <strong>se</strong> <strong>ouve</strong> a <strong>guitarra</strong> <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />

O primeiro álbum dos Nirvana<br />

foi editado há 20 anos<br />

Francis Coppola Robert FrankKimi Djabaté David Claerbout Jo<strong>se</strong>ph O’Neill


Flash<br />

Sumário<br />

<strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> 6<br />

Os <strong>de</strong>spojos <strong>de</strong> um mito<br />

Francis Ford Coppola 16<br />

Quer começar <strong>de</strong> novo;<br />

<strong>se</strong>rá possível?<br />

Robert Frank 20<br />

Ele dis<strong>se</strong>, há 50 anos,<br />

“eu sou um americano”<br />

David Claerbout 24<br />

Quer mostrar imagens<br />

impossíveis <strong>de</strong> esquecer<br />

Jo<strong>se</strong>ph O’Neill 28<br />

O irlandês diz “New York<br />

I love You” e a crítica<br />

americana compara-o a<br />

Fitzgerald<br />

Musical 30<br />

Em Portugal, o que é isso?<br />

Em Londres, “it’s a musical”<br />

Architecting 35<br />

Uma proposta teatral <strong>se</strong>m<br />

optimismos que faz pensar<br />

na América e no mundo; na<br />

Culturgest<br />

Ficha Técnica<br />

Directora Bárbara Reis<br />

Editor Vasco Câmara,<br />

Inês Nadais (adjunta)<br />

Con<strong>se</strong>lho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho,<br />

Carla Noronha, Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografi a<br />

Miguel Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

Espaço<br />

Público<br />

Este espaço vai <strong>se</strong>r<br />

<strong>se</strong>u. Que fi lme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

Zemeckis realiza<br />

“remake” <strong>de</strong> “Yellow<br />

Submarine”<br />

A Beatlemania está <strong>de</strong> volta, em<br />

versão século XXI. Ou <strong>se</strong>ja, tivemos<br />

a caixa com a discografia<br />

remasterizada e os álbuns<br />

individualmente a escalar as tabelas<br />

E <strong>se</strong> os trabalhos<br />

incompletos <strong>de</strong> David Lean,<br />

Terry Gilliam, Kubrick e<br />

Michael Powell tives<strong>se</strong>m<br />

sido concluídos? Esta é a<br />

i<strong>de</strong>ia do festival Cinecity,<br />

em Brighton, cuja <strong>se</strong>cção<br />

“Neverma<strong>de</strong>s” está a<br />

“mostrar”, até 6 <strong>de</strong><br />

Dezembro, os filmes nunca<br />

feitos ou nunca terminados<br />

do cinema britânico. O<br />

objectivo é questionar o “e<br />

<strong>se</strong>” da história. Perguntar<br />

como estes “neverma<strong>de</strong>s”<br />

po<strong>de</strong>rão constituir uma<br />

história alternativa do<br />

cinema.<br />

Numa conversa intitulada<br />

“Un-ma<strong>de</strong> British Cinema”,<br />

o historiador e<br />

programador da <strong>se</strong>cção,<br />

Ian Christie, apre<strong>se</strong>ntará<br />

guiões, esquissos ou alguns<br />

minutos <strong>de</strong> película <strong>de</strong>stes<br />

filmes nunca vistos. O<br />

festival disponibilizará<br />

online entrevistas em<br />

podcast com alguns dos<br />

realizadores, como Terry<br />

Gilliam, sobre os <strong>se</strong>us<br />

nunca-terminados<br />

projectos. Passará<br />

ainda um<br />

documentário <strong>de</strong><br />

Serge Bromberg e<br />

Ruxandra Medrea<br />

que re-monta as<br />

imagens <strong>de</strong><br />

“Inferno”, <strong>de</strong><br />

Henri-Georges<br />

Clouzot (1964), com<br />

Romy Schnei<strong>de</strong>r. Na<br />

altura, Clouzot tinha<br />

um orçamento ilimitado e<br />

filmou horas e horas <strong>de</strong><br />

película, mas a produtora<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

Yellow Submarine”<br />

<strong>de</strong> venda e o jogo <strong>de</strong> consola Beatles<br />

Rock Band a mostrar a música dos<br />

Fab Four a miúdos armados <strong>de</strong><br />

<strong>guitarra</strong>s e baterias <strong>de</strong> plástico.<br />

Agora, sabe-<strong>se</strong> que em 2012, estreia<br />

a coincidir com os Jogos Olímpicos<br />

<strong>de</strong> Londres, teremos uma nova<br />

versão <strong>de</strong> “Yellow Submarine”.<br />

Robert Zemeckis <strong>se</strong>rá o responsável<br />

pelo projecto e, <strong>de</strong>pois do acordo,<br />

Brighton vê um “best<br />

of” dos fi lmes “nunca<br />

feitos”<br />

cancelou o projecto após<br />

três <strong>se</strong>manas <strong>de</strong> filmagens.<br />

Bromberg e Medrea<br />

recuperaram o material e,<br />

com entrevistas e análi<strong>se</strong>s às<br />

cenas, realizaram o<br />

documentário.<br />

Problemas com direitos,<br />

ob<strong>se</strong>ssões <strong>de</strong> realizadores,<br />

doenças e mortes<br />

interromperam estes<br />

projectos. Em muitos casos,<br />

po<strong>de</strong>riam ter sido “os filmes<br />

das vidas” <strong>de</strong>stes<br />

realizadores.<br />

“Vários realizadores<br />

passaram muito tempo a<br />

trabalhar em projectos que<br />

nunca foram falados. Eu<br />

estou a tentar dar-lhes vida”,<br />

explicou Christie ao<br />

“In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt”. Nos vários<br />

filmes incluídos no<br />

programa estão “Nostromo”<br />

(1986) <strong>de</strong> David Lean,<br />

afectado pela saú<strong>de</strong> do<br />

realizador, e “Dom Quixote”<br />

(2000) <strong>de</strong> Terry Gilliam,<br />

cujas filmagens foram<br />

interrompidas ao fim <strong>de</strong><br />

quatro <strong>se</strong>manas<br />

<strong>de</strong>vido a doenças,<br />

inundações,<br />

entre<br />

outros<br />

VINCENT WEST/ REUTERS<br />

em Setembro,<br />

entre a Walt Disney<br />

Studios e a Beatles Apple Corps, foi<br />

anunciado, em entrevista do<br />

realizador <strong>de</strong> “Regresso ao Futuro”<br />

à MTV News, que Paul McCartney e<br />

Ringo Starr estão a <strong>se</strong>r sondados<br />

para participar no projecto – no<br />

filme original, <strong>de</strong> 1968, as vozes das<br />

versões animadas <strong>de</strong> Paul, John,<br />

<strong>de</strong>sastres. Stanley Kubrick e<br />

Michael Powell são, talvez,<br />

os campeões dos<br />

“neverma<strong>de</strong>s” neste<br />

programa. Powell “não fez”<br />

“The Tempest” (anos 1970)<br />

<strong>de</strong>vido a problemas com a<br />

Rank Organisation com<br />

quem tinha péssimas<br />

relações, apesar <strong>de</strong> haver<br />

dinheiro do produtor e Mia<br />

Farrow, James Mason, e o<br />

comediante Frankie Howerd<br />

já estarem escolhidos.<br />

Kubrick Kubrick “não filmou<br />

“Napoleon” em 1969, nem<br />

“Aryan “Aryan Papers” (anos 90),<br />

projecto projecto sobre o Holocausto<br />

que abandonou po ppor r dizer<br />

George e<br />

Ringo não<br />

pertenciam aos Beatles, surgiam<br />

apenas na sua curta <strong>se</strong>quência final.<br />

O “remake” <strong>se</strong>rá realizado em<br />

animação 3-D, recorrendo à técnica<br />

“performance-capture” (animação<br />

digital e imagem real) que Zemeckis<br />

vem utilizando em filmes como<br />

“Expresso Polar”.<br />

não <strong>se</strong>r possível fazer um<br />

filme sobre o tema que<br />

fos<strong>se</strong> bem feito. O<br />

lançamento “A Lista <strong>de</strong><br />

Schindler” <strong>de</strong> Spielberg,<br />

em 1993, não ajudou. Mas<br />

as ob<strong>se</strong>ssões <strong>de</strong> Kubrick<br />

também não, conta<br />

Christie: “Havia um lado<br />

notoriamente napoleónico<br />

em Kubrick; <strong>se</strong>m dúvida,<br />

ele pensava em gran<strong>de</strong> […]<br />

Apesar <strong>de</strong> ter con<strong>se</strong>guido<br />

concluir imensos<br />

projectos, a sua ob<strong>se</strong>ssão<br />

com Napoleon e<br />

problemas problemas <strong>de</strong> casting<br />

levaram muitos a <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> o apoiar.”<br />

Kubrick, talvez o campeão dos “neverma<strong>de</strong>s”; Romy Schnei<strong>de</strong>r<br />

em “Inferno”, o projecto interrompido <strong>de</strong> Clouzot, e Terry Gilliam,<br />

que entra para este grupo com um “Dom Quixote”<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 3<br />

EPA/ AFP FILES


Flash<br />

Fela Kuti<br />

chega à<br />

Broadway<br />

Que África está por todo o lado na<br />

música popular não é novida<strong>de</strong>. Se<br />

nos centrarmos nos EUA, <strong>se</strong> nos<br />

lembrarmos <strong>de</strong> nomes como<br />

Vampire Weekend, Yeasayer ou<br />

Dirty Projectors, e da quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vezes que lemos a expressão<br />

“<strong>guitarra</strong>s africanas” aplicada<br />

à sua música, tal é ainda<br />

mais evi<strong>de</strong>nte. Pois agora o<br />

fascínio está a chegar ao<br />

coração do<br />

entretenimento<br />

americano.<br />

Em<br />

gran<strong>de</strong>:<br />

“Fela!”,<br />

musical <strong>de</strong> nada<br />

menos que Bill T<br />

Jones, o respeitadíssimo<br />

coreógrafo e bailarino, ba<strong>se</strong>ado na<br />

vida e música do pai do afro-beat,<br />

no herói da música nigeriana cuja<br />

criativida<strong>de</strong> e activismo<br />

transformaram em nome fulcral da<br />

música do século XX, chega à<br />

Broadway dia 23, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma<br />

temporada <strong>de</strong> oito <strong>se</strong>manas “off<br />

Broadway”, em 2008, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

sucesso.<br />

Entre os produtores do espectáculo,<br />

que conta com os Antibalas, a<br />

distinta orquestra afro-beat novaiorquina,<br />

como banda resi<strong>de</strong>nte,<br />

estão Jay-Z e Will Smith, figuras<br />

es<strong>se</strong>nciais para cativar o público.<br />

Isto porque, como era <strong>de</strong>fendido<br />

recentemente num artigo da revista<br />

“Variety”, o musical repre<strong>se</strong>nta um<br />

risco por não <strong>se</strong>guir a estrutura<br />

comum da Broadway, por ter como<br />

figura central um músico<br />

<strong>de</strong>sconhecido do gran<strong>de</strong> público<br />

americano, por ter a acção<br />

pontuada por canções cantadas em<br />

yoruba ou inglês <strong>de</strong> calão nigeriano<br />

e por incentivar a participação do<br />

público, algo pouco comum para o<br />

espectador habitual da Broadway.<br />

O espectáculo foi concebido por Bill<br />

T Jones em colaboração com Jim<br />

Lewis, com quem já havia<br />

colaborado, em 1994, em “Dream<br />

on Monkey Mountain”, e a estreia<br />

está marcada para o Eugene O’Neill<br />

Theater.<br />

Paralelamente, e não <strong>se</strong>rá<br />

coincidência, a Knitting Factory<br />

Records iniciou a 27 <strong>de</strong> Outubro,<br />

com “The Best Of The Black<br />

Presi<strong>de</strong>nt”, vasta reedição da obra<br />

<strong>de</strong> Fela Kuti. Aparentemente, nada<br />

ficará <strong>de</strong> fora. Durante o próximo<br />

ano e meio, 45 álbuns <strong>se</strong>rão<br />

lançados no mercado americano,<br />

com <strong>de</strong>staque para a primeira<br />

edição oficial, <strong>se</strong>gundo avança a<br />

Pitchfork, do catálogo completo dos<br />

Koola Lobitos, a banda <strong>de</strong> Fela nos<br />

anos 1960.<br />

4 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Bill T Jones encena “Fela”,<br />

espectáculo co-produzido<br />

por Jay-Z e Will Smith<br />

Courtney Love<br />

ressuscita as Hole<br />

Agora é que é. Quatro anos<br />

<strong>de</strong>pois dos primeiros rumores,<br />

dois <strong>de</strong>pois da confirmação<br />

“<strong>de</strong>sconfirmada”, Courtney<br />

Love as<strong>se</strong>gura que a 1 <strong>de</strong> Janeiro<br />

<strong>de</strong> 2010 é que vai <strong>se</strong>r. “Nobody’s<br />

Daughter”, o <strong>se</strong>u novo álbum,<br />

que <strong>se</strong>rá rock’n’roll e, <strong>se</strong>ndo<br />

rock’n’roll, terá Hole inscrito na<br />

capa, está prestes a <strong>se</strong>r editado.<br />

“É mais importante que<br />

qualquer outro disco que tenha<br />

feito, <strong>de</strong> longe”, exclama a viúva<br />

<strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> à “Rolling<br />

Stone”, antes <strong>de</strong> confessar,<br />

justificando a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> o<br />

creditar à sua antiga banda, que<br />

“as Hole são on<strong>de</strong> quer<br />

que pendure o<br />

chapéu”.<br />

“Nobody’s<br />

Daughter”<br />

começou a<br />

nascer em 2005. Courtney<br />

estava internada por <strong>de</strong>cisão<br />

judicial num centro <strong>de</strong><br />

reabilitação e Linda Perry, a<br />

ex-4 Non Blon<strong>de</strong><br />

transformada em<br />

compositora a retalho,<br />

visitou-a e ofereceu-lhe uma<br />

<strong>guitarra</strong>. Courtney começou<br />

a compor e, à saída, juntou<strong>se</strong><br />

a Perry e a Billy Corgan, o<br />

Smashing Pumpkin que<br />

quis um dia dominar o<br />

mundo, e, com<br />

o duo como<br />

É <strong>de</strong>sta que Richard<br />

Kelly faz um novo<br />

“Donnie Darko”?<br />

Pobre Richard Kelly: o<br />

realizador americano parece<br />

estar con<strong>de</strong>nado a <strong>se</strong>r o homem<br />

<strong>de</strong> um só filme, “Donnie<br />

Darko”. Depois do <strong>de</strong>saire do<br />

ambicioso (alguns diriam<br />

megalómano) “Southland<br />

Tales”, arrasado em Cannes e<br />

distribuído confi<strong>de</strong>ncialmente<br />

(quando foi distribuído...),<br />

“The Box”, o <strong>se</strong>u novo filme,<br />

não convenceu os espectadores<br />

americanos – e isto apesar <strong>de</strong><br />

críticas simpáticas mesmo que<br />

pouco entusiastas. O público<br />

rejeitou esta adaptação <strong>de</strong> um<br />

conto do escritor Richard<br />

Matheson com Cameron Diaz,<br />

produtores, passou dois me<strong>se</strong>s<br />

a gravar material.<br />

Em 2007 andou a experimentálo<br />

na estrada, não gostou e<br />

voltou a estúdio para regravar<br />

tudo. Juntou uma nova banda,<br />

as novas Hole, com o guitarrista<br />

Micko Larkin (23 anos), e<br />

recrutou Michael Beinhorn, o<br />

responsável pela gravação <strong>de</strong><br />

“Celebrity Skin”, o último<br />

álbum das<br />

Hole, <strong>de</strong><br />

1998,<br />

para<br />

James Mars<strong>de</strong>n e Frank<br />

Langella nos papéis principais,<br />

sobre um casal suburbano que<br />

recebe um pre<strong>se</strong>nte<br />

envenenado: uma caixa com<br />

um botão que lhes po<strong>de</strong> dar um<br />

milhão <strong>de</strong> dólares <strong>se</strong> o<br />

pressionarem... ao mesmo<br />

tempo que mata alguém que<br />

eles não conhecem. Kelly<br />

dis<strong>se</strong>ra ao jornal “New York<br />

Times” que “The Box” é um<br />

filme <strong>de</strong>liberadamente<br />

“comercial”, tentativa <strong>de</strong><br />

adaptar os <strong>se</strong>us universos<br />

distorcidos às exigências <strong>de</strong> um<br />

gran<strong>de</strong> estúdio – mas, <strong>se</strong>gundo<br />

Patrick Goldstein, do “Los<br />

Angeles Times”, essa tentativa<br />

esbarrou no <strong>de</strong>sagrado dos<br />

espectadores que não gostaram<br />

do final. Goldstein cita Ed<br />

Mintz, da empresa <strong>de</strong> pesquisa<br />

<strong>de</strong> mercado Cinemascore, que<br />

as<strong>se</strong>gurar a produção.<br />

Como referências do novo<br />

disco, Love aponta o “Diamond<br />

Dogs” <strong>de</strong> Bowie, o “lado bom”<br />

<strong>de</strong> “The Wall”, dos Pink Floyd, e<br />

o rock gótico dos anos 1980. Os<br />

temas são, refere, “ganância,<br />

vingança e feminismo”. Ah, e<br />

está cheio <strong>de</strong> <strong>se</strong>ntimentos<br />

maternais: “A minha letra<br />

favorita é: ‘Nobody’s daughter,<br />

she never was, she never will<br />

behol<strong>de</strong>n to anyone. She cannot<br />

kill. You don’t un<strong>de</strong>rstand how<br />

evil we really are’”. O que quer<br />

isto dizer? “Nem <strong>se</strong>i, mas <strong>se</strong>i<br />

que tem a ver com a minha filha<br />

[Frances Bean <strong>Cobain</strong>] e tem<br />

também a ver comigo”. É<br />

isso mesmo. Courtney<br />

está <strong>de</strong> volta.<br />

LUCAS JACKSON/ REUTERS<br />

<strong>de</strong>fine “The Box” como uma<br />

“versão em filme <strong>de</strong> terror” <strong>de</strong><br />

“A Escolha <strong>de</strong> Sofia” e diz há<br />

muito tempo não ver resultados<br />

tão maus nas “sondagens à<br />

boca das urnas” feitas no final<br />

das <strong>se</strong>ssões. Ironicamente, os<br />

<strong>de</strong>cepcionantes 13 milhões <strong>de</strong><br />

dólares <strong>de</strong> bilheteira <strong>de</strong> “The<br />

Box” equivalem ao maior<br />

sucesso <strong>de</strong> <strong>se</strong>mpre <strong>de</strong> Kelly em<br />

salas: a popularida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

“Donnie Darko” apenas<br />

disparou em DVD (o filme<br />

estreou em cima do 11 <strong>de</strong><br />

Setembro e praticamente não<br />

registou) e “Southland Tales”<br />

mal foi distribuído. E,<br />

conhecendo o culto que <strong>se</strong> tem<br />

gerado à volta do realizador,<br />

nada garante que “The Box”<br />

não encontre igualmente o<br />

público que lhe está a escapar<br />

em sala quando sair em DVD...


AGENDA CULTURAL FNAC<br />

entrada livre<br />

AO VIVO<br />

OIOAI<br />

Pela Primeira Vez<br />

Os Oioai vêm à Fnac apre<strong>se</strong>ntar Pela Primeira Vez, o sucessor do álbum homónimo editado em 2007.<br />

20.11. 18H00 FNAC STA. CATARINA 21.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING 26.11. 18H30 FNAC CASCAIS<br />

20.11. 22H00 FNAC GAIASHOPPING 22.11. 17H00 FNAC BRAGA PARQUE 27.11. 18H30 FNAC ALFRAGIDE<br />

21.11. 17H00 FNAC MAR SHOPPING 22.11. 22H00 FNAC GUIMARÃESHOPPING 27.11. 22H30 FNAC VASCO DA GAMA<br />

AO VIVO<br />

DAVID FONSECA<br />

Between Waves<br />

David Fon<strong>se</strong>ca vem à Fnac mostrar as suas novas canções num formato reduzido e intimista, revelador<br />

das características únicas que fazem <strong>de</strong>le uma referência no país.<br />

26.11. 18H00 FNAC CHIADO<br />

26.11. 22H00 FNAC CASCAISHOPPING<br />

AO VIVO<br />

ANTÓNIO PINHO VARGAS<br />

Solo II<br />

Solo II reúne trechos inéditos das <strong>se</strong>ssões do aclamado Solo <strong>de</strong> 2008 e novos registos <strong>de</strong> 2009:<br />

versões <strong>de</strong> músicas <strong>de</strong> José Afonso e Bob Dylan ao lado das composições do próprio Vargas.<br />

28.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING<br />

LANÇAMENTO<br />

QUE CAVALOS SÃO AQUELES QUE<br />

FAZEM SOMBRA NO MAR?<br />

Livro <strong>de</strong> António Lobo Antunes<br />

Aquele que é um dos maiores escritores portugue<strong>se</strong>s vem à Fnac para um encontro com o público.<br />

27.11. 19H30 FNAC CHIADO<br />

EXPOSIÇÃO<br />

VANUATU - A TERRA DELES<br />

Fotografias <strong>de</strong> Marco C. Pereira e Sara Wong<br />

Marco C. Pereira e Sara Wong visitaram o arquipélago <strong>de</strong> Vanuatu. Cinco ilhas que os autores <strong>de</strong>scobriram<br />

e que documentaram com imagens étnicas e <strong>de</strong> paisagem que retratam a singularida<strong>de</strong> da nação.<br />

12.11.2009 - 20.01.2010 FNAC ALMADA<br />

Consulte a agenda cultural Fnac em http://cultura.fnac.pt/Agenda<br />

Apoio:<br />

27.11. 18H00 FNAC MAR SHOPPING<br />

27.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING<br />

APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO


IMAGEM DO BOOKLET DE “LIVE AT READING”<br />

Uma anomalia<br />

Em 1989 uma banda <strong>de</strong> Aber<strong>de</strong>en, Seattle, gravava, com apenas 600 d<br />

E sai em DVD o registo <strong>de</strong> um concerto, “Live at Reading”, quando o mundo era d<br />

Por falar em <strong>Kurt</strong>... Mais exactamente,<br />

<strong>Kurt</strong>z, o coronel renegado, interpretado<br />

por Marlon Brando no épico<br />

<strong>de</strong> Coppola “Apocalyp<strong>se</strong> Now”. O filme<br />

centra-<strong>se</strong> na missão li<strong>de</strong>rada pelo<br />

capitão do exército americano Benjamin<br />

Willard (Martin Sheen), cujo<br />

objectivo é eliminar o enigmático<br />

<strong>Kurt</strong>z, que li<strong>de</strong>ra, no interior da <strong>se</strong>lva<br />

vietnamita, qual rei divino, uma milícia<br />

<strong>de</strong> dissi<strong>de</strong>ntes e nativos.<br />

Porque é que o exército americano<br />

quer eliminar um dos <strong>se</strong>us? Porque<br />

<strong>Kurt</strong>z <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer à linha <strong>de</strong><br />

comando. Não porque tenha <strong>de</strong>sistido<br />

da guerra ou <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> acreditar<br />

nes<strong>se</strong>s i<strong>de</strong>ais. Pelo contrário: crê totalmente,<br />

mas por excesso. Sofre <strong>de</strong><br />

sobre-i<strong>de</strong>ntificação com a instituição<br />

militar. Foi ultrapassado pelos acontecimentos.<br />

Até à loucura. Transformou-<strong>se</strong><br />

no <strong>de</strong>sregramento a abater.<br />

Um incómodo.<br />

Ele percebe-o. No final é Willard a<br />

6 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

matar <strong>Kurt</strong>z ou é <strong>Kurt</strong>z a preparar o<br />

terreno para que Willard o abata? A<br />

imolação <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong>z, <strong>se</strong>quência que encerra<br />

o filme, é a tentativa <strong>de</strong> lidar<br />

com a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m cosmológica. Um<br />

exaltado fotojornalista – Dennis Hopper<br />

– que Willard encontra na <strong>se</strong>lva<br />

faz <strong>de</strong> arauto. É ele que nos diz sobre<br />

<strong>Kurt</strong>z: “The man is clear in his mind,<br />

but his soul is mad.” Não po<strong>de</strong>ríamos<br />

dizer o mesmo <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong>?<br />

O filme da sua vida foi outro, mas<br />

foi também o mesmo. Interpretou os<br />

princípios da contracultura, acreditou<br />

neles, excessivamente. Sofria <strong>de</strong> sobre-i<strong>de</strong>ntificação<br />

com a ética punkrock.<br />

Foi ultrapassado pelos factos.<br />

Via-<strong>se</strong> como criador alternativo mas<br />

os <strong>se</strong>us discos vendiam milhões. Em<br />

parte, por ele, música antes encarada<br />

como difícil foi cunhada e vendida às<br />

massas como “grunge”.<br />

A popularida<strong>de</strong> embaraçava-o.<br />

Queria fama, mas não estava prepa-<br />

rado. Quem tinha 20 anos olhava-o<br />

como guia. Mas ele não queria <strong>se</strong>r<br />

guia. Sentia que estava tão perdido<br />

como os que queriam <strong>se</strong>r guiados.<br />

Nunca conciliou os <strong>se</strong>us princípios<br />

com o sucesso. O suicídio resolveu o<br />

impas<strong>se</strong>, antes que o rasto <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sapareces<strong>se</strong> por inteiro.<br />

20 anos <strong>de</strong>pois, na altura em que<br />

<strong>se</strong> assinala a edição do primeiro álbum<br />

dos Nirvana, “Bleach”, o mistério<br />

sobre <strong>Kurt</strong> e a sua banda mantém<strong>se</strong>.<br />

Ficarão para <strong>se</strong>mpre com o nome<br />

gravado na História do rock dos anos<br />

90 – mesmo <strong>se</strong> parecem ter constituído<br />

uma anomalia.<br />

Aquela voz, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vinha?<br />

Nes<strong>se</strong> período, do ponto <strong>de</strong> vista criativo,<br />

as linguagens da música <strong>de</strong> dança<br />

é que faziam a revolução. Mas para<br />

a indústria elas não repre<strong>se</strong>ntavam<br />

nada. No mercado mais rentável do<br />

mundo, o americano, o rock dominou<br />

<strong>se</strong>mpre. Os concertos eram lucrativos<br />

e o culto da personalida<strong>de</strong> suplantava<br />

o anonimato das electrónicas.<br />

Quem tinha vivido os anos 60, 70<br />

e 80 dizia que já não havia mais nada<br />

para inventar. Dos Velvet Un<strong>de</strong>rground<br />

aos Stooges, tudo parecia ter<br />

sido feito. Mas o rock, velha carcaça,<br />

recusava-<strong>se</strong> a morrer.<br />

<strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> nasceu em 1967. Lia<br />

fanzines rock. Escutava Va<strong>se</strong>lines, Daniel<br />

Johnston, Raincoats, TV Personalities,<br />

Black Flag. Rock in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />

cultivado em caves escuras. Regia-<strong>se</strong><br />

pela ética punk-rock. Pertencia a uma<br />

elite: aqueles que <strong>se</strong> zangavam a sério<br />

contra os valores burgue<strong>se</strong>s. Era contra<br />

o capitalismo, a favor do “façavocê-mesmo”.<br />

Contra o espectáculo,<br />

pela anarquia. Pelo regresso da sincerida<strong>de</strong>,<br />

mesmo sabendo que a história<br />

do rock está repleta <strong>de</strong> traições.<br />

O rock, para <strong>Kurt</strong>, eram canções<br />

cruas, o visual <strong>de</strong> todos os dias, lutar<br />

Capa


: <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />

dólares, o álbum <strong>de</strong> estreia: “Bleach”. 20 anos <strong>de</strong>pois es<strong>se</strong> disco é reeditado.<br />

dos Nirvana. A (nossa) história nunca mais foi a mesma. Vítor Belanciano<br />

Para muitos,<br />

<strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> per<strong>de</strong>u.<br />

Puxou <strong>de</strong> uma arma,<br />

mas apontou-a a si<br />

próprio. Para outros,<br />

não; foi gran<strong>de</strong><br />

contra o estabelecido, convencer <strong>se</strong>guidores<br />

a recusar o <strong>se</strong>xismo, a homofobia,<br />

o novo-riquismo. As canções,<br />

virulentas, punham a nu a vaida<strong>de</strong><br />

e a opulência da América, do<br />

Oci<strong>de</strong>nte, do princípio dos anos 90.<br />

Tornavam visível a esclero<strong>se</strong>, a gordura.<br />

O capitalismo, dizia <strong>Kurt</strong>, era<br />

“a gula.”<br />

Anotava as suas reflexões num diário.<br />

Cresceu na década <strong>de</strong> 90, a primeira,<br />

<strong>de</strong>pois da década <strong>de</strong> 40, que<br />

viu duas gerações distintas – pais e<br />

filhos – a gostarem da mesma música.<br />

O rock, os Beatles, os Stones, com os<br />

quais os pais também haviam crescido.<br />

Mas <strong>Kurt</strong> tinha raiva da geração dos<br />

pais. A cólera tinha que explodir. Em<br />

1987, os Nirvana. E ele, esperançado,<br />

anotava: “Vamos lançar o álbum às<br />

nossas custas. Achámos uma fábrica<br />

que prensará 1000 discos por 1600<br />

dólares, o que faz com que tenhamos<br />

que ven<strong>de</strong>r apenas 250 discos para<br />

recuperar o nosso investimento.”<br />

Acabaria por <strong>se</strong>r a in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

Sub Pop a editar o primeiro álbum,<br />

“Bleach”, registado em apenas vinte<br />

horas. <strong>Kurt</strong> tinha 22 anos. Não <strong>se</strong> saiu<br />

mal. 80 mil exemplares. Mais <strong>de</strong> 1,7<br />

milhões <strong>de</strong> cópias vendidas até hoje.<br />

O maior sucesso <strong>de</strong> <strong>se</strong>mpre da Sub<br />

Pop.<br />

Os Nirvana tornam-<strong>se</strong> lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong>ssa<br />

coisa chamada grunge. Em Seattle<br />

outras formações praticavam música<br />

<strong>se</strong>melhante (Melvins, Soundgar<strong>de</strong>n,<br />

Pearl Jam, Screaming Trees, Alice In<br />

Chains), mistura <strong>de</strong> Neil Young punk<br />

e Black Sabbath pop, <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, melodias<br />

perdidas por entre <strong>guitarra</strong>s<br />

cerradas e, no caso dos Nirvana, aquela<br />

voz, passando da dor à raiva, do<br />

apaziguamento ao caos. De on<strong>de</strong> vinha?<br />

Entre as influências citava “os<br />

divórcios, as drogas, os efeitos sónicos.”<br />

Fragmentos<br />

da Fen<strong>de</strong>r<br />

Stratocaster,<br />

<strong>de</strong>struída em<br />

1992, em<br />

concerto, por<br />

<strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />

(1967-1994)<br />

Festival <strong>de</strong><br />

Reading:<br />

momentos<br />

finais do rock<br />

enquanto<br />

gran<strong>de</strong><br />

manifestação<br />

artística e<br />

cultural<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 7


IMAGEM DO BOOKLET DA CAIXA “WITH THE LIGHTS OUT”<br />

O <strong>de</strong>sgosto formava o gosto<br />

Ao vivo os Nirvana ganhavam reputação<br />

<strong>de</strong> grupo incontrolável. Em<br />

1991, o rock precisava <strong>de</strong> sangue novo.<br />

Em quem apostar? Havia os Pixies,<br />

mas Frank Black era anafado. Não<br />

parecia Jesus como <strong>Kurt</strong>. Dir-<strong>se</strong>-ia<br />

mais um simpático caixa <strong>de</strong> supermercado<br />

do que outra coisa. E os<br />

Sonic Youth? Muito artísticos, muito<br />

nova-iorquinos, veteranos.<br />

Restavam os Nirvana. Restava<br />

injectar visibilida<strong>de</strong> e dólares no<br />

grunge <strong>de</strong> Seattle. E o negócio<br />

abateu-<strong>se</strong> sobre a cida<strong>de</strong>.<br />

Visualmente era <strong>Kurt</strong><br />

quem sobressaía. Loiro,<br />

Antes da tempesta<strong>de</strong><br />

Só queriam editar um disco, integrar-<strong>se</strong> na cena <strong>de</strong> Seattle e conhecer a América. Gravaram “Bleach” em vinte horas.<br />

Três anos <strong>de</strong>pois, não <strong>se</strong> limitavam a conhecer o mundo. O mundo era dos Nirvana. Dois momentos<br />

ilustrados pela reedição <strong>de</strong> “Bleach” e pelo DVD “Live At Reading”. Mário Lopes<br />

Nem era bem <strong>se</strong>rem recusados.<br />

Eram ignorados. Copiavam<br />

centenas <strong>de</strong> maquetas, nas quais<br />

colavam autocolantes com o<br />

nome da banda e o alinhamento,<br />

colavam os <strong>se</strong>los nos envelopes<br />

e lá <strong>se</strong>guiam elas. Para a Touch &<br />

Go, a editora dos Big Black, para<br />

a K Records <strong>de</strong> Calvin Johnson, a<br />

editora indie <strong>de</strong> Washington DC,<br />

para toda e qualquer editora que<br />

acolhes<strong>se</strong> bandas que os Nirvana<br />

admiras<strong>se</strong>m, qualquer uma que<br />

os pu<strong>de</strong>s<strong>se</strong> editar, tirá-los <strong>de</strong><br />

Aber<strong>de</strong>en e dar-lhes a conhecer<br />

a América – es<strong>se</strong> país que, presos<br />

numa pequena cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

estado periférico, não conheciam.<br />

“Estamos dispostos a pagar<br />

a maioria da prensagem <strong>de</strong> mil<br />

cópias do nosso LP, bem como<br />

todos os custos <strong>de</strong> gravação”,<br />

escreveu <strong>Cobain</strong> numa carta à<br />

Touch & Go, ano 1988, <strong>se</strong>gundo<br />

ar torturado, <strong>de</strong>sleixado como um<br />

roqueiro que <strong>se</strong> preze.<br />

E os Nirvana assinaram por uma<br />

multinacional.<br />

Foram convidados a <strong>de</strong>scer até Los<br />

Angeles para gravar o <strong>se</strong>gundo álbum.<br />

Pru<strong>de</strong>nte, a Geffen prensou apenas<br />

50 mil exemplares <strong>de</strong> “Nevermind”.<br />

Foram vendidos mais <strong>de</strong> 10 milhões.<br />

Para quem tinha vivido a década <strong>de</strong><br />

80 foi a surpresa. O álbum transformava<br />

a impotência em energia, a inércia<br />

em dinamismo, mas ninguém<br />

acreditava que aquele som<br />

– <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte dos<br />

Husker Du, Dinosaur Jr<br />

ou Sonic Youth – teria<br />

um artigo publicado na edição<br />

<strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2005 da revista<br />

“Mojo”. Na volta do correio, nada.<br />

Nova carta: “Será que po<strong>de</strong>riam,<br />

por favor, dar-nos uma resposta<br />

<strong>de</strong> ‘vão-<strong>se</strong> fo<strong>de</strong>r’, ou ‘não estamos<br />

interessados’, <strong>de</strong> forma a não<br />

<strong>de</strong>sperdiçarmos mais dinheiro<br />

a enviar maquetas?” A resposta<br />

chegaria, mas não da Touch & Go.<br />

Arriscou a Sub Pop, a agora mítica<br />

editora <strong>de</strong> Seattle, que acolheu os<br />

Nirvana como banda <strong>de</strong> <strong>se</strong>gunda<br />

linha. Afi nal, tinha no <strong>se</strong>u catálogo<br />

os Mudhoney, reis do rock’n’roll<br />

<strong>de</strong> Seattle, ou os Tad, on<strong>de</strong> cabiam<br />

ecos <strong>de</strong> Black Sabbath, zumbidos<br />

industriais e terror <strong>de</strong> série B.<br />

Neste contexto, os <strong>de</strong>sconhecidos<br />

Nirvana <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong>, Kris<br />

Novo<strong>se</strong>lic e do baterista Chad<br />

Channing não passavam <strong>de</strong><br />

aposta <strong>de</strong> risco pouco elevado<br />

para uma editora in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

Como o <strong>Kurt</strong>z<br />

<strong>de</strong> “Apocalip<br />

<strong>se</strong> Now”, <strong>Kurt</strong><br />

era lúcido; <strong>de</strong><br />

uma luci<strong>de</strong>z<br />

disforme<br />

hipóte<strong>se</strong>s <strong>de</strong> <strong>se</strong>duzir. Seduziu.<br />

Em parte, por um single, “Smells<br />

like teen spirit”. Em 1991 <strong>se</strong>r jovem<br />

era aquela canção, aquela <strong>de</strong>flagração,<br />

rejeição <strong>de</strong> qualquer coisa inominável.<br />

O <strong>de</strong>sgosto formava o gosto.<br />

Tornava-<strong>se</strong> êxito disforme, aberração<br />

dos tops habituados a acolher <strong>de</strong> braços<br />

abertos Vanilla Ice. As palavras<br />

eram confusas, mas tornava-<strong>se</strong> num<br />

hino <strong>de</strong> revolução adolescente, impulsionada<br />

por um ví<strong>de</strong>o sugerido<br />

por “Over The Edge”, filme <strong>de</strong> Jonathan<br />

Kaplan, com Matt Dillon.<br />

Mas <strong>de</strong> que espírito jovem falava<br />

<strong>Kurt</strong> nessa canção? Do punk-rock que<br />

queria acabar com a gula e o cinismo<br />

dos mais velhos? Ou do espírito dos<br />

adolescentes da América, <strong>de</strong>ssa geração<br />

que obe<strong>de</strong>ceu a Bush pai, adoptou<br />

valores reaccionários, correu aos<br />

cinemas para ver “Forrest Gump” ou<br />

às lojas <strong>de</strong> discos para comprar Bryan<br />

Adams?<br />

Afi nal, ela mesma arcaria com os<br />

custos <strong>de</strong> gravação daquele que<br />

<strong>se</strong>ria o <strong>se</strong>u primeiro álbum - o<br />

preço foi inscrito no próprio disco:<br />

600 dólares.<br />

Gravado em vinte horas,<br />

com produção <strong>de</strong> Jack Endino,<br />

“Bleach” teve como primeiro<br />

título “Too Many Humans” – o<br />

que <strong>se</strong>ria apropriado para um<br />

disco on<strong>de</strong> fi guram canções feitas<br />

<strong>de</strong> frustração e alienação como<br />

“School”, “Negative creep” ou<br />

“Downer”.<br />

<strong>Cobain</strong> diria mais tar<strong>de</strong> que<br />

escreveu as letras no caminho<br />

para o estúdio e, mesmo que tal<br />

não pas<strong>se</strong> <strong>de</strong> auto mitifi cação, a<br />

verda<strong>de</strong> é que a música gravada<br />

naquele Dezembro <strong>de</strong> 1988<br />

refl ecte essa espontaneida<strong>de</strong>.<br />

“Bleach” é o quadro <strong>de</strong> um<br />

momento: o primeiro álbum<br />

<strong>de</strong> uma banda que, imersa no<br />

cal<strong>de</strong>irão “un<strong>de</strong>rground” <strong>de</strong><br />

Seattle <strong>se</strong>m lhe pertencer (eram<br />

da pequena Aber<strong>de</strong>en), refl ectiu<br />

<strong>de</strong> forma magistral essa<br />

condição. Estão<br />

lá as marcas<br />

do rock’n’roll<br />

que vivia do<br />

confronto<br />

cerrado com o<br />

“mainstream”,<br />

alimentado<br />

pelas<br />

expressões<br />

marginais da<br />

música e cultura<br />

popular – o punk e<br />

o metal, os “cartoons”<br />

a preto e branco das<br />

“fanzines” –, mas<br />

também a marca<br />

distintiva que<br />

<strong>se</strong> revelaria<br />

<strong>de</strong>fi nitivamente<br />

Em Agosto <strong>de</strong> 1992, <strong>de</strong>pois da<br />

distinção <strong>de</strong> “Nevermind” como<br />

álbum do ano nas mais diversas<br />

publicações, os Nirvana foram<br />

cabeças <strong>de</strong> cartaz <strong>de</strong> Reading,<br />

um dos maiores festivais <strong>de</strong><br />

Verão europeus<br />

A partir<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada<br />

altura <strong>Cobain</strong> percebe<br />

que os amantes<br />

<strong>de</strong> rock já não são<br />

aliados. Percebe que<br />

os <strong>de</strong>z milhões que<br />

o ouviam eram os<br />

mesmos que iriam<br />

ouvir, mais tar<strong>de</strong>,<br />

Limp Bizkit


<strong>Kurt</strong> horroriza-<strong>se</strong> com a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong><br />

dos <strong>se</strong>us pares. Com o estado do mundo.<br />

E com as suas próprias <strong>de</strong>sventuras:<br />

porque é que <strong>se</strong> droga, arma zaragata,<br />

<strong>de</strong>strói hotéis como <strong>se</strong> fos<strong>se</strong><br />

uma trivial celebrida<strong>de</strong> rock? Porque<br />

é que <strong>se</strong> casa com uma estrela, Courtney<br />

Love, tão frágil como ele? Porque<br />

é que os dois adquirem uma<br />

casa como todos os casais conformistas<br />

que critica? Porque é que<br />

ele, no auge da glória, não po<strong>de</strong>,<br />

não con<strong>se</strong>gue, mudar o estado<br />

das coisas?<br />

Sim, tornara-<strong>se</strong> numa personalida<strong>de</strong>.<br />

A revista<br />

“Rolling Stone”, outrora<br />

alternativa, agora símbolo<br />

do entretenimento, quer<br />

que ele po<strong>se</strong> para a capa.<br />

Ele não <strong>de</strong>via, escreve.<br />

A ética punk não lho<br />

permite. A ele, das<br />

“fanzines”. Mas é<br />

estrela, a “Stone”<br />

é importante, tem<br />

que fazê-lo.<br />

Para não passar<br />

por marioneta<br />

tem uma i<strong>de</strong>ia:<br />

posa para a capa, mas <strong>de</strong> tshirt,<br />

com a inscrição “corporate magazines<br />

still suck”, forma <strong>de</strong> insultar<br />

a “Rolling Stone”. É isso que pensa,<br />

mas a vida é mais complexa.<br />

Ao aceitar essas condições a<br />

“Rolling Stone” dá provas <strong>de</strong> largueza<br />

<strong>de</strong> espírito. É admirada por isso.<br />

<strong>Kurt</strong> sofre. Pensava que <strong>se</strong> podia infiltrar<br />

no sistema para o fazer explodir,<br />

mas transforma-<strong>se</strong> no alibi do<br />

sistema, que o exibe: olhem para os<br />

Nirvana, indomáveis, rock com alarido,<br />

comprem os discos e estarão a<br />

comprar também uma atitu<strong>de</strong> rebel<strong>de</strong>.<br />

A partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada altura percebe<br />

que os amantes <strong>de</strong> rock já não<br />

são aliados. Ele que <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntia diferen-<br />

A banda que só<br />

queria <strong>se</strong>r <strong>de</strong> Seattle<br />

tinha <strong>de</strong>stronado<br />

as estrelas do passado<br />

e tornava-<strong>se</strong> a estrela<br />

do pre<strong>se</strong>nte<br />

pouco <strong>de</strong>pois daquela apressada<br />

gravação.<br />

Editado a 13 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1989,<br />

“Bleach” cresceu lentamente.<br />

Inicialmente ignorado, já era em<br />

meados <strong>de</strong> 1990 um dos mais<br />

bem-sucedidos álbuns <strong>de</strong> estreia<br />

por uma editora in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

No fi nal <strong>de</strong>s<strong>se</strong> ano, os Nirvana<br />

assinavam por uma multinacional,<br />

a Geff en. Tudo mudara – e agora,<br />

a edição paralela da versão<br />

remasterizada <strong>de</strong> “Bleach” e do<br />

DVD “Live At Reading”, mostranos<br />

quanto.<br />

te ao ouvir os Va<strong>se</strong>lines e que acreditava<br />

na atitu<strong>de</strong> combativa, percebe<br />

que os <strong>de</strong>z milhões que o ouviam<br />

eram os mesmos que iriam ouvir,<br />

mais tar<strong>de</strong>, Limp Bizkit.<br />

Não espanta que <strong>de</strong>sconfias<strong>se</strong> dos<br />

fãs <strong>de</strong> rock, sobretudo os da primeira<br />

geração, os renegados que, na sua<br />

visão, haviam traído i<strong>de</strong>ais. “O leitor<br />

médio da ‘Rolling Stone’ é um ex-hippie<br />

que virou hipócrita e que olha<br />

para o passado como <strong>se</strong>ndo a época<br />

<strong>de</strong> ouro, mas absorveu o capitalismo<br />

com indulgência, mo<strong>de</strong>ração, numa<br />

palavra, acomodou-<strong>se</strong>.” Porquê a animosida<strong>de</strong><br />

contra os “hippies”? Não<br />

eram suficientemente radicais. Tinham-<strong>se</strong><br />

vendido. Eram “yuppies”.<br />

<strong>Kurt</strong> e Eddie<br />

Apesar <strong>de</strong> <strong>se</strong>r o número 1 mundial<br />

continuava um pequeno punk. No<br />

festival <strong>de</strong> Reading apre<strong>se</strong>nta-<strong>se</strong> <strong>de</strong><br />

bata e ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas. Nos prémios<br />

MTV os Nirvana tocam uma canção<br />

chamada “Rape me”. <strong>Kurt</strong> ainda acreditava.<br />

Mas intensificava-<strong>se</strong> a <strong>se</strong>nsação<br />

que já não passava <strong>de</strong> um Dom<br />

Quixote a esbracejar no vazio.<br />

Tenta curas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintoxicação, com<br />

e <strong>se</strong>m Love. A 2 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1993, uma<br />

“overdo<strong>se</strong>” <strong>de</strong> heroína em Seattle.<br />

Prepara-<strong>se</strong> o sucessor <strong>de</strong> “Nevermind”.<br />

Os Nirvana querem lançar um<br />

disco assumidamente difícil. <strong>Cobain</strong><br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>ja que tenha o título <strong>de</strong> “I hate<br />

my<strong>se</strong>lf and i want to die”. Mas os imperativos<br />

do negócio falam mais alto.<br />

Chamar-<strong>se</strong>-á “In Utero” e trepará pelos<br />

tops. A 4 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1994, em<br />

digressão, mais uma “overdo<strong>se</strong>”, em<br />

Roma. Um mês <strong>de</strong>pois, a 5 <strong>de</strong> Abril,<br />

suicídio. Ao lado do corpo: “É melhor<br />

apagar <strong>de</strong> uma vez que <strong>de</strong>saparecer<br />

aos poucos.”<br />

Tinha 27 anos. Infiltrou-<strong>se</strong> no sistema.<br />

Os Nirvana impu<strong>se</strong>ram às massas<br />

a cólera face à gula. Para muitos, <strong>Kurt</strong><br />

per<strong>de</strong>u. Puxou <strong>de</strong> uma arma, mas<br />

O jogo do estrelato<br />

Tudo mudara, repetimos. Em<br />

1991, “Nevermind” chegou como<br />

um furacão. Não foi um acaso. Os<br />

Nirvana sabiam o que faziam.<br />

Tinham encontrado em Dave<br />

Grohl o baterista perfeito para a<br />

sua música, tinham trabalhado<br />

com um produtor, Butch Vig,<br />

que os conduziu na gravação<br />

<strong>de</strong> um disco on<strong>de</strong> as harmonias<br />

pop e a limpi<strong>de</strong>z da produção <strong>se</strong><br />

conjugavam admiravelmente<br />

com o carácter visceral das letras,<br />

com a violência <strong>de</strong> “Stay away”<br />

ou “Territorial pissings”. Tinham<br />

até criado uma canção que <strong>se</strong>ria<br />

erguida a hino da Geração X: “here<br />

we are now entertain us”.<br />

A banda que só queria <strong>se</strong>r<br />

<strong>de</strong> Seattle já não repre<strong>se</strong>ntava<br />

apenas a cida<strong>de</strong> do noroeste<br />

americano. Tinha <strong>de</strong>stronado<br />

“Dangerous”, <strong>de</strong> Michael<br />

Jackson, do topo das tabelas e<br />

transformado o “hair rock” <strong>de</strong><br />

Def Leppard, Aerosmith e afi ns<br />

em anacronismo. Destronadas as<br />

estrelas do passado, os Nirvana<br />

tornaram-<strong>se</strong> as estrelas do<br />

pre<strong>se</strong>nte - mas conviveram com os<br />

mesmos mecanismos mediáticos.<br />

A diferença é que tentaram<br />

<strong>de</strong>sconstruir o artifício daquele<br />

en<strong>de</strong>usamento que apropria a<br />

apontou-a a si próprio. Para outros,<br />

não; foi gran<strong>de</strong>. Es<strong>se</strong>s normalmente<br />

ten<strong>de</strong>m a compará-lo a Eddie Ved<strong>de</strong>r,<br />

dos Pearl Jam, outro grupo <strong>se</strong>minal<br />

<strong>de</strong> Seattle, ainda activo. Faz <strong>se</strong>ntido.<br />

Enquanto <strong>Kurt</strong> <strong>se</strong>mpre teve dificulda<strong>de</strong><br />

em lidar com gran<strong>de</strong>s audiências,<br />

e em palco qua<strong>se</strong> não dizia nada,<br />

Eddie comporta-<strong>se</strong> como o irmão<br />

mais velho, aquele que <strong>se</strong> oferece para<br />

<strong>se</strong>r guia.<br />

A voz <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> é coisa em bruto,<br />

expondo uma raiva incoerente, as<strong>se</strong>nte<br />

em letras pouco claras. Eddie<br />

conta histórias. As canções dos Nirvana<br />

são mais <strong>de</strong>safiantes, mas não<br />

oferecem calor. Quando muito são<br />

catárticas.<br />

Eddie parece tentar chegar ao outro.<br />

<strong>Kurt</strong> quer que o <strong>de</strong>ixem em paz.<br />

Aquilo que faz do primeiro um herói<br />

do rock – no <strong>se</strong>ntido mais con<strong>se</strong>rvador<br />

do termo – é que é alguém que<br />

nunca <strong>de</strong>siste <strong>de</strong> lutar. “In Utero”, o<br />

último grito dos Nirvana, é o oposto.<br />

É <strong>de</strong>sistir, é o isolamento, o casulo<br />

on<strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>se</strong> resguarda das contradições<br />

<strong>de</strong> <strong>se</strong>r um rebel<strong>de</strong> milionário.<br />

Talvez Eddie <strong>se</strong>ja um <strong>se</strong>r humano<br />

melhor. Mas <strong>se</strong>gundo o mito romântico<br />

do criador, talvez <strong>Kurt</strong> <strong>se</strong>ja melhor<br />

artista. Como o <strong>Kurt</strong>z <strong>de</strong> Brando:<br />

era lúcido. De uma luci<strong>de</strong>z disforme,<br />

incapaz <strong>de</strong> percepcionar a totalida<strong>de</strong><br />

à sua volta. Ninguém <strong>se</strong> surpreen<strong>de</strong>u<br />

quando <strong>se</strong> suicidou. Mas mesmo assim<br />

a sua morte continua a inspirar<br />

as mais bizarras e diversas teorias<br />

conspirativas.<br />

Quem matou <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong>? A resposta<br />

é óbvia. <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> matou <strong>Kurt</strong><br />

<strong>Cobain</strong>. Mas também foi vítima: vítima<br />

do mito <strong>de</strong> que para <strong>se</strong> <strong>se</strong>r autêntico,<br />

verda<strong>de</strong>iro e comprometido, não<br />

<strong>se</strong> po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r popular.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 46 e <strong>se</strong>gs e<br />

crítica <strong>de</strong> DVD pág. 55<br />

diferença até a transformar em<br />

banalida<strong>de</strong>.<br />

Quando actuaram no Top Of<br />

The Pops, foi-lhes exigido um<br />

“playback” - contrapu<strong>se</strong>ram com<br />

um “playback” parcial. Ouviram<strong>se</strong><br />

os instrumentos da versão <strong>de</strong><br />

estúdio <strong>de</strong> “Smells like teen spirit”,<br />

ouviu-<strong>se</strong> a voz <strong>de</strong> <strong>Cobain</strong>, no palco<br />

do mais famoso programa musical<br />

televisivo britânico, a cantar<br />

em voz operática <strong>de</strong>stroçada,<br />

<strong>de</strong>safi nada, versos como “load up<br />

on drugs / kill your friends” – e<br />

os espectadores viram um trio a<br />

movimentar-<strong>se</strong> em palco como<br />

marionetas. Pela mesma altura,<br />

convidados para um programa<br />

familiar, ainda em Inglaterra,<br />

ouviu-<strong>se</strong> o apre<strong>se</strong>ntador anunciar<br />

ao público <strong>de</strong> <strong>se</strong>nhores e <strong>se</strong>nhoras<br />

<strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong> os Nirvana e o <strong>se</strong>u<br />

novo single, “Come as you are”.<br />

Acto contínuo, a banda atira-<strong>se</strong><br />

a uma feroz interpretação <strong>de</strong><br />

“Territorial pissings”, a mais<br />

curta e mais agressiva canção <strong>de</strong><br />

“Nevermind”, culminada com a<br />

<strong>de</strong>struição dos instrumentos em<br />

palco.<br />

Em Agosto <strong>de</strong> 1992, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> ganharem dois prémios<br />

MTV, <strong>de</strong>pois da distinção <strong>de</strong><br />

“Nevermind” como álbum do ano<br />

nas mais diversas publicações,<br />

<strong>de</strong>pois do casamento <strong>de</strong> <strong>Cobain</strong><br />

com Courtney Love e do início<br />

do inevitável tratamento “Yoko<br />

Ono” que esta sofreria, chegaria o<br />

culminar <strong>de</strong> todo este meteórico<br />

crescimento.<br />

Os Nirvana como cabeças<br />

<strong>de</strong> cartaz <strong>de</strong> Reading, um dos<br />

maiores festivais <strong>de</strong> Verão<br />

europeus, encabeçando um<br />

alinhamento que apre<strong>se</strong>ntava<br />

antes <strong>de</strong>les os históricos Nick<br />

Cave e Beastie Boys, os amigos<br />

Mudhoney, Melvins e Screaming<br />

Trees, os perfeitos Pavement, as<br />

“riot grrls” L7, os artesãos pop<br />

Teenage Fanclub e a piada Björn<br />

Again.<br />

<strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> entra em palco <strong>de</strong><br />

ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas, bata hospitalar<br />

e longa cabeleira loura. Ergue-<strong>se</strong><br />

com difi culda<strong>de</strong>. Canta um verso<br />

e estatela-<strong>se</strong> no chão. Acaba o<br />

teatro. A primeira canção do<br />

alinhamento é “Bleed”, a que<br />

abrira “Bleach”. A última, antes da<br />

<strong>de</strong>struição dos instrumentos, <strong>se</strong>rá<br />

“Territorial pissings”.<br />

Estavam centenas <strong>de</strong> milhar à<br />

sua frente e os Nirvana jogavam<br />

<strong>de</strong> acordo com as suas regras.<br />

Dominavam a situação com<br />

mestria. Até ali, tudo perfeito.<br />

O caos <strong>se</strong>guir-<strong>se</strong>-ia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

momentos.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 9


O que tem a série Twin Peaks em<br />

comum com os Nirvana? À partida<br />

nada. São dois mundos <strong>se</strong>parados.<br />

Tal conclusão, porém, não <strong>de</strong>ve<br />

impedir que <strong>se</strong> revejam acasos,<br />

coincidências. Hoje, como à época,<br />

relativamente esquecidas.<br />

Um pouco <strong>de</strong> memória então: a<br />

acção <strong>de</strong> Twin Peaks <strong>de</strong>corre no<br />

estado <strong>de</strong> Washington <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

os Nirvana eram originários.<br />

Há uma coincidência temporal<br />

entre a aparição da série criada<br />

por David Lynch e o princípio da<br />

popularida<strong>de</strong> da banda. A primeira<br />

surgiu em 1990 e o grupo <strong>de</strong> <strong>Cobain</strong><br />

gravou “Bleach” em Junho <strong>de</strong> 1989.<br />

Sabe-<strong>se</strong> que o vocalista/guitarrista<br />

não só era fã <strong>de</strong> Twin Peaks, como<br />

comparava esta a Aber<strong>de</strong>en (a sua<br />

cida<strong>de</strong> natal).<br />

“Fait-divers”? O que é certo é que<br />

série e banda trouxeram para o<br />

imaginário da cultura visual uma<br />

paisagem lúgubre, húmida, pouco<br />

solar: um lugar “exótico” entre<br />

Portland e Seattle. Mais: nasceram<br />

em plena paz pós-Guerra Fria,<br />

quando rareavam as gran<strong>de</strong>s<br />

causas e os gran<strong>de</strong>s medos, bem<br />

como o glamour <strong>de</strong> outros tempos.<br />

Aliás, tanto em Twin Peaks como<br />

na música dos Nirvana é fácil<br />

<strong>de</strong>scortinar um ambiente malsão,<br />

<strong>de</strong>baixo do qual <strong>se</strong> escon<strong>de</strong>m<br />

<strong>se</strong>gredos e traumas, embora<br />

<strong>Cobain</strong> fos<strong>se</strong> um tipo menos<br />

estranho do que as personagens<br />

<strong>de</strong> Twin Peaks: alguém <strong>de</strong> carne<br />

e osso. Um “redneck” <strong>se</strong>nsível,<br />

intelectualmente curioso.<br />

Mas <strong>se</strong> especularmos à beira<br />

do <strong>de</strong>lírio, porque não confrontar<br />

o mistério da sua morte com o <strong>de</strong><br />

Laura Palmer, as más companhias<br />

<strong>de</strong> um com as más companhias do<br />

outro? Um pouco <strong>de</strong> bom <strong>se</strong>nso:<br />

avaliar a infl uência <strong>de</strong> Lych na<br />

obra <strong>de</strong> <strong>Cobain</strong> é tarefa absurda.<br />

É verda<strong>de</strong> que o músico, nos<br />

últimos anos, foi abandonando<br />

o “realismo” visual do rock a<br />

favor <strong>de</strong> uma fantasia <strong>de</strong> cariz<br />

surrealista (“In Utero”), mas o <strong>se</strong>u<br />

lugar foi <strong>se</strong>mpre mais chão, mais<br />

musical. Mais fl anela coçada e<br />

10 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Imagens <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />

De Twin Peaks<br />

ao último rosto da pop<br />

No mesmo ano <strong>de</strong> “Bleach” aparecia a série Twin Peaks, <strong>de</strong> que <strong>Cobain</strong> era fã. Coincidência fértil – e húmida, e lúgubre – para esta<br />

viagem por um ambiente malsão, <strong>de</strong>baixo do qual <strong>se</strong> escon<strong>de</strong>m <strong>se</strong>gredos e traumas. José Marmeleira<br />

A ABC começou a exibir a série<br />

em Abril <strong>de</strong> 1990 – a acção situa<strong>se</strong><br />

numa fictícia cida<strong>de</strong> do<br />

estado <strong>de</strong> Washington, <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

os Nirvana eram originários<br />

cabelos soltos <strong>de</strong> que roupas e<br />

penteados estilizados como os <strong>de</strong><br />

Dale Cooper enquanto comia o <strong>se</strong>u<br />

“donut”.<br />

Tal não impediu, sublinhe-<strong>se</strong>,<br />

que o cinema <strong>de</strong> Lynch (mais do<br />

que o <strong>de</strong> Alex Cox, Hal Hartley<br />

ou Linklater) tenha funcionado<br />

como espelho para o melhor rock<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos anos 80, aquele<br />

que infl uenciou os Nirvana: os<br />

primeiros Sonic Youth, os Big<br />

Black e os Butthole Surfers, tudo<br />

gente cujas letras lidavam com<br />

América <strong>de</strong> Frank Booth (“Veludo<br />

Azul”), a América do pesa<strong>de</strong>lo, das<br />

mutilações, dos lugares escuros.<br />

Dupla face<br />

Mas as imagens dos Nirvana<br />

existiram para além do cinema.<br />

Existiram no palco. Neste caso,<br />

num palco on<strong>de</strong> as fronteiras entre<br />

músicos e público <strong>se</strong> esbatiam,<br />

como a fotografi a <strong>de</strong> Charles<br />

Peterson, sobre a cena <strong>de</strong> Seattle,<br />

soube mostrar no livro “Touch Me<br />

I’m Sick”. Ou nas po<strong>se</strong>s ansiosas<br />

dos jovens do Noroeste enfi ados<br />

em roupas em <strong>se</strong>gunda mão e<br />

camisas <strong>de</strong> fl anela (na tradição <strong>de</strong><br />

Neil Young, John Fogerty ou Mike<br />

Watt). Imagens assim po<strong>de</strong>m <strong>se</strong>r<br />

encontradas no livro “Grunge”,<br />

<strong>de</strong> Michael Lavine, on<strong>de</strong> subsiste<br />

nos olhares dos adolescentes<br />

um <strong>de</strong><strong>se</strong>jo, um <strong>de</strong>safi o – como <strong>se</strong><br />

estives<strong>se</strong>m à espera <strong>de</strong> alguma<br />

coisa.<br />

É possível revisitar es<strong>se</strong>s<br />

retratos nas personagens <strong>de</strong><br />

Gus Van Sant, mas o cineasta<br />

esteve <strong>se</strong>mpre mais interessado<br />

em criar fi cções à volta <strong>de</strong><br />

marginais, artistas solitários,<br />

anjos monossilábicos – como o<br />

<strong>de</strong> “Last Days”. E menos sobre<br />

“heróis” reais, como o guitarrista<br />

e vocalista <strong>Cobain</strong> que acreditava<br />

que o rock ainda podia mudar<br />

o mundo; que transformou as<br />

edições <strong>de</strong> 1991 e 1992 do Festival<br />

<strong>de</strong> Reading nos momentos<br />

fi nais do rock enquanto gran<strong>de</strong><br />

manifestação artística e cultural<br />

(no horizonte já <strong>se</strong> ouviam os<br />

ritmos do tecno e do hip hop).<br />

A verda<strong>de</strong>, contudo, é que<br />

<strong>Cobain</strong> teve <strong>se</strong>mpre uma dupla<br />

face. De um lado, aparentemente<br />

franco, cândido, apaixonado pela<br />

música; do outro, pronto a virar<br />

contra si (e contra os outros) toda<br />

a irrisão possível; o <strong>Cobain</strong> arauto<br />

louro e sincero do “un<strong>de</strong>rground”<br />

contra o <strong>Cobain</strong> <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

Lynch funcionou<br />

como espelho para<br />

o rock indie dos anos<br />

80, que influenciou os<br />

Nirvana: os primeiros<br />

Sonic Youth, Big Black<br />

e Butthole Surfers,<br />

gente cujas letras<br />

lidavam com a<br />

América do pesa<strong>de</strong>lo<br />

rodas, vestido <strong>de</strong> mulher, <strong>de</strong> olhos<br />

pintados.<br />

Terá sido esta facilida<strong>de</strong> em<br />

criar “personas” que continua<br />

a atrair os artistas. Rodney<br />

Graham <strong>de</strong>dicou-lhe em 2000<br />

uma peregrinação feita em<br />

sli<strong>de</strong>s, “Aber<strong>de</strong>en”; Douglas<br />

Gordon juntou-o, em 1996, num<br />

auto-retrato, a Andy Warhol e a<br />

Marilyn; Elizabeth Peyton fê-lo<br />

objecto da sua pintura e Sam<br />

Durant “restitui-lhe” a voz numa<br />

das suas esculturas.<br />

Compreen<strong>de</strong>-<strong>se</strong>. O último rosto<br />

da pop pertence-lhe. Mesmo<br />

<strong>de</strong>pois da morte da Michael<br />

Jackson.<br />

“Grunge”, <strong>de</strong> Michael Lavine:<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>jo, <strong>de</strong>safio – como <strong>se</strong> estes<br />

adolescentes estives<strong>se</strong>m à<br />

espera <strong>de</strong> alguma coisa<br />

Um anjo<br />

caído:<br />

<strong>Kurt</strong><br />

<strong>Cobain</strong><br />

recriado<br />

em “Last<br />

Days” <strong>de</strong><br />

Gus Van<br />

Sant<br />

<strong>Cobain</strong>:<br />

“redneck”<br />

<strong>se</strong>nsível,<br />

intelectualmente<br />

curioso


<strong>de</strong> 21<br />

a 20<br />

<strong>de</strong><br />

Dez.<br />

22<br />

<strong>de</strong> 26<br />

a 13<br />

<strong>de</strong><br />

Dez.<br />

27<br />

17<br />

18<br />

e 19<br />

20<br />

29<br />

e 30<br />

<strong>de</strong> 6<br />

a 31<br />

<strong>de</strong> 14<br />

a 7 <strong>de</strong><br />

Fev.<br />

16, 23<br />

e 30<br />

T<br />

TEATRO<br />

NOVEMBRO<br />

TEATRO MUNICIPAL DE ALMADA A<br />

Teatro para a Infância<br />

DONA RAPOSA E OUTROS ANIMAIS<br />

Ba<strong>se</strong>ado nas fábulas <strong>de</strong> La Fontaine<br />

Enc. <strong>de</strong> Teresa Gafeira | M4<br />

UMA VIAGEM ATRAVÉS DA MÚSICA<br />

DO BRASIL<br />

Dir. geral <strong>de</strong> Lauro Moreira<br />

Solo Brasil | M12<br />

ANA<br />

<strong>de</strong> José Maria Vieira Men<strong>de</strong>s<br />

Enc. <strong>de</strong> Jorge Silva Melo<br />

Artistas Unidos | M12<br />

DO DESASSOSSEGO<br />

<strong>de</strong> Bernardo Soares/Fernando Pessoa<br />

Enc. <strong>de</strong> João Mota<br />

Comuna – Teatro <strong>de</strong> Pesquisa | M12<br />

DEZEMBRO<br />

VIAGEM ORGANIZADA<br />

<strong>de</strong> Filippo Arcelloni, Mauro Mozzani,<br />

Franco Sartori e Rolando Tarquini<br />

Manicomics Teatro (Itália) | M12<br />

POEMAS NA MINHA VIDA<br />

Poemas italianos, portugue<strong>se</strong>s, umbros,<br />

romanos e um napolitano<br />

Enc. <strong>de</strong> Teresa Faria | Io Appolloni | M12<br />

CONCERTO DE NATAL<br />

Dir. musical <strong>de</strong> Volodymyr Khanas<br />

Orquestra Sinfónica da Ucrânia | M12<br />

GISELLE<br />

Coreografia <strong>de</strong> Georges Garcia, <strong>se</strong>gundo<br />

Jean Coralli, Jules Perot e Marius Petipa<br />

Companhia Nacional <strong>de</strong> Bailado | M12<br />

JANEIRO<br />

A MÃE<br />

<strong>de</strong> Bertolt Brecht/Máximo Gorki<br />

Enc. <strong>de</strong> Joaquim Benite | M12<br />

UMA VISITA INOPORTUNA<br />

<strong>de</strong> Copi<br />

Enc. <strong>de</strong> Philip Boulay | M12<br />

CANÇÕES DE BRECHT<br />

Poemas <strong>de</strong> Bertolt Brecht<br />

Musicados por <strong>Kurt</strong> Weill, Hans Eisler,<br />

Paul Dessau, <strong>Kurt</strong> Schwaen, Franz Bruinier<br />

e Theodor Adorno | M12<br />

D<br />

DANÇA<br />

M<br />

MÚSICA<br />

Mais informações em<br />

www.ctalmada.pt<br />

ou através do telefone<br />

212739360<br />

T<br />

M<br />

T<br />

T<br />

T<br />

T<br />

M<br />

D<br />

T<br />

T<br />

T<br />

5<br />

6<br />

<strong>de</strong> 9<br />

a 16<br />

13<br />

<strong>de</strong> 19<br />

a 21<br />

<strong>de</strong> 19<br />

a 21<br />

23<br />

26<br />

<strong>de</strong> 27<br />

a 7 <strong>de</strong><br />

Mar.<br />

5 e 6<br />

<strong>de</strong> 11<br />

a 21<br />

19<br />

e 20<br />

26<br />

26<br />

e 28<br />

FEVEREIRO<br />

RECITAL DE PIANO<br />

<strong>de</strong> António Maria Cartaxo | M12<br />

FADO<br />

Carminho | M12<br />

Teatro para a Infância<br />

O BARBEIRO DE SEVILHA<br />

A partir <strong>de</strong> Rossini<br />

Enc. <strong>de</strong> Teresa Gafeira | M4<br />

ORQUESTRA GULBENKIAN<br />

Dir. musical <strong>de</strong> Lawrence Foster<br />

Haydn e Mozart | M12<br />

CONCERTO “À LA CARTE”<br />

<strong>de</strong> Franz Xaver Kroetz<br />

Enc. <strong>de</strong> Rui Ma<strong>de</strong>ira<br />

Companhia <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Braga | M12<br />

ESTUDO PARA UMA CIDADE PERFEITA<br />

<strong>de</strong> Jean Paul Bucchieri<br />

Oblivion | M12<br />

NIEUWZWART<br />

<strong>de</strong> Wim Van<strong>de</strong>keybus<br />

Ultima vez (Bélgica) | M12<br />

BANDA DA GUARDA NACIONAL<br />

REPUBLICANA<br />

Dir. musical <strong>de</strong> Jean-Sébastien Béreau | M12<br />

A CHUVA<br />

A partir <strong>de</strong> Jean-Luc Lagarce<br />

Enc. <strong>de</strong> Laurinda Chiungue<br />

Teatro ABC.PI | M12<br />

MARÇO<br />

O AQUI<br />

<strong>de</strong> Ana Rita Barata<br />

Companhia Integrada Multidisciplinar | M6<br />

COMÉDIA MOSQUETA<br />

<strong>de</strong> Angelo Beolco, dito o Ruzante<br />

Enc. <strong>de</strong> Mário Barradas | M12<br />

NOITE DE REIS<br />

<strong>de</strong> John Mowat e Leonor Keil, a partir <strong>de</strong><br />

Noite <strong>de</strong> Reis <strong>de</strong> William Shakespeare<br />

Enc. <strong>de</strong> John Mowat<br />

Companhia Paulo Ribeiro | M12<br />

ORQUESTRA SINFÓNICA DA ESCOLA<br />

SUPERIOR DE MÚSICA DE LISBOA (ESML)<br />

Dir. musical <strong>de</strong> Vasco Pearce <strong>de</strong> Azevedo<br />

M12<br />

A SERIEDADE DO ANIMAL<br />

<strong>de</strong> Marlene Freitas<br />

Bomba Suicida | M12<br />

M<br />

M<br />

T<br />

M<br />

T<br />

D<br />

D<br />

M<br />

T<br />

D<br />

T<br />

D<br />

M<br />

D<br />

<strong>de</strong> 8<br />

a 2 <strong>de</strong><br />

Mai.<br />

10<br />

11<br />

<strong>de</strong> 22<br />

a 16 <strong>de</strong><br />

Mai.<br />

14, 21<br />

e 28<br />

20<br />

22<br />

23<br />

29<br />

4<br />

5<br />

<strong>de</strong> 9<br />

a 20<br />

11<br />

20<br />

ABRIL<br />

TUNING<br />

<strong>de</strong> Rodrigo Francisco<br />

Enc. <strong>de</strong> Joaquim Benite | M12<br />

ORQUESTRA GULBENKIAN<br />

Dir. musical <strong>de</strong> Alain Altinoglu<br />

Prokofiev, Haydn e Mozart | M12<br />

ORQUESTRA «DIVINO SOSPIRO»<br />

Dir. musical <strong>de</strong> Massimo Mazzeo<br />

Concerto Schumann | M12<br />

TROILO E CRÉSSIDA<br />

<strong>de</strong> William Shakespeare<br />

Enc. <strong>de</strong> Mário Barradas | M12<br />

MAIO<br />

ÓPERA E CONCERTO<br />

Dir. musical Nuno Vieira <strong>de</strong> Almeida<br />

Comentários <strong>de</strong> Yvette Centeno<br />

Carlos Guilherme, Joana Manuel,<br />

Paulo Ferreira | M12<br />

SUPERMAN e NOSSA SENHORA<br />

DAS FLORES<br />

<strong>de</strong> Francisco Camacho<br />

EIRA | M12<br />

O BARBEIRO DE SEVILHA<br />

<strong>de</strong> Gioachino Rossini<br />

Compañía Estudio Lírico <strong>de</strong> Madrid | M12<br />

CONCERTO DE MUSICA DE CÂMARA<br />

Solistas da Orquestra Gulbenkian<br />

Johannes Brahms | M12<br />

RECITAL DE PIANO<br />

<strong>de</strong> Jorge Moyano | M12<br />

JUNHO<br />

ÓPERA E CONCERTO<br />

Dir. musical Nuno Vieira <strong>de</strong> Almeida<br />

Comentários <strong>de</strong> Yvette Centeno<br />

Elvire <strong>de</strong> Paiva e Pona, Carmen Matos | M12<br />

CONCERTO SCHUMANN E CHOPIN<br />

Quarteto com Piano <strong>de</strong> Moscovo | M12<br />

O QUARTO e COMEMORAÇÃO<br />

<strong>de</strong> Harold Pinter<br />

Enc. <strong>de</strong> Jorge Silva Melo<br />

Artistas Unidos | M12<br />

AGAIN FROM THE BEGINNING<br />

<strong>de</strong> Sofia Dias e Vítor Roriz<br />

O Espaço do Tempo | M12<br />

CONCERTO DE MUSICA DE CÂMARA<br />

Solistas da Orquestra Gulbenkian<br />

Johannes Brahms, György Ligeti | M12<br />

T<br />

M<br />

M<br />

T<br />

O<br />

D<br />

O<br />

M<br />

M<br />

O<br />

M<br />

T<br />

D<br />

M


RITA CARMO<br />

No mundo do espectáculo ter um nome<br />

é tudo. Sem nome não há concertos<br />

nem discos. Não <strong>se</strong> existe. É o<br />

mesmo que estar morto. Na prática,<br />

que significa o nome Kimi Djabaté?<br />

Um pequeno conjunto <strong>de</strong> irredutíveis<br />

<strong>se</strong>gue-o a cada concerto, em salas minúsculas,<br />

umas vezes a solo, outras<br />

acompanhado por Braima Galissa,<br />

mestre da kora e um terço do excelente<br />

combo Tafetas, mas 99 por cento<br />

dos portugue<strong>se</strong>s não fazem i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> quem <strong>se</strong>ja.<br />

Mas agora a hora <strong>de</strong>le chegou.<br />

Depois <strong>de</strong> um primeiro disco, “Tereké”,<br />

que não o <strong>de</strong>ixou contente por<br />

<strong>se</strong>r “muito oci<strong>de</strong>ntal” e com excessivo<br />

pendor “comercial”, esperou, trabalhou<br />

e a sorte chegou: “Karam”, o<br />

<strong>se</strong>gundo disco <strong>de</strong>ste nativo da Guiné-<br />

Bissau radicado há muito em Lisboa,<br />

é uma pequena maravilha.<br />

E <strong>de</strong>sta feita não é uma maravilha<br />

só para meia-dúzia <strong>de</strong> sortudos que<br />

o <strong>se</strong>guiam: o disco, diz Djabaté, “está<br />

distribuídos em África, na Europa,<br />

nos Estados Unidos da América”. Porque<br />

por trás <strong>de</strong> “Karam” está uma das<br />

mais interessantes editoras <strong>de</strong> “world<br />

music”: a Cumbancha.<br />

“Tive muita sorte”, dizia-nos Kimi<br />

há dias, numa esplanada do Chiado,<br />

em Lisboa. “Estava a tentar ao mesmo<br />

tempo editar por cá quando Jacob<br />

Edgar, da editora, <strong>se</strong> interessou pelo<br />

meu trabalho.” Segundo João Rolo,<br />

responsável pela Leve Music, distribuidora<br />

da Cumbancha em Portugal,<br />

Kimi é “o primeiro nome numa nova<br />

série da Cumbancha, a série Discovery,<br />

que apre<strong>se</strong>nta novos nomes”.<br />

Agora as coisas estão a mudar para<br />

Djabaté: no dia 16 ia “viajar para França<br />

para fazer um concerto”. Tinha a<br />

impressão que <strong>se</strong> tratava <strong>de</strong> “uma<br />

apre<strong>se</strong>ntação para a imprensa”, mas<br />

não sabia bem: ainda não está habituado<br />

a tratar <strong>de</strong>s<strong>se</strong> <strong>de</strong>talhes. João<br />

Rolo confirma que sim, e que entre<br />

os media pre<strong>se</strong>ntes estavam confirmados<br />

pesos pesados da escrita<br />

“world” como “Mondo Mix”, “Songlines”<br />

e “Folk Roots”.<br />

12 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Nenhuma <strong>de</strong>stas revistas vai às cegas:<br />

“Karam” começou a <strong>se</strong>r editado<br />

internacionalmente no Verão, e as<br />

reacções estão a ultrapassar as melhores<br />

expectativas: a “Billboard”, o<br />

“Boston Globe”, o “Finantial Times”<br />

e a BBC3 cobriram-no <strong>de</strong> elogios. Na<br />

tabela <strong>de</strong> vendas da World Music<br />

Charts Europe, “Karam” surge este<br />

mês em terceiro lugar.<br />

Mas mesmo perante tudo isto,<br />

quando perguntámos a Kimi <strong>se</strong> temia<br />

a importância da actuação, ele atirou<br />

<strong>se</strong>m pensar duas vezes: “Não estou<br />

nervoso. Tocar é uma coisa que me<br />

dá mesmo muita alegria – <strong>se</strong> não ouvir<br />

música não consigo dormir.”<br />

Raízes<br />

A razão do sucesso actual <strong>de</strong> Djabaté<br />

po<strong>de</strong> explicar-<strong>se</strong> por ter uma editora<br />

forte por trás, mas também pela recusa<br />

em voltar a fazer um disco como<br />

o primeiro: “Karam” é todo raízes e<br />

as raízes <strong>de</strong> Kimi estão-lhe na garganta,<br />

<strong>se</strong>mpre a saltar cá para fora em<br />

conversa.<br />

Tem 34 anos anos e chegou cá em<br />

1995. Sempre fez música. Uma fra<strong>se</strong><br />

é sintomática: “Nem <strong>se</strong>i com que ida<strong>de</strong><br />

comecei”. Kimi, “com um ou dois<br />

anos já tinha um balafon [espécie <strong>de</strong><br />

xilofone] pequenino”. Diz que “<strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

pequenino” está “habituado a carregar<br />

o balafon às costas”.<br />

Isto porque é “<strong>de</strong> uma família<br />

griot”, o que na cultura mandinga<br />

significa que é o portador da tradição<br />

musical. Os griots cantam a vida dos<br />

<strong>se</strong>us e são respeitados por isso. A sua<br />

al<strong>de</strong>ia, conta, tem “apenas cento e<br />

poucas pessoas e são todas griot”.<br />

A al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Kimi chama-<strong>se</strong> Tabeto,<br />

fica entre Bafato e Dabo, leste da Guiné-Bissau,<br />

e ele ainda lá vai “<strong>se</strong>mpre<br />

que possível”. 14 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />

chegado a Portugal ainda <strong>se</strong> refere à<br />

al<strong>de</strong>ia no pre<strong>se</strong>nte: “Não temos electricida<strong>de</strong><br />

até hoje”.<br />

Em miúdo “tinha um rádio, que<br />

usava com pilhas ou ligado a baterias<br />

<strong>de</strong> carro” e “ouvia blues, jazz, gumbé<br />

ou afro-mandinga”, que é o tipo <strong>de</strong><br />

música que ele faz. Mas também “ouvia<br />

morna”, porque “também há morna<br />

gineen<strong>se</strong>” e “ouvia muito kussundé”.<br />

Também ouvia “um pouco <strong>de</strong><br />

pop”, mas isso é que “[o] interessa<br />

menos”.<br />

A vida não era fácil em Tabeto e<br />

Kimi não esqueceu a dureza. Durante<br />

o período das chuvas, “que era três<br />

me<strong>se</strong>s por ano”, faziam agricultura.<br />

“O resto do tempo vamos <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia<br />

em al<strong>de</strong>ia ganhar dinheirinho”. “Vamos”,<br />

diz.<br />

Kimi encontrou forma <strong>de</strong> pertencer<br />

ao Ballet Nacional da Guiné, e “numa<br />

ida a França para fazer actuações”<br />

resolvou “ficar lá, com uma prima<br />

que já lá vivia. Isto em 1995”.<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Kimi era juntar-<strong>se</strong> a outros<br />

como ele. Mas correu mal. “Lá<br />

não encontrei músicos guineen<strong>se</strong>s.<br />

Sempre tive intenção <strong>de</strong> encontrar<br />

griots – e não encontrava, porque estavam<br />

todos em Portugal”. É bom que<br />

tenhamos noção disto, em particular<br />

porque França é tida como país por<br />

excelência <strong>de</strong> emigração dos griots:<br />

“Estavam todos em Portugal”. Quantos<br />

<strong>de</strong>les <strong>se</strong> tornaram conhecidos?<br />

Nenhum.<br />

Kimi encontrou “um bom país para<br />

viver, calmo e com uma língua comum”.<br />

A música, no entanto, não lhe<br />

<strong>se</strong>ria suficiente para viver <strong>se</strong> não fos<strong>se</strong><br />

o <strong>se</strong>u estatuto <strong>de</strong> nascença.<br />

“Como griot há pessoas que me dão<br />

dinheiro só pela minha pre<strong>se</strong>nça. Se<br />

for convidado para um casamento,<br />

mesmo que não toque recebo dinheiro”.<br />

Além disso há pessoas que lhe “pagam<br />

100 euros ou 200 para fazer uma<br />

canção”. Escreveu para Badji, também<br />

para Dabo, e Mamas Samba.<br />

“Por enquanto felizmente não tive<br />

<strong>de</strong> lavar pratos. Pu<strong>de</strong> <strong>de</strong>dicar-me exclusivamente<br />

à música”.<br />

Em família<br />

Mas mesmo que hoje vista um belo<br />

sobretudo e um belo cachecol às riscas,<br />

o mundo <strong>de</strong> Djabaté ainda é a<br />

Guiné-Bissau. A canção que dá nome<br />

ao disco, “Karam”, fala do mundo que<br />

Kimi<br />

Djabaté<br />

merece <strong>se</strong>r uma<br />

estrela<br />

Durante anos, guitarrista e balafonista com voz <strong>de</strong><br />

excepção, <strong>de</strong>u concertos obscuros em salas minúsculas<br />

<strong>de</strong> Lisboa. Até que uma editora americana o <strong>de</strong>scobriu.<br />

Agora explo<strong>de</strong> no mundo da “world music”. Mas não<br />

esqueceu a Guiné-Bissau natal. João Bonifácio


Música<br />

Tem 34 anos<br />

anos, chegou a<br />

Portugal,<br />

vindo da<br />

Guiné-Bissau,<br />

em 1995 – 14<br />

anos <strong>de</strong>pois<br />

ainda <strong>se</strong><br />

refere à sua<br />

al<strong>de</strong>ia no<br />

pre<strong>se</strong>nte:<br />

“Não temos<br />

electricida<strong>de</strong><br />

até hoje”<br />

“Nem <strong>se</strong>i com que<br />

ida<strong>de</strong> comecei.<br />

Com um ou dois anos<br />

já tinha um balafon<br />

[espécie <strong>de</strong> xilofone]<br />

pequenino”<br />

viveu, “do sofrimento do povo guineen<strong>se</strong>,<br />

da miséria. O povo não está feliz,<br />

falta-lhes muita coisa”. Por todo<br />

o disco estão temas como a “Guiné,<br />

o sofrimento da [minha] mãe, a Guerra,<br />

a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>”, mas também, e<br />

inevitavelmente, “o amor”. E África,<br />

claro: em “Karam” o coro canta mesmo<br />

e em bom inglês “I love Africa”.<br />

A mãe é um assunto que mexe com<br />

ele. “Falo do sofrimento da minha<br />

mãe porque a minha mãe sofreu muito.<br />

O meu pai morreu cedo, quando<br />

eu tinha 16 anos. Somos oito filhos e<br />

este tempo todo ela não aceitou ficar<br />

com outro homem e criou-nos sozinha.<br />

Tenho outro irmão que ficou<br />

doente, teve uma trombo<strong>se</strong> e a minha<br />

mãe sofre com isso”. Em “Na” é para<br />

ela que canta: “Tudo <strong>de</strong> bem ou mal<br />

que possa acontecer neste mundo/<br />

tens <strong>de</strong> aceitar” (canta-o em mandinga<br />

– a tradução é <strong>de</strong>le).<br />

Guitarrista e balafonista <strong>de</strong> excepção,<br />

fez o disco em família: os músicos<br />

“são os amigos”, não obrigatoriamente<br />

griots. Francisco Rebelo, dos<br />

Cacique, o produtor, conhece-o <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

“quando ele estava na [Galeria]<br />

ZDB [em Lisboa]” e dava aulas <strong>de</strong> balafon<br />

lá.<br />

Djabaté escreve a arranja as canções,<br />

que por mais <strong>de</strong>spojadas que<br />

<strong>se</strong>jam encontram <strong>se</strong>mpre um ritmo<br />

simultaneamente dolente e irresistível.<br />

Compõe “nos dois instrumentos<br />

e <strong>de</strong> qualquer forma a qualquer momento”.<br />

Às vezes está a tocar e começa<br />

“a <strong>se</strong>ntir uma coisa boa no<br />

peito”, e então aproveita e não pára<br />

<strong>de</strong> compor. Uma boa parte das canções<br />

estão eivadas <strong>de</strong> tristeza, mas<br />

Kimi rejeita ter um pendor mais melancólico.<br />

“Acho apenas que <strong>se</strong> nota<br />

mais a tristeza que a alegria porque<br />

quando canto coisas tristes canto<br />

como <strong>se</strong> estives<strong>se</strong> a viver o momento”.<br />

Quer “ter uma carreira internacional,<br />

sim”, mas quer acima <strong>de</strong> tudo<br />

“ter uma vida normal <strong>de</strong> griot”. “Não<br />

estou à espera <strong>de</strong> <strong>se</strong>r muito famoso”,<br />

conclui. É que <strong>se</strong> lembra <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

veio. E ainda hoje, <strong>se</strong> lhe perguntarem<br />

quem são os <strong>se</strong>us heróis musicais<br />

não cita Ali Farka Touré ou outro músico<br />

conhecido. Cita os pais. “Aprendi<br />

tudo com eles”, diz, num misto <strong>de</strong><br />

alegria e sauda<strong>de</strong>.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 46 e <strong>se</strong>gs.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 13


PEDRO CUNHA<br />

Teatro<br />

Depois do sucesso da ópera “La Spinalba”,<br />

<strong>de</strong> Francisco António <strong>de</strong> Almeida<br />

(1702-1755), apre<strong>se</strong>ntada em<br />

2008 no Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, o<br />

agrupamento os Músicos do Tejo lança-<strong>se</strong><br />

agora em nova aventura no teatro<br />

musical barroco: uma comédia<br />

musical “louca e <strong>se</strong>lvagem” em dialeto<br />

napolitano. Trata-<strong>se</strong> <strong>de</strong> “Lo Frate<br />

‘Nnamorato”, com música <strong>de</strong> Giovanni<br />

Battista Pergolesi (1710-1736) e libreto<br />

<strong>de</strong> Gennaro Fe<strong>de</strong>rico (?-1744),<br />

um advogado que <strong>se</strong> converteu num<br />

dos mais célebres autores <strong>de</strong> comédias<br />

do <strong>se</strong>u tempo. Com direcção musical<br />

do cravista Marcos Magalhães e<br />

direcção cénica <strong>de</strong> Luca Aprea, esta<br />

obra <strong>se</strong>rá apre<strong>se</strong>ntada no CCB a 20,<br />

21 e 22, contando com a participação<br />

dos cantores Eduarda Melo, João Fernan<strong>de</strong>s,<br />

Carlos Guilherme, Sandra<br />

Me<strong>de</strong>iros, Joana Seara, Sara Amorim,<br />

Carla Caramujo e Inês Ma<strong>de</strong>ira.<br />

“Depois <strong>de</strong> termos feito ‘La Spinalba’,<br />

ficámos com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir às fontes<br />

que po<strong>de</strong>m ter inspirado Francisco<br />

António <strong>de</strong> Almeida, em cuja obra<br />

<strong>se</strong> reconhece muito do estilo napolitano”,<br />

conta Marcos Magalhães ao<br />

Ípsilon. “Qui<strong>se</strong>mos também procurar<br />

as origens <strong>de</strong>s<strong>se</strong> mesmo estilo em Nápoles,<br />

já que este viria <strong>de</strong>pois a <strong>se</strong>r<br />

tão importante no plano internacional.<br />

Vimos partituras <strong>de</strong> Leonardo<br />

Leo, Leonardo Vinci e outros compositores,<br />

mas acabámos por nos <strong>de</strong>cidir<br />

por ‘Lo Frate ‘Nnamorato’, obra estreada<br />

em 1732 que fez imenso sucesso.”<br />

O que atraiu mais o maestro dos<br />

Músicos do Tejo, mentor do projecto<br />

com a cravista Marta Araújo e o actor<br />

e encenador Luca Aprea, foi um libreto<br />

<strong>de</strong> “gran<strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>, com personagens<br />

loucas, imprevisíveis, provocadoras<br />

e mal comportadas” e a<br />

qualida<strong>de</strong>e varieda<strong>de</strong> da música.<br />

“Tem uma enorme quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

árias, minuetos, sicilianas, canções.<br />

Nota-<strong>se</strong> também a influência da mú-<br />

fotografia. © 2009 margarida dias | <strong>de</strong>sign.patricia poção<br />

ESTRUTURA FINANCIADA<br />

O enredo<br />

<strong>se</strong>gue a linha<br />

da comédia <strong>de</strong><br />

enganos<br />

amorosos: um<br />

emaranhado<br />

<strong>de</strong> três<br />

casamentos<br />

arranjados<br />

entre duas<br />

famílias, <strong>de</strong><br />

Nápoles e <strong>de</strong><br />

Roma<br />

APOIOS<br />

14 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

sica popular, há duas árias que são<br />

i<strong>de</strong>ntificadas como ‘canzona’. Stravinsky<br />

aproveitou uma <strong>de</strong>las no bailado<br />

‘Pulcinella’. Acho que em ‘Lo<br />

Frate ‘Nnamorato” existe a mais bela<br />

ária <strong>de</strong> toda a ópera barroca, mas não<br />

vou revelar qual é!”, diz, tentando<br />

criar suspen<strong>se</strong>.<br />

A vida como ela é<br />

O enredo <strong>se</strong>gue a linha da comédia<br />

<strong>de</strong> enganos amorosos e relata um<br />

emaranhado <strong>de</strong> três casamentos arranjados<br />

entre duas famílias, <strong>de</strong> Nápoles<br />

e <strong>de</strong> Roma, que encontra resistência<br />

das três noivas prometidas, já<br />

que todas elas estavam apaixonadas<br />

pelo mesmo jovem.<br />

“À primeira vista parece uma coisa<br />

básica, mas os <strong>se</strong>ntimentos das personagens<br />

são muito mais refinados e<br />

complexos do que parecem. É uma<br />

obra que espelha a vida como ela é,<br />

uma vida que <strong>se</strong>ria riquíssima”, explica<br />

Marcos Magalhães, impressio-<br />

BRASIL<br />

CONTOS EM VIAGEM<br />

OUTRAS ROTAS<br />

30 OUT a DEZ 19<br />

4ª a 6ª às 22h | Sáb. às 17h e 22h<br />

Tel 21 868 92 45<br />

Rua do Açucar, 64<br />

Poço do Bispo<br />

Autocarros 28, 210, 718<br />

www.teatromeridional.net<br />

2009<br />

M/12<br />

“O olhar napolitano<br />

é mais bárbaro. Quer<br />

no passado, quer<br />

agora, há em Nápoles<br />

uma violência real<br />

à qual <strong>se</strong> junta a<br />

pobreza e o medo”<br />

Marcos Magalhães<br />

nado com a cultura napolitana da<br />

época e o modo como <strong>de</strong>u origem à<br />

criação <strong>de</strong> formas artísticas que reflectem<br />

o quotidiano: “É uma atitu<strong>de</strong><br />

fantástica, oposta às convenções da<br />

monumental ópera séria barroca,<br />

com os <strong>se</strong>us temas históricos e mitológicos.”<br />

Luca Aprea acrescenta que “as pessoas<br />

gostavam <strong>de</strong> ver em cena os gestos<br />

do dia a dia, as cantilenas, os refrões,<br />

as histórias do povo, os cantos<br />

antigos” e que neste tipo <strong>de</strong> peças<br />

“são institucionalizadas formas <strong>de</strong><br />

estar, <strong>de</strong> viver e da corporalida<strong>de</strong> do<br />

quotidiano.”<br />

Realça também a forte componente<br />

experimental. “Às vezes temos a<br />

<strong>se</strong>nsação <strong>de</strong> ouvir o libretista e o compositor<br />

a discutir. Fizeram uma peça<br />

sublime, com gran<strong>de</strong> plasticida<strong>de</strong> dos<br />

perfis psicológicos, mas também bárbara<br />

e <strong>se</strong>lvagem. Pensávamos que<br />

íamos encontrar uma catedral nesta<br />

obra, mas <strong>de</strong>parámo-nos com artesãos<br />

barrocos, artesãos que eram geniais.”<br />

Entre as suas personagens preferidas<br />

encontra-<strong>se</strong> D. Pietro, galã meio<br />

louco que fala todas as línguas. “Há<br />

uma das suas árias que costuma <strong>se</strong>r<br />

eliminada na maior parte das produções<br />

por <strong>se</strong>r difícil e porque os cantores<br />

não querem expor-<strong>se</strong>. É uma<br />

ária ‘di risata’ [<strong>de</strong> riso] que vai do registo<br />

grave profundo ao fal<strong>se</strong>te, mas<br />

o João Fernan<strong>de</strong>s vai arriscar o <strong>de</strong>safio<br />

.”<br />

Cantar o verbo<br />

Luca Aprea formou-<strong>se</strong> como actor e<br />

mimo em Nápoles e trabalhou com a<br />

companhia francesa Théâtre du M<strong>ouve</strong>ment,<br />

<strong>se</strong>ndo actualmente professor<br />

<strong>de</strong> Movimento na Escola Superior <strong>de</strong><br />

Teatro e Cinema <strong>de</strong> Lisboa. O trabalho<br />

<strong>de</strong> direcção teatral e o espaço cénico<br />

que <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolveu em “Lo Frate ‘Nnamorato”<br />

é próximo do que realizou<br />

com ‘L’ Spinalba’.<br />

“Não há a ilusão da cenografia, apenas<br />

alguns a<strong>de</strong>reços mínimos. Está<br />

tudo à vista, embora <strong>de</strong>sta vez a orquestra<br />

esteja no fosso. Dá-<strong>se</strong> pleno<br />

espaço aos cantores, ou melhor, aos<br />

intérpretes pois é es<strong>se</strong>ncial que estes<br />

tenham perfil <strong>de</strong> actores. É preciso<br />

dar muito espaço ao verbo no canto,<br />

con<strong>se</strong>guir cantar o verbo e não apenas<br />

as notas. Tal como a gestualida<strong>de</strong>,<br />

a oralida<strong>de</strong> é muito importante, é o<br />

som como i<strong>de</strong>ia.”<br />

Um dos maiores <strong>de</strong>safios <strong>de</strong>sta produção<br />

foi o dialeto napolitano, já que<br />

nenhum dos cantores tinha experiência<br />

nessa área. Marcos Magalhães<br />

consi<strong>de</strong>ra que a sonorida<strong>de</strong> da língua<br />

teve uma influência forte na criação<br />

do estilo musical napolitano. “A maneira<br />

<strong>de</strong> falar solicita um super-<br />

‘legato’ que <strong>de</strong>pois tem um equivalente<br />

no discurso musical.” Uma das<br />

maiores preocupações <strong>de</strong> Luca Aprea<br />

foi que o napolitano não soas<strong>se</strong> italianizado.<br />

“O dialeto é uma forma <strong>de</strong><br />

pensar. Não traduz o italiano, é outra<br />

forma <strong>de</strong> ver a vida. Trata-<strong>se</strong> <strong>de</strong> uma<br />

componente que não é apenas étnica.<br />

O olhar napolitano é mais bárbaro, é<br />

<strong>de</strong>sgrenhado, cabelo <strong>se</strong>m ir ao cabeleireiro!<br />

Quer no passado, quer agora,<br />

há em Nápoles uma violência real —<br />

pior do que a que <strong>se</strong> vê no filme ‘Gomorra’<br />

— à qual <strong>se</strong> junta a pobreza e<br />

o medo. A violência que encontramos<br />

nalgumas formas artísticas é uma violência<br />

lúdica que exorciza.”<br />

Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos págs. 42 e<br />

<strong>se</strong>gs.<br />

A violência lúdica que<br />

exorciza<br />

“Lo Frate ‘Nnamorato”, <strong>de</strong> Pergolesi, é o próximo<br />

<strong>de</strong>safi o dos Músicos do Tejo. Comédia musical em<br />

napolitano habitada por personagens imprevisíveis<br />

e mal comportadas. Cristina Fernan<strong>de</strong>s


SÃO<br />

LUIZ<br />

NOV~O9<br />

27 NOV<br />

HELDER<br />

MOUTINHO<br />

QUE FADO<br />

E ESTE QUE<br />

´<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />

´<br />

TRAGO<br />

SEXTA ÀS 21H00<br />

SALA PRINCIPAL M/3<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

NOV~O9<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640 BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

MANUEL<br />

PAULO<br />

NANCY<br />

VIEIRA<br />

PÁSSARO<br />

CEGO<br />

3O NOV<br />

SEGUNDA ÀS 21H00<br />

SALA PRINCIPAL<br />

APOIO À DIVULGAÇÃO:<br />

CO-PRODUÇÃO:<br />

APOIO À DIVULGAÇÃO:<br />

APOIO:<br />

CO-PRODUÇÃO:<br />

M/3<br />

© Nãna Sousa Dias


Cinema<br />

JOSÉ MANUEL RIBEIRO/REUTERS<br />

16 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

“Dementia 13” (1963)<br />

Coppola ergue ainda hoje a<br />

exemplo os métodos <strong>de</strong> baixo<br />

orçamento <strong>de</strong> Roger Corman – a<br />

que assistiu na primeira pessoa,<br />

porque, tal como Jack Nicholson,<br />

Peter Bogdanovich ou o<br />

argumentista <strong>de</strong> “Chinatown”,<br />

Robert Towne, teve a sua<br />

primeira oportunida<strong>de</strong> na<br />

linha <strong>de</strong> montagem <strong>de</strong> Corman.<br />

Para além <strong>de</strong> trabalhar<br />

com o produtor e realizador<br />

na rodagem <strong>de</strong> “O Terror”<br />

e “O Palácio Maldito”, foi<br />

<strong>se</strong>u assistente em “A Fúria<br />

<strong>de</strong> Vencer” (1963) e nessas<br />

fi lmagens na Irlanda teve a<br />

hipóte<strong>se</strong> <strong>de</strong> rodar a sua primeira<br />

longa: Corman era especialista<br />

em maximizar orçamentos e<br />

<strong>de</strong>ixou Coppola rodar “Dementia<br />

13” com a mesma equipa e<br />

elenco nas pausas <strong>de</strong> “A Fúria <strong>de</strong><br />

Vencer”.<br />

“O Vale do Arco-Íris” (1968)<br />

Foi a primeira experiência <strong>de</strong><br />

O caminho da<br />

Cinco experiências que levaram Francis Ford C<br />

realização <strong>de</strong> Coppola para um<br />

gran<strong>de</strong> estúdio – e, não tives<strong>se</strong><br />

ele <strong>de</strong> pagar uma série <strong>de</strong><br />

dívidas que o levaram a aceitar<br />

“O Padrinho”, teria sido a única.<br />

O musical <strong>de</strong> E. Y. Harburg,<br />

Burton Lane e Fred Saidy fora<br />

um triunfo na Broadway após<br />

a II Guerra, mas chegava ao<br />

cinema fora <strong>de</strong> tempo, com<br />

um orçamento minúsculo e<br />

um elenco encabeçado por<br />

Fred Astaire, em plena cri<strong>se</strong><br />

dos gran<strong>de</strong>s estúdios. Foi a<br />

primeira <strong>de</strong> muitas rodagens<br />

catastrófi cas – mesmo que<br />

Coppola tives<strong>se</strong> jurado nunca<br />

mais <strong>se</strong> meter noutra assim.<br />

A <strong>se</strong>gunda juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Como é que <strong>se</strong> reinicia uma carreira <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quarenta anos, três Oscares e meia-dúzia <strong>de</strong><br />

clássicos do cinema? A resposta <strong>de</strong> Coppola, quando “Tetro” chega às salas portuguesas:<br />

começar <strong>de</strong> novo como <strong>se</strong> fos<strong>se</strong> um estudante. Será possível? Jorge Mourinha


a in<strong>de</strong>pendência<br />

d Coppola a recomeçar a sua carreira <strong>de</strong> modo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

“Chove no Meu Coração”<br />

(1969)<br />

Coppola diz que este pequeno<br />

“road movie” que passou<br />

<strong>de</strong>spercebido à altura é a “raiz”<br />

da sua actual técnica <strong>de</strong> rodar<br />

“em movimento”. Uma das<br />

primeiras produções da sua<br />

companhia American Zoetrope<br />

na sua encarnação inicial,<br />

esta história <strong>de</strong> uma dona <strong>de</strong><br />

casa à procura <strong>de</strong> si própria<br />

foi rodada “na estrada” com<br />

uma equipa pequena (da qual<br />

fazia parte George Lucas, que<br />

assinou o “making of”), com um<br />

elenco encabeçado por Shirley<br />

Knight, James Caan e Robert<br />

Duvall, como “exorcismo” da<br />

experiência <strong>de</strong> “O Vale do<br />

Arco-Íris”.<br />

“O Vigilante” (1974)<br />

Talvez o único fi lme que<br />

Coppola con<strong>se</strong>guiu fazer para<br />

um estúdio nos <strong>se</strong>us próprios<br />

termos: rodado entre o primeiro<br />

e o <strong>se</strong>gundo “Padrinhos” e<br />

estreado em plena pós-produção<br />

do <strong>se</strong>gundo, era um guião que<br />

Coppola tinha na gaveta e que<br />

o êxito <strong>de</strong> “O Padrinho” lhe<br />

permitiu montar na Paramount.<br />

Apesar da excelente recepção<br />

crítica e <strong>de</strong> três nomeações<br />

para os Óscares, esta história<br />

claustrofóbica <strong>de</strong> um <strong>de</strong>tective<br />

(Gene Hackman) que sucumbe<br />

à paranóia, abertamente<br />

inspirada pelo “Blow-Up” <strong>de</strong><br />

Antonioni, não registou na<br />

bilheteira.<br />

“Rumble Fish – Juventu<strong>de</strong><br />

Inquieta” (1983)<br />

Provavelmente o maior culto da<br />

longa carreira <strong>de</strong> Coppola, data<br />

<strong>de</strong> um dos períodos “negros” da<br />

sua carreira: rodado e estreado<br />

entre o <strong>de</strong>sastre <strong>de</strong> “Do Fundo do<br />

Coração” (1982) e a controvérsia<br />

<strong>de</strong> “Cotton Club” (1984), é, tal<br />

como “Tetro”, uma história <strong>de</strong><br />

família rodada a preto e branco,<br />

centrada na relação complicada<br />

entre dois irmãos – Matt Dillon<br />

e Mickey Rourke. Adaptando<br />

um romance <strong>de</strong> S. E. Hinton,<br />

“Rumble Fish” é o gémeo negro<br />

<strong>de</strong> “Os Marginais”, fi lmado (na<br />

melhor tradição Corman) ao<br />

mesmo tempo daquele, com a<br />

mesma equipa e alguns actores<br />

em comum. J.M.<br />

e Francis Ford Coppola<br />

É difícil <strong>se</strong>r Francis Ford Coppola.<br />

É o próprio quem o diz ao Ípsilon.<br />

“Hoje, o meu nome só ajuda <strong>se</strong> eu<br />

qui<strong>se</strong>r que me tirem muitas fotos, ou<br />

<strong>se</strong> qui<strong>se</strong>r assinar muitos autógrafos.<br />

A maior parte das vezes é um embaraço<br />

– porque entro numa sala como<br />

<strong>se</strong> fos<strong>se</strong> um fenómeno e não a pessoa<br />

normal que sou...”<br />

O cineasta americano, 70 anos, diz<br />

estas palavras com leve tom <strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>se</strong>ncanto,<br />

ao final da manhã <strong>de</strong> um domingo<br />

cinzento num hotel em Cascais,<br />

ro<strong>de</strong>ado por técnicos que <strong>se</strong> afadigam<br />

a montar e <strong>de</strong>smontar iluminação e<br />

câmaras para entrevistas televisivas,<br />

sob o olhar atento dos relações públicas<br />

do Estoril Film Festival.<br />

Podia <strong>se</strong>r um mero <strong>de</strong>sabafo do autor<br />

dos “Padrinhos”, mas a prova surge<br />

horas mais tar<strong>de</strong>: a sua entrada na<br />

sala <strong>de</strong> imprensa do Centro <strong>de</strong> Congressos<br />

do Estoril é acompanhada por<br />

uma multidão <strong>de</strong> fotógrafos que o voltarão<br />

a ro<strong>de</strong>ar no final da conferência<br />

<strong>de</strong> imprensa, em alguns casos com<br />

DVDs dos <strong>se</strong>us filmes clássicos para<br />

autografar.<br />

Ossos do ofício, diríamos — embora,<br />

alguns minutos antes <strong>de</strong> dizer ao<br />

Ípsilon aquelas palavras, Coppola tives<strong>se</strong><br />

dito igualmente que “nunca<br />

ninguém prometeu que <strong>se</strong>r um artista<br />

implicas<strong>se</strong> também <strong>se</strong>r-<strong>se</strong> rico e<br />

famoso.” Mas es<strong>se</strong> relativo <strong>de</strong>sconforto<br />

com a imagem <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> cineasta<br />

atribuída por filmes como “O Padrinho”<br />

(1972/1974/1990), “Apocalyp<strong>se</strong><br />

Now” (1979) ou “Drácula <strong>de</strong> Bram<br />

Stoker” (1992), é uma das marcas do<br />

Coppola colheita 2009, em Portugal<br />

a apre<strong>se</strong>ntar “Tetro” – o “<strong>se</strong>gundo filme<br />

da minha <strong>se</strong>gunda carreira” (nas<br />

salas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ontem).<br />

Por “<strong>se</strong>gunda carreira”, <strong>de</strong>fine o <strong>se</strong>u<br />

retorno à realização em 2007, após<br />

<strong>de</strong>z anos <strong>se</strong>m filmar, em regime <strong>de</strong><br />

absoluta in<strong>de</strong>pendência – financiando<br />

ele próprio os <strong>se</strong>us filmes com os proveitos<br />

das suas empresas vinícolas e<br />

turísticas, rodando em regime <strong>de</strong><br />

“economia total” fora do sistema <strong>de</strong><br />

estúdios <strong>de</strong>ntro do qual passou a<br />

maior parte do <strong>se</strong>u percurso e com o<br />

qual não quer voltar a ter nada a ver.<br />

Trocou-lhe as voltas<br />

O primeiro filme <strong>de</strong>ssa “<strong>se</strong>gunda carreira”<br />

foi, em 2007, “Uma Segunda<br />

Juventu<strong>de</strong>”. Inspirado numa história<br />

do filósofo Mircea Elia<strong>de</strong>, falava <strong>de</strong><br />

um académico a quem era dada uma<br />

<strong>se</strong>gunda oportunida<strong>de</strong> para viver — e<br />

o paralelo com um cineasta apostado<br />

a dar-<strong>se</strong> a si próprio uma <strong>se</strong>gunda<br />

oportunida<strong>de</strong> não estava longe da<br />

cabeça <strong>de</strong> Coppola.<br />

“Havia <strong>de</strong> facto alguma relevância<br />

na história faustiana <strong>de</strong> um idoso que<br />

volta a <strong>se</strong>r jovem – no fundo, eu queria<br />

voltar a <strong>se</strong>r um estudante <strong>de</strong> cinema,<br />

fazer as coisas que achava que<br />

queria fazer quando tinha 21 anos.<br />

Nessa altura, a carreira que eu tinha<br />

em mente era usar as técnicas <strong>de</strong> pequeno<br />

orçamento do Roger Corman<br />

para fazer filmezinhos <strong>de</strong> autor, e<br />

quando precisas<strong>se</strong> <strong>de</strong> dar <strong>de</strong> comer<br />

aos miúdos, fazia um filme <strong>de</strong> terror...”<br />

Mas a vida trocou-lhe as voltas –<br />

guionista reconhecido em meados<br />

da década <strong>de</strong> 1960, com créditos em<br />

filmes como “Paris Já Está a Ar<strong>de</strong>r?”<br />

ou “Patton”, autor <strong>de</strong> dois “filmes<br />

pequenos” que não registaram (“Dementia<br />

13”, 1963, produzido por Corman,<br />

e “You’re a Big Boy Now”,<br />

1966), viu-<strong>se</strong> promovido a realizador<br />

<strong>de</strong> estúdio à terceira longa, “O Vale<br />

do Arco-Íris” (1968), adaptação <strong>de</strong><br />

um musical da Broadway com Fred<br />

Astaire e Petula Clark que foi uma<br />

experiência <strong>de</strong>sastrosa.<br />

“Dis<strong>se</strong> a mim próprio que não queria<br />

fazer filmes daquela maneira. Imediatamente<br />

a <strong>se</strong>guir fui para a estrada<br />

rodar ‘Chove no Meu Coração’, que<br />

é o exemplo daquilo a que me refiro<br />

quando falo da escola <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong><br />

pequeno orçamento do Roger Corman<br />

– não <strong>se</strong> <strong>de</strong>ita dinheiro à rua,<br />

tem-<strong>se</strong> uma equipa pequena, viaja-<strong>se</strong><br />

com pouco equipamento, está-<strong>se</strong><br />

aberto a todo o tipo <strong>de</strong> coisas que<br />

possam acontecer durante a produção.<br />

E foi precisamente isso a que me<br />

abri quando fui para a Roménia.”<br />

“Chove no Meu Coração” (1969),<br />

contudo, foi o último “filme pequeno”<br />

que Coppola ainda con<strong>se</strong>guiu<br />

fazer. A <strong>se</strong>guir, veio o triunfo improvável<br />

<strong>de</strong> “O Padrinho” e uma das carreiras<br />

mais escrutinadas do cinema<br />

americano dos anos 1970 e 1980, pontuada<br />

pela incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fugir às<br />

estruturas e esquemas dos estúdios.<br />

Agora dizem-me,<br />

‘Você já não<br />

con<strong>se</strong>gue fazer<br />

filmes tão bons<br />

como quando era<br />

mais novo’, e eu<br />

respondo-lhes,<br />

‘mas vocês<br />

também não<br />

gostaram <strong>de</strong>les na<br />

altura!’. Levou<br />

vinte anos para<br />

dizerem que<br />

‘Apocalyp<strong>se</strong> Now’<br />

tinha valor, e<br />

provavelmente vai<br />

levar outros vinte<br />

para admitirem<br />

que ‘Uma<br />

Segunda<br />

Juventu<strong>de</strong>’ é<br />

interessante. Aí<br />

vou estar morto<br />

“Uma Segunda Juventu<strong>de</strong>”, inteiramente<br />

rodado na Roménia, foi o<br />

<strong>se</strong>u regresso, quarenta anos <strong>de</strong>pois,<br />

a essa forma <strong>de</strong> fazer cinema qua<strong>se</strong><br />

improvisada: “Instalei todo o equipamento<br />

<strong>de</strong> que ia precisar num camião,<br />

<strong>de</strong>spachei-o para a Roménia,<br />

contratei apenas técnicos locais.” E<br />

a experiência correu tão bem que<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

NOV~O9<br />

reincidiu com “Tetro”, retendo Mihai<br />

Malaimare Jr., o jovem director <strong>de</strong><br />

fotografia com quem trabalhara em<br />

“Uma Segunda Juventu<strong>de</strong>”, mas rodando<br />

agora na Argentina com uma<br />

equipa local.<br />

Correu bem, diga-<strong>se</strong>, em termos<br />

práticos – porque a recepção crítica<br />

e pública a “Uma Segunda Juven-<br />

Encenação e Interpretação<br />

Gonçalo Waddington<br />

Tiago Rodrigues<br />

Dramaturgia<br />

João Canijo<br />

6 A 22 NOV<br />

O QUE SE LEVA<br />

DESTA VIDA<br />

MUNDO PERFEITO<br />

QUARTA A SÁBADO ÀS 21H00<br />

DOMINGO ÀS 17H30<br />

SALA PRINCIPAL M/12<br />

O MUNDO PERFEITO<br />

É UMA ESTRUTURA<br />

FINANCIADA POR<br />

últimas repre<strong>se</strong>ntações<br />

“Um prato<br />

conta <strong>se</strong>mpre a história<br />

<strong>de</strong> quem o cozinhou”<br />

APOIOS APOIO À<br />

DIVULGAÇÃO<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38 / 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE<br />

E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 17<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />

© Rita Carmo


tu<strong>de</strong>” e a “Tetro” foi tudo menos<br />

unânime.<br />

Coppola não alimenta ilusões:<br />

“Sinto-me confortável com quaisquer<br />

afirmações <strong>de</strong>sagradáveis sobre os<br />

meus filmes porque as tenho ouvido<br />

ao longo <strong>de</strong> toda a minha carreira.<br />

Lembro-me <strong>de</strong> ficar <strong>de</strong>stroçado quando,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter ganho todos os Óscares<br />

por ‘O Padrinho parte II’, ninguém<br />

quis produzir ‘Apocalyp<strong>se</strong><br />

Now’. Tive literalmente <strong>de</strong> investir<br />

tudo o que tinha. E quando o fiz, riram-<strong>se</strong><br />

<strong>de</strong> mim, troçaram do filme,<br />

con<strong>de</strong>naram-no como a obra louca<br />

<strong>de</strong> um megalomaníaco. Agora dizemme,<br />

‘Você já não con<strong>se</strong>gue fazer fil-<br />

18 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

mes tão bons como quando era mais<br />

novo’, e eu respondo-lhes, ‘mas vocês<br />

também não gostaram <strong>de</strong>les na<br />

altura!’. Levou vinte anos para dizerem<br />

que ‘Apocalyp<strong>se</strong> Now’ tinha valor,<br />

e provavelmente vai levar outros<br />

vinte para admitirem que ‘Uma Segunda<br />

Juventu<strong>de</strong>’ é interessante. Aí<br />

vou estar morto – como o Bizet, que<br />

morreu a achar que a ‘Carmen’ era<br />

um fracasso... Mas já não me ralo<br />

com isso. Não tenho agente, nunca<br />

tive, não preciso <strong>de</strong> dinheiro, não<br />

estou a tentar enriquecer, não quero<br />

ter uma carreira, ninguém me telefona<br />

a perguntar <strong>se</strong> quero dirigir o<br />

‘Homem Aranha 3’.”<br />

À maneira<br />

<strong>de</strong> Tennes<strong>se</strong>e Williams<br />

Isto não quer dizer que renegue o que<br />

fez antes – na conferência <strong>de</strong> imprensa,<br />

citaria “O Vigilante” (1974) ou<br />

“Rumble Fish” (1983) como alguns<br />

dos <strong>se</strong>us filmes preferidos <strong>de</strong> entre os<br />

que realizou. E quer “Uma Segunda<br />

Juventu<strong>de</strong>” quer “Tetro” exploram<br />

um regresso à fórmulas clássicas com<br />

as quais cresceu.<br />

“Estou a entrar aos poucos nesta<br />

nova carreira e não posso exactamente<br />

<strong>de</strong>ixar para trás a bagagem que<br />

carrego... Aos vinte anos, estudava<br />

teatro numa escola nos subúrbios <strong>de</strong><br />

Nova Iorque e os <strong>de</strong>u<strong>se</strong>s que admirávamos<br />

eram gente como Tennes<strong>se</strong>e<br />

Williams, Elia Kazan, Marlon Brando...<br />

E nunca tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fazer um filme como ‘Tetro’, que é<br />

mo<strong>de</strong>stamente um filme ‘à maneira<br />

<strong>de</strong>’ Tennes<strong>se</strong>e Williams, alguém que<br />

tanto admiro. Os jovens artistas têm<br />

tendência a copiar os artistas <strong>de</strong> quem<br />

gostam, e ao fazê-lo libertam-<strong>se</strong> <strong>de</strong>ssa<br />

imitação e encontram a sua própria<br />

voz. Eu próprio tenho <strong>de</strong> me libertar<br />

<strong>de</strong>ssa imitação. Claro que não roubei<br />

literalmente — <strong>de</strong>ixei-me inspirar por,<br />

por admiração. Balzac falava do quanto<br />

os escritores mais jovens lhe iam<br />

roubar e <strong>de</strong> como ele gostava disso,<br />

<strong>de</strong> como ele os incentivava porque ao<br />

fazê-lo o tornariam parcialmente<br />

imortal, tal como ele havia feito com<br />

os escritores <strong>de</strong> quem gostava. Quando<br />

vi ‘Blow-Up’ [Michelangelo Antonioni],<br />

dis<strong>se</strong>: ‘quero fazer um filme<br />

assim.’ E fiz ‘O Vigilante’. É maravilhoso<br />

ver-<strong>se</strong> um filme fantástico e <strong>se</strong>rmos<br />

motivados para fazer um filme<br />

por causa disso. E acho isso perfeitamente<br />

legítimo.”<br />

No fundo, trata-<strong>se</strong> <strong>de</strong> per<strong>se</strong>guir<br />

aquilo que motivava Coppola antes<br />

do sucesso <strong>de</strong> “O Padrinho” lhe ter<br />

aberto as portas <strong>de</strong> Hollywood, e da<br />

posterior necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer<br />

filmes “alimentares” para<br />

pagar as contas das apostas<br />

falhadas. E, sobretudo, <strong>de</strong><br />

NUNO FERREIRA SANTOS<br />

“O Padrinho” afastou Coppola,<br />

diz ele, dos filmes <strong>de</strong> pequeno<br />

orçamento que ele queria fazer<br />

— como “Tetro”<br />

Como sou eu que<br />

me financio a<br />

mim próprio, <strong>se</strong>i<br />

que vou encontrar<br />

um otário para<br />

me pagar o<br />

próximo filme.<br />

Mas, para lá disso,<br />

não tenho<br />

certezas – não faço<br />

i<strong>de</strong>ia do que vou<br />

fazer a <strong>se</strong>guir. E<br />

isso é excitante<br />

per<strong>se</strong>guir a sua própria musa, o <strong>se</strong>u<br />

amor do cinema que “Tetro” mostra<br />

(com as suas citações assumidas dos<br />

“Sapatos Vermelhos” e dos “Contos<br />

<strong>de</strong> Hoffman” <strong>de</strong> Michael Powell e<br />

Emeric Pressburger, com o <strong>se</strong>u preto<br />

e branco luminoso herdado do cinema<br />

clássico).<br />

“Uma vez, perguntaram-me como<br />

era possível eu ter feito um filme tão<br />

aclamado como ‘O Padrinho’, e eu<br />

respondi: ‘risco’. Não existe uma fórmula<br />

e é isso que falha actualmente<br />

em Hollywood. Os estúdios acham<br />

que po<strong>de</strong>m inventar uma fórmula que<br />

garanta o sucesso comercial e falham<br />

completamente, mas não aceitam es<strong>se</strong><br />

falhanço.”<br />

Mas não <strong>se</strong> trata <strong>de</strong> per<strong>se</strong>guir o risco<br />

apenas pelo risco, nem <strong>de</strong> reencontrar<br />

um qualquer entusiasmo<br />

perdido - “<strong>se</strong>mpre me mantive em<br />

contacto com o miúdo que fui, pelo<br />

que nunca me preocupei em recuperar<br />

a inocência, o entusiasmo, o prazer.<br />

Sempre os tive. E foi por isso que<br />

me <strong>se</strong>nti tão frustrado ao <strong>se</strong>r um realizador<br />

‘convencional’... Faço filmes<br />

<strong>de</strong> autor porque gosto, porque me dá<br />

prazer. Mas não estou à espera <strong>de</strong><br />

ganhar dinheiro com eles. Distribuí<br />

‘Tetro’ eu próprio e vou ter sorte <strong>se</strong><br />

recuperar o investimento que fiz.”<br />

E para quem faz Coppola estes filmes<br />

<strong>de</strong> autor? “Para um público que<br />

gosta <strong>de</strong> cinema e quer vê-lo <strong>se</strong>guir<br />

caminhos mais variados do que aqueles<br />

que neste momento lhe é permitido<br />

<strong>se</strong>guir [pelos estúdios].” Um<br />

público composto “pelas mesmas<br />

pessoas para quem fiz ‘O Vigilante’<br />

ou ‘Apocalyp<strong>se</strong> Now’, que neles encontraram<br />

algo <strong>de</strong> válido.” Um público<br />

que não conhece apenas o Coppola<br />

<strong>de</strong> “O Padrinho”, e que lhe<br />

prefere o <strong>de</strong> “Rumble Fish”<br />

- que vê<br />

nele um cineasta que, mesmo mes pelo<br />

meio do <strong>de</strong><strong>se</strong>ncanto, continu continua a acre-<br />

ditar que o ci cinema é<br />

mais mai do que<br />

apenas ape uma<br />

boa história<br />

bem be b conta-<br />

da.<br />

E, por<br />

improvável<br />

váve ve v l qque<br />

pareça,<br />

ça ç , Cop Coppola ri-<br />

<strong>se</strong>. “Como sou eu que me m finan-<br />

cio a mim próprio, <strong>se</strong>i que q vou<br />

encontrar um otário para mme<br />

pagar<br />

o próximo filme. Mas, para lá disso,<br />

não tenho certezas – não ffaço<br />

i<strong>de</strong>ia<br />

do que vou fazer a <strong>se</strong>guir. <strong>se</strong>guir E isso é<br />

excitante.”<br />

Ver crítica <strong>de</strong> filmes págs. 53<br />

e <strong>se</strong>gs


© Julien Bourgeois<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

DEZ~O9<br />

CO-PRODUÇÃO:<br />

estreias<br />

internacionais<br />

novas músicas<br />

no são luiz<br />

2 DEZ<br />

QUARTA ÀS 21H00<br />

SALA PRINCIPAL<br />

CO-PRODUÇÃO<br />

SLTM ~ UGURU<br />

M/3<br />

MY<br />

BRIGHTEST<br />

DIAMOND<br />

2 DEZ<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38 / 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE<br />

E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />

CO-PRODUÇÃO:


20 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Exposições<br />

E cinquenta anos d<br />

<strong>Ainda</strong> é uma aven t<br />

“US 285 New<br />

Mexico”, 1955,<br />

e “US 90 en<br />

route to Del<br />

Rio, Texas”,<br />

1955: como a<br />

estrada, o carro<br />

era a viagem<br />

em si a tomar<br />

conta da<br />

narrativa. Os<br />

carros<br />

aparecem<br />

solitários em<br />

estradas,<br />

sobretudo<br />

aparecem<br />

parados como<br />

casas<br />

os am


“O livro <strong>de</strong> fotografia mais importante<br />

<strong>de</strong>pois da <strong>se</strong>gunda Gran<strong>de</strong> Guerra”<br />

Sarah Greenough, curadora da National<br />

Gallery of Art, Washington, no<br />

catálogo “Looking in: Robert Frank’s<br />

The Americans”<br />

“É preciso passar por isto. É o ‘texto’ da<br />

fotografia mo<strong>de</strong>rna.”<br />

Jeff L. Ro<strong>se</strong>nheim, curador do <strong>de</strong>partamento<br />

<strong>de</strong> fotografia do Metropolitan<br />

Mu<strong>se</strong>um, Nova Iorque, ao Ípsilon<br />

“Está <strong>de</strong>cidido: vou voltar a fazer fotografia<br />

a preto e branco!”<br />

Uma visitante da exposição, para uma<br />

amiga<br />

A estrada<br />

– O Truman Capote não tinha razão<br />

quando dis<strong>se</strong> que o “On the Road” era<br />

batido à máquina, não era escrito. –<br />

Sim.<br />

– O Kerouac sabia escrever.<br />

– Sim.<br />

– Ele não sabia era bater à máquina.<br />

As duas mulheres afastam-<strong>se</strong> da vitrine<br />

on<strong>de</strong> está em exposição a primeira<br />

versão da introdução que Jack<br />

Kerouac escreveu para o livro <strong>de</strong> fotografia<br />

“The Americans”. De facto,<br />

Kerouac não sabia bater à máquina:<br />

“what a poem hthis is, what poems<br />

can bet weritten about his boo o of<br />

pictures some day by some some<br />

youn new writer”<br />

É difícil dizer <strong>se</strong> haverá por aqui<br />

poetas, mas há <strong>de</strong> certeza fotógrafos,<br />

e há muitos jovens entre as <strong>de</strong>zenas<br />

<strong>de</strong> pessoas que visitam o Metropolitan<br />

Mu<strong>se</strong>um em Nova Iorque a um dia <strong>de</strong><br />

<strong>se</strong>mana para verem as 83 fotografias<br />

icónicas e outros materiais que contam<br />

a história do livro “The Americans”.<br />

No dia 4 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1957, a vida<br />

<strong>de</strong> Jack Kerouac mudou. Na noite<br />

anterior, Kerouac e a sua namorada,<br />

Joyce Johnson, esperaram na rua pela<br />

edição do dia <strong>se</strong>guinte do “The New<br />

York Times”. A crítica a “On the Road”<br />

(“Pela Estrada Fora”), por Gillbert<br />

Millstein, que <strong>de</strong>voraram, o jornal<br />

ainda quente, proclamava o <strong>se</strong>gundo<br />

romance <strong>de</strong> Kerouac como uma “ocasião<br />

histórica”. Duas <strong>se</strong>manas <strong>de</strong>pois,<br />

Kerouac era a pessoa mais procurada<br />

nos círculos literário, intelectual e<br />

boémio <strong>de</strong> Nova Iorque, quando numa<br />

festa um fotógrafo aborda-o e<br />

pe<strong>de</strong>-lhe uma introdução para o <strong>se</strong>u<br />

livro <strong>de</strong> fotografia.<br />

Encontraram-<strong>se</strong> pouco <strong>de</strong>pois, o<br />

fotógrafo com duas caixas <strong>de</strong> fotografias,<br />

recorda Joyce Johson numa autobiografia.<br />

A primeira fotografia que<br />

Johnson viu foi a imagem <strong>de</strong> uma estrada<br />

“com uma risca branca no meio<br />

que continuava e continuava na direcção<br />

do horizonte escuro”. Pensou:<br />

“A estrada <strong>de</strong> Jack!”<br />

O fotógrafo tinha reconhecido em<br />

Jack Kerouac – e nos escritores Beat<br />

em geral – a qualida<strong>de</strong> das suas imagens:<br />

livres; e ainda que fotográficas,<br />

estavam em movimento.<br />

Kerouac aceitou o convite <strong>de</strong> Robert<br />

Frank, e no <strong>se</strong>u característico<br />

jacto a tinta <strong>de</strong> máquina <strong>de</strong> escrever<br />

<strong>de</strong>screveu a estrada comum: “Estrada-louca<br />

conduzindo os homem em<br />

frente – a estrada louca, solitária, dirigindo<br />

<strong>de</strong>pois da curva para os espaços<br />

abertos até ao horizonte (...)”<br />

Dois anos <strong>de</strong>pois, o mesmo crítico<br />

que tinha posto Kerouac na História<br />

comentava o novo livro <strong>de</strong> fotografia<br />

“The Americans”, no mesmo “New<br />

York Times”. As fotografias, escreveu,<br />

sugeriam uma “violência latente”,<br />

“<strong>de</strong>sconfiança dos <strong>se</strong>us sujeitos”, e<br />

uma “fúria gélida”.<br />

Talvez <strong>se</strong>ja mais fácil aceitar que<br />

um escritor não saiba bater à máquina<br />

do que um fotógrafo não saiba usar<br />

a sua máquina. Outros críticos foram<br />

ainda mais duros e <strong>de</strong>screveram as<br />

fotografias como “<strong>de</strong>scuidadas”, mui-<br />

Na candidatura<br />

à bolsa Guggenheim<br />

[para concretizar<br />

‘The Americans’],<br />

é <strong>de</strong>scrito o que é que<br />

o “naturalizado”<br />

Robert Frank queria<br />

ver na América:<br />

“O tipo <strong>de</strong> civilização<br />

que nasce aqui e<br />

<strong>se</strong> espalha por outros<br />

lugares”<br />

tas vezes <strong>de</strong>sfocadas ou “mal” enquadradas.<br />

O escritor que batia furiosamente<br />

à máquina não sabia – nem queria saber<br />

– <strong>de</strong> técnica <strong>de</strong> fotografia. Intuitivamente,<br />

o julgamento <strong>de</strong>le estava<br />

feito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro encontro com<br />

o fotógrafo: “Robert Frank, suíço, discreto,<br />

amável, com aquela pequena<br />

máquina fotográfica que ele levanta<br />

e dispara com uma mão, sacou um<br />

poema triste directamente da América<br />

para a película, entrando para a<br />

lista dos poetas trágicos do mundo.”<br />

De qualquer forma, quando “The<br />

Americans”, datado <strong>de</strong> 1959, saiu nos<br />

EUA em Janeiro do ano 1960, publicado<br />

com a introdução <strong>de</strong> Kerouac e<br />

com cada uma das 83 fotografias <strong>se</strong>parada<br />

por uma página em branco e<br />

uma legenda minimalista (tinha sido<br />

publicado em França antes numa versão<br />

que Frank não gostava, com longos<br />

textos sobre a América escolhidos<br />

por um francês), já Frank estava mais<br />

preocupado com outro projecto: o<br />

primeiro da sua carreira <strong>de</strong> cineasta<br />

– “Pull My Daisy”, escrito por Jack Kerouac,<br />

e com a participação <strong>de</strong> Ginsberg,<br />

Corso e outros Beat.<br />

A “estrada <strong>de</strong> Jack” é a estrada número<br />

285 dos EUA, a fotografia número<br />

36 <strong>de</strong> “The Americans”. A estrada<br />

está vazia, apenas um carro <strong>se</strong> aproxima<br />

ao fundo. O alcatrão brilha como<br />

<strong>se</strong> o sol brilhas<strong>se</strong>, mas no horizonte<br />

o céu escureceu como <strong>se</strong> já tives<strong>se</strong><br />

feito noite.<br />

Se olharmos para as provas <strong>de</strong> contacto,<br />

também na exposição “Looking<br />

In”, ficamos a saber que nes<strong>se</strong> momento,<br />

o sol brilhava. Mas o que era<br />

mais verda<strong>de</strong>? Que era dia ou que era<br />

noite?<br />

Determinadas verda<strong>de</strong>s – como<br />

Frank, Kerouac também sabia isto –<br />

precisam <strong>de</strong> menos luz: “On<strong>de</strong> vais<br />

América, no teu carro brilhante pela<br />

noite?”<br />

O carro<br />

A primeira coisa que Robert Frank<br />

fez, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> receber o primeiro cheque<br />

da fundação Guggenheim, na<br />

Primavera <strong>de</strong> 1955, foi comprar um<br />

carro – um Ford Business Coupe em<br />

<strong>se</strong>gunda mão.<br />

Depois, partiu para a terra <strong>de</strong> Henry<br />

Ford. A capital da América não era<br />

Washington, D.C. dos políticos, não<br />

era Nova Iorque do “melting pot” cultural;<br />

a capital da América era Detroit<br />

das fábricas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> automóveis.<br />

Como a estrada, o carro era a viagem<br />

em si a tomar conta da narrativa.<br />

Os carros aparecem solitários em estradas,<br />

mas também aparecem como<br />

enquadramentos <strong>de</strong> caras, e sobretudo<br />

aparecem parados como casas.<br />

No final <strong>de</strong>s<strong>se</strong> ano, a sua mulher e<br />

os <strong>se</strong>us dois filhos foram ter com ele.<br />

Mary com Pablo e Andrea a dormir,<br />

<strong>de</strong>ntro do carro, é a última imagem<br />

<strong>de</strong> “The Americans”.<br />

s <strong>de</strong>pois os americanos afl uem em multidão ao Metropolitan Mu<strong>se</strong>um para <strong>se</strong> verem em “The Americans”.<br />

tura atravessar a América, pela estrada fora, com Robert Frank. Susana Moreira Marques, Nova Iorque<br />

Tudo sobre<br />

mericanos<br />

/ 10 companhias<br />

/ 17 apre<strong>se</strong>ntações<br />

/ 3 estreias<br />

/ 2 concertos<br />

/ 4 salas <strong>de</strong> espectáculo<br />

+ ruas <strong>de</strong> Ton<strong>de</strong>la<br />

/ animações teatrais<br />

/ feira do livro lusófono<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 21


“Trolley New<br />

Orleans”,<br />

1955, e<br />

“Charleston<br />

South<br />

Carolina”,<br />

1955: quanto<br />

mais tempo<br />

passava no<br />

Sul, mais<br />

queria<br />

fotografar não<br />

os sinais<br />

exteriores da<br />

<strong>se</strong>gregação,<br />

mas os<br />

interiores - a<br />

forma como<br />

uma negra<br />

pega ao colo<br />

um bebé<br />

branco, por<br />

exemplo<br />

O carro foi, durante um ano, a<br />

casa <strong>de</strong> Robert Frank.<br />

O mapa<br />

Detroit – Nova Iorque – Savannah –<br />

Miami Beach – St. Petersburg – Memphis<br />

– Rio Mississipi – Arkansas – Nova<br />

Orleães – Houston, Texas – Del Rio –<br />

Novo México – Santa Fé – Albuquerque<br />

– Arizona – barragem Hoover – Las<br />

Vegas – Los Angeles – Hollywood – São<br />

Francisco – Reno – Nevada – Salt Lake<br />

City – Butte, Montana – Wyoming –<br />

Omaha – Iowa – Chicago – Indianápolis<br />

– Ohio – Pensilvânia – Nova Iorque<br />

Depois havia o trajecto em cada lugar:<br />

Woolworth’s, para comprar uma<br />

coca-cola – cemitério – campo <strong>de</strong> golfe<br />

– parque – elevadores – estações dos<br />

correios – autocarros – estações <strong>de</strong><br />

comboio.<br />

Com ele, levava um mapa da Associação<br />

Automobilística, anotado por<br />

Walker Evans. Levava ainda o livro da<br />

autoria <strong>de</strong> Evans, “American Photographs”.<br />

Evans tinha sugerido que<br />

Robert Frank fos<strong>se</strong> para Sul. Robert<br />

Frank <strong>se</strong>guiu as instrucções.<br />

Começou por fotografar tabuletas,<br />

sinais <strong>de</strong> “branco” e <strong>de</strong> “negro” ou<br />

“<strong>de</strong> cor”. Fotografou muitos “proibidos”.<br />

Essas fotografias, nas provas <strong>de</strong><br />

contacto, não chegaram à <strong>se</strong>lecção<br />

final. Quanto mais tempo passava no<br />

Sul, mais queria fotografar não os sinais<br />

exteriores da <strong>se</strong>gregação, mas<br />

os interiores: a forma como uma mu-<br />

22 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

lher negra pega num bebé branco.<br />

Se há uma espécie <strong>de</strong> clímax da viagem,<br />

acontece em Nova Orleães. Se<br />

ia avançando para um “estado <strong>de</strong> graça”<br />

com a liberda<strong>de</strong> da viagem, es<strong>se</strong><br />

estado manifestou-<strong>se</strong> particularmente<br />

num único dia em Nova Orleães.<br />

Num único dia, numa única folha <strong>de</strong><br />

provas <strong>de</strong> contacto e numa única tira<br />

– o que “nunca, nunca acontece”,<br />

confessou Frank recentemente numa<br />

entrevista– estão duas fotografias extraordinárias<br />

que <strong>se</strong> <strong>se</strong>guem uma à<br />

outra no livro.<br />

Mas <strong>se</strong>guem-<strong>se</strong> por or<strong>de</strong>m inversa.<br />

A primeira foto tirada é a da multidão<br />

da rua, on<strong>de</strong> <strong>se</strong> distinguem negros a<br />

cruzarem-<strong>se</strong> com brancos numa rua<br />

<strong>de</strong>nsa. Depois <strong>de</strong> tirar essa foto, Frank<br />

voltou-<strong>se</strong> para trás, e por acaso, viu<br />

<strong>de</strong> repente um “trolley” a passar. Não<br />

sabia o que tinha fotografado.<br />

Os passageiros olham pela janela.<br />

Nos primeiros lugares vão brancos;<br />

os lugares <strong>de</strong> trás estão ocupados por<br />

negros; e um <strong>de</strong>les, um homem afroamericano,<br />

procura compaixão na<br />

lente do fotógrafo.<br />

Robert Frank não sabia o que tinha<br />

fotografado, mas três <strong>se</strong>manas <strong>de</strong>pois,<br />

a afro-americana Rosa Parks, em Montgomery,<br />

Alabama, recusava-<strong>se</strong> a ce<strong>de</strong>r<br />

o <strong>se</strong>u lugar a um passageiro branco.<br />

As cartas<br />

Que <strong>se</strong> saiba, Frank não mandou postais.<br />

Fotografou postais – em gran<strong>de</strong><br />

Numa das primeiras<br />

salas da exposição,<br />

um homem pára<br />

e comenta para<br />

a mulher: “Nós ainda<br />

temos o terceiro<br />

mundo aqui,<br />

o problema é que não<br />

<strong>se</strong> vê <strong>de</strong> Park Avenue”<br />

plano, sobre uma banca, com um carro<br />

em fundo, uma imagem que imprimiu,<br />

mas que, finalmente, <strong>de</strong>cidiu<br />

não incluir no livro. Os postais ilustram<br />

mais do que o lugar on<strong>de</strong> o visitante<br />

está – um “canyon”, a barragem<br />

Hoover; ilustram as ob<strong>se</strong>ssões americanas:<br />

ven<strong>de</strong>m-<strong>se</strong> postais da nuvem<br />

em forma <strong>de</strong> cogumelo.<br />

O medo era fotografável nos EUA.<br />

O medo <strong>de</strong> um negro <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntar no<br />

branco da frente quando Robert<br />

Frank lhe abre a porta para lhe dar<br />

boleia; mas também o medo <strong>de</strong> uma<br />

ameaça mais distante, e no entanto,<br />

concreta.<br />

- Você é um “commie”?<br />

- Não.<br />

- Você sabe o que é um “commie”?<br />

- Sim.<br />

Isto é uma parte <strong>de</strong> um diálogo entre<br />

um polícia e Robert Frank em Mc-<br />

Gehee, Arkansas. Era a <strong>se</strong>gunda vez,<br />

durante a viagem, que Frank era preso.<br />

Foi <strong>de</strong>tido porque o <strong>se</strong>u carro tinha<br />

matrícula <strong>de</strong> Nova Iorque e ele<br />

era um estrangeiro. As cartas <strong>de</strong> apoio<br />

que trazia consigo não o ajudaram:<br />

– Estou a viajar com o apoio <strong>de</strong> uma<br />

bolsa Guggenheim.<br />

– Guggenheim, quem é es<strong>se</strong>?<br />

Uma das cartas <strong>de</strong> recomendação,<br />

<strong>de</strong> Alexey Brodovitch, director <strong>de</strong> arte<br />

da revista “Harper’s Bazaar”, <strong>de</strong>u<br />

direito a mais algumas horas na prisão,<br />

porque Brodovitch soava russo.<br />

Frank foi finalmente libertado <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> ter sido cadastrado. Foi, escreveu<br />

numa carta a Walker Evans,<br />

“a experiência mais humilhante que<br />

tive até agora.”<br />

O hotel<br />

“Não h<strong>ouve</strong> mais prisões <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

viajo en famille”, escreveu mais tar<strong>de</strong><br />

para <strong>de</strong>ixar Walker Evans <strong>de</strong>scansado.<br />

A carta vinha escrita em papel <strong>de</strong><br />

carta do Hotel Ro<strong>se</strong>well, Del Rio, Texas.<br />

Frank sabia que Evans ia gostar<br />

<strong>de</strong> receber os papéis <strong>de</strong> carta com<br />

“Para<strong>de</strong><br />

Hoboken New<br />

Jer<strong>se</strong>y”


publicida<strong>de</strong> e mapas e <strong>de</strong><strong>se</strong>nhos nas<br />

margens.<br />

O fotógrafo <strong>de</strong> “Let Us Now Prai<strong>se</strong><br />

Famous Men” tinha ajudado o mais<br />

jovem Frank a con<strong>se</strong>guir a bolsa Guggenheim.<br />

Evans admirava o trabalho<br />

<strong>de</strong> Frank e chegou a escrever uma<br />

introdução para o projecto “The Americans”.<br />

Frank preferiu não publicar<br />

o texto, que saiu entretanto na antologia<br />

“U.S. Camera Annual” <strong>de</strong> 58.<br />

Evans continuou a apreciar o trabalho<br />

<strong>de</strong> Frank: “Tenho que admitir<br />

que, <strong>se</strong>jam qual forem os <strong>de</strong>u<strong>se</strong>s que<br />

enviaram Robert Frank, assim tão armado,<br />

através <strong>de</strong>ste país, fizeram-no<br />

com um certo sorriso.”<br />

Evans sabia que Robert Frank era<br />

outro tipo <strong>de</strong> fotógrafo. Viajar e fotografar<br />

o país não era nada <strong>de</strong> original,<br />

Evans tinha-o feito antes. Mas Evans<br />

tinha documentado os anos 30. E<br />

Frank viajava nos anos 50 e não era<br />

documentar a acção que mais o preocupava.<br />

“Mon cher profes<strong>se</strong>ur”, começa<br />

carinhosamente Frank num papel <strong>de</strong><br />

carta do Hotel Finlen:<br />

“A noite passada num bar em Butte<br />

vi este cartaz na pare<strong>de</strong>: ‘A única pos<strong>se</strong><br />

que o governo não po<strong>de</strong> taxar é o<br />

teu pénis. 90% do tempo está fora <strong>de</strong><br />

<strong>se</strong>rviço. 10% do tempo está num buraco<br />

e tem dois <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes (…)’ Se<br />

não pu<strong>de</strong>s<strong>se</strong> rir-me, estaria a chorar<br />

todo o tempo, boa sorte, Robert.”<br />

De Butte, Montana, há apenas uma<br />

fotografia em “The Americans”, tirada<br />

da janela do quarto no hotel Finlen.<br />

Não há ninguém na rua la<strong>de</strong>ada<br />

<strong>de</strong> casas baixas, e vê-<strong>se</strong> a cida<strong>de</strong> a <strong>de</strong><strong>se</strong>mbocar<br />

numa mina <strong>de</strong> cobre.<br />

O americano<br />

Antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a Europa, Robert<br />

Frank preparou um portfolio para<br />

mostrar a editores e tentar arranjar<br />

trabalho quando chegas<strong>se</strong> ao EUA. O<br />

portfolio chamava-<strong>se</strong> “40 fotos” e tinha<br />

40 fotos, qua<strong>se</strong> todas da Suíça.<br />

A imagem que fecha o portfolio é<br />

Porque a América é,<br />

50 anos <strong>de</strong>pois, tão<br />

dividida como antes,<br />

ou simplesmente<br />

porque é <strong>de</strong>masiado<br />

vasta, a verda<strong>de</strong> é que<br />

os americanos<br />

nunca inteiramente<br />

conhecerão<br />

à América. E nunca<br />

po<strong>de</strong>rão respon<strong>de</strong>r<br />

à questão: quem são?<br />

um auto-retrato. O jovem Robert<br />

Frank no topo <strong>de</strong> uma montanha olha<br />

para trás, para a câmara, mas <strong>se</strong>m<br />

parar o movimento da escalada. As<br />

montanhas, para escalar ou esquiar,<br />

são as melhores recordações que tem<br />

da Suíça.<br />

Robert Louis Frank nasceu em Zurique,<br />

Suíça, em 1924, mas só aos 21<br />

anos é que <strong>se</strong> tornou cidadão suíço.<br />

A mãe era suíça, mas o pai era alemão,<br />

e quando, em 1939, os ju<strong>de</strong>us<br />

alemães per<strong>de</strong>ram o direito à nacionalida<strong>de</strong>,<br />

tanto Frank como os <strong>se</strong>us<br />

filhos <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ter Estado.<br />

Quando a guerra acabou e as fronteiras<br />

<strong>se</strong> abriram, Robert Frank partiu<br />

para ver mundo. Em Paris não arranjou<br />

trabalho e esperou pela oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> imigrar para os EUA. Quando,<br />

em 1947, chegou a Nova Iorque,<br />

no S.S. James Bennett Moore, não<br />

pensava ficar para o resto da vida.<br />

Quando <strong>se</strong> candidatou à bolsa da<br />

Fundação Guggenheim <strong>se</strong>te anos <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> chegar à América, escreveu<br />

– ou melhor, Walker Evans reescreveu<br />

– que o projecto <strong>se</strong>ria o olhar <strong>de</strong> um<br />

“americano naturalizado” sobre o <strong>se</strong>u<br />

novo país. Mas Robert Frank não <strong>se</strong><br />

tinha ainda naturalizado. Só em 1963<br />

con<strong>se</strong>guiu a cidadania americana e a<br />

resposta <strong>de</strong>le foi: “Ich bin ein Amerikaner”.<br />

O comentário parodiava o Presi<strong>de</strong>nte<br />

John F. Kennedy em Berlim<br />

Oci<strong>de</strong>ntal – “Ich bin ein Berliner” -,<br />

alguns me<strong>se</strong>s antes, não muito <strong>de</strong>pois<br />

do Muro ter sido erguido.<br />

Na candidatura à bolsa Guggenheim,<br />

é <strong>de</strong>scrito o que é que este<br />

“naturalizado” queria ver na América:<br />

“O tipo <strong>de</strong> civilização que nasce aqui<br />

e <strong>se</strong> espalha por outros lugares”.<br />

A América tornava-<strong>se</strong> o país mais<br />

importante do século XX, e <strong>de</strong>ixava<br />

<strong>de</strong> pertencer exclusivamente aos<br />

americanos. Éramos, em todas as línguas,<br />

americanos.<br />

Os americanos<br />

As pessoas que vieram para a “tour”<br />

do curador Jeff L. Ro<strong>se</strong>nheim pela exposição<br />

no Met, qua<strong>se</strong> não cabem na<br />

primeira sala.<br />

“Isto é um recor<strong>de</strong>”, comenta. “Vocês<br />

são pelo menos cinquenta.” Ro<strong>se</strong>nheim<br />

berra a sua introdução para<br />

<strong>se</strong> fazer ouvir: “Isto é mais um livro<br />

<strong>de</strong> poesia embora lhe chamem reportagem.”<br />

Está qua<strong>se</strong> encostado à pare<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> estão as impressões <strong>de</strong> trabalho<br />

que Robert Frank juntou <strong>de</strong><br />

propósito para esta exposição, para<br />

que os visitantes percebam o processo<br />

<strong>de</strong> reduzir 1000 impressões (esco-<br />

lhidas das mais <strong>de</strong> 27 mil fotografias<br />

que tirou ao longo <strong>de</strong> 10 mil milhas<br />

<strong>de</strong> viagem) para as 83 fotografias que<br />

<strong>se</strong> espalham, na exacta <strong>se</strong>quência do<br />

livro, pelas salas.<br />

“Inicialmente ele dividiu o livro em<br />

quatro capítulos”, continua Ro<strong>se</strong>nheim,<br />

apontando para a maquete<br />

inicial <strong>de</strong> “The Americans”, “mas <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong>cidiu que não queria criar es<strong>se</strong><br />

tipo <strong>de</strong> estrutura. É uma só coisa,<br />

um <strong>se</strong>ntimento.”<br />

Os cinquenta vão <strong>se</strong>guindo o curador<br />

como po<strong>de</strong>m pelas salas: “negros<br />

e brancos”; “pobres e ricos”; “urbano<br />

e rural” – aponta Ro<strong>se</strong>nheim.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, ao Ípsilon, Ro<strong>se</strong>nheim<br />

<strong>de</strong>screveu estes contrastes como “rachas”<br />

que começavam aparecer no<br />

dia-a-dia impecável da América. Só<br />

uma câmara fotográfica, sugeriu Ro<strong>se</strong>nheim,<br />

podia apanhar a subtileza<br />

com que a América <strong>se</strong> transformava.<br />

Robert Frank concordou, ao fim <strong>de</strong><br />

50 anos, com uma exposição inteiramente<br />

<strong>de</strong>dicada à série “The Americans”,<br />

mas Ro<strong>se</strong>nheim não sabe porquê.<br />

Até aqui, Frank nunca quis contribuir<br />

para estatudo icónico <strong>de</strong> “The<br />

Americans”.<br />

Quando o livro foi feito, há precisamente<br />

50 anos atrás, e precisamente<br />

como ele queria – simplesmente um<br />

conjunto <strong>de</strong> imagens –, o trabalho em<br />

“The Americans”, para ele, acabou.<br />

Frank <strong>se</strong>guiu viagem. Como dis<strong>se</strong><br />

num evento com a curadora Sarah<br />

Greenough quando a exposição inaugurou<br />

em Washington no início do<br />

ano, a “vida é muito mais interessante<br />

quando <strong>se</strong> move ou nós nos movemos.”<br />

A maior parte <strong>de</strong> nós continua a<br />

surpreen<strong>de</strong>r-<strong>se</strong> com as <strong>de</strong>scobertas<br />

<strong>de</strong> Frank. De volta a uma das primeiras<br />

salas da exposição, um homem<br />

pára junto das provas <strong>de</strong> contacto e<br />

comenta para a mulher: “Nós ainda<br />

temos o terceiro mundo aqui, o problema<br />

é que não <strong>se</strong> vê <strong>de</strong> Park Avenue.”<br />

Porque a América é, 50 anos <strong>de</strong>pois,<br />

tão dividida como em 59, ou<br />

simplesmente porque é <strong>de</strong>masiado<br />

vasta, a verda<strong>de</strong> é que os americanos<br />

nunca inteiramente conhecerão à<br />

América. E nunca po<strong>de</strong>rão respon<strong>de</strong>r<br />

à questão: quem são?<br />

Frank nunca tentou. As fotografias<br />

<strong>de</strong>le só levantam perguntas: quem é<br />

aquela mulher no elevador que Kerouac<br />

quis conhecer na sua introdução?<br />

Porque é que aquele homem passa<br />

o dia em pé na rua a distribuir folhetos<br />

religiosos?<br />

Por quem reza o negro que <strong>se</strong> ajoelha<br />

todo <strong>de</strong> branco no Mississipi?<br />

Mais do que uma história colectiva,<br />

“The Americans” conta a história <strong>de</strong><br />

cada um. Mesmo quando os americanos<br />

<strong>se</strong> <strong>se</strong>ntam lado a lado num balcão<br />

<strong>de</strong> um típico café americano, no meio<br />

da estrada ou no centro da cida<strong>de</strong>, as<br />

histórias não <strong>se</strong> cruzam.<br />

Como escreveu Kerouac sobre a<br />

fotografia do engraxador <strong>de</strong> sapatos<br />

e o <strong>se</strong>u cliente numa casa <strong>de</strong> banho<br />

pública, algumas <strong>de</strong>stas imagens são<br />

possivelmente as imagens “mais solitárias<br />

algumas vez feitas”.<br />

As fotografi as<br />

Podia-<strong>se</strong> dizer das fotografias <strong>de</strong> Robert<br />

Frank o que ele dis<strong>se</strong> sobre as<br />

fotografias do amigo suíço Gotthard<br />

Schuh numa carta que lhe enviou:<br />

“They are – Not words – ” Não são<br />

palavras.<br />

Michel Schweizer<br />

BLEIB opus #3<br />

Co-apre<strong>se</strong>ntação alkantara festival,<br />

21 e 22 Novembro 21h30<br />

12€ M/12<br />

www.teatromariamatos.pt<br />

Bilhetes à venda:<br />

Teatro Maria Matos 218 438 801<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

DEZ~O9<br />

festival Temps d’Images, Teatro Maria Matos<br />

3 DEZ<br />

PEDRO<br />

BARROSO<br />

4O ANOS<br />

DE MÚSICAS<br />

E PALAVRAS<br />

QUINTA ÀS 21H00<br />

SALA PRINCIPAL M/3<br />

teatro<br />

(Bordéus)<br />

menores<br />

30 anos<br />

5€<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 23<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT


PEDRO CUNHA<br />

David Claerbout<br />

quer mostrar imagens<br />

impossíveis <strong>de</strong> esquecer<br />

Alguém escureceu as principais salas<br />

do Mu<strong>se</strong>u do Chiado. Pelo chão arrastam-<strong>se</strong><br />

cabos e ferramentas e ao fundo<br />

dois técnicos põem a funcionar um<br />

projector. Não há qualquer azáfama<br />

ou pressa. Apenas o ritmo habitual<br />

da montagem <strong>de</strong> uma exposição. A<br />

luz – ou gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>la – vem das<br />

imagens e permite i<strong>de</strong>ntificar um vulto<br />

que as ob<strong>se</strong>rva <strong>de</strong>sinteressado. É<br />

David Claerbout, o responsável por<br />

esta transformação, o artista, que espera<br />

alguém.<br />

Quem viu no ano passado, no Centro<br />

<strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna da Fundação<br />

Calouste Gulbenkian, a colectiva “Ida<br />

e Volta: Ficção e Realida<strong>de</strong>”, com<br />

24 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Fotografi as que trazem a animação <strong>de</strong> volta. Filmes que são experiências <strong>se</strong>nsoriais. M<br />

A obra <strong>de</strong> David Claerbout en<strong>de</strong>reça, no Mu<strong>se</strong>u do Chiado, um convite gentil a<br />

obras <strong>de</strong> vários autores que trabalham<br />

com a imagem em movimento, lembrar-<strong>se</strong>-á<br />

provavelmente <strong>de</strong> “Sections<br />

of a Happy Moment”. Era, digamos<br />

assim, uma das propostas mais “acessíveis”:<br />

<strong>de</strong>screvia um momento <strong>de</strong><br />

lazer <strong>de</strong> uma família oriental a partir<br />

<strong>de</strong> múltiplas perspectivas. Um momento<br />

apanhado na sua tridimensionalida<strong>de</strong>.<br />

Situada nas zonas cinzentas da fotografia<br />

e do filme, a produção artística<br />

<strong>de</strong> David Claerbout (que já expôs<br />

no Centre Pompidou, em Paris, e no<br />

Mu<strong>se</strong>um Boijmans Van Beuningen,<br />

em Roterdão, entre outras instituições<br />

<strong>de</strong> arte) revela-<strong>se</strong>, <strong>de</strong> facto, num pri-<br />

meiro momento, “acessível”, isto é,<br />

familiar. Mas a impressão é traiçoeira.<br />

O que as suas imagens fazem é sobretudo<br />

<strong>de</strong>ter o espectador.<br />

Pintura, fotografi a, ví<strong>de</strong>o<br />

A exposição no Mu<strong>se</strong>u do Chiado –<br />

realizado no âmbito do Festival Temps<br />

d’Images – reúne vi<strong>de</strong>oprojecções e<br />

uma instalação e percorre vários momentos<br />

do percurso <strong>de</strong>ste artista flamengo<br />

que, curiosamente, começou<br />

por estudar pintura: “Faço parte <strong>de</strong><br />

uma das últimas gerações <strong>de</strong> artistas<br />

belgas vindas <strong>de</strong> um contexto muito<br />

con<strong>se</strong>rvador e dominado por uma<br />

forte tradição académica. Foi uma<br />

situação frustrante, passávamos a<br />

maior parte do tempo a <strong>de</strong><strong>se</strong>nhar nus,<br />

mas <strong>de</strong>u-me uma ba<strong>se</strong> saudável para<br />

a pesquisa e o confronto”.<br />

Claerbout chegou, inclusive, a formar-<strong>se</strong><br />

em litografia, mas rapidamente<br />

<strong>se</strong> apaixonou pela fotografia, embora<br />

na condição <strong>de</strong> um amador, <strong>de</strong><br />

um não especialista. “Quando comecei<br />

a trabalhar com o medium, limitava-me<br />

a recolher material para usar<br />

na pintura e no <strong>de</strong><strong>se</strong>nho. Não me interessa<br />

a fotografia em si mesma. Mais<br />

tar<strong>de</strong>, então, <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolvi um trabalho<br />

<strong>de</strong> autodidacta, entre o coleccionador<br />

<strong>de</strong> fotografia e o artista que trabalhava<br />

com a fotografia”.<br />

A mesma abordagem intuitiva <strong>se</strong>ria<br />

utilizada na composição e edição <strong>de</strong><br />

imagens em movimento enquanto<br />

para trás ficava o fazer artesanal herdado<br />

das disciplinas tradicionais.<br />

Com poucos conhecimentos técnicos,<br />

“mas com muitas i<strong>de</strong>ias e um interes<strong>se</strong><br />

apaixonado”, Claerbout abraçava<br />

<strong>de</strong>finitivamente os novos media (<strong>de</strong>ste<br />

período “iniciático” po<strong>de</strong>mos ver<br />

no mu<strong>se</strong>u “Kin<strong>de</strong>garten Antonio<br />

Sant’Elia 1932”, <strong>de</strong> 1998).<br />

A <strong>de</strong>cisão funcionou a <strong>se</strong>u favor:<br />

“Criei o meu próprio estúdio e adquiri<br />

um conhecimento mais profundo<br />

dos processos da imagem fotográfica<br />

e do filme, mas fi-lo <strong>de</strong> forma muito<br />

“Arena”,<br />

sucessão <strong>de</strong><br />

cenas <strong>de</strong> um<br />

instante <strong>de</strong><br />

um jogo <strong>de</strong><br />

basquetebol


. Momentos que explo<strong>de</strong>m em imagens diferentes.<br />

l aos nossos <strong>se</strong>ntidos. José Marmeleira<br />

pessoal”, nota. Acrescenta: “Talvez<br />

por isso tendo a pensar imagem como<br />

um <strong>de</strong><strong>se</strong>nho, uma arquitectura. Se<br />

não tiver autorida<strong>de</strong>, em termos <strong>de</strong><br />

composição, não sobrevive. Talvez<br />

haja uma influência do pictórico no<br />

meu conceito <strong>de</strong> composição”.<br />

Na verda<strong>de</strong>, a pintura não <strong>de</strong>sapareceu<br />

totalmente da obra <strong>de</strong> Claerbout.<br />

Basta reparar na pre<strong>se</strong>nça da<br />

paisagem, no uso da luz em “Riversi<strong>de</strong>”,<br />

<strong>de</strong> 2009, ou em “Vietnam, 1967,<br />

near Duc Pho (reconstruction after<br />

Hiromichi Mine)”, <strong>de</strong> 2001. “Forma,<br />

com certeza, parte <strong>de</strong> um triângulo<br />

na minha obra, ao lado da fotografia<br />

e do filme”, admite. “O meu trabalho<br />

tem, aliás, essas três dimensões: é<br />

pictórico, porque não tenho comigo<br />

a experiência da pintura e do <strong>de</strong><strong>se</strong>nho,<br />

é fotográfico e até certo ponto<br />

narrativo”.<br />

Homenagem ao mo<strong>de</strong>rnismo<br />

Tempo então para confrontar o artista<br />

com o cinema. Afinal, até on<strong>de</strong> vai<br />

a sua relação com o universo cinematográfico?<br />

“Sempre tive uma relação<br />

<strong>de</strong> ódio/amor”, lamenta, num tom<br />

lacónico. “Na minha opinião, a liberda<strong>de</strong><br />

artística no cinema tem diminuído<br />

e as formas convencionais <strong>de</strong> produção<br />

dão origem a cada vez menos<br />

obras <strong>de</strong> arte. Claro que continuam a<br />

existir gran<strong>de</strong>s autores, mas vivem<br />

sob a pressão do lucro e da distribuição”.<br />

Pedimos-lhe para citar um ou dois<br />

e aponta o nome do realizador iraniano<br />

Abbas Kiarostami. É, porém, sobre<br />

Robert Bresson, um cineasta já <strong>de</strong>saparecido,<br />

que prefere conversar:<br />

“Adoro o cinema <strong>de</strong>le. Mostra como<br />

a artificialida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ter um enorme<br />

po<strong>de</strong>r. De alguma forma ecoa no meu<br />

trabalho, pelo <strong>se</strong>u lado arcaico, a sua<br />

rigi<strong>de</strong>z e construção. Dou-me conta<br />

<strong>de</strong>ssas <strong>se</strong>melhanças, pela importância<br />

que dou à composição, à coreografia<br />

entre os lugares e as figuras humanas.<br />

É um cinema que parece hoje muito<br />

antiquado, mas tem uma força muito<br />

comovente”.<br />

No campo da fotografia, elege Jeff<br />

Wall e Steven Shore embora a sua fotografia<br />

procure outros motivos. A<br />

arquitectura mo<strong>de</strong>rnista, por exemplo,<br />

que vemos em “Bor<strong>de</strong>aux Piece”<br />

(2004) ou em “Shadow Piece“<br />

(2005).<br />

“A arquitectura no meu trabalho<br />

apareceu <strong>de</strong> forma natural, quando<br />

coleccionava fotografia”, esclarece.<br />

“O que <strong>de</strong> facto me interessa é a fotografia<br />

da arquitectura, a forma como<br />

novos ambientes e contextos são<br />

apre<strong>se</strong>ntados nas suas fa<strong>se</strong>s iniciais.<br />

“Quando faço um<br />

trabalho, tenho em<br />

conta a experiência<br />

do espectador na<br />

galeria ou no mu<strong>se</strong>u.<br />

Claro que certa obra<br />

po<strong>de</strong> passar<br />

<strong>de</strong>spercebida ou<br />

esquecida. Po<strong>de</strong> até<br />

excluir o espectador,<br />

mas <strong>se</strong> este <strong>se</strong> abrir<br />

à imagem po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scobrir o que<br />

encontramos nos<br />

filmes do Bresson:<br />

uma <strong>se</strong>nsação <strong>de</strong><br />

espaço, duração<br />

e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconexão,<br />

uma imagem que é<br />

impossível esquecer”<br />

Basicamente, a fotografia da arquitectura<br />

é um pouco como a fotografia do<br />

casamento. Quando as olhamos trinta<br />

anos <strong>de</strong>pois parecem menos atraentes,<br />

mas não menos tocantes”.<br />

Não escon<strong>de</strong> o fascínio pela posição<br />

“exemplar, qua<strong>se</strong> utópica” da figura<br />

humana diante dos edifícios e dos<br />

ambientes urbanos do mo<strong>de</strong>rnismo;<br />

pela relação da figura humana com o<br />

espaço e a vida. “Faço uma homenagem,<br />

uma homenagem com um comentário:<br />

quando uso fotografias<br />

antigas que repre<strong>se</strong>ntam o mo<strong>de</strong>rnismo,<br />

é porque este está velho, abandonado<br />

e esquecido. Já não é a situação<br />

dominante”.<br />

Imagens e luz<br />

É no âmbito <strong>de</strong>sta posição que po<strong>de</strong><br />

<strong>se</strong>r entendido o modo crítico como<br />

olha a produção <strong>de</strong> imagens na contemporaneida<strong>de</strong>.<br />

“Uma das coisas<br />

que me entristece quando colocamos<br />

uma câmara <strong>de</strong> filmar diante <strong>de</strong> uma<br />

paisagem, é que rapidamente transformamos<br />

esta numa coisa plana.<br />

Criamos uma memória fraca <strong>de</strong> uma<br />

imagem forte. Gosto <strong>de</strong> contrariar isso.<br />

Não que consi<strong>de</strong>re os meus ví<strong>de</strong>os<br />

Através<br />

da luz, do<br />

tempo, do<br />

som, da<br />

coreografi a, o<br />

belga<br />

proporciona<br />

experiências<br />

mais<br />

<strong>se</strong>nsoriais do<br />

que as <strong>de</strong> uma<br />

imagem plana<br />

Exposições<br />

esculturas, mas através da luz, do<br />

tempo, do som, da coreografia que<br />

acontece entre as figuras e os edifícios,<br />

procuro proporcionar experiências<br />

mais <strong>se</strong>nsoriais, concretas”.<br />

A fotografia é muitas vezes o meio<br />

para chegar a estas imagens, não só<br />

através dos conceitos e das i<strong>de</strong>ias,<br />

mas <strong>de</strong> um minucioso trabalho <strong>de</strong><br />

composição sobre o espaço. Por<br />

exemplo, “Arena”, sucessão <strong>de</strong> cenas<br />

<strong>de</strong> um instante <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> basquetebol:<br />

“Fiz 500 imagens diferentes <strong>de</strong><br />

um só momento, o que à partida parece<br />

impossível. Mas através <strong>de</strong> um<br />

longo e complexo processo <strong>de</strong> composição,<br />

criei um espaço tridimensional<br />

que a visão fotográfica não con<strong>se</strong>gue<br />

apreen<strong>de</strong>r. Um espaço que, como<br />

certos momentos importantes da nossa<br />

vida, não con<strong>se</strong>guimos <strong>de</strong>terminar,<br />

fixar. É es<strong>se</strong> espaço procuro ‘esculpir’”.<br />

E a manipulação vai mais longe<br />

quando sugere o movimento na fotografia<br />

e a suspensão do movimento<br />

no filme. “Tem a ver com a forma como<br />

olhamos para as coisas. Mas ao<br />

mesmo tempo”, sublinha, “também<br />

não é nada <strong>de</strong> original. Remete para<br />

um prática que pertence às origens<br />

do cinema não enquanto narrativa,<br />

mas enquanto animação. Traz a animação<br />

<strong>de</strong> volta”.<br />

Nestas <strong>de</strong>slocações entre a fotografia<br />

o filme, é provável que o espectador<br />

<strong>se</strong> <strong>de</strong>soriente. Ou que não <strong>se</strong> queira<br />

<strong>de</strong>ter. “Quando faço um trabalho,<br />

tenho <strong>se</strong>mpre em conta a experiência<br />

do espectador na galeria ou no mu<strong>se</strong>u.<br />

Claro que certa obra po<strong>de</strong> passar<br />

<strong>de</strong>spercebida ou esquecida. Po<strong>de</strong> até<br />

excluir o espectador, mas <strong>se</strong> este <strong>se</strong><br />

abrir à imagem po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir o que<br />

encontramos nos filmes do Bresson:<br />

uma <strong>se</strong>nsação <strong>de</strong> espaço, duração e<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconexão, uma imagem que é<br />

impossível esquecer”.<br />

A luz é fundamental para este encontro<br />

e torna-<strong>se</strong> mais pre<strong>se</strong>nte à medida<br />

que os vi<strong>de</strong>oprojectores vão iluminado<br />

a escuridão, <strong>de</strong>ixando entrever,<br />

através <strong>de</strong> uma porta<br />

envidraçada, ao fundo, uma imagem<br />

em movimento. É então que David<br />

Clarbou aproveita para comentar:<br />

“[Os vi<strong>de</strong>oprojectores] existem para<br />

mim a um nível existencial, repre<strong>se</strong>ntam<br />

o sol. Num espaço escuro, <strong>se</strong> existir<br />

um raio <strong>de</strong> luz é este que permite<br />

às pessoas moverem-<strong>se</strong>. Traz vida ao<br />

espaço como o sol. E em algumas<br />

obras <strong>de</strong>sta exposição es<strong>se</strong> é um fenómeno<br />

muito importante”.<br />

Ver crítica <strong>de</strong> exposições pags. 38 e <strong>se</strong>gs.<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

NOV~O9<br />

24, 25 E 26 NOV<br />

ESPECTÁCULOS<br />

SESSÕES COMPETITIVAS<br />

SESSÕES ESPECIAIS<br />

PERFORMANCES<br />

INSTALAÇÕES<br />

WORKSHOPS<br />

MASTERCLASSES<br />

SALA PRINCIPAL E JARDIM DE INVERNO<br />

TERÇA A QUINTA<br />

CO-PRODUÇÃO: SLTM / VOARTE<br />

M/6<br />

estreia internacional<br />

.MOVCOMPANHIA AiEP<br />

26 NOV ~ QUINTA FEIRA ÀS 21H00<br />

SALA PRINCIPAL<br />

INSHADOW<br />

1.º FESTIVAL INTERNACIONAL<br />

DE VÍDEO, PERFORMANCE<br />

E TECNOLOGIAS<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />

BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 25<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />

ORGANIZAÇÃO:<br />

© Domitilla Biondi


Exposições<br />

A vida como<br />

auto-caravana<br />

Brel, Pucci, Beatles, Florida. Eduarda Abbondanza foi ao MUDE com o Ípsilon.<br />

Recordou uma viagem ao passado, <strong>de</strong> carro com os pais, que veio dar ao futuro –<br />

<strong>de</strong> auto-caravana, rumo ao século XXI. Joana Amaral Cardoso<br />

26 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Uma viagem <strong>de</strong> mês e meio, quatro<br />

paí<strong>se</strong>s e uma viragem irreversível.<br />

Naqueles anos 1970, pertinho do 25<br />

<strong>de</strong> Abril, os pais <strong>de</strong> uma Eduarda Abbondanza<br />

menina levaram-na pela<br />

Europa <strong>de</strong> carro.<br />

Primeira paragem: Espanha. As fotos:<br />

“very typical”. Ela, enfastiada, <strong>de</strong><br />

meias até ao joelho, mocassins, saia<br />

xadrez e t-shirt.<br />

Já em Paris, algo muda. As fotos:<br />

ela, mais contente com a sua maxisaia<br />

a escon<strong>de</strong>r os mocassins, t-shirt,<br />

cida<strong>de</strong> das luzes pós-Maio 68.<br />

Salto para Londres. Foto: plataformas<br />

nos pés, maxi-saia, t-shirt.<br />

Ponto <strong>se</strong>m retorno: Amesterdão.<br />

Foto: Maxi-saia, plataformas, a in<strong>se</strong>parável<br />

t-shirt e um casaco longuíssi-<br />

mo, <strong>de</strong> pêlo, bordados, o multiculturalismo<br />

fruto das viagens dos Beatles<br />

ao Oriente às costas.<br />

Por tudo isto é que diz, numa paragem<br />

na exposição “É Proibido Proibir!”,<br />

no Mu<strong>se</strong>u do Design e da Moda<br />

(Mu<strong>de</strong>), em Lisboa: “Encontramos<br />

imensas coisas que nos são familiares”.<br />

Brel, numa gravação, pe<strong>de</strong>: “Ne<br />

me quitte pas”. Os anos 1960 e 70<br />

nunca a <strong>de</strong>ixaram. A viagem também<br />

não, a recolher discos para a irmã<br />

mais velha, a absorver a moda da época,<br />

a criar a sua i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> estilo, <strong>se</strong>mentes<br />

do que viria a <strong>se</strong>r a professora da<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong> Lisboa,<br />

a responsável pela Associação Moda-<br />

Lisboa, a criadora <strong>de</strong> moda. Hoje,<br />

apaixonada pelo <strong>de</strong>sign, vê-<strong>se</strong> numa<br />

“As Palavras e as Coisas” <strong>de</strong> Michel Foucault, o meio é a mensagem <strong>de</strong> Marshall McLuhan...<br />

livros pendurados à entrada <strong>de</strong> uma exposição<br />

exposição com parte do acervo da<br />

colecção Francisco Capelo em que<br />

estão muitos dos referentes das duas<br />

décadas que passa em revista.<br />

Foi uma coisa <strong>de</strong> rua<br />

Olhando para um vestido Pucci <strong>de</strong>ntro<br />

da casinhota <strong>de</strong> on<strong>de</strong> brada Brel,<br />

Abbondanza atesta que aquela “foi<br />

uma época tão rica ao nível das experiências<br />

e das <strong>de</strong>scobertas que hoje<br />

ainda estamos a viver a <strong>se</strong>quência<br />

<strong>de</strong>ssa explosão”.<br />

A revolução foi isto: os Beatles à<br />

porta, gigantescos, apoiados em relva<br />

artificial. Os putos, a turba “freak”,<br />

que vê aquela ervinha <strong>de</strong> plástico,<br />

aquela árvore <strong>de</strong> Natal rasteira e a<br />

aproveita logo para <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntar, para<br />

tomar um bocadinho da Rua Augusta<br />

como sua. Lá <strong>de</strong>ntro, o sofá “Joe”,<br />

qual luva gigantesca com cinco <strong>de</strong>dos<br />

para nos abraçar. A roupa <strong>de</strong> Zandra<br />

Rho<strong>de</strong>s, a criadora da moda <strong>de</strong> rua<br />

que <strong>se</strong> tornou alimento do movimento<br />

das boutiques na Londres “sixties”<br />

da marca/boutique Biba, lado a lado<br />

com a “mini-kitchen” <strong>de</strong> Joe Colombo<br />

ou com as peças Verner Panton.<br />

Foi uma coisa <strong>de</strong> rua, mas também<br />

“a revolução das casas”, recorda Abbondanza<br />

ao construir a narrativa<br />

<strong>de</strong>sta viagem por uma exposição. Enfatiza<br />

“a versatilida<strong>de</strong>, o lado do ‘play<br />

the game’. Há <strong>se</strong>mpre um lado lúdico<br />

nas coisas. As ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> piscina que<br />

po<strong>de</strong>m ou não sê-lo, que quando <strong>se</strong><br />

fecham po<strong>de</strong>m <strong>se</strong>r uma caixa <strong>de</strong> pó


ENRIC VIVES-RUBIO<br />

T-shirts <strong>de</strong> Vivienne Westwood<br />

com Malcom McLaren<br />

ENRIC VIVES-RUBIO<br />

“Do ponto <strong>de</strong> vista<br />

criativo há [hoje]<br />

muito o revisitar<br />

e o repescar, no<br />

entanto vivemos<br />

numa época muito<br />

mais controlada,<br />

muito mais sujeita<br />

à crítica [que os anos<br />

60 e 70]. Voltámos<br />

a <strong>se</strong>r reféns <strong>de</strong> nós<br />

próprios. A autocensura<br />

é um reflexo<br />

da censura exterior”<br />

Eduarda<br />

Abbondanza,<br />

professora na<br />

Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Arquitectura<br />

<strong>de</strong> Lisboa<br />

Professora há á<br />

18 anos, s,<br />

Abbondanza a<br />

pediu este ano o<br />

para dar aulas s<br />

ao 1º ano <strong>de</strong> e<br />

<strong>de</strong>sign <strong>de</strong> e<br />

moda da a<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> e<br />

Arquitecura. a.<br />

Para perceber r<br />

as novas s<br />

gerações s<br />

ENRIC VIVES-RUBIO<br />

<strong>de</strong> arroz. Os as<strong>se</strong>ntos são baixos, tudo<br />

baixou ao nível do chão porque permitia<br />

um posicionamento relaxado e<br />

displicente”.<br />

A filosofia do momento não é “no<br />

alarms and no surpri<strong>se</strong>s” como nos<br />

Radiohead neurasténicos do século<br />

XX/XXI. Tocam os guizos, há novida<strong>de</strong>s.<br />

É nu<strong>de</strong>z, é liberda<strong>de</strong>, é música,<br />

é o psica<strong>de</strong>lismo para o povo, com a<br />

roupa a mudar. Mas já sabemos isto.<br />

Sabemos da conferência <strong>de</strong> imprensa<br />

pós-casamento <strong>de</strong> Yoko Ono e John<br />

Lennon, na cama, do efeito pop <strong>de</strong><br />

tantas peças <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> equipamento.<br />

Tudo isto terminou no fim dos<br />

anos 1970 com a cri<strong>se</strong> do petróleo e<br />

com os que esmagaram os “hippies”<br />

– os “yuppies”.<br />

E tudo isto forma um paradoxo:<br />

uma produção contracultural, um<br />

chuto na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo, que<br />

criou mais objectos <strong>de</strong> consumo que<br />

agora são peças <strong>de</strong> mu<strong>se</strong>u.<br />

O dinheiro<br />

Estas são “As Palavras e as Coisas” <strong>de</strong><br />

Michel Foucault, o meio é a mensagem<br />

<strong>de</strong> Marshall McLuhan, livros pendurados<br />

à entrada <strong>de</strong> uma exposição que<br />

grita – às vezes tão alto que não <strong>se</strong> <strong>ouve</strong>m<br />

as vozes dos objectos. E agora,<br />

mundo? E agora, gerações? E agora,<br />

Abbondanza? Naquelas duas décadas<br />

“É Proibido Proibir!”, constata Abbondanza.<br />

“Só que não estamos nessa<br />

época. Estamos numa época em que<br />

é proibido mesmo”. Questiona-<strong>se</strong><br />

quando quer pôr no Facebook alguns<br />

ví<strong>de</strong>os que a fascinam dos 60s e 70s<br />

– há nu<strong>de</strong>z, há drogas, há pérolas.<br />

“Agora é proibido mesmo”, suspira.<br />

“Do ponto <strong>de</strong> vista criativo há muito<br />

o revisitar e o repescar, no entanto<br />

vivemos numa época muito mais controlada,<br />

muito mais sujeita à crítica.<br />

Voltámos a <strong>se</strong>r reféns <strong>de</strong> nós próprios.<br />

A auto-censura é um reflexo da censura<br />

exterior”. No passado, a antimoda<br />

era um <strong>de</strong>scanso. “Não havia<br />

uma apreciação bom/mau, a moda<br />

não significava mais nada a não <strong>se</strong>r o<br />

que o grupo achava, era feita para os<br />

pares”. A alta-costura até ia beber à<br />

rua para não <strong>se</strong> tornar irrelevante.<br />

Mas hoje, com tantos espartilhos,<br />

com uma cri<strong>se</strong> na socieda<strong>de</strong> do sobreconsumo,<br />

com apelos constantes<br />

– Al Gore, ei-lo novamente a dizer que<br />

a responsabilida<strong>de</strong> é nossa, “Salvem<br />

o Planeta” – não estamos também<br />

agora a convidar ao fim ou ao início<br />

<strong>de</strong> algo? Edu Eduarda estaca. Sim, há que<br />

mudar. As coisas c estão em curso. Mas<br />

não é bem um “Está tudo a acontecer”<br />

cer” inebr inebriado das digressões dos<br />

Jefferson Airplane A ou dos Grateful<br />

Dead. Há ssinais:<br />

o luxo só é possível<br />

graças aos mmercados<br />

emergentes; os<br />

consumidores consumido ou absorvem incons-<br />

cientemente as peças <strong>de</strong> usar e <strong>de</strong>itar<br />

fora ou<br />

optam por produtos <strong>de</strong><br />

edição ediç limitada – “o futuro da<br />

Europa, E a produção diferenciada”<br />

–, sustentáveis;<br />

é preciso “salvar as pessoas”<br />

do tempo que falta,<br />

do trabalho sub-humano. Estuga o<br />

passo, rumo ao can<strong>de</strong>eiro Moloch <strong>de</strong><br />

Gaetano Pesce, maravilha das proporções.<br />

Professora há 18 anos, pediu<br />

este ano para dar aulas ao 1º ano <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sign <strong>de</strong> moda da sua faculda<strong>de</strong>. Para<br />

perceber melhor estas gerações.<br />

“Que são europeus, são. Tanto po<strong>de</strong>m<br />

estar aqui como em Madrid ou em<br />

Londres. Mas não vejo nada que remeta<br />

muito para um movimento <strong>de</strong><br />

opinião. Seja <strong>de</strong> que tipo for. Não vejo<br />

ingredientes <strong>de</strong> um colectivo que<br />

pensa uma causa. Encontro pessoas<br />

motivadas pelas questões ecológicas<br />

– talvez <strong>se</strong>ja a mais recorrente. E há<br />

uma gran<strong>de</strong> preocupação do ponto<br />

<strong>de</strong> vista do futuro, mas a nível económico,<br />

da prosperida<strong>de</strong>”.<br />

O dinheiro, es<strong>se</strong> valor que os “hippies”<br />

sonhavam <strong>se</strong>r dispensável, está<br />

associado aos movimentos colectivos<br />

mais significativos da era XXI. Mesmo<br />

os mais ver<strong>de</strong>s. Ao longe <strong>ouve</strong>m-<strong>se</strong><br />

agora os Doors, “Waiting for the sun”.<br />

Paralelamente a esta geração Europa<br />

<strong>de</strong> futuros criativos, há “o regresso ao<br />

campo mas numa versão mo<strong>de</strong>rna e<br />

não numa versão ‘hippie’. Há um lado<br />

‘network’, <strong>de</strong> permuta, na produção<br />

para a auto-suficiência. E o exce<strong>de</strong>ntário<br />

é vendido para criar riqueza. Há<br />

uma lógica racional, mo<strong>de</strong>rna, tecnológica,<br />

economicista, muito estrategicamente<br />

organizada”. Sofisticada,<br />

que procura “a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida que<br />

a socieda<strong>de</strong> actual retira. Que <strong>se</strong> chama<br />

tempo, que é o maior luxo <strong>de</strong> todos”,<br />

sorri Abbondanza.<br />

Dinheiro: “é incontornável: porque<br />

<strong>de</strong>termina as questões da educação,<br />

que <strong>de</strong>termina o sucesso e outra questão:<br />

a da saú<strong>de</strong> e dos cuidados antienvelhecimento<br />

que <strong>se</strong> colocam a<br />

quem vive hoje”. Tempo e dinheiro,<br />

tempo que é luxo, quanto tempo para<br />

criar sustentavelmente num mundo<br />

“em que tudo <strong>se</strong> tornou global,<br />

que é um enjoo horrível. Por isso é<br />

que o trabalho da Catarina Portas n’A<br />

Vida Portuguesa é válido”, exemplifica.<br />

Agora, em Sevilha, “tenho <strong>de</strong> ir<br />

a uma loja <strong>de</strong> ‘s<strong>ouve</strong>nirs’ para encontrar<br />

um leque”, exemplifica ainda,<br />

garantindo que Richard Florida é que<br />

é e que as indústrias criativas, com<br />

uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> mais do que nacional,<br />

regional, são a salvação da Europa.<br />

Abbondanza tem o fascínio das<br />

auto-caravanas. Não foi numa que fez<br />

a tal viagem <strong>de</strong> viragem com os pais,<br />

mas colecciona livros e livros sobre<br />

es<strong>se</strong> “símbolo da liberda<strong>de</strong> máxima”.<br />

É a pensar nelas que olha as t-shirts<br />

<strong>de</strong> Vivienne Westwood com Malcom<br />

McLaren a gritar “Destroy”. E recorda<br />

Katharine Hamnett e as suas t-shirts<br />

como um cartaz em vestuário, com<br />

fra<strong>se</strong>s ecológicas como “Save The Planet”.<br />

Então, as pessoas eram “statements<br />

daquilo em que acreditam”. O<br />

que dizem as t-shirts da década um<br />

do século XXI?<br />

Ver crítica <strong>de</strong> exposições págs. 41 e <strong>se</strong>gs.<br />

música<br />

Moritz<br />

von Oswald Trio<br />

Vertical ascent<br />

25 Novembro 22h00<br />

12€ M/6<br />

www.teatromariamatos.pt<br />

Bilhetes à venda:<br />

Teatro Maria Matos 218 438 801<br />

(Alemanha)<br />

menores<br />

30 anos<br />

5€<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 27


New<br />

York<br />

I Love<br />

You<br />

“Netherland”, romance sobre<br />

o submundo do críquete e dos<br />

imigrantes que o praticam em<br />

Nova Iorque, transformou-<strong>se</strong> em<br />

“best<strong>se</strong>ller”, venceu prémios, foi<br />

gabado por Obama. Jo<strong>se</strong>ph O’Neill só<br />

encontra uma explicação: “Veio no<br />

momento certo”. Hél<strong>de</strong>r Beja<br />

As pessoas ou franziam o sobrolho ou<br />

sorriam complacentes. Jo<strong>se</strong>ph O’Neill<br />

era um irlandês simpático a chegar<br />

aos 40, casado com a popularíssima<br />

editora da “Vogue” americana, Sally<br />

Singer, mas dizia-<strong>se</strong> escritor – publicara<br />

uns romances cómicos <strong>de</strong> que ninguém<br />

ouvira falar – e estava a preparar<br />

um novo livro há anos. Sobre quê? Ah,<br />

sobre o críquete, em Nova Iorque.<br />

“Enquanto escrevia o livro [levou<br />

<strong>se</strong>te anos] tinha consciência <strong>de</strong> que<br />

estava a trabalhar num pequeníssimo<br />

tópico, um mundo <strong>de</strong>sconhecido<br />

e indiferente à maioria das pessoas.<br />

Quando referia em conversa que o<br />

tema do meu romance era o críquete,<br />

as reacções não eram muito prometedoras”,<br />

diz-nos o autor <strong>de</strong> “Netherland<br />

– Terra <strong>de</strong> Sombras” (Bertrand)<br />

ao telefone <strong>de</strong> Nova Iorque,<br />

on<strong>de</strong> vive. “Eu procurava isso mesmo:<br />

um estado <strong>de</strong> confrontação entre<br />

o leitor americano, a sua perspectiva,<br />

e algo que lhe caís<strong>se</strong> nas<br />

28 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

mãos como um extra-terrestre.”<br />

O narrador e protagonista <strong>de</strong> “Netherland”<br />

é Hans, um analista financeiro<br />

holandês a viver na Big Apple<br />

com mulher e filho. E são precisas<br />

poucas páginas para que nós, que sabemos<br />

tanto <strong>de</strong> críquete como da atmosfera<br />

<strong>de</strong> Marte, percebamos as<br />

dúvidas do autor e dos que o escutavam,<br />

as vezes em que <strong>se</strong> imaginou<br />

“perdido ou, pelo menos, na direcção<br />

errada”. Há páginas inteiras que <strong>de</strong>screvem<br />

campos <strong>de</strong> críquete, tacadas,<br />

lançamentos, que chafurdam no jogo<br />

criado na Grã-Bretanha do século XVI<br />

e levado num qualquer porão para<br />

terras remotas como a Índia e o Paquistão,<br />

on<strong>de</strong> haveria <strong>de</strong> popularizar<strong>se</strong>.<br />

“H<strong>ouve</strong> um momento em que julguei<br />

que não ia con<strong>se</strong>guir finalizar o<br />

livro. Quando andamos <strong>de</strong>masiado<br />

tempo às voltas com uma história começamos<br />

a duvidar”, admite O’Neill.<br />

E esta história, que não é fácil, já o<br />

acompanhava antes <strong>de</strong> 2001.<br />

Livros<br />

DON EMMERT/ AFP<br />

O 12 <strong>de</strong> Setembro<br />

“Netherland” foi <strong>de</strong>scrito por alguma<br />

crítica como um livro sobre o 11 <strong>de</strong><br />

Setembro. É falso. Trata-<strong>se</strong>, quando<br />

muito, <strong>de</strong> um livro sobre o 12 <strong>de</strong> Setembro,<br />

o 13, o 14 e todos os dias <strong>de</strong>pois<br />

dos ataques às torres do World<br />

Tra<strong>de</strong> Center. “Os romancistas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />

das circunstâncias que os ro<strong>de</strong>iam<br />

e, naquele dia, as circunstâncias<br />

mudaram significativamente”,<br />

começa o escritor, que à época já vivia<br />

na cida<strong>de</strong> e, neste romance, usa o momento<br />

do ataque como catalisador da<br />

acção, qua<strong>se</strong> <strong>se</strong>m ter <strong>de</strong> nomeá-lo.<br />

“Rachel tinha os <strong>se</strong>us próprios medos,<br />

em particular a certeza inabalável <strong>de</strong><br />

que a Times Square (…) <strong>se</strong>ria o lugar<br />

do ataque <strong>se</strong>guinte” (pp. 27).<br />

Tal como Rachel, mulher <strong>de</strong> Hans,<br />

que é obrigada a <strong>de</strong>ixar o <strong>se</strong>u apartamento<br />

em Tribeca para viver no Chel<strong>se</strong>a<br />

Hotel, vomita “com o uivo fantástico<br />

<strong>de</strong> uma motorizada” e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> finalmente<br />

<strong>de</strong>ixar Nova Iorque com o<br />

filho, também<br />

O’Neill<br />

consi<strong>de</strong>rou essa possibilida<strong>de</strong><br />

em 2001: “Acho<br />

que toda a gente pensou <strong>se</strong> <strong>de</strong>via ou<br />

não abandonar a cida<strong>de</strong>. Muitos partiram.<br />

Nós <strong>de</strong>cidimos ficar e apren<strong>de</strong>mos<br />

a viver com esta nova situação.<br />

Quando olhamos para trás é bastante<br />

claro que os ataques foram um acto<br />

isolado, porque <strong>se</strong> não fos<strong>se</strong> assim<br />

teria sido fácil repeti-los e isso não<br />

aconteceu. Estávamos mais assustados<br />

do que <strong>de</strong>veríamos estar, o que<br />

na realida<strong>de</strong> era uma reacção a Bush,<br />

que tinha interes<strong>se</strong> em manter as pessoas<br />

aterrorizadas.”<br />

É essa “situação Bush” que O’Neill<br />

refere quando tenta justificar o sucesso<br />

do livro junto da crítica e dos leitores.<br />

“Acho que tive sorte, porque o<br />

livro saiu em 2008, quando os americanos<br />

estavam cansados da opressão<br />

da Administração Bush, da visão<br />

do mundo que tentavam impor-lhes.”<br />

E <strong>de</strong> repente<br />

surge este objecto-alien literário, on<strong>de</strong><br />

nada <strong>de</strong> estrondoso acontece ao<br />

longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 250 páginas carregadas<br />

<strong>de</strong> analep<strong>se</strong>s e prolep<strong>se</strong>s, não<br />

estamos à espera <strong>de</strong> um cataclismo,<br />

<strong>de</strong> armas <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição em massa, <strong>de</strong><br />

uma reviravolta inesperada. O’Neill<br />

concorda: “Acontecem algumas coisas.<br />

Alguém morre [bem no começo],<br />

as pessoas mudam-<strong>se</strong>, mas <strong>de</strong> facto<br />

este é um livro com poucos ‘twists’.<br />

Não é isso que me interessa.”<br />

O que aconteceu e as suas con<strong>se</strong>quências<br />

são, aqui, mais importantes<br />

que o que está para acontecer, pelo<br />

menos numa macro-escala que não<br />

contemple amores e amiza<strong>de</strong>s. Hans<br />

<strong>se</strong>nte o sufoco do passado recente e<br />

chega a comparar a situação dos no-


va-ior-<br />

O’Neill justifi<br />

ca o sucesso<br />

do livro pela<br />

“situação<br />

Bush” – por<br />

aquilo que<br />

em “Netherland”<br />

ecoa do<br />

cansaço dos<br />

americanos<br />

da Administração<br />

Bush<br />

conhecida con residência <strong>de</strong><br />

artistas art em Manhattan<br />

por on<strong>de</strong> passaram Janis<br />

quinos à<br />

Joplin, Jop Arthur C. Clarke,<br />

dos “ju<strong>de</strong>us da<br />

Bob Dylan. On<strong>de</strong> Dylan<br />

Europa nos anos 30 ou co-<br />

Tho Thomas foi encontrado<br />

mo os últimos cidadãos <strong>de</strong><br />

morto mor em 1953, on<strong>de</strong> Sid<br />

Pompeia” (pp. 31). O <strong>de</strong>svio<br />

Vicious Vici po<strong>de</strong>rá ter esfa-<br />

<strong>de</strong>ssa rota pré-apocalíptica<br />

queado quea e assassinado a sua<br />

aparece-lhe na figura amiga<br />

namorada, namo Nancy Spungen,<br />

<strong>de</strong> um optimista, Chuck Ra-<br />

em 197 1978.<br />

mkissoon, imigrante <strong>de</strong> Tri-<br />

Viver Vive no Chel<strong>se</strong>a Hotel<br />

nida<strong>de</strong> e Tobago, moral-<br />

“não fo foi uma escolha <strong>de</strong> estimente<br />

dúbio, cujo lema é<br />

lo <strong>de</strong> vvida”,<br />

mas uma neces-<br />

“pensar fantástico” fantástico” e que<br />

sida<strong>de</strong> sida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “alguém que chega<br />

tem o gran<strong>de</strong> sonho <strong>de</strong> trazer<br />

a Nova Iorque e não conhece<br />

o espectáculo do críquete para Nova ninguém, não tem crédito”. E há vá-<br />

Iorque – e, <strong>de</strong> caminho, aproveitar rias razões para que o hotel esteja no<br />

para enriquecer.<br />

livro: “Primeiro porque conheço bem<br />

Também Jo<strong>se</strong>ph O’Neill teve <strong>de</strong> re- o espaço, <strong>de</strong>pois porque havia qualfazer<br />

o <strong>se</strong>u modo <strong>de</strong> vida a 12 <strong>de</strong> Sequer coisa <strong>de</strong> interessante em ter a<br />

tembro. Mas continuou a <strong>se</strong>r o imi- personagem principal a viver num<br />

grante (viveu em Inglaterra, Moçam- hotel, que é <strong>se</strong>mpre uma espécie <strong>de</strong><br />

bique, Turquia, cresceu na Holanda) estado provisório <strong>de</strong> existência, <strong>de</strong><br />

que joga críquete, que mora com a pessoas que chegam e partem.”<br />

mulher e os filhos no Chel<strong>se</strong>a Hotel, São evi<strong>de</strong>ntes as <strong>se</strong>melhanças entre<br />

JASON REED/ REUTERS<br />

Jo<strong>se</strong>ph<br />

O’Neill, um<br />

irlandês em<br />

Nova Iorque,<br />

on<strong>de</strong> joga<br />

críquete e<br />

on<strong>de</strong> mora<br />

com a mulher<br />

e os filhos – no<br />

Chel<strong>se</strong>a Hotel<br />

“A América continua<br />

a <strong>se</strong>r a terra das<br />

oportunida<strong>de</strong>s. Para<br />

alguém que chega da<br />

Índia, do Bangla<strong>de</strong>sh,<br />

para essas pessoas os<br />

EUA são uma enorme<br />

oportunida<strong>de</strong>. Para<br />

os que nascem aqui,<br />

as coisas são<br />

diferentes. A<br />

imobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> clas<strong>se</strong><br />

é muito forte. Tem-<strong>se</strong><br />

um certo patamar<br />

económico e é muito<br />

difícil escapar-lhe”<br />

o percurso <strong>de</strong>ste autor <strong>de</strong> 45 anos e<br />

aquilo que encontramos em “Netherland”.<br />

“Uso muita da minha experiência<br />

pessoal neste livro”, admite o<br />

irlandês, para quem “a relação entre<br />

realida<strong>de</strong> e imaginação é indirecta”:<br />

“Acumulo pequenas situações e penso<br />

no que elas me sugerem, gosto <strong>de</strong><br />

<strong>se</strong>ntir que tudo o que imagino é real.<br />

E es<strong>se</strong> material que recolho vai ganhando<br />

forma e <strong>de</strong>finindo o meu trabalho,<br />

ditando aquilo que vem a <strong>se</strong>guir.”<br />

Por isso boa parte <strong>de</strong> “Netherland”<br />

é ficção pura. “Não conheço nenhum<br />

tipo <strong>de</strong> Trinida<strong>de</strong> [Chuck] que tenha<br />

o sonho <strong>de</strong> construir um gran<strong>de</strong> estádio<br />

<strong>de</strong> críquete em Nova Iorque,<br />

não faço <strong>se</strong>quer parte da comunida<strong>de</strong><br />

imigrante. Por outro lado, no Chel<strong>se</strong>a<br />

Hotel h<strong>ouve</strong> mesmo um homem que<br />

usava asas <strong>de</strong> anjo [outra das personagens<br />

do livro]. Não inventei isso,<br />

teria <strong>de</strong> estar mais confiante nas minhas<br />

capacida<strong>de</strong>s do que realmente<br />

estou para criar uma personagem<br />

<strong>de</strong>ssas e con<strong>se</strong>guir dar-lhe alguma<br />

verosimilhança.”<br />

LISA ACKERMAN<br />

Fitzgerald e Obama<br />

Seria paradoxal que O’Neill cuspis<strong>se</strong><br />

na sopa e consi<strong>de</strong>ras<strong>se</strong> que o tacho<br />

<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s dos EUA está <strong>de</strong>masiado<br />

rapado para aqueles que<br />

chegam <strong>de</strong> fora – afinal, o que está<br />

acontecer-lhe prova o contrário. Num<br />

ápice, a crítica comparou “Netherland”<br />

a “O Gran<strong>de</strong> Gatsby”, <strong>de</strong> F. Scott<br />

Fitzgerald – “Que hei-<strong>de</strong> dizer... Sintome<br />

lisonjeado mas tento não pensar<br />

nisso”; a “New York Magazine” proclamou-o<br />

“Rei <strong>de</strong> Nova Iorque”; o <strong>se</strong>u<br />

romance apareceu na “long-list” <strong>de</strong><br />

candidatos ao Booker e venceu o prémio<br />

Pen/Faulkner; o Presi<strong>de</strong>nte Barack<br />

Obama falava do livro e <strong>de</strong> como<br />

lhe agradara lê-lo.<br />

SÃO<br />

LUIZ<br />

NOV~O9<br />

—<br />

28 E 29 NOV<br />

O’Neill: “A América continua a <strong>se</strong>r<br />

a terra das oportunida<strong>de</strong>s. Para alguém<br />

que chega da Índia, do Bangla<strong>de</strong>sh,<br />

para essas pessoas os EUA são<br />

uma enorme oportunida<strong>de</strong>. Para os<br />

que nascem aqui, as coisas são diferentes.<br />

A imobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> clas<strong>se</strong> é muito<br />

forte. Tem-<strong>se</strong> um certo patamar<br />

económico e é muito difícil escaparlhe”.<br />

Nova Iorque, a cida<strong>de</strong> que elege<br />

como a melhor para viver e à qual<br />

<strong>de</strong>dica muitas das páginas <strong>de</strong> “Netherland”,<br />

é ainda mais especial, “não é<br />

tipicamente americana”. Quem qui<strong>se</strong>r<br />

viver uma existência estranha po<strong>de</strong><br />

partir para Nova Iorque, porque<br />

“não há praticamente nada que não<br />

<strong>se</strong> possa fazer nesta cida<strong>de</strong>”. Se alguma<br />

coisa acontece a um imigrante que<br />

chegou há dois dias, ele é imediatamente<br />

tratado como um nova-iorquino,<br />

garante, para acrescentar: “Se eu<br />

<strong>de</strong>cidir partir para Lisboa <strong>se</strong>rei um<br />

imigrante toda a minha vida.”<br />

Talvez esteja certo, mas aqui fala<br />

do que não conhece. Porque apesar<br />

<strong>de</strong> Lisboa aparecer referida no romance<br />

como lugar <strong>de</strong> “partidas para<br />

o oceano e belas e terríveis aventuras<br />

extra-europeias” (pp.184), O’Neill<br />

nunca esteve na capital portuguesa.<br />

“Não são inocentes as referências a<br />

Portugal, a Inglaterra e à Holanda,<br />

três dos primeiros paí<strong>se</strong>s a alcançar<br />

a América”, atira, para justificar um<br />

certo ajuste <strong>de</strong> contas pós-colonial.<br />

Sobre Obama, <strong>de</strong> quem é admirador,<br />

e a menção que este fez ao <strong>se</strong>u<br />

livro, tem pouco a acrescentar. “Ele<br />

não dis<strong>se</strong> exactamente aquilo que os<br />

media propagaram [que “Netherland”<br />

era o melhor livro que lera em 2008].<br />

Mas obviamente que es<strong>se</strong> episódio<br />

tem tanto <strong>de</strong> estranho como <strong>de</strong> notável.”<br />

Ver crítica págs. 50 e <strong>se</strong>gs.<br />

LISBOA<br />

MISTURA<br />

2009<br />

—<br />

SÁBADO<br />

ONE LOVE FAMILY<br />

MU<br />

LULA PENA E TIGRALA<br />

CIGANOS D’OURO<br />

DHOAD GYPSIES<br />

FROM RAJASTHAN<br />

BATIDA<br />

DJ MPULA<br />

—<br />

IDEIA E ORGANIZAÇÃO<br />

ASSOCIAÇÃO SONS DA LUSOFONIA<br />

CO-PRODUÇÃO SLTM<br />

M/3<br />

— DOMINGO<br />

BARCO N M/12<br />

ANDRÉ CABAÇO<br />

CARMEN SOUZA<br />

LIS-NAVE / KOTA COOL<br />

AFROBEAT ORKESTRA<br />

DJ JOHNNY<br />

—<br />

ORGANIZAÇÃO<br />

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />

RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />

GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640<br />

— LUSO-TROPICÁLIA<br />

LANÇAMENTO LIVRO<br />

OPA<br />

OFICINA PORTÁTIL DE ARTES<br />

—<br />

PROGRAMA COMPLETO EM<br />

WWW.SONSDALUSOFONIA.COM<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />

PARCEIROS MEDIA APOIOS OPA FINANCIAMENTO APOIO OPA<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 29


Teatro<br />

Musical à portugu<br />

Esta <strong>se</strong>mana Filipe La Féria estreia<br />

no Politeama, em Lisboa, “A Gaiola<br />

das Loucas”, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter estado em<br />

cartaz no Porto. Criação francesa tornada<br />

sucesso na Broadway, <strong>de</strong>staca<strong>se</strong><br />

pela aci<strong>de</strong>z social e ruptura do<br />

politicamente correcto – um casal<br />

homos<strong>se</strong>xual vê-<strong>se</strong> confrontado com<br />

o con<strong>se</strong>rvadorismo dos futuros compadres<br />

na véspera do casamento dos<br />

<strong>se</strong>us filhos.<br />

O encenador con<strong>se</strong>guiu autorização<br />

dos autores para adaptar o texto<br />

à realida<strong>de</strong> nacional, transformando<br />

o espectáculo numa homenagem aos<br />

“happenings” <strong>de</strong> travestismo do final<br />

dos anos 70 em Portugal.<br />

30 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Na <strong>se</strong>mana em que <strong>se</strong> estreia “A Gaiola das Loucas”, <strong>de</strong> Filipe La Féria, encenadores, a<br />

musical em Portugal. “Musical” em P<br />

“Este espectáculo fala <strong>de</strong> minorias”<br />

e o musical tem “preocupações sociais”,<br />

diz-nos La Féria. Já tinha sido<br />

assim com “West Si<strong>de</strong> Story”, passado<br />

numa Nova Iorque feita <strong>de</strong> confrontos<br />

entre latinos e brancos, e com<br />

“Um Violino no Telhado”, sobre o<br />

exílio dos ju<strong>de</strong>us no início do século<br />

da Rússia para a América, exemplos<br />

recentes da máquina <strong>de</strong> produção<br />

que <strong>se</strong> tornou uma referência <strong>de</strong> cada<br />

vez que <strong>se</strong> fala <strong>de</strong> musicais em<br />

Portugal.<br />

Mas este fim <strong>de</strong> <strong>se</strong>mana cruza também<br />

a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olharmos<br />

para o musical em Portugal como algo<br />

mais vasto do que a espectacula-<br />

Qualquer conversa<br />

sobre o género<br />

musical em Portugal<br />

enfrenta conceitos<br />

<strong>de</strong>terminantes:<br />

tradição, mercado,<br />

formação e público<br />

rida<strong>de</strong> visual. No Trinda<strong>de</strong>, em Lisboa,<br />

termina a carreira <strong>de</strong> “A Máquina<br />

<strong>de</strong> Somar”, <strong>de</strong> Joshua Schmidt e<br />

Jason Loewith, encenado por Fernanda<br />

Lapa. É uma “amoralida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>screve<br />

a encenadora, sobre o conflito<br />

entre o homem e a máquina, ao jeito<br />

expressionista. Foi um sucesso surpresa<br />

na Broadway, em 2008, pelas<br />

suas características irónicas e o jogo<br />

que fazia com o género musical.<br />

Outro exemplo, e diferente: “Rapazes<br />

Nus a Cantar”, encenado por Henrique<br />

Feist, regressa para mais um<br />

mês <strong>de</strong> apre<strong>se</strong>ntações no Casino do<br />

Estoril. Explícito no título, não o é menos<br />

na <strong>de</strong>smontagem do género.<br />

São três exemplos diferentes, mas<br />

com tradição anglo-saxónica, em particular<br />

norte-americana, que <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>ntam<br />

em Portugal num ano que<br />

começou com o prolongamento, por<br />

mais dois me<strong>se</strong>s, <strong>de</strong> “Cabaret”, <strong>de</strong><br />

Diogo Infante, continuou com “Os<br />

Produtores”, <strong>de</strong> Mel Brooks, que percorreu<br />

o país entre Abril e Junho, e<br />

viu o Teatro Praga enveredar pelo<br />

mesmo caminho, em “Demo”, em<br />

Julho.<br />

Antes do ano acabar, João Garcia<br />

Miguel atira-<strong>se</strong> a Pessoa para fazer um<br />

misto <strong>de</strong> musical e cabaré com “O<br />

banqueiro anarquista” e, em Janeiro,<br />

é a vez <strong>de</strong> Bruno Bravo com “Maria<br />

Mata-mos”, inspirado na revista, ambos<br />

no Maria Matos.<br />

Tradição americana<br />

É nesta confluência <strong>de</strong> interpretações<br />

que resi<strong>de</strong> a riqueza do musical. Mas<br />

qualquer conversa sobre o género em<br />

La Féria diz<br />

que o gosto e o<br />

interes<strong>se</strong> do<br />

público não é<br />

algo que <strong>se</strong><br />

consiga “<strong>de</strong><br />

um<br />

espectáculo<br />

para outro”.<br />

Compara o <strong>se</strong>u<br />

trabalho ao <strong>de</strong><br />

“um<br />

trapezista,<br />

<strong>se</strong>m re<strong>de</strong>”


uesa: o que é isso?<br />

, actores, produtores e dramaturgos fazem ao Ípsilon uma radiografi a do estado do<br />

Portugal? Tiago Bartolomeu Costa<br />

Portugal enfrenta conceitos <strong>de</strong>terminantes:<br />

tradição, mercado, formação<br />

e público. São as razões pelas quais<br />

<strong>se</strong> torna difícil perceber <strong>se</strong> o que <strong>se</strong><br />

vai apre<strong>se</strong>ntando <strong>se</strong> in<strong>se</strong>re numa corrente<br />

ou prolonga apenas um fenómeno<br />

efémero.<br />

“A tradição musical é americana”,<br />

diz o Henrique Feist, actor em “A Máquina<br />

<strong>de</strong> Somar” e “Cabaret”. “O musical<br />

é uma tradição que vem do vau<strong>de</strong>ville<br />

e da opereta europeias e que<br />

a América transformou a partir das<br />

revistas do Ziegfield que passaram a<br />

ter uma história e uma narrativa”. A<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “mega-musical” surge com<br />

“a chegada <strong>de</strong> Andrew Lloyd Webber<br />

à Broadway”, com “Cats”, on<strong>de</strong> <strong>se</strong><br />

alia “a espectacularida<strong>de</strong> do cenário”<br />

com “o facto <strong>de</strong> <strong>se</strong>r cantado do princípio<br />

ao fim”.<br />

“Os musicais são objectos complexos<br />

porque implicam uma concepção<br />

global mais completa”, resume Feist,<br />

que estudou teatro musical em Londres.<br />

“A Máquina <strong>de</strong> Somar” é disso<br />

exemplo, porque inflecte a tendência<br />

“da sobreposição dos efeitos cénicos<br />

à interpretação” – aliás, o musical é,<br />

para Feist, “a essência do actor”.<br />

Para Fernanda Lapa “A Máquina<br />

<strong>de</strong> Somar” foi uma experiência <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um género que “não<br />

faz” o <strong>se</strong>u género. “Não sou fã <strong>de</strong> musicais”,<br />

confessa. A proposta veio <strong>de</strong><br />

Cucha Carvalheiro, directora artística<br />

do Teatro da Trinda<strong>de</strong>, e a peça esteve<br />

um mês em cartaz. Quando falámos<br />

com Lapa, contou-nos que a<br />

sala esteve cheia na estreia. “Mas não<br />

voltou a encher”. O convite tinha sido<br />

“um <strong>de</strong>safio”. “Não conhecia um musical<br />

tão negro que <strong>se</strong> levas<strong>se</strong> tão pouco<br />

a sério”. Não conta repetir a experiência<br />

– “para já”.<br />

Quem repete a experiência uma e<br />

outra vez é Filipe La Féria, responsável<br />

pelo Politeama, em Lisboa, e concessionário<br />

do Rivoli, no Porto. Des<strong>de</strong><br />

1992 (“Maldita Cocaína”) que tem<br />

procurado apre<strong>se</strong>ntar “os gran<strong>de</strong>s<br />

clássicos” que, com excepção do fenómeno<br />

“Amália” e <strong>de</strong> “A Canção <strong>de</strong><br />

Lisboa”, têm sido todos <strong>de</strong> tradição<br />

americana. “Música no Coração”,<br />

“Jesus Cristo Superstar”, “My Fair<br />

Lady”, “West Si<strong>de</strong> Story” e “Um Violino<br />

no Telhado” pautam-<strong>se</strong> pela noção<br />

que tem <strong>de</strong> “que o público tem<br />

direito a ver estes espectáculos em<br />

gran<strong>de</strong>s produções feitas em português”.<br />

“Estamos abertos a tudo”, diz-nos<br />

Feist. “O musical tem várias vertentes.<br />

Há vários caminhos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o<br />

opção <strong>de</strong> ba<strong>se</strong> esteja certa”.<br />

Se é certo que o género <strong>se</strong> permite<br />

às mais diferentes leituras, é verda<strong>de</strong><br />

que facilita a sua imediata i<strong>de</strong>ntificação.<br />

Pedro Penim, do Teatro Praga,<br />

diz que a opção pelo musical para a<br />

concepção <strong>de</strong> “Demo” <strong>se</strong> pren<strong>de</strong>u<br />

com “a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> materialização <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ias em textos que não fos<strong>se</strong>m apenas<br />

diálogos e que, pelo contexto,<br />

falas<strong>se</strong>m por si. A nossa intenção<br />

nunca foi <strong>de</strong>smontar o musical numa<br />

atitu<strong>de</strong> pós-dramática que apareces<strong>se</strong><br />

para justificar um discurso teórico<br />

e referencial. Qui<strong>se</strong>mos tornar dizível<br />

algo que já existia no nosso percurso<br />

e passar do papel à cena”.<br />

Luís Madureira, que esteve no elenco<br />

<strong>de</strong> “A Máquina <strong>de</strong> Somar” e <strong>de</strong><br />

“Demo”, conta que a singularida<strong>de</strong><br />

maior <strong>de</strong>ste espectáculo era <strong>se</strong>r feito<br />

“por pessoas que, além do interes<strong>se</strong><br />

pelo formato do musical, têm qualida<strong>de</strong>s<br />

naturais e sabem ouvir”.<br />

Ameaça tripla<br />

E é aqui que a ausência <strong>de</strong> mercado<br />

toca no problema da formação. Ao<br />

passo que em Londres, como nos explica<br />

Henrique Feist, “há um mercado<br />

que prepara as pessoas tanto para<br />

o West End como para a Broadway”,<br />

em Portugal isso não existe. Chamam<strong>se</strong><br />

a este actores “ameaça tripla”.<br />

Porque “são capazes <strong>de</strong> cantar, dançar<br />

e interpretar”.<br />

“Cá não há um sistema”, lamenta.<br />

É um problema <strong>de</strong> verbas e <strong>de</strong> formação.<br />

Para Luís Madureira o que existe<br />

em Portugal são “algumas produções<br />

<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> constituídas por<br />

elencos pensados para po<strong>de</strong>rem<br />

apren<strong>de</strong>r em dois me<strong>se</strong>s como fazer<br />

o que há para fazer. As pessoas tentam<br />

adaptar a sua formação às necessida<strong>de</strong>s<br />

e às circunstâncias que lhes<br />

são apre<strong>se</strong>ntadas”, sublinha.<br />

Tendo dirigido o Estúdio <strong>de</strong> Ópera<br />

da Casa da Música, no primeiro ano<br />

da sua existência (criado com a Porto<br />

2001 e extinto no final <strong>de</strong> 2006), Madureira<br />

prepara-<strong>se</strong>, agora, para iniciar<br />

as activida<strong>de</strong>s do Estúdio <strong>de</strong> Ópera<br />

e Teatro Musical da Escola Superior<br />

<strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Lisboa, que tem<br />

“como objectivo continuar a formação<br />

em exercício <strong>de</strong> alunos da escola<br />

ou jovens profissionais. É es<strong>se</strong>ncial<br />

O actor Henrique<br />

Feist recorda que,<br />

“apesar <strong>de</strong> haver bons<br />

técnicos em<br />

Portugal”, para o<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>nho <strong>de</strong> som <strong>de</strong><br />

“Cabaret” “os técnicos<br />

do Maria Matos<br />

foram a Londres<br />

apren<strong>de</strong>r como <strong>se</strong><br />

fazia”. La Féria diz<br />

que com os anos <strong>se</strong><br />

tem <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> “ir a<br />

Espanha contratar”.<br />

Há, contudo, um<br />

caminho a fazer<br />

“A Gaiola das<br />

Loucas” chega<br />

agora ao<br />

Politeama;<br />

“Rapazes Nus<br />

a Cantar”<br />

prolonga a<br />

carreira no<br />

Casino do<br />

Estoril;<br />

“Cabaret”, que<br />

levou os<br />

técnicos <strong>de</strong><br />

som do Maria<br />

Matos a<br />

Londres para<br />

apren<strong>de</strong>rem<br />

como <strong>se</strong> fazia<br />

que o ensino paralelo da ópera e do<br />

teatro musical <strong>se</strong>ja complementar. A<br />

capacida<strong>de</strong> dos intérpretes portugue<strong>se</strong>s<br />

é extraordinária”, sublinha, “mas<br />

a prática <strong>de</strong> formação tem que <strong>se</strong>r<br />

maior que o simples período <strong>de</strong> preparação<br />

<strong>de</strong> um espectáculo”.<br />

Disso <strong>se</strong> queixa Vera San Payo Lemos,<br />

dramaturgista, que para “Sweeney<br />

Todd”, remontado no Outono<br />

<strong>de</strong> 2007 <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois da estreia,<br />

recorda que o Teatro Aberto teve que<br />

ir “à procura <strong>de</strong> cantores <strong>de</strong> ópera<br />

que soubes<strong>se</strong>m interpretar a música<br />

do Sondheim”.<br />

“Não po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r cantado por actores<br />

<strong>de</strong>vido à sua dificulda<strong>de</strong> técnica, que<br />

<strong>se</strong> aproxima mais da ópera. O maior<br />

<strong>de</strong>safio foi pôr os actores a cantar e<br />

os cantores a repre<strong>se</strong>ntar”.<br />

Luís Madureira não gosta da diferença.<br />

“Canção e teatro <strong>se</strong>mpre h<strong>ouve</strong>.<br />

Há que ensiná-los simultaneamente.”<br />

Em Portugal, recorda, “uma das<br />

primeiras experiências” do género<br />

foi “Sauda<strong>de</strong>s-(um hetero-cabaretero-satírico)”,<br />

por Ricardo Pais, na<br />

Casa da Comédia, 1978.<br />

“O intérprete <strong>de</strong> ópera preocupa-<strong>se</strong><br />

com as mesmas coisas que um intérprete<br />

<strong>de</strong> musical. A formação po<strong>de</strong>rá<br />

<strong>se</strong>r comum, à qual <strong>se</strong> <strong>de</strong>ve <strong>se</strong>guir uma<br />

especialização <strong>de</strong> repertório”, explica.<br />

“As pessoas resolvem as suas falhas<br />

na prática. Em Portugal faz-<strong>se</strong><br />

menos bem feito e <strong>se</strong> o mecanismo<br />

<strong>de</strong> produção falha e a aprendizagem<br />

não existe, as pessoas <strong>se</strong>rão <strong>se</strong>mpre<br />

surpreendidas pela sua falta”, sublinha.<br />

Elsa Valentim dirige a ACT, esco-<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 31


Filipe La Féria<br />

tem<br />

apre<strong>se</strong>ntado<br />

em português<br />

os “clássicos”,<br />

que neste caso<br />

são “Música<br />

no Coração”,<br />

“Jesus Cristo<br />

Superstar”,<br />

“My Fair<br />

Lady”, “West<br />

Si<strong>de</strong> Story” ou<br />

“Um Violino<br />

no Telhado”<br />

Esta “bebe<strong>de</strong>ira louca<br />

para <strong>se</strong> fazer<br />

musicais”, como<br />

caracteriza Henrique<br />

Feist, tem contra si a<br />

ausência <strong>de</strong> um<br />

sistema. Henrique<br />

fala <strong>de</strong> condições <strong>de</strong><br />

trabalho mas<br />

também <strong>de</strong> exigência<br />

ténica<br />

la para actores que tem, no <strong>se</strong>u<br />

currículo, 24 horas anuais em regime<br />

opcional <strong>de</strong>dicadas ao music-hall. A<br />

também actriz diz que entrar num<br />

musical é, para um actor, “o concretizar<br />

do sonho <strong>de</strong> fazer gran<strong>de</strong>s performances”.<br />

Confessa: “Está no nosso<br />

imaginário, é isso que os alunos<br />

procuram”. As aulas são dadas por<br />

Marco <strong>de</strong> Camillis, ensaiador <strong>de</strong> programas<br />

<strong>de</strong> TV, mas a palavra mais<br />

utilizada pela directora da escola é<br />

“galvanizante”.<br />

Esta “bebe<strong>de</strong>ira louca para <strong>se</strong> fazer<br />

musicais”, como caracteriza Henrique<br />

Feist, tem contra si a ausência <strong>de</strong> um<br />

sistema. Henrique fala <strong>de</strong> condições<br />

<strong>de</strong> trabalho mas também <strong>de</strong> exigência<br />

ténica. Recorda que, “apesar <strong>de</strong> haver<br />

bons técnicos em Portugal” para o<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>nho <strong>de</strong> som <strong>de</strong> “Cabaret” “os técnicos<br />

do Maria Matos foram a Londres<br />

apren<strong>de</strong>r como <strong>se</strong> fazia”. La Féria diz<br />

que com os anos <strong>se</strong> tem <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong><br />

“ir a Espanha contratar”. Há, contudo,<br />

um caminho a fazer porque há<br />

quem aposte numa simplificação.<br />

Sandra Faria, produtora na UAU,<br />

responsável pela apre<strong>se</strong>ntação em<br />

Portugal <strong>de</strong> “Chicago”, “Cats” e “Miss<br />

Saigon” e pela criação original <strong>de</strong><br />

“Sexta Feira 13”, a partir <strong>de</strong> músicas<br />

dos Xutos e Pontapés, diz que há musicais<br />

que “<strong>de</strong>fraudam as expectativas<br />

do público porque apostam em produções<br />

<strong>de</strong> baixo custo”, on<strong>de</strong> o cenário<br />

ou a orquestra são substituídos<br />

por ví<strong>de</strong>os e música gravada. São<br />

muitos os exemplos que percorrem<br />

diversas cida<strong>de</strong>s europeias. É aqui<br />

que o mercado, a formação e a tradição<br />

encontram um ponto <strong>de</strong> interrogação<br />

e <strong>de</strong> contrabalanço: o gosto do<br />

público.<br />

Trapezistas sobre o público<br />

Que público? E que musicais?<br />

La Féria diz que o gosto e o interes<strong>se</strong><br />

do público não é algo que <strong>se</strong> consiga<br />

“<strong>de</strong> um espectáculo para outro”.<br />

Compara o <strong>se</strong>u trabalho ao <strong>de</strong> “um<br />

trapezista, <strong>se</strong>m re<strong>de</strong>”. Responsabilida<strong>de</strong><br />

total nessa educação prefere<br />

não assumir. Apesar <strong>de</strong> <strong>se</strong> orgulhar<br />

pelo facto <strong>de</strong> haver “público que vai<br />

ao Politeama hoje que começou a ver<br />

espectáculos musicais infanto-juvenis<br />

ali”.<br />

Se La Féria menciona “os autocarros<br />

<strong>de</strong> todo o país que chegam ao<br />

teatros Politeama e Rivoli, <strong>de</strong> todas<br />

as condições sociais”, já Sandra Faria<br />

é mais cautelosa. Há <strong>de</strong>z anos a aposta<br />

em apre<strong>se</strong>ntar durante um mês<br />

“Chicago” foi “um fracasso”.<br />

“Foram vários factores. Havia a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que quem queria ver musicais<br />

podia ir a Londres. E o dólar estava<br />

caro, o que aumentou os custos<br />

<strong>de</strong> produção em mais vinte por cento”.<br />

Des<strong>de</strong> então a estratégia da UAU<br />

passa por continuar a trazer o que <strong>se</strong><br />

32 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

chama “espectáculos <strong>de</strong> primeira linha”,<br />

ou <strong>se</strong>ja, “tal como são apre<strong>se</strong>ntados<br />

na Broadway ou no West End<br />

em vez <strong>de</strong> <strong>se</strong>rem as versões <strong>de</strong> tournée,<br />

mas por menos tempo”. E a bilheteira<br />

“começou a reagir”. Dos 50<br />

mil espectadores <strong>de</strong> “Chicago” (o Coli<strong>se</strong>u<br />

leva cerca <strong>de</strong> 4 mil por <strong>se</strong>ssão),<br />

<strong>se</strong>guiram-<strong>se</strong> as 6 <strong>se</strong>manas <strong>de</strong> “Cats”<br />

visto por 120 mil espectadores em<br />

2004, as 3 <strong>se</strong>manas <strong>de</strong> “Miss Saigon”<br />

para 65 mil espectadores em 2006.<br />

“Em <strong>de</strong>z anos o público em Portugal<br />

mudou muito. E o <strong>de</strong> Lisboa ainda<br />

mais”, diz-nos, revelando que a<br />

estratégia da UAU passa pela<br />

apre<strong>se</strong>ntação <strong>de</strong>stes espectáculos<br />

em Lisboa e no<br />

Porto, “por questões <strong>de</strong><br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho<br />

com o público”. “O<br />

nosso público é diferente,<br />

é mais urbano”,<br />

refere. Uma i<strong>de</strong>ia que<br />

po<strong>de</strong> explicar outro<br />

exemplo recente. Os dados<br />

fornecidos pelo Teatro<br />

Maria Matos, em Lisboa, dão<br />

conta <strong>de</strong> que “Cabaret”, encenado<br />

por Diogo Infante<br />

e que esteve em cena<br />

<strong>se</strong>is me<strong>se</strong>s, entre Setembro<br />

2008 e Fevereiro<br />

<strong>de</strong>ste ano, teve<br />

40.128 espectadores<br />

divididos por 111 espectáculos,correspon<strong>de</strong>ndo<br />

a uma ocupação <strong>de</strong><br />

sala <strong>de</strong> 87 por cento.<br />

Assumindo que a UAU “vive<br />

do público” e que a quota <strong>de</strong><br />

mercado para os musicais “ainda está<br />

longe <strong>de</strong> estar completa”, Sandra Faria<br />

consi<strong>de</strong>ra que “há muito público<br />

para musicais” e “há vários mo<strong>de</strong>los<br />

interessantes que po<strong>de</strong>m <strong>se</strong>r explorados”.<br />

“Rapazes nus a cantar” <strong>se</strong>rá<br />

um <strong>de</strong>les. “Sucesso relativo” <strong>de</strong> público,<br />

mas “ainda <strong>se</strong>m números concretos”.<br />

A ausência <strong>de</strong> investimento na formação,<br />

tanto dos intérpretes como<br />

dos técnicos, na conceptualização e<br />

diversida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> massa crítica e a capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> distinguir entre o que<br />

respon<strong>de</strong> ao primado do teatro musical<br />

e o que alimenta uma máquina<br />

fugaz concorrem contra uma pressão<br />

que <strong>se</strong> diz existir por parte do<br />

público.<br />

Po<strong>de</strong>-<strong>se</strong> falar <strong>de</strong> musicais em Portugal?<br />

Po<strong>de</strong>. À portuguesa.<br />

Para Luís<br />

Madureira há<br />

que ensinar<br />

teatro e canção<br />

em simultâneo<br />

Vera San Payo<br />

Lemos,<br />

dramaturgista,<br />

para “Sweeney<br />

Todd” teve que<br />

ir “à procura <strong>de</strong><br />

cantores <strong>de</strong><br />

ópera que<br />

soubes<strong>se</strong>m<br />

interpretar a<br />

música do<br />

Sondheim”<br />

Um mergulho no Theaterland londrino. O que <strong>se</strong> escon<strong>de</strong> atrás d<br />

Musicais. A i<strong>de</strong>ia faz arrepiar<br />

os preconceitos e salivar os<br />

entusiasmos. Abre-<strong>se</strong> o guia<br />

<strong>de</strong> Londres como um menu <strong>de</strong><br />

restaurante e escolhe-<strong>se</strong> até<br />

empanturrar. Mas as <strong>de</strong>zenas<br />

<strong>de</strong> espectáculos são apenas a<br />

face visível <strong>de</strong> uma máquina<br />

que move milhões <strong>de</strong> libras e<br />

<strong>de</strong> profi ssionais. Por trás da<br />

espectacularida<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>-<strong>se</strong><br />

um exercício calculista que<br />

não perdoa falhanços e on<strong>de</strong> a<br />

máxima <strong>de</strong> que “o espectáculo<br />

<strong>de</strong>ve continuar” é substituída pela<br />

evi<strong>de</strong>nte “só po<strong>de</strong> continuar”.<br />

Dados que revelem custos<br />

<strong>de</strong> produção, o equilíbrio<br />

entre receitas e investimento,<br />

a percentagem <strong>de</strong>stinada ao<br />

“marketing” e a cobertura<br />

dos prejuízos ninguém dá. As<br />

respostas dos gabinetes <strong>de</strong><br />

relações públicas concentram-<strong>se</strong><br />

nos números <strong>de</strong> público (5 mil<br />

lugares vendidos na manhã após<br />

a estreia <strong>de</strong> “Les Misérables” a 8<br />

<strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1985), nas horas<br />

<strong>de</strong> trabalho (34 mil para fazer<br />

coor<strong>de</strong>nar os movimentos dos<br />

actores com as marionetas <strong>de</strong> “The<br />

Lion King”), no tempo consumido<br />

para encontrar o elenco perfeito<br />

(três anos para encontrar os<br />

protagonistas <strong>de</strong> “Billy Elliot”), na<br />

imensidão <strong>de</strong> a<strong>de</strong>reços e fi gurinos<br />

(514 fi gurinos, 55 perucas, 150<br />

pares <strong>de</strong> sapatos, 130 máscaras<br />

<strong>de</strong> caracterização, 1 quilo <strong>de</strong><br />

purpurinas gastas por mês –<br />

“Priscilla, Queen of the De<strong>se</strong>rt), ou<br />

no impacto dos espectáculos (“All<br />

that jazz”, o número <strong>de</strong> abertura<br />

<strong>de</strong> “Chicago”, já foi interpretado<br />

325 mil vezes em nove línguas<br />

diferentes, com orquestras<br />

sinfónicas, em programas <strong>de</strong> TV<br />

ou em coreografi as no gelo feitas<br />

por atletas olímpicos).<br />

Tudo isto obe<strong>de</strong>ce a uma<br />

máquina que<br />

<strong>se</strong>rve dois amos: s:<br />

a rentabilida<strong>de</strong><br />

fi nanceira e o<br />

interes<strong>se</strong> do<br />

Diz-me do<br />

que gostas, stas,<br />

dir-te-ei ei<br />

que musical usical<br />

vais ver r<br />

São muitas<br />

as propostas s<br />

oferecidas por<br />

Londres. Um m<br />

mapa por tributos, ributos,<br />

remontagens, ns,<br />

clássicos, infantis nfantis e<br />

adaptações <strong>de</strong> fi lmes<br />

po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r <strong>de</strong><strong>se</strong>nhado <strong>se</strong>nhado<br />

com estas propostas. ropostas.<br />

Chicago Chic<br />

Encenado Enc Encena ena por Walter Robbie.<br />

Letras <strong>de</strong> d Fred Ebb. Música <strong>de</strong> John<br />

Kan<strong>de</strong>r. Kan Kan<strong>de</strong> <strong>de</strong> Libreto Fred Ebb e Bob<br />

Fos<strong>se</strong>. Fos Fos<strong>se</strong>. <strong>se</strong>. Coreografi a original <strong>de</strong> Bob<br />

Fos<strong>se</strong> Fos Fos<strong>se</strong> <strong>se</strong><br />

Estreia: Estrei 18 Novembro 1997;<br />

Cambr Cambridge Theatre<br />

O “Daily “Da Telegraph”<br />

escreveu escr que “Chicago”<br />

era “entretenimento<br />

“<br />

perigosamente per<br />

<strong>se</strong>dutor”<br />

e a palavra-chave<br />

para par este musical é<br />

me mesmo essa: “<strong>se</strong>dução”.<br />

Sim Simples na sua dimensão<br />

cenográfi ca, c efi caz nos números,<br />

imediato nna<br />

relação com o<br />

espectado<br />

espectador, reduz ao es<strong>se</strong>ncial<br />

a teatralização teatraliza <strong>de</strong> uma história<br />

<strong>de</strong> crime e<br />

“chico-espertismo”.<br />

Sem Sem efeitos efeito <strong>de</strong> luz, cenográfi cos<br />

ou ilusórios, ilusório usa a dança, a voz,<br />

a interpretação interpret e a música como<br />

L


Londres: this is a Musical!<br />

s <strong>de</strong> um musical é um <strong>se</strong>m-fi m <strong>de</strong> lógicas que com o fi m proporcionar “a experiência completa”. Mas há mais num musical para lá <strong>de</strong> um fi nal espectacular.<br />

elementos catalisadores da<br />

acção – ao invés <strong>de</strong> fi car, como<br />

o fi lme, preso a “rodriguinhos”<br />

estilísticos.<br />

Mamma Mia!<br />

Encenado por Phyllida Lloyd. Músicas <strong>de</strong><br />

Benny An<strong>de</strong>rsson e Bjorn Ulvaeus. Libreto<br />

Catherine Johnson<br />

Estreia: 6 Abril 1999, The Prince of Wales<br />

Theatre<br />

Festa <strong>de</strong>lirante e ritual<br />

iniciático, a acção que <strong>de</strong>corre<br />

no palco <strong>de</strong>pressa <strong>se</strong> traduz em<br />

energia contagiante na sala.<br />

Conceptualmente simplista,<br />

preocupa-<strong>se</strong> pouco com o rigor<br />

da narrativa, o equilíbrio entre<br />

o registo musical e teatral ou<br />

o modo como as canções dos<br />

Abba po<strong>de</strong>m <strong>se</strong>r estímulos da<br />

acção em vez <strong>de</strong> “sing-a-longs”<br />

reducionistas. Mas já ninguém<br />

vai pela história.<br />

The Phantom of the Opera<br />

A partir da obra <strong>de</strong> Gaston Leroux. Música<br />

<strong>de</strong> Andrew Lloyd Webber. Letras <strong>de</strong><br />

Charles Hart. Encenação Harold Prince<br />

Estreia: 9 Outubro 1986, Her Majesty’s<br />

Theatre<br />

Pequena obra-prima da óperarock<br />

<strong>de</strong> Andrew Lloyd Weber,<br />

joga no terreno do teatro-noteatro<br />

e tornou-<strong>se</strong> um símbolo<br />

da efi cácia dos musicais do<br />

compositor inglês. É, a par <strong>de</strong><br />

“Les Mi<strong>se</strong>rables”, um objecto<br />

<strong>de</strong> outro tempo, quando a<br />

espectacularida<strong>de</strong> <strong>se</strong>rvia<br />

Cameron Mackintosh, o<br />

responsável pela produção <strong>de</strong><br />

qua<strong>se</strong> todos os principais<br />

momentos da história recente<br />

do teatro musical: foi pela mão<br />

<strong>de</strong>le que Andrew Lloyd Webber<br />

criou “The Phantom of the<br />

Opera” (na foto), “Cats” ou “Miss<br />

Saigon”<br />

público, variáveis relacionadas<br />

mas não previsíveis. No ano<br />

passado, o impacto dos musicais<br />

na economia londrina ascendia<br />

a 470 milhões <strong>de</strong> libras, <strong>se</strong>gundo<br />

o “Evening Standard” e, um ano<br />

antes, a contabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bilhetes<br />

vendidos chegou aos 13 milhões.<br />

O que não invalida que muitos<br />

teatros fechem portas pouco<br />

<strong>de</strong>pois da estreia.<br />

uma dramaturgia consistente.<br />

Pedra-<strong>de</strong>-toque da história da<br />

reinvenção dos musicais anglosaxónicos,<br />

resiste pelo modo<br />

como solidamente estrutura<br />

uma narrativa simbolista,<br />

fundamentando-a através <strong>de</strong><br />

personagens que são mais<br />

ricas do que os mo<strong>de</strong>los que<br />

repre<strong>se</strong>ntam. O momento da<br />

queda do can<strong>de</strong>labro é ainda<br />

motivo <strong>de</strong> susto e espanto, tal<br />

como há 23 anos.<br />

Versões <strong>de</strong> fi lmes<br />

O sucesso não está garantido.<br />

Benny An<strong>de</strong>rsson e Bjorn Ulvaeus,<br />

o duo dos Abba responsável<br />

por “Mamma Mia!”, fez, em 1986,<br />

uma tentativa prévia no musical<br />

mas, após oito <strong>se</strong>manas, “Chess”<br />

foi cancelado na Broadway,<br />

Nova Iorque. Não foi sufi ciente a<br />

promoção com concertos por toda<br />

a Europa com vozes como Elaine<br />

Page, nem que o libreto tives<strong>se</strong><br />

sido escrito por Tim Rice (um dos<br />

autores <strong>de</strong> “The Lion King”), ou<br />

que a encenação fos<strong>se</strong> <strong>de</strong> Trevor<br />

Nunn, que também fez “Les<br />

Misérables”, substituindo Michael<br />

Bennet, o encenador <strong>de</strong> “Chorus<br />

Line”. Escreve-<strong>se</strong> no programa<br />

<strong>de</strong> “Mamma Mia!” que a crítica<br />

esteve <strong>se</strong>mpre dividida e que<br />

classifi cou o espectáculo como um<br />

“trabalho em construção”. Apesar<br />

<strong>de</strong> tudo, em Londres aguentou-<strong>se</strong><br />

três anos. Pouco para os padrões<br />

tradicionais.<br />

Às vezes a ambição po<strong>de</strong> correr<br />

contra a própria i<strong>de</strong>ia. Se um<br />

musical <strong>de</strong> “O Senhor dos Anéis”<br />

po<strong>de</strong> parecer i<strong>de</strong>ia estranha,<br />

não o foi para a equipa que,<br />

tendo-o produzido em Toronto,<br />

quis apre<strong>se</strong>ntá-lo no West End<br />

londrino. Mais <strong>de</strong> 50 actores e<br />

qua<strong>se</strong> doze milhões <strong>de</strong> libras<br />

tornaram este num dos mais caros<br />

The Lion King<br />

Encenado por Julie Taymor. Música <strong>de</strong> Tim<br />

Rice e Elton John. Libreto Roger Allers e<br />

Irene Mecchi<br />

Estreia: 19 Outubro 1999, Lyceum Theatre<br />

A história do pequeno Simba<br />

que <strong>de</strong>scobre, a duras expensas,<br />

o que <strong>se</strong> pe<strong>de</strong> do rei dos<br />

animais não tem em palco a<br />

inventivida<strong>de</strong> dramatúrgica do<br />

fi lme, ainda que a estrutura –<br />

usando as músicas <strong>de</strong> Tim Rice<br />

e Elton John – <strong>se</strong>ja a mesma.<br />

espectáculos já produzidos na<br />

cida<strong>de</strong> ou, como dis<strong>se</strong> a imprensa<br />

na época, “em qualquer sítio fora<br />

<strong>de</strong> Las Vegas”. Estreado a 19 <strong>de</strong><br />

Junho <strong>de</strong> 2007, reduzia a trilogia<br />

<strong>de</strong> Tolkien a três horas e meia e<br />

não <strong>se</strong> aguentou mais <strong>de</strong> um mês.<br />

Os números do prejuízo ninguém<br />

revela mas tornou-<strong>se</strong> num mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong> ambição que fez abrandar a<br />

febre das adaptações <strong>de</strong> fi lmes.<br />

Mas abertas as listas <strong>de</strong><br />

espectáculos, são ainda mais<br />

as adaptações <strong>de</strong> fi lmes do<br />

que as criações originais. Sem<br />

sair do Theatreland londrino é<br />

possível assistir a versões <strong>de</strong><br />

“Do Cabaré para o Convento”,<br />

“Os Con<strong>de</strong>nados <strong>de</strong> Shawshank”,<br />

“Hairspray”, “Legalmente Loura”,<br />

“As Raparigas do Calendário”,<br />

“Dirty Dancing”, “Billy Elliot”,<br />

“Grea<strong>se</strong>” ou “Priscilla, Rainha do<br />

De<strong>se</strong>rto”. Mas o ano passado uma<br />

versão <strong>de</strong> “Rain Man” afundou<strong>se</strong><br />

poucas <strong>se</strong>manas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

estrear. Na mesma altura, uma<br />

super-produção <strong>de</strong> “E tudo o Vento<br />

Levou” (4,75 milhões <strong>de</strong> libras),<br />

encenada por Trevor Nunn (“Les<br />

Misérables”... e “Chess”) e com<br />

cenários <strong>de</strong> John Napier (“Jesus<br />

Christ Superstar”) estreou a 22 <strong>de</strong><br />

Abril e encerrou a 14 Junho. Foi o<br />

quarto musical feito a partir <strong>de</strong> um<br />

livro que, no mesmo período, saiu<br />

<strong>de</strong> cena antes <strong>de</strong> tempo. Depois <strong>de</strong><br />

“O Senhor dos Anéis”, <strong>se</strong>guiram<strong>se</strong><br />

“Wil<strong>de</strong>”, a partir da vida <strong>de</strong><br />

Oscar Wil<strong>de</strong>, em cartaz apenas<br />

um dia, e “Por <strong>de</strong>trás da máscara<br />

<strong>de</strong> ferro”, a <strong>se</strong>quela <strong>de</strong> “Os Três<br />

Mosqueteiros”, que ainda fez três<br />

apre<strong>se</strong>ntações.<br />

A isto juntam-<strong>se</strong> os<br />

espectáculos-tributo aos Abba<br />

(“Mamma Mia!”), aos Queen (“We<br />

will rock you”) e a Michael Jackson<br />

(“Thriller – Live”), os dois últimos<br />

metaforizadas histórias sobre<br />

os percursos musicais da banda,<br />

o primeiro conhecido pesopesado,<br />

entretanto tornado fi lme.<br />

E, claro, as remontagens, como<br />

“Chicago”, “Hairspray”, “A Gaiola<br />

Dirigido por Julie Taymor,<br />

a realizadora <strong>de</strong> “Frida”, é<br />

simplista na coreografi a,<br />

explorando o excesso <strong>de</strong> zelo<br />

na conceptualização dos<br />

cenários e fi gurinos (todos<br />

os actores fazem <strong>de</strong> animais,<br />

antropormofi zando complexas<br />

marionetas e estruturas<br />

animadas), esvaziando-<strong>se</strong><br />

enquanto espectáculo completo.<br />

Les Mi<strong>se</strong>rables<br />

A partir <strong>de</strong> “Os Mi<strong>se</strong>ráveis”, <strong>de</strong> Victor<br />

Hugo. Libreto <strong>de</strong> Alain Boubil e Clau<strong>de</strong>-<br />

Michel Schonberg. Música <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong>-<br />

Michel Schonberg. Letras <strong>de</strong> Herbert<br />

Kretzmer. Encenação e adaptação <strong>de</strong><br />

Trevor Nunn e John Card<br />

Estreia: 8 Outubro 1985, Queen’s Theatre<br />

Clássico dos clássicos, não há<br />

quem não conheça as canções<br />

“Bring me home”, “I dreamed a<br />

dream”, “One day more” ou “Do<br />

you hear the people sing?”.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 33


das Loucas” ou “Breakfast at<br />

Tiff any’s”.<br />

“O West End teve <strong>se</strong>mpre uma<br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> peças, musicais e<br />

outras formas <strong>de</strong> entretenimento.<br />

Mas tornou-<strong>se</strong> mais difícil<br />

produzir uma peça do que um<br />

musical por causa da televisão,<br />

que começou a prejudicar a<br />

formação <strong>de</strong> actores <strong>de</strong> teatro”, diz<br />

Nica Burns, directora executiva do<br />

Nymax Theatre ao qual pertencem<br />

o Apollo (on<strong>de</strong> está “Wicked”)<br />

e o Lyric (on<strong>de</strong> está “Thriller –<br />

Live”), citada pelo “Standard”.<br />

A “culpa” não <strong>se</strong>rá só da TV,<br />

<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-<strong>se</strong>, mas a pressão do<br />

impacto mediático tem obrigado<br />

os teatros a recorrer a lógicas<br />

<strong>de</strong> rentabilida<strong>de</strong> mais efi cazes e<br />

imediatas.<br />

Se os custos <strong>de</strong> produção não<br />

são revelados ofi cialmente, são<br />

evi<strong>de</strong>ntes nos espectáculos. “Les<br />

Misérables” passou do Palace<br />

Theatre, com capacida<strong>de</strong> para<br />

1400 espectadores, para o Queen’s<br />

Theatre, umas portas abaixo,<br />

com menos 400 lugares e uma<br />

largura <strong>de</strong> palco menor, o que<br />

levou a um corte na orquestra,<br />

incapaz <strong>de</strong> fazer caber no poço<br />

um “en<strong>se</strong>mble” que no original<br />

ascendia a mais <strong>de</strong> 50 músicos.<br />

Hoje, a maior parte da música<br />

está gravada e a encenação teve<br />

que <strong>se</strong>r apertada para um palco<br />

on<strong>de</strong> os hidráulicos não garantem,<br />

dizem os actores, a superiorida<strong>de</strong><br />

e o impacto que a produção<br />

original tinha.<br />

A máquina como ela é<br />

São mais <strong>de</strong> 60 os teatros em<br />

Londres com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

apre<strong>se</strong>ntar musicais, mas a sua<br />

organização difere dos mo<strong>de</strong>los<br />

da Europa Continental. Pertencem<br />

a grupos, que po<strong>de</strong>m acolher<br />

outros espectáculos que não os<br />

produzidos por si, e têm directores<br />

diferentes cuja responsabilida<strong>de</strong><br />

<strong>se</strong> limita à gerência como <strong>se</strong><br />

fos<strong>se</strong> uma empresa, obe<strong>de</strong>cendo<br />

a diferentes sindicatos, lógicas<br />

<strong>de</strong> manutenção e regras cujo<br />

principal objectivo é cobrir as<br />

<strong>de</strong>spesas.<br />

Há tabelas para os intérpretes<br />

que são cumpridas à risca, e à<br />

hora: um actor po<strong>de</strong> ter vários<br />

papéis em várias fa<strong>se</strong>s, e os<br />

contratos são pensados para <strong>se</strong>is<br />

me<strong>se</strong>s, período ao fi m do qual <strong>se</strong><br />

Perfeito na sua construção<br />

musical e equilibrado na gestão<br />

dos tempos cénicos, sustenta<strong>se</strong><br />

num trabalho complexo<br />

e elegante: os diferentes<br />

elementos organizam-<strong>se</strong> para<br />

um espectáculo que prima pelo<br />

rigor que não é disfarçavel pelos<br />

efeitos visuais. Permanece<br />

um exemplo <strong>de</strong> verticalida<strong>de</strong><br />

teatral, movendo emoções <strong>se</strong>m<br />

<strong>se</strong>r <strong>se</strong>ntimentalista.<br />

Priscilla, Queen of the De<strong>se</strong>rt<br />

Encenado por Simon Phillips. Libreto <strong>de</strong><br />

Stephan Elliot e Allan Scott<br />

Estreia: 23 Março 2009, Palace Theatre<br />

34 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

proce<strong>de</strong> a renovação; um actor<br />

que pertença a um “en<strong>se</strong>mble”<br />

(normalmente capaz <strong>de</strong> fazer<br />

vários papéis) ganha, ao fi m do<br />

mês, 2500 libras, num somatório<br />

<strong>de</strong> diferentes funções – <strong>se</strong> for<br />

chamado a fazer mais do que<br />

um papel na mesma noite, vê<br />

acrescentada essa diferença<br />

salarial (não <strong>se</strong> incluem aqui os<br />

cabeças <strong>de</strong> cartaz que nunca<br />

ganham menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil libras).<br />

Aten<strong>de</strong>ndo a que um espectáculo<br />

faz uma gestão mínima <strong>de</strong> 20<br />

actores por um período nunca<br />

inferior a <strong>se</strong>is me<strong>se</strong>s, as contas<br />

justifi cam os preços altos dos<br />

bilhetes e o risco fi nanceiro que<br />

comporta um musical.<br />

No reino <strong>de</strong> Theatreland existe<br />

um Senhor, Cameron Mackintosh,<br />

o responsável pela produção<br />

<strong>de</strong> qua<strong>se</strong> todos os principais<br />

momentos da história recente<br />

do teatro musical. Foi pela mão<br />

<strong>de</strong>le que Andrew Lloyd Webber<br />

criou “The Phantom of the Opera”,<br />

“Cats” ou “Miss Saigon”. A famosa<br />

cena do can<strong>de</strong>labro que cai, e<br />

marca o fi m da primeira parte,<br />

em “Phantom of the Opera”<br />

continua a <strong>se</strong>r uma das razões<br />

para <strong>se</strong> ir ver o espectáculo.<br />

O helicóptero que entrava em<br />

palco em “Miss Saigon” era dos<br />

Mais não faz do que replicar<br />

o fi lme, sabendo aproveitar<br />

a <strong>se</strong>u favor, com recurso a<br />

uma engenhosa cenografi a, a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recriação<br />

do <strong>de</strong><strong>se</strong>rto australiano no<br />

estreito palco. Para além <strong>de</strong><br />

um culto “camp” e “queer”<br />

que faz <strong>de</strong> cada espectáculo<br />

uma festa protagonizada por<br />

uma multidão ansiosa por<br />

uma noite numa discoteca<br />

revivalista. Mais espectáculo <strong>de</strong><br />

“vau<strong>de</strong>ville” do que musical, é<br />

momentos mais arrepiantes do<br />

teatro do último quarto <strong>de</strong> século.<br />

E “Cats” autonomizou a sua<br />

partitura, estando hoje a percorrer<br />

o mundo em diferentes versões<br />

nacionais. Dono <strong>de</strong> <strong>se</strong>te teatros,<br />

os principais, e com produções<br />

noutros tantos, Mackintosh é<br />

também o produtor original <strong>de</strong><br />

“Les Misérables”, on<strong>de</strong> <strong>se</strong> inclui<br />

a canção “I dreamed a dream”<br />

que recentemente <strong>se</strong>rviu para o<br />

fenómeno Susan Boyle.<br />

História pessoal,<br />

história colectiva<br />

Mackinstosh é alguém que há<br />

mais <strong>de</strong> 40 anos vive <strong>de</strong>ntro do<br />

teatro. Foi em 1965 que começou<br />

a trabalhar, então numa <strong>se</strong>gunda<br />

montagem da peça “Oliver!”,<br />

inspirada em “Oliver Twist”, <strong>de</strong><br />

Charles Dickens, e criada cinco<br />

anos antes. Tinha 14 anos. Fazia<br />

as mudanças <strong>de</strong> a<strong>de</strong>reços e<br />

arrumava o coro. Depois passou<br />

para a produção. A versão que<br />

estreou em Janeiro <strong>de</strong>ste ano,<br />

com Rowan Atkinson no papel<br />

<strong>de</strong> “Fagin”, é já a terceira que<br />

produz, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter feito uma<br />

na década <strong>de</strong> 70 e outra em 1994<br />

(estreia na encenação <strong>de</strong> musicais<br />

<strong>de</strong> Sam Men<strong>de</strong>s). Repre<strong>se</strong>nta um<br />

um sério concorrente ao megasucesso<br />

“Mamma Mia!”.<br />

Wicked – The Untold Story<br />

of the Witches of Oz<br />

Encenado por Joe Mantello. Música<br />

<strong>de</strong> Stephen Schwartz. Libreto Winnie<br />

Holzman<br />

Estreia: 27 Setembro 2006, Apollo Victoria<br />

Theatre<br />

Talvez o mais arriscado dos<br />

musicais, por partir <strong>de</strong><br />

uma referência como o “O<br />

Feiticeiro <strong>de</strong> Oz”, aposta osta<br />

numa cenografi a que e<br />

recria o mundo <strong>de</strong> Oz z em<br />

palco, numa composição ição<br />

pop, numa narrativa<br />

linear e num elenco<br />

jovem. Sem canções<br />

reconhecíveis mas<br />

interpretadas com<br />

qualida<strong>de</strong> superior,<br />

fez regressar ao<br />

West End uma<br />

Foram precisos três anos para<br />

encontrar os protagonistas <strong>de</strong><br />

“Billy Elliot”<br />

Por trás da<br />

espectacularida<strong>de</strong><br />

escon<strong>de</strong>-<strong>se</strong> um<br />

exercício calculista<br />

que não perdoa<br />

falhanços e on<strong>de</strong> a<br />

máxima <strong>de</strong> que “o<br />

espectáculo <strong>de</strong>ve<br />

continuar” é<br />

substituída pela<br />

evi<strong>de</strong>nte “só po<strong>de</strong><br />

continuar”<br />

investimento <strong>de</strong> 4,5 milhões <strong>de</strong><br />

libras.<br />

Estas histórias pessoais<br />

envolvem-<strong>se</strong> com a história<br />

colectiva da cida<strong>de</strong> e do teatro<br />

musical. Mackintosh recorda,<br />

no programa da peça, que “na<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> espectáculo com<br />

conceptualização global. Para<br />

a qual contribui o facto <strong>de</strong> ter<br />

como ba<strong>se</strong> um livro <strong>de</strong> Gregory<br />

Maguire escrito em 1990 90 que,<br />

tal como L. Frank Baum m na nna<br />

altura (90 anos antes), ,<br />

metaforiza e explora<br />

outras dimensões menos nos<br />

fantasiosas: há ecos da a<br />

guerra no Iraque, da<br />

reunifi ccação<br />

alemã e da<br />

<strong>de</strong>missão <strong>de</strong>miss <strong>de</strong> Margareth th<br />

Thatcher.<br />

Thatch<br />

Billy EElliot<br />

– The Musical usical<br />

Encenado Encena por Stephen Daldry. ldry.<br />

Música Música <strong>de</strong> Elton John. Libreto reto e<br />

letras d<strong>de</strong><br />

Lee Hall<br />

Estreia: 31 Março 2005, Victoria oria Palace<br />

Th Theatre<br />

Adaptado A<br />

pela equipa<br />

que produziu o fi lme,<br />

vai mais longe, , <strong>se</strong>ndo<br />

capaz <strong>de</strong> explorar rar<br />

manhã <strong>se</strong>guinte à estreia uma das<br />

críticas dizia que ‘Les Misérables’<br />

foi, infelizmente, reduzido a The<br />

Glums [os melancólicos]”. E que foi<br />

aí que apren<strong>de</strong>u o que era “o po<strong>de</strong>r<br />

do boca-a-boca”. Hoje ninguém<br />

questiona o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> atracção<br />

<strong>de</strong> um musical como este, mas<br />

a relação com a crítica não é a<br />

mais pacífi ca. Não faltam <strong>de</strong>bates<br />

sobre o impacto das adaptações<br />

<strong>de</strong> fi lmes numa história que não<br />

é tão superfi cial assim. “O Rei<br />

Leão comeu o Tchékov”, escrevia<br />

o “Standard”, como reacção à<br />

<strong>de</strong>sconfi ança qua<strong>se</strong> genética em<br />

relação ao género musical.<br />

Mas muitas vezes é a própria<br />

crítica a <strong>se</strong>r explorada apenas<br />

na sua dimensão promocional.<br />

A cida<strong>de</strong> está cheia <strong>de</strong> fra<strong>se</strong>s<br />

retiradas dos textos, à laia<br />

<strong>de</strong> “marketing”. Quando uma<br />

data <strong>de</strong> estreia é anunciada,<br />

estão previstas, pelo menos,<br />

duas <strong>se</strong>manas <strong>de</strong> ante-estreias,<br />

on<strong>de</strong> o espectáculo é testado e<br />

melhorado. Os críticos, “proibidos”<br />

<strong>de</strong> ir a essas ante-estreias, acorrem<br />

à primeira data e entregam os<br />

<strong>se</strong>us textos já com as rotativas a<br />

imprimir o jornal.<br />

Os produtores atiram com<br />

os números <strong>de</strong> público e as<br />

reacções entusiastas e imediatas,<br />

legitimando-as com tiradas<br />

<strong>se</strong>nsacionalistas que ajudam a<br />

alimentar a máquina. Máquina<br />

essa que é activada, ou justifi cada,<br />

pela pre<strong>se</strong>nça do público que<br />

não precisa saber nenhuma<br />

<strong>de</strong>stas mecânicas para <strong>se</strong>ntir “a<br />

experiência completa”.<br />

Ouvidos intrometidos por entre<br />

as ca<strong>de</strong>iras escutaram, numa das<br />

<strong>se</strong>ssões <strong>de</strong> “Chicago”, a conversa<br />

entre três amigos, em que uma<br />

das raparigas dis<strong>se</strong> ao rapaz<br />

que o ouviu cantar durante o<br />

espectáculo; ele respon<strong>de</strong>u que<br />

a culpa era da irmã, que “viu o<br />

musical <strong>se</strong>is vezes”. “A tua irmã,<br />

claro!”, e riram-<strong>se</strong>. “Nunca vão<br />

acreditar em mim, pois não?”<br />

– ele tentou. Não. Mas tal como<br />

nos gran<strong>de</strong>s fi nais, qualquer<br />

preconceito cai por terra perante<br />

o modo como esta máquina <strong>se</strong><br />

escon<strong>de</strong> dia após dia. T.B.C,<br />

em Londres<br />

Tiago Bartolomeu Costa viajou ao abrigo<br />

do Programa Cultural Lea<strong>de</strong>rship<br />

International do British Council<br />

um realismo social que data<br />

dos anos 80 mas encontra ecos<br />

hoje. As greves que opõem<br />

os mineiros ao Governo <strong>de</strong><br />

Thatcher, Thatch cher, a par da histó história tória do<br />

pequeno pe p qu q en eno Bi Bill Billy, lly, y, tor ttornado<br />

orna nado do bai bbailarino<br />

aila lari rin<br />

contra as suas expectativas,<br />

revelam re reve vela lam um quadro qua quadr<br />

dro que qu que evolui ev evol olui ui<br />

cenicamente através <strong>de</strong> cançõe canções<br />

<strong>de</strong> intervenção que prolongam a<br />

história, através <strong>de</strong> um fabuloso<br />

fabulos<br />

cenário que <strong>se</strong> transforma em<br />

ringue ringue <strong>de</strong> boxe, salão <strong>de</strong><br />

festas, interior da mina<br />

e<br />

casa <strong>de</strong> família e, claro, claro<br />

palco palco <strong>de</strong> teatro. Faz da<br />

experiência teatral um uma<br />

refl exão sobre o papel<br />

do teatro enquanto<br />

formador formador <strong>de</strong><br />

consciência e<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> memória.


EAMONN MCGOLDRICK<br />

Teatro<br />

Eles podiam ter feito uma adaptação<br />

clássica <strong>de</strong> “E Tudo o Vento Levou”,<br />

<strong>de</strong> tão obcecados que estavam com<br />

os cenários, as personagens, os medos<br />

e aspirações <strong>de</strong> um país que <strong>se</strong><br />

erguia <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma guerra absolutamente<br />

<strong>de</strong>vastadora, à procura <strong>de</strong><br />

uma re<strong>de</strong>finição.<br />

Eles podiam ter trabalhado o tema<br />

da reconstrução que atravessa o romance<br />

<strong>de</strong> Margaret Mitchell que o<br />

cinema celebrizou nos olhos <strong>de</strong> Vivien<br />

Leigh e na pronúncia exagerada <strong>de</strong><br />

Clark Gable a partir do dia-a-dia dos<br />

empresários oci<strong>de</strong>ntais, muitos <strong>de</strong>les<br />

americanos, que enriquecem em Bagdad<br />

à custa da <strong>de</strong>struição que a invasão<br />

causou, protegidos por mercenários-Blackwater.<br />

Eles podiam ter optado por uma<br />

peça sobre o feminismo – foi assim<br />

que começou, aliás – em que <strong>se</strong> evocas<strong>se</strong>m<br />

as mulheres fortes que atravessam<br />

o livro que valeu a Mitchell o<br />

Pulitzer em 1937.<br />

Mas os membros do colectivo The<br />

Team – Theater of the Emerging American<br />

Moment acabaram por <strong>se</strong>r levados<br />

noutras direcções. O espectáculo<br />

“Architecting”, que a Culturgest apre<strong>se</strong>nta<br />

em Lisboa entre 23 e 25 <strong>de</strong> Novembro,<br />

cruza diversas referências e<br />

meios – há dança, ví<strong>de</strong>o, música – para<br />

explorar o tema da reconstrução e<br />

da sobrevivência, <strong>se</strong>m que um <strong>se</strong> sobreponha<br />

ao outro.<br />

“Os dois estão ligados, não po<strong>de</strong>m<br />

<strong>se</strong>parar-<strong>se</strong>”, diz Rachel Chavkin, ao<br />

telefone <strong>de</strong> Nova Iorque e enquanto<br />

caminha apressadamente entre as<br />

aulas e o teatro. Chavkin partilha com<br />

Davey An<strong>de</strong>rson a encenação <strong>de</strong>sta<br />

peça que a companhia escreveu e que<br />

tem vindo a <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolver <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2006.<br />

“No fundo, a questão central <strong>de</strong>ste<br />

trabalho é como <strong>se</strong> reconstrói uma<br />

nação ou uma pessoa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma<br />

transformação maciça sobre a qual<br />

não tivemos qualquer controlo. Se<br />

respon<strong>de</strong>rmos a esta pergunta saberemos<br />

o que dizer a outra: como <strong>se</strong><br />

sobrevive a uma mudança radical que<br />

não pedimos, não previmos e não<br />

queremos? Esta é a questão que atravessa<br />

todo o romance <strong>de</strong> Mitchell e<br />

que andou <strong>se</strong>mpre às voltas nas nossas<br />

cabeças. E sobreviver é às vezes<br />

tão difícil... Mas mais para umas pessoas<br />

do que para outras.”<br />

Do romance e da vida real<br />

Num ritmo alucinante, criando por<br />

vezes cenas que parecem dominadas<br />

Num ritmo alucinante e tendo por referencial<br />

a América pós-Guerra Civil, com personagens saídas<br />

do “Gone with the Wind”, “Architecting” instala a acção<br />

num bar <strong>de</strong> Nova Orleães d.K. (<strong>de</strong>pois do Katrina)<br />

“A raça ainda<br />

é uma das questões<br />

fundamentais da vida<br />

americana. Mesmo<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todo o<br />

optimismo que<br />

vivemos o ano<br />

passado com a eleição<br />

do Presi<strong>de</strong>nte<br />

Obama...” Rachel<br />

Chavkin, encenadora<br />

pelo caos e tendo <strong>se</strong>mpre por referencial<br />

a América pós-Guerra Civil,<br />

“Architecting” instala fisicamente a<br />

acção num bar <strong>de</strong> Nova Orleães d.K.<br />

(<strong>de</strong>pois do Katrina, o furacão que <strong>de</strong>struiu<br />

a cida<strong>de</strong> em Agosto <strong>de</strong> 2005). É<br />

por lá que passa uma galeria <strong>de</strong> personagens<br />

saída do romance <strong>de</strong> Mitchell,<br />

mas também da vida real: um<br />

produtor <strong>de</strong> cinema branco que insiste<br />

num “remake” politicamente<br />

correcto do filme que Victor Fleming<br />

dirigiu em 1939, contratando para isso<br />

um realizador negro; uma mulher<br />

que quer vencer um concurso <strong>de</strong> beleza<br />

<strong>de</strong>stinado a escolher uma Scarlett<br />

O’Hara para um cortejo revivalista <strong>de</strong><br />

“E Tudo o Vento Levou”, uma jovem<br />

arquitecta que quer realizar o projecto<br />

do pai.<br />

Carrie Campbell, a arquitecta que<br />

Libby King interpreta <strong>de</strong> forma arrepiante,<br />

é uma <strong>de</strong>ssas mulheres fortes,<br />

e verda<strong>de</strong>iras, que marcam “Architecting”<br />

(Mitchell também lá está, com<br />

a flor branca que usa numa das suas<br />

fotografias mais conhecidas). Na peça<br />

ela tenta pôr <strong>de</strong> pé o projecto <strong>de</strong> Steve<br />

Campbell que, antes <strong>de</strong> morrer,<br />

planeara um complexo habitacional<br />

para “yuppies” on<strong>de</strong> antes <strong>se</strong> erguiam<br />

casas mo<strong>de</strong>stas, num bairro negro <strong>de</strong><br />

Nova Orleães totalmente <strong>de</strong>struído<br />

pelo Katrina. Na vida real é uma amiga<br />

<strong>de</strong> King, que <strong>se</strong> viu obrigada a regressar<br />

a casa, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitos anos<br />

em Chicago, para repre<strong>se</strong>ntar a família<br />

num negócio <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> terrenos<br />

no Nebraska.<br />

Foi este momento na vida da amiga<br />

<strong>de</strong> King que, com o livro <strong>de</strong> Mitchell<br />

que nenhum membro da companhia<br />

lera antes <strong>de</strong> começar a trabalhar nesta<br />

peça, <strong>se</strong>rviu <strong>de</strong> ba<strong>se</strong> ao primeiro<br />

embrião <strong>de</strong> “Architecting”, uma pequena<br />

peça apre<strong>se</strong>ntada num festival<br />

em Nova Iorque, no Outono <strong>de</strong> 2006.<br />

Chamava-<strong>se</strong> “Thanks For Coming Home,<br />

Carrie Campbell”.<br />

“O nosso processo é <strong>se</strong>mpre o mesmo<br />

– escolhemos um tema, lemos<br />

muitos dos livros que há para ler sobre<br />

o assunto, e começamos a trabalhar<br />

em estúdio, improvisando, escrevendo”,<br />

explica Chavkin. De início,<br />

“E Tudo o Vento Levou” foi uma “escolha<br />

pouco óbvia” e a contragosto,<br />

feita numa conversa com os funcionários<br />

da livraria que a encenadora<br />

mais frequenta. Mas resultou.<br />

A Team queria abordar a questão<br />

racial nos EUA, central em todo o “<strong>de</strong>sastre<br />

doméstico” em que o Katrina<br />

<strong>se</strong> transformou, central na oposição<br />

Norte-Sul da Guerra Civil.<br />

“A raça ainda é uma das questões<br />

fundamentais da vida americana.<br />

Mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todo o optimismo<br />

que vivemos o ano passado com a<br />

eleição do Presi<strong>de</strong>nte Obama... Hoje<br />

o país está assustado. Olhamos para<br />

as livrarias e vemos todos aqueles títulos<br />

da ‘intelectualida<strong>de</strong>’ da direita<br />

radical, com o <strong>se</strong>u populismo violento.<br />

Agora acabam <strong>de</strong> <strong>se</strong>r lançadas as<br />

memórias <strong>de</strong> Sarah Palin [“Going Rouge”],<br />

ícone do racismo e da ignorância,<br />

uma mulher es<strong>se</strong>ncialmente antiimigração<br />

e anti-tudo que <strong>se</strong>ja ‘não<br />

branco’.”<br />

Rachel Chavkin espera que “Architecting”<br />

ponha as pessoas a pensar<br />

no que as ro<strong>de</strong>ia, em tudo o que gostariam<br />

<strong>de</strong> reconstruir, mas <strong>se</strong>m ingenuida<strong>de</strong>s<br />

nem optimismos. Para ela<br />

esta é uma peça negra e a fra<strong>se</strong> que<br />

Carrie Campbell diz no <strong>se</strong>u monólogo<br />

final resume-a, na sua essência: “As<br />

pessoas precisam <strong>de</strong> casas antes <strong>de</strong><br />

precisarem <strong>de</strong> monumentos comemorativos.”<br />

É nisso que Chavkin pensa<br />

quando olha para as ruínas das<br />

casas tradicionais <strong>de</strong> Nova Orleães,<br />

com os <strong>se</strong>us alpendres <strong>de</strong>struídos,<br />

ofuscadas pelas moradias que Brad<br />

Pitt está a construir. Ela acha o projecto<br />

do actor “maravilhoso”, mas<br />

gostava tanto dos velhos alpendres...<br />

Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos págs. 36 e<br />

<strong>se</strong>gs.<br />

E tudo o mundo levou<br />

O colectivo americano The Team apre<strong>se</strong>nta em Lisboa “Architecting”,<br />

proposta exigente que surpreen<strong>de</strong> e faz pensar na América e no mundo.<br />

Um “road-movie” <strong>se</strong>m optimismos. Lucinda Canelas<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 35


Teatro/Dança<br />

Pedro Tochas no Campo Alegre<br />

36 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Teatro<br />

Fechados<br />

<strong>de</strong>ntro da<br />

história<br />

<strong>de</strong> Deus<br />

Nuno Carinhas não<br />

combinou com José<br />

Saramago, mas parece-lhe<br />

“absolutamente pertinente”<br />

<strong>de</strong>bater a vida, a religião.<br />

Ana Cristina Pereira<br />

Breve Sumário<br />

da História <strong>de</strong> Deus<br />

De Gil Vicente. Encenação: Nuno<br />

Carinhas. Com Alberto Magas<strong>se</strong>la,<br />

Alexandra Gabriel, António Durães,<br />

Daniel Pinto, Joana Carvalho, João<br />

Cardoso, João Castro, João Pedro<br />

Vaz, Jorge Mota, Jorge Vasques, José<br />

Eduardo Silva, Lígia Roque, Mário<br />

Santos, Miguel Loureiro, Paulo<br />

Freixinho, Pedro Almendra, Pedro<br />

Frias.<br />

Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De<br />

20/11 a 20/12. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às<br />

16h. Tel.: 223401910. 7€ a 15€.<br />

As personagens não saem <strong>de</strong> cena.<br />

Po<strong>de</strong>mos vê-las, po<strong>de</strong>mos não vêlas,<br />

mas estão <strong>se</strong>mpre lá, como que<br />

presas naquele espaço. Há camas<br />

encavalitadas <strong>de</strong> um lado, camas<br />

encavalitadas do outro, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />

áspera, a remeter para os campos <strong>de</strong><br />

concentração <strong>de</strong> Auschwitz-<br />

Birkenau.<br />

O encenador e cenógrafo Nuno<br />

Carinhas tem queda para enfiar o<br />

teatro <strong>de</strong>ntro do teatro. Fez isto ao<br />

encenar as “Beiras” (2007), a partir<br />

<strong>de</strong> “Farsa <strong>de</strong> Inês Pereira”, “Farsa do<br />

Juiz da Beira” e “Tragicomédia<br />

Pastoril da Serra da Estrela”, <strong>de</strong> Gil<br />

Vicente. E fê-lo agora, neste “Breve<br />

Sumário da História <strong>de</strong> Deus”, do<br />

Agenda<br />

Teatro<br />

Estreiam<br />

O Vulcão<br />

De Abel Neves. Encenação: João<br />

Grosso. Com Custódia Gallego.<br />

Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II. Pç. D. Pedro IV.<br />

De 26/11 a 20/12. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h45. Dom. às<br />

16h15. Tel.: 213250835. 12€ (sujeitos a <strong>de</strong>scontos).<br />

Na Sala Estúdio.<br />

Ana<br />

De José Maria Vieira Men<strong>de</strong>s.<br />

Encenação: Jorge Silva Melo. Com<br />

António Simão, Pedro Lacerda, Rita<br />

Brütt, Sylvie Rocha.<br />

Almada. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Almada. Av. Professor<br />

Egas Moniz. Tel.: 212739360.<br />

Pequeno Auditório.<br />

Lado B<br />

“L’’Après-midi - Un solo pour<br />

Emmanuel Eggermont”<br />

no Materiais Diversos<br />

Diogo Infante, encenador <strong>de</strong><br />

“O Ano do Pensamento Mágico”<br />

“Po<strong>de</strong> a nossa socieda<strong>de</strong> estar arredada <strong>de</strong>s<strong>se</strong> livro fundamental,<br />

que é a Bíblia?”, pergunta Nuno Carinhas<br />

mesmo autor.<br />

Po<strong>de</strong>mos ver ali um campo <strong>de</strong><br />

concentração, como o que aparece n’<br />

“A Vida é Bela”, <strong>de</strong> Roberto Benigni.<br />

E po<strong>de</strong>mos não ter ida<strong>de</strong> para isso e<br />

ver “um colégio interno, um<br />

convento, um albergue nocturno”.<br />

Em qualquer caso, um espaço<br />

minado (gerido?) por figuras<br />

<strong>de</strong>moníacas.<br />

Carinhas quis “fazer nascer o auto<br />

como um ritual ou repre<strong>se</strong>ntação que<br />

po<strong>de</strong> advir da espera”. Os<br />

espectadores entram na sala do<br />

Teatro Nacional <strong>de</strong> São João e os<br />

actores já estão no palco. Há uma<br />

cortina <strong>de</strong> tule (quarta pare<strong>de</strong>).<br />

Através <strong>de</strong>la, po<strong>de</strong> ver-<strong>se</strong> como <strong>se</strong><br />

movem ou <strong>se</strong> <strong>de</strong>ixam estar. É como<br />

<strong>se</strong> redistribuís<strong>se</strong>m papéis <strong>de</strong> uma<br />

peça já tantas vezes feita.<br />

Um anjo criado à imagem da<br />

estátua Anjo <strong>de</strong> Portugal (Joana<br />

Carvalho), que Carinhas viu no<br />

Mu<strong>se</strong>u <strong>de</strong> Arte Antiga e que pertence<br />

De Pedro Tochas. Com Pedro Tochas.<br />

Porto. Teatro do Campo Alegre. R. das Estrelas s/n.<br />

Dia 26/11. 5ª às 22h. Tel.: 226063000. M/16.<br />

Eurovision<br />

De Pedro Penim, Martim Pedroso,<br />

André e.Teodósio. Com Pedro Penim,<br />

André e.Teodósio.<br />

Aveiro. Teatro Aveiren<strong>se</strong>. Pç. República. Dia 25/11. 4ª<br />

às 22h. Tel.: 234400922. 4€.<br />

Arquitectar<br />

Encenação: Rachel Chavkin. Com<br />

Frank Boyd, Jill Frutkin, Lana Lesley,<br />

Libby King, Jake Margolin, Kristen<br />

Sieh.<br />

Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. De 23/11 a 25/11. 2ª, 3ª e 4ª às 21h30. Tel.:<br />

217905155. 15€ (sujeitos a <strong>de</strong>scontos).<br />

Bleib Opus #3<br />

De Michel Schweizer. Encenação:<br />

Michel Schweizer. Com Philippe<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

ao Convento <strong>de</strong> Cristo, apre<strong>se</strong>nta o<br />

auto. Lúcifer (António Durães), o anjo<br />

caído, tem voz <strong>de</strong> trovão. Satanás<br />

(Paulo Freixinho) silva como o<br />

Gollum do “Senhor dos Anéis”,<br />

trilogia cinematográfica <strong>de</strong> Peter<br />

Jackson, a partir <strong>de</strong> J.R.R. Tolkien. É<br />

ele que faz pecar Eva (Lígia Roque),<br />

que logo arrasta Adão (João<br />

Cardoso), e com ele toda a<br />

humanida<strong>de</strong> até Jesus Cristo (Daniel<br />

Pinto) a vir redimir.<br />

Pelo palco, <strong>de</strong>sfila Abel (Pedro<br />

Frias), o justo pastor assassinado pelo<br />

irmão, Caim. E o inquebrável Job,<br />

atingido por sucessivas perdas. E<br />

Abraão ( Jorge Mota), Moisés (Alberto<br />

Magas<strong>se</strong>la), David ( José Eduardo<br />

Silva), Isaías (Mário Santos), a<br />

repre<strong>se</strong>ntar a Lei da Escritura. E,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>les, João Baptista (João<br />

Pedro Vaz), Jesus Cristo. E, entre eles,<br />

o Mundo (Pedro Almendra), o Tempo<br />

( João Castro), a Morte (Alexandra<br />

Gabriel). A Morte, neste espectáculo,<br />

Desamblanc, Titeuf <strong>de</strong> la Fontaine St<br />

Maurice, Jean Gallego, Ulster,<br />

François Vavas<strong>se</strong>ur, Robot du Vieux<br />

Marronnier, Frédéric Prulhière,<br />

Khéops, Hervé Guével, Bosco, Dany-<br />

Robert Dufour, Gérard Gourdot, Jean-<br />

Pierre Lebrun, Friedrich Lauterbach.<br />

Lisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos. Av. Frei<br />

Miguel Contreiras, 52. De 21/11 a 22/11. Sáb. e Dom. às<br />

21h30. Tel.: 218438801. 12€ (5€ para -30 anos).<br />

Alkantara Festival. Festival Temps<br />

D’Images. Em francês, com legendas<br />

em português.<br />

A Gaiola das Loucas<br />

De Jean Poiret. Encenação: Filipe La<br />

Féria. Com José Raposo, Carlos<br />

Quintas, Rita Ribeiro, Joel Branco,<br />

Hugo Rendas.<br />

Lisboa. Teatro Politeama. R. Portas <strong>de</strong> Santo Antão,<br />

109. De 20/11 a 31/12. 3ª, 4ª, 5ª e 6ª às 21h30. Sáb. às<br />

17h e 21h30. Dom. às 17h. Tel.: 213245500.<br />

“Arquitectar”, <strong>de</strong> Rachel Chavkin<br />

é pálida, frágil, andrógina. E Jesus<br />

Cristo transborda cor, calor,<br />

humanida<strong>de</strong>s.<br />

O encenador não combinou com<br />

José Saramago, que acaba <strong>de</strong> lançar o<br />

livro “Caim”. Parece-lhe<br />

“absolutamente pertinente” <strong>de</strong>bater<br />

a vida, a religião. “Po<strong>de</strong> a nossa<br />

socieda<strong>de</strong> estar arredada <strong>de</strong>s<strong>se</strong> livro<br />

fundamental, que é a Bíblia?”,<br />

pergunta. “Parece que há um luxo,<br />

mais entre os católicos do que entre<br />

os protestantes, <strong>de</strong> não querer saber,<br />

<strong>de</strong> não querer reflectir.”<br />

Carinhas encara “Breve Sumário<br />

da História <strong>de</strong> Deus” como “um<br />

poema sobre um poema”. E nele<br />

enxerta três poemas<br />

contemporâneos: o Salmo 139,<br />

traduzido por Herberto Hél<strong>de</strong>r,<br />

“Palavras <strong>de</strong> Jacob <strong>de</strong>pois do sonho”,<br />

<strong>de</strong> Ruy Belo, e “Reconciliação”, <strong>de</strong><br />

El<strong>se</strong> Lasker-Schuler.<br />

Não acha que falta qualquer coisa<br />

ao “Breve Sumário...” para viver<br />

Jardim Zoológico <strong>de</strong> Cristal<br />

De Tennes<strong>se</strong>e Williams. Encenação:<br />

Nuno Cardoso. Com Maria do Céu<br />

Ribeiro, Micaela Cardoso, Luís<br />

Araújo, Romeu Costa.<br />

Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697. De 20/11 a<br />

21/11. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 253203800. 8€. M/16.<br />

Continuam<br />

Ana<br />

De José Maria Vieira Men<strong>de</strong>s.<br />

Encenação: Jorge Silva Melo. Com<br />

António Simão, Pedro Lacerda, Rita<br />

Brütt, Sylvie Rocha.<br />

Lisboa. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do<br />

Império. Até 22/11. 2ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 19h00<br />

(nos dias 13, 14, 16, 18 e 19/11). 6ª, Sáb. e Dom. às<br />

21h00 (nos dias 15, 20, 21 e 22/11). Tel.: 213612400.<br />

10€.<br />

Na Sala <strong>de</strong> Ensaio.<br />

YI ZHAO<br />

FERNANDO VELUDO/ NFACTOS


enquanto narrativa: “Adoro este auto.<br />

Acho Gil Vicente um génio. Há<br />

bocados <strong>de</strong> Gil Vicente que me<br />

lembram Camões”. Julga até “um<br />

disparate” pensar em actualizar a sua<br />

linguagem. Parece-lhe, porém,<br />

“legítimo” fazer aqueles enxertos,<br />

produzir sobressaltos, “suspensões<br />

<strong>de</strong> <strong>se</strong>ntido” nos ouvidos os<br />

espectadores através <strong>de</strong> “linguagens<br />

diversas”. E assim <strong>de</strong>le “aproximar o<br />

texto”.<br />

Faltoulhes<br />

um<br />

bocadinho<br />

“assim”<br />

Nos primeiros momentos<br />

em que eles ainda estão<br />

vestidos, somos levados a<br />

pensar que o espectáculo e as<br />

calças escon<strong>de</strong>m surpresas.<br />

Percebemos que não.<br />

Tiago Bartolomeu Costa<br />

Rapazes Nus a Cantar<br />

Encenação <strong>de</strong> Henrique Feist<br />

Até 19 Dezembro, Auditório do Casino Estoril, 21h30<br />

mmnnn<br />

“A Gaiola das Loucas”<br />

Estreado na Off-Broadway, em Nova<br />

Iorque há <strong>de</strong>z anos, “Naked Boys<br />

Singing” revelou-<strong>se</strong> um fenómeno<br />

pelo modo como <strong>de</strong>sbaratava<br />

conceitos e regras num registo<br />

mordaz, irónico e, naturalmente,<br />

“queer”. Espalhou-<strong>se</strong> pelo mundo em<br />

diferentes adaptações e mais do<br />

espectáculo <strong>de</strong> cabaré que <strong>de</strong> teatro,<br />

“Rapazes Nus a Cantar” é (ou era no<br />

original) um punhado <strong>de</strong> canções<br />

bem esculpidas e irónicas,<br />

es<strong>se</strong>ncialmente breves e tipificadas,<br />

mas por on<strong>de</strong> passava não apenas o<br />

“fait-diver” do nu mas, através <strong>de</strong>le, e<br />

O Ano do Pensamento Mágico<br />

De Joan Didion. Encenação: Diogo<br />

Infante. Com Eunice Muñoz.<br />

Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II.<br />

Pç. D. Pedro IV. Até 20/12. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30.<br />

Dom. às 16h00. Tel.: 213250835. 7,5€ a 16€ (sujeitos a<br />

<strong>de</strong>scontos).<br />

O Que <strong>se</strong> Leva Desta Vida<br />

De Gonçalo Waddington, João<br />

Canijo, Tiago Rodrigues. Com<br />

Gonçalo Waddington, Tiago<br />

Rodrigues.<br />

Lisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº Maria<br />

Cardoso, 38-58. Até 22/11. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h00.<br />

Dom. às 17h30 (no dia 15/11, às 17h30, <strong>se</strong>ssão com<br />

interpretação em língua gestual portuguesa). Tel.:<br />

213257650.<br />

Máquina <strong>de</strong> Somar<br />

De Elmer Rice. Encenação: Fenanda<br />

Lapa. Com Henrique Feist, Luís<br />

Madureira, Joana Manuel, Luísa<br />

com o característico humor ju<strong>de</strong>u, o<br />

prazer <strong>de</strong> brincar com a <strong>se</strong>xualida<strong>de</strong>,<br />

as i<strong>de</strong>ias feitas e, naturalmente, a<br />

vertente “gay”. O talento dos rapazes<br />

(que por acaso estariam nus) ver-<strong>se</strong>-ia<br />

no modo como sobreviviam à eficácia<br />

das canções, à <strong>de</strong>sfaçatez das letras, à<br />

simplicida<strong>de</strong> da encenação e à subtil<br />

mas não por isso simplista<br />

interpretação.<br />

Ora, pouco disto existe no<br />

espectáculo agora produzido em<br />

Portugal, não obstante o trabalho <strong>de</strong><br />

composição e interpretação musical<br />

<strong>de</strong> Nuno Feist, e a encenação <strong>de</strong><br />

Henrique Feist. Há, <strong>de</strong> facto, uma<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar a evidência numa<br />

mais valia, rejeitando artificialismos<br />

cénicos, efeitos sonoros ou<br />

elaboradas construções<br />

dramatúrgicas. E existem mesmo três<br />

momentos em que isso <strong>se</strong> <strong>se</strong>nte <strong>de</strong><br />

forma mais evi<strong>de</strong>nte, um número<br />

sobre um empregado a dias que faz<br />

mais do que <strong>se</strong> lhe pe<strong>de</strong>, um outro<br />

sobre um actor porno da Coina,<br />

Margem Sul, e mais um sobre uma<br />

estrela (interpretado por um Pedro<br />

Pernas que gere bem a multifacetada<br />

experiência com Fernando Gomes,<br />

um mestre na criação <strong>de</strong> musicais e<br />

espectáculos apenas, e<br />

superficialmente, populares).<br />

Mas verda<strong>de</strong> é que, no geral, o<br />

esforço dos rapazes não compensa a<br />

falta <strong>de</strong> aptidão para o canto, dança e<br />

a interpretação, ficando por provar<br />

como é que a nu<strong>de</strong>z, e o que ela<br />

mostra, po<strong>de</strong> compensar tão fraca<br />

exibição.<br />

Será inevitável, e o título a isso<br />

obriga, que nos primeiríssimos<br />

momentos <strong>de</strong> “Rapazes Nus a<br />

Cantar”, os poucos e breves minutos<br />

em que ele ainda estão vestidos,<br />

<strong>se</strong>jamos levados a pensar que o<br />

espectáculo (e as calças) escon<strong>de</strong>m<br />

surpresas. Depressa somos<br />

surpreendidos pela sua ausência<br />

(evita-<strong>se</strong> aqui uma falta <strong>de</strong> chá na<br />

comparação dos <strong>se</strong>us outros talentos<br />

naturais e <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolvidos).<br />

O resto, <strong>se</strong> po<strong>de</strong>mos sorrir (como o<br />

da circuncisão e da ob<strong>se</strong>ssão judaica<br />

com o prepúcio), a maior parte das<br />

vezes não arranca da mediania ou do<br />

sofrível (todas as cenas que falam <strong>de</strong><br />

amor, <strong>de</strong> dúvida e <strong>de</strong> angústia com a<br />

<strong>se</strong>xualida<strong>de</strong>). Para este <strong>de</strong><strong>se</strong>quilíbrio<br />

concorre, afinal, a limitada<br />

capacida<strong>de</strong> dos intérpretes a <strong>se</strong>rem<br />

inventivos na ausência <strong>de</strong> artifícios, e<br />

a assumirem o espectáculo como<br />

aquilo que é: rapazes nus a cantar. Se<br />

não cantam, a nu<strong>de</strong>z <strong>de</strong>veria<br />

compensar. Nem uma nem outra<br />

coisa, ficando tão aquém do <strong>de</strong>leite<br />

“voyeurista” quanto a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

vermos a nu<strong>de</strong>z apenas e só como<br />

um <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong> figurino.<br />

O esforço dos rapazes não compensa a falta <strong>de</strong> aptidão<br />

Brandão, Luís Gaspar, Sérgio Lucas,<br />

Bruno Cochat, Andreia Ventura,<br />

Joana Campelo.<br />

Lisboa. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Largo da Trinda<strong>de</strong>, 7 A.<br />

Até 24/11. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 20h30. Dom. às<br />

16h00. Tel.: 213420000.<br />

Dança<br />

Estreiam<br />

L’’Après-midi - Un solo pour<br />

Emmanuel Eggermont<br />

Coreografia: Raimund Hoghe.<br />

Bailarino:Raimund Hoghe.<br />

Torres Novas. Teatro Virgínia. Largo<br />

São José Lopes dos Santos. Dia 21/11. Sáb. às 21h30.<br />

Tel.: 249839309.<br />

5€ (c/ <strong>de</strong>scontos); 50€ (livre trânsito).<br />

M/12. Materiais Diversos - Festival <strong>de</strong><br />

Artes Performativas.<br />

Der Mann ist verrückt<br />

De Vera Suchánková<br />

(thereminista e co-criadora).<br />

Coreografia: Tânia Carvalho.<br />

Com Vera Suchánková, Tânia<br />

Carvalho.<br />

Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. De 20/11 a 21/11. 6ª às 21h30. Sáb. às 19h. Tel.:<br />

217905155. 5€.<br />

Pequeno Auditório. No âmbito do<br />

Festival Temps d’’Images.<br />

Magyar Tàncok<br />

Torres Novas. Torres Novas. . Dia 20/11. 6ª às 21h.<br />

5€ (c/ <strong>de</strong>scontos); 50€ (livre trânsito).<br />

Noite partilhada: bilhete único para<br />

Magyar Tàncok e Rancho Folclórico<br />

do Covão do Coelho. Materiais<br />

Diversos - Festival <strong>de</strong> Artes<br />

Performativas. No Blackbox Caorg<br />

(em Min<strong>de</strong>).<br />

ESTA IMAGEM NÃO FOI ALTERADA PELO ÍPSILON<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 37


Expos<br />

ENRIC VIVES-RUBIO<br />

“É Proibido Proibir!”: recusar uma<br />

relação óbvia entre forma e função<br />

38 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Político,<br />

plástico,<br />

peluche<br />

Objectos que pediam<br />

um utilizador novo.<br />

Mário Moura<br />

É Proibido Proibir!<br />

De Archizoom Associati, Studio 65,<br />

Grupo Sturm, Superstudio, Pierre<br />

Paulin, Verner Panton, Gaetano<br />

Pesce, Cesare Paolini, Roberto<br />

Matta, Marco Zanusso, Bill Gibb,<br />

Courrèges, Emilio Pucci, Mary<br />

Quant, Ossie Clark, Vivienne<br />

Westwood, Zandra Rho<strong>de</strong>s, entre<br />

outros.<br />

Lisboa. MUDE - Mu<strong>se</strong>u do Design e da Moda. Rua<br />

Augusta 24. T. 218886117. Até 31/1. 3ª a 5ª e dom. Das<br />

10h às 20h. 6ª e sáb. Das 10h às 22h.<br />

Design, Objectos, Outros.<br />

mmmnn<br />

Para muita gente é difícil associar o<br />

<strong>de</strong>sign à política, ao ponto <strong>de</strong> <strong>se</strong><br />

acreditar que a única relação possível<br />

entre os dois é necessariamente <strong>de</strong><br />

oposição ou pelo menos <strong>de</strong> ironia.<br />

Por exemplo: como relacionar o<br />

<strong>de</strong>sign dos anos 60 e 70 com os<br />

movimentos inflamados <strong>de</strong>ssa época?<br />

A resposta não é fácil, porque ten<strong>de</strong> a<br />

procurar no <strong>de</strong>sign temas políticos –<br />

um poster anunciando uma<br />

manifestação, a roupa <strong>de</strong> um<br />

guerrilheiro urbano, equipamento<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>nhado para <strong>se</strong>r usado em paí<strong>se</strong>s<br />

do terceiro mundo. Contudo, reduzir<br />

a política a uma temática é o mesmo<br />

que dizer que o <strong>de</strong>sign só é político<br />

quando trata <strong>de</strong> assuntos políticos.<br />

Esta exposição assume uma<br />

posição mais subtil, que <strong>se</strong> torna<br />

evi<strong>de</strong>nte logo na primeira sala, um<br />

átrio sinuoso forrado a peluche,<br />

on<strong>de</strong> a voz <strong>de</strong> Caetano Veloso insiste<br />

que “É proibido proibir! É proibido<br />

proibir!” Dispersas pelas pare<strong>de</strong>s<br />

felpudas estão imagens datadas <strong>de</strong><br />

sofás com formas extravagantes,<br />

alguns <strong>de</strong>les i<strong>de</strong>ntificáveis apenas<br />

pela pre<strong>se</strong>nça refastelada e divertida<br />

<strong>de</strong> um corpo humano, cuja po<strong>se</strong><br />

parece <strong>de</strong>safiar a urgência repetitiva<br />

do refrão. Contudo, não <strong>se</strong> trata <strong>de</strong><br />

uma contradição: lembrem-<strong>se</strong> que<br />

estamos a falar do final da década <strong>de</strong><br />

60, um período on<strong>de</strong> a paz, o <strong>se</strong>xo<br />

mas também a indolência eram<br />

reivindicados como direito político.<br />

Lembrem-<strong>se</strong>, também, que esta foi<br />

uma época encurralada entre dois<br />

tipos <strong>de</strong> moralismo no que dizia<br />

respeito aos objectos: <strong>de</strong> um lado,<br />

um credo funcionalista que os via<br />

como máquinas (o mo<strong>de</strong>rnismo,<br />

com as suas habitações minimalistas<br />

e a sua mobília tubular em metal e<br />

couro); do outro, uma filosofia<br />

con<strong>se</strong>rvadora que os via como a<br />

repre<strong>se</strong>ntação <strong>de</strong> uma certa or<strong>de</strong>m<br />

social (a burguesia, com os <strong>se</strong>us<br />

naprons, os <strong>se</strong>us aparadores, as suas<br />

fotografias em caixilhos<br />

envernizados).<br />

Estas duas doutrinas não <strong>se</strong><br />

contrariavam totalmente, na medida<br />

em que ambas acreditavam que um<br />

objecto <strong>de</strong>veria cumprir uma função<br />

<strong>de</strong>finida, que <strong>de</strong>veria sobretudo <strong>se</strong>r<br />

útil e parecer útil – ou <strong>se</strong>ja: que a sua<br />

forma <strong>de</strong>veria reflectir a sua função.<br />

Qualquer uma <strong>de</strong>las entendia o<br />

<strong>de</strong>sign como reflexo <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m<br />

social pré-existente, mas havia uma<br />

terceira opção, mais radical: recusar<br />

uma relação óbvia entre forma e<br />

função, concebendo objectos<br />

polimórficos e multifuncionais em<br />

que estes dois termos <strong>se</strong> <strong>de</strong>sligavam<br />

propositadamente um do outro,<br />

tornando-<strong>se</strong> autónomos e<br />

arbitrários, pondo assim em causa<br />

não apenas as regras do bom <strong>de</strong>sign,<br />

mas as estruturas sociais aceites.<br />

As peças mostradas nesta<br />

exposição, sobretudo roupa e<br />

mobiliário, encaixam-<strong>se</strong> <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong>sta filosofia. Dispostas sobre<br />

colinas <strong>de</strong> peluche colorido ou<br />

escondidas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casas <strong>de</strong><br />

plástico translúcido, parecem-<strong>se</strong><br />

com os habitantes <strong>de</strong> um mundo<br />

psicadélico on<strong>de</strong> a escala e a<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Espaço<br />

Público<br />

Este espaço vai <strong>se</strong>r<br />

<strong>se</strong>u. Que fi lme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

utilida<strong>de</strong> não são valores <strong>de</strong> todo<br />

evi<strong>de</strong>ntes. Aqui, um sofá po<strong>de</strong><br />

assumir a forma <strong>de</strong> uma luva <strong>de</strong><br />

ba<strong>se</strong>ball gigante; ali, a <strong>de</strong> um ninho<br />

<strong>de</strong> pássaro com uma almofada em<br />

forma <strong>de</strong> ovo; acolá, a dos lábios <strong>de</strong><br />

Marilyn Monroe. Alguns objectos<br />

recusam mesmo toda a<br />

i<strong>de</strong>ntificação, assumindo formas<br />

novas, bolhas <strong>de</strong> plástico que <strong>se</strong><br />

abrem para revelar ca<strong>de</strong>iras,<br />

máquinas <strong>de</strong> escrever ou televisões.<br />

Uns poucos, parecendo-<strong>se</strong> com<br />

poltronas mo<strong>de</strong>rnistas, recusam a<br />

sua função original através <strong>de</strong><br />

espigões acerados que perfurariam<br />

<strong>se</strong>m dúvida quem neles <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntas<strong>se</strong>.<br />

Nenhuma <strong>de</strong>stas peças nega<br />

propriamente uma origem<br />

industrial. Na verda<strong>de</strong>, agarram nas<br />

características da reprodução em<br />

série e levam-nas até ao limite: um<br />

objecto po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r construído<br />

modularmente a partir <strong>de</strong> peças e<br />

funcionalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sproporcionadas<br />

ou antagónicas entre si; po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r<br />

reproduzido em várias escalas,<br />

mesmo que <strong>se</strong> torne numa coisa<br />

completamente diferente com o<br />

tamanho; po<strong>de</strong> concentrar em si<br />

funcionalida<strong>de</strong>s ao ponto <strong>de</strong> <strong>se</strong><br />

tornar pouco prático. Mesmo o<br />

vocabulário modular e utilitarista da<br />

indústria é usado <strong>de</strong> modo rigoroso<br />

mas sarcástico quando <strong>se</strong> chama a<br />

um sofá com um padrão <strong>de</strong> leopardo<br />

o “Safari Seating System” (bom<br />

nome para uma banda).<br />

Estes objectos pediam um<br />

utilizador novo, alguém que<br />

estives<strong>se</strong> disposto a <strong>de</strong>ixar para trás<br />

uma socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> cada objecto e<br />

cada pessoa tinham o <strong>se</strong>u lugar<br />

cativo, entrando numa socieda<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>se</strong>riam bastante<br />

mais movediças. De certo modo,<br />

uma socieda<strong>de</strong> como a nossa, on<strong>de</strong><br />

um objecto que <strong>se</strong> parece vagamente<br />

com um telefone po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r usado<br />

como um computador, um livro, um<br />

mapa, um tabuleiro <strong>de</strong> xadrez, uma<br />

televisão, um rádio ou uma máquina<br />

fotográfica – cada uma <strong>de</strong>stas<br />

funções distinta apenas em termos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sign.<br />

A partir <strong>de</strong> peças da colecção<br />

Francisco Capelo, Bárbara Coutinho<br />

concebeu uma exposição que nos<br />

permite revisitar uma época crucial<br />

na compreensão das políticas do<br />

<strong>de</strong>sign e que vive do carisma<br />

excêntrico dos objectos expostos,<br />

amplificado pela cenografia<br />

<strong>de</strong>lirante da sala. A narrativa que<br />

enquadra a exposição, centrando-<strong>se</strong><br />

na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um corpo libertado,<br />

levanta questões importantes, mas<br />

cai por vezes em opções forçadas.<br />

Não <strong>se</strong> po<strong>de</strong>, por exemplo, falar<br />

verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong><br />

multiculturalismo a propósito <strong>de</strong><br />

uma exposição sobre o <strong>de</strong>sign inglês<br />

e italiano da década <strong>de</strong> 60 e 70 – a<br />

referência isolada ao Brasil no título<br />

não chega para o justificar. Do<br />

mesmo modo, <strong>se</strong> a apre<strong>se</strong>ntação da<br />

bibliografia sob a forma <strong>de</strong> sala on<strong>de</strong><br />

exemplares <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> Lacan,<br />

Barthes, Foucault ou Levi-Strauss<br />

estão pendurados do tecto por fios<br />

chama a atenção para eles enquanto<br />

objectos, a gran<strong>de</strong> maioria são<br />

edições recentes e em geral bastante<br />

<strong>de</strong>sastradas no que diz respeito ao<br />

<strong>de</strong>sign. Numa exposição ou<br />

instituição que não estives<strong>se</strong> tão<br />

ligada ao <strong>de</strong>sign esta falta da atenção<br />

– que <strong>se</strong> esten<strong>de</strong> ao mal con<strong>se</strong>guido<br />

<strong>de</strong>sign dos textos <strong>de</strong> apoio e <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntificação das peças – <strong>se</strong>ria qua<strong>se</strong><br />

perdoável.<br />

A aresta<br />

trágica<br />

Fotografias e <strong>de</strong><strong>se</strong>nhos – a<br />

memória <strong>de</strong> uma ascensão.<br />

Óscar Faria<br />

Travessia. Evidência.<br />

O Monte Rosa<br />

De Pedro Tropa.<br />

Porto. Galeria Quadrado Azul Q1. R. Miguel<br />

Bombarda, 435. Tel.: 226097313. Até 18/12. 3ª a 6ª<br />

das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30.<br />

mmmmm<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

O Monte Rosa faz fronteira entre a<br />

Suíça e a Itália e é, em termos <strong>de</strong><br />

altitu<strong>de</strong>, o <strong>se</strong>gundo maciço mais<br />

relevante dos Alpes Peninos, <strong>se</strong>ndo o<br />

Dufour (Dufourspitze, em alemão) o<br />

<strong>se</strong>u ponto mais elevado, com cerca<br />

<strong>de</strong> 4635 metros. A primeira ascensão<br />

foi realizada em 1855 por uma equipa<br />

li<strong>de</strong>rada por Charles Hudson,<br />

enquanto a primeira escalada<br />

individual teve como protagonista<br />

John Tyndall, em 1858. Há também<br />

notícia que, no fim do século XV,<br />

Leonardo da Vinci terá explorado o<br />

lado italiano do monte, dando disso<br />

conta nos <strong>se</strong>us ca<strong>de</strong>rnos, on<strong>de</strong> <strong>se</strong><br />

po<strong>de</strong> ler o nome Mon Boso,<br />

<strong>de</strong>signação <strong>de</strong>rivada do dialecto<br />

franco-provençal – a palavra<br />

“roue<strong>se</strong>”, glaciar, <strong>de</strong>u origem, após<br />

sucessivas transformações, a rosa.<br />

A exposição <strong>de</strong> Pedro Tropa, que<br />

po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r vista na continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

“Cahier <strong>de</strong> Cent Dessins”<br />

apre<strong>se</strong>ntada recentemente em<br />

Lisboa, tem como origem uma<br />

travessia realizada no Monte Rosa em<br />

Julho e é composta por três<br />

fotografias a preto-e-branco<br />

realizadas no local, 25 <strong>de</strong><strong>se</strong>nhos<br />

executados, “a posteriori”, no atelier<br />

do artista e um livro <strong>de</strong> poemas,<br />

edição <strong>de</strong> autor. O percurso realizado<br />

durou três dias, procurando a mostra<br />

evocar es<strong>se</strong> período <strong>de</strong> tempo<br />

dividido entre caminhadas e abrigos<br />

– no lado italiano do maciço existe<br />

um com o nome Regina Margherita.<br />

“Travessia. Evidência. ‘O Monte<br />

Rosa’” surge ao fundo da galeria sob<br />

uma luz quente e suave. Há uma<br />

narrativa com momentos <strong>de</strong> pausa<br />

– uma espécie <strong>de</strong> intervalos, abrigos,


Pedro Tropa: registar a intensida<strong>de</strong> do percurso,<br />

as difi culda<strong>de</strong>s da escalada <strong>de</strong> uma montanha<br />

<strong>de</strong>finidos pelas fotografias. Os<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>nhos traduzem a experiência<br />

em altitu<strong>de</strong>, na vizinhança do<br />

Glaciar Gorner, em condições, por<br />

vezes, <strong>de</strong> reduzida visibilida<strong>de</strong>. A<br />

memória surge fragmentada, tal<br />

como a paisagem, registada quer em<br />

traços subtis, finos, através dos quais<br />

<strong>se</strong> pres<strong>se</strong>nte uma pre<strong>se</strong>nça, quer<br />

através <strong>de</strong> um riscar mais intenso,<br />

que, por vezes, <strong>se</strong>rve para apagar<br />

palavras. Olhando com atenção<br />

po<strong>de</strong>m apontar-<strong>se</strong> núcleos distintos:<br />

um mais subtil, sugerindo um clima<br />

<strong>se</strong>vero, qua<strong>se</strong> fantasmático; outro<br />

relacionado com a repre<strong>se</strong>ntação da<br />

natureza em condições atmosféricas<br />

favoráveis – aqui é possível distinguir<br />

com alguma clareza as figuras<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>nhadas; finalmente, um<br />

terceiro, no qual surgem pequenos<br />

textos, possíveis legendas para os<br />

papéis.<br />

A preparação para os <strong>de</strong><strong>se</strong>nhos é a<br />

escalada, ou <strong>se</strong>ja, o artista começa o<br />

<strong>se</strong>u trabalho na subida e no<br />

confronto físico com a montanha.<br />

No caso do trabalho agora<br />

apre<strong>se</strong>ntado, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> o realizar<br />

surgiu logo após o abandono da<br />

Agenda<br />

Inauguram<br />

The Hustler<br />

De João Louro.<br />

Coimbra. Centro <strong>de</strong> Artes Visuais - CAV. Pátio da<br />

Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 28/02. 3ª a<br />

Dom. das 14h às 19h. Inaugura 20/11 às 22h.<br />

Instalação.<br />

White Shirt<br />

De John Wood & Paul Harrison.<br />

Lisboa. Empty Cube. R. Acácio Paiva, 27 R/C -<br />

Appleton Square. Tel.: 919379652. Apre<strong>se</strong>ntação<br />

única dia 25/11 das 21h45 às 0h.<br />

Outros.<br />

Continuam<br />

“Emissores Reunidos - Episódio II:<br />

Senhor Fantasma, Vamos Falar”<br />

Arte Lisboa 09<br />

De vários autores.<br />

Lisboa. FIL - Feira Internacional <strong>de</strong> Lisboa. R. do<br />

Bojador, Parque das Nações. Tel.: 218921500. Até<br />

23/11. 2ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. das 16h às 23h.<br />

Bilhetes: 8 euros; 4 euros (Estudantes, Jovem, +65).<br />

Emissores Reunidos - Episódio<br />

II: Senhor Fantasma, Vamos<br />

Falar<br />

De Marcelo Cida<strong>de</strong>, Renato Ferrão.<br />

Porto. Radiodifusão Portuguesa (Antiga RDP). R.<br />

Cândido dos<br />

Reis, 74. Até<br />

24/01. 3ª e 4ª<br />

das 17h às<br />

20h. 5ª e 6ª das 17h às 01h. Sáb. das 15h às 01h. Dom.<br />

das 15h às 20h.<br />

Brrrrain<br />

De António Olaio.<br />

Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. Tel.: 217905155. De 23/10 a 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª<br />

das 11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom.<br />

e Feriados das 14h às 20h(última admissão às 19h30).<br />

Jos De Gruyter e Harald Thys<br />

Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. Tel.: 217905155. De 23/10 a 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª<br />

das 11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom.<br />

e Feriados das 14h00 às 20h (última admissão às<br />

19h30).<br />

Batia Suter<br />

Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 - Edifício<br />

da CGD. Tel.: 222098116. De 30/10 a 09/01. 2ª, 4ª, 5ª<br />

e 6ª das 11h às 19h. (última admissão às 18h30) Sáb.,<br />

Dom. e Feriados das 14h às 20h (última admissão às<br />

19h30).<br />

Sem Saída, Ensaio Sobre o<br />

Optimismo<br />

De Augusto Alves da Silva.<br />

Porto. Mu<strong>se</strong>u <strong>de</strong> Serralves. Rua Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />

210. Tel.: 226156500. De 23/10 a 31/01. 3ª a 6ª das 10h<br />

às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.<br />

Jesper Just<br />

Lisboa. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />

217823474. Até 18/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

A Interpretação dos Sonhos<br />

De Jorge Mol<strong>de</strong>r.<br />

Lisboa. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />

Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />

217823474. Até 27/12. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />

Fotografia.<br />

Moby Dick<br />

De João Pedro Vale.<br />

Lisboa. Galeria Filomena Soares. Rua da<br />

Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 16/01. 3ª a<br />

Sáb. das 10h às 20h.<br />

Ask Me<br />

De Joana Bastos.<br />

Lisboa. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9.<br />

Tel.: 918156919. Até 20/12. 6ª, Sáb. e Dom. das 15h<br />

às 19h.<br />

O Sol Morre Cedo<br />

De Ana Manso, André Romão, Joana<br />

Escoval, Nuno da Luz.<br />

Lisboa. Mu<strong>se</strong>u da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa. Campo<br />

Gran<strong>de</strong>, 245. Tel.: 217513200 . Até 10/01. 3ª a Dom.<br />

das 10h às 18h. No Pavilhão Branco.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 39


40 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Exposições<br />

travessia. Era preciso registar<br />

aquele momento, a intensida<strong>de</strong> do<br />

percurso, as dificulda<strong>de</strong>s da<br />

ascensão. Se as fotografias <strong>de</strong>finem,<br />

ainda que vagamente, um lugar, os<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>nhos transformam-no e fixamno<br />

numa lembrança.<br />

Um livro constituído por oito<br />

poemas completa a exposição.<br />

Dedicado aos <strong>se</strong>us companheiros <strong>de</strong><br />

travessia, André Maranha e Helena<br />

Tavares, este pequeno opúsculo<br />

aproxima o leitor da experiência<br />

vivida por Pedro Tropa no Monte<br />

Rosa: “O que temos pela frente<br />

requer/preparativos que hão-<strong>de</strong><br />

completar/ infinitamente a aresta<br />

trágica. Eu/ próprio repetirei essa<br />

aresta maior/ entre uma ida<strong>de</strong> e<br />

outra.”<br />

Paciências<br />

e quebracabeças<br />

A eficácia da obra <strong>de</strong> Ana<br />

Vidigal vem da ligação<br />

permanente entre social e<br />

pessoal.<br />

Luísa Soares <strong>de</strong> Oliveira<br />

Matar o Tempo<br />

De Ana Vidigal.<br />

Lisboa. Galeria 111. Campo Gran<strong>de</strong>, 113 / Rua Doutor<br />

João Soares, 5B. T. 217977418. Até 31/12. 3ª a sáb. Das<br />

10h às 19h.<br />

mmmmn<br />

A história subjacente a estes<br />

trabalhos conta-<strong>se</strong> rapidamente. Ana<br />

Vidigal acompanhou há tempos a<br />

doença <strong>de</strong> uma pessoa próxima, e<br />

passava as horas <strong>de</strong> espera no<br />

hospital a realizar paciências nas<br />

folhas <strong>de</strong> jornais e revistas<br />

encontrados nas salas para<br />

acompanhantes <strong>de</strong> doentes. Es<strong>se</strong>s<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>nhos, frequentemente<br />

estereotipados e <strong>se</strong>m qualida<strong>de</strong><br />

artística notável, foram <strong>de</strong>pois<br />

trazidos para o atelier, ampliados,<br />

intervencionados e transformados<br />

enfim no conjunto <strong>de</strong> pinturas que<br />

agora po<strong>de</strong>mos ver na galeria 111 <strong>de</strong><br />

Lisboa. Algumas <strong>de</strong>stas peças<br />

estiveram já na repre<strong>se</strong>ntação<br />

portuguesa à Bienal <strong>de</strong> Sharjah, nos<br />

Emirados Árabes Unidos, ainda este<br />

ano. Mas esta é a primeira vez que o<br />

público po<strong>de</strong> vê-las em Portugal,<br />

juntamente com a contextualização<br />

que a série <strong>de</strong> que fazem parte lhes<br />

proporciona.<br />

Como suce<strong>de</strong> na obra <strong>de</strong>sta<br />

artista, todas as obras proce<strong>de</strong>m da<br />

apropriação <strong>de</strong> imagens e objectos<br />

pré-existentes e que, por uma razão<br />

pessoal, convocam memórias<br />

privadas ou sociais relativas à vida<br />

<strong>de</strong> Ana Vidigal. Em séries mais<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Ana Vidigal: os labirintos verda<strong>de</strong>iros são os da criação artística<br />

e os das relações humanas...<br />

antigas a artista realizou um<br />

inventário visual <strong>de</strong> imagens e<br />

mo<strong>de</strong>los que a socieda<strong>de</strong> portuguesa<br />

dos anos 60 (a época do <strong>se</strong>u<br />

nascimento) atribuía à mulher e à<br />

rapariga. Eram obras que,<br />

apropriando-<strong>se</strong> do colorido próprio<br />

da ilustração da época e<br />

sobrepondo-lhe pintura aplicada<br />

<strong>se</strong>gundo padrões geométricos,<br />

conjugavam a crítica <strong>de</strong>ssa mesma<br />

imagem com uma prática eufórica e<br />

corrosiva da pintura. Ana Vidigal<br />

nunca <strong>se</strong> coibiu, e bem, <strong>de</strong> conjugar<br />

esta abordagem sociológica dos<br />

papéis atribuídos ao género<br />

feminino com uma ironia mordaz e a<br />

reflexão sobre a sua própria<br />

biografia. Ao mesmo tempo, em<br />

momentos pontuais realizou<br />

instalações tridimensionais que<br />

obe<strong>de</strong>ciam ao mesmo processo <strong>de</strong><br />

trabalho: captação <strong>de</strong> objectos social<br />

e biograficamente significantes, e<br />

<strong>de</strong>svio da sua função primeira<br />

através da ironia e do jogo <strong>de</strong><br />

palavras. “O Véu da Noiva”, obra<br />

pertencente à Fundação Manuel <strong>de</strong><br />

Brito, é um bom exemplo do que<br />

acabámos <strong>de</strong> referir.<br />

Com o tempo, contudo, a sua<br />

obra <strong>de</strong>purou-<strong>se</strong> <strong>de</strong> uma certa<br />

exuberância <strong>de</strong>corativa e ganhou<br />

em profundida<strong>de</strong> e carga simbólica.<br />

Os processos mantêm-<strong>se</strong>. Mas – e<br />

um Project room na feira Arte<br />

Lisboa <strong>de</strong> 2007 foi um marco neste<br />

percurso <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> crescente<br />

– os temas tornaram-<strong>se</strong> mais<br />

incisivos, a liberda<strong>de</strong> com que<br />

matérias e suportes eram utilizados<br />

aumentou, e h<strong>ouve</strong> uma <strong>de</strong>puração<br />

cromática e formal que <strong>se</strong> tornou<br />

óbvia. Nes<strong>se</strong> projecto <strong>de</strong> há dois<br />

anos, a artista recriou o <strong>se</strong>u quarto<br />

<strong>de</strong> infância, e colocou-o em paralelo<br />

com o quarto on<strong>de</strong> o pai viveu<br />

durante parte da guerra colonial.<br />

No caso <strong>de</strong>sta exposição, as<br />

pinturas, ao invés <strong>de</strong> <strong>se</strong> construírem<br />

sobre tela e <strong>de</strong> <strong>se</strong> <strong>se</strong>rvirem da cor<br />

<strong>se</strong>m re<strong>se</strong>rvas, são feitas a partir <strong>de</strong><br />

ampliações <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> formato das<br />

imagens <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> jornal já<br />

mencionadas, das quais guardam a<br />

contenção cromática e formal.<br />

Notam-<strong>se</strong> todas as impurezas do<br />

papel <strong>de</strong> baixa qualida<strong>de</strong> e da tinta<br />

<strong>de</strong> impressão. Mas, por cima <strong>de</strong>stes<br />

labirintos e quebra-cabeças <strong>de</strong> fácil<br />

resolução, que nunca <strong>de</strong>moram<br />

mais do que uns minutos a resolver,<br />

Vidigal sobrepõe pintura, apaga<br />

linhas, cria novas formas, acentua<br />

ou retira fra<strong>se</strong>s <strong>de</strong> instruções,<br />

acrescentando-lhes <strong>se</strong>ntido on<strong>de</strong><br />

elas já o tinham perdido. Em<br />

“Pensas que o <strong>se</strong>xo terá<br />

importância?”, o título <strong>de</strong> uma das<br />

obras pre<strong>se</strong>ntes, por exemplo, o<br />

labirinto que permitiria a um<br />

esquilo alcançar as avelãs é apagado<br />

por pintura, sobre a qual <strong>se</strong><br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>nha a silhueta <strong>de</strong> um napperon<br />

<strong>de</strong> papel: como <strong>se</strong> a artista nos<br />

afirmas<strong>se</strong> que os labirintos<br />

verda<strong>de</strong>iros são os da criação<br />

artística e os das relações humanas,<br />

ficando por <strong>de</strong>monstrar que uns<br />

não são exactamente coinci<strong>de</strong>ntes<br />

com os outros.<br />

A eficácia da obra <strong>de</strong> Ana Vidigal<br />

vem <strong>de</strong>sta ligação permanente entre<br />

o social e o pessoal. Toda a sua obra<br />

proce<strong>de</strong> da sua vida, mas, no <strong>se</strong>u<br />

enten<strong>de</strong>r, a sua vida é também acção<br />

e intervenção. A galeria editou, para<br />

esta ocasião, um livro <strong>de</strong><br />

apre<strong>se</strong>ntação da obra da artista<br />

realizada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005, on<strong>de</strong> <strong>se</strong> inclui<br />

uma excelente entrevista<br />

contextualizadora feita por Susana<br />

Pomba.<br />

Imagens<br />

que <strong>se</strong> (<strong>de</strong>s)<br />

encontram<br />

Um artista fascinado pelo<br />

tempo das imagens.<br />

José Marmeleira<br />

David Claerbout<br />

Lisboa. MNAC - Mu<strong>se</strong>u do Chiado. Rua Serpa Pinto,<br />

4. Tel.: 213432148. Até 28/02. 3ª a Dom. das 10h às<br />

18h. Festival Temps d’Images 09.<br />

Instalação, Ví<strong>de</strong>o, Fotografia.<br />

mmmnn<br />

David Claerbout (Kortrijk, Bélgica,<br />

1969) não é um estreante no<br />

contexto expositivo português –


integrou no ano passado a colectiva<br />

“Ida e Volta: Ficção e Realida<strong>de</strong>”,<br />

no Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna da<br />

Fundação Gulbenkian – mas é com<br />

a individual inaugurada no Mu<strong>se</strong>u<br />

do Chiado que efectivamente coloca<br />

a sua obra diante do público<br />

português.<br />

E coloca-a <strong>de</strong> uma forma não<br />

apenas silenciosa mas, também,<br />

autoritariamente generosa: sob a<br />

curadoria <strong>de</strong> Pedro Lapa (a última<br />

no Mu<strong>se</strong>u do Chiado, na condição<br />

<strong>de</strong> director), ocupa dois pisos com<br />

vi<strong>de</strong>oprojecções e projecções <strong>de</strong><br />

fotografias, num total <strong>de</strong> <strong>se</strong>te<br />

trabalhos. A montagem é feliz,<br />

aten<strong>de</strong>ndo à natureza do espaço, e<br />

transforma as principais salas <strong>de</strong><br />

exposições numa longa black box,<br />

apenas interrompida pelos átrios e<br />

as luzes que emanam das imagens –<br />

po<strong>de</strong>-<strong>se</strong> discutir esta “ocupação”,<br />

mas isso é tema para outro <strong>de</strong>bate.<br />

Artista formado em pintura,<br />

Claerbout rapidamente abraçou a<br />

fotografia e o ví<strong>de</strong>o, interessado em<br />

pesquisar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tempo nas duas<br />

linguagens. À fotografia foi<br />

acrescentando movimento,<br />

libertando-a da sua imobilida<strong>de</strong>, ao<br />

filme foi “impondo” uma<br />

suspensão, uma paragem. Tal<br />

prática – as<strong>se</strong>nte na tecnologia<br />

digital – tem-lhe permitido<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>nvolver interrogações em torno<br />

da memória das imagens do<br />

mo<strong>de</strong>rnismo, das relações entre a<br />

arquitectura e a figura humana ou,<br />

tão-somente, da forma como<br />

experienciamos a imagem (da<br />

fotografia e do filme).<br />

Na primeira sala, encontram-<strong>se</strong><br />

trabalhos on<strong>de</strong> <strong>se</strong> reflectem alguns<br />

<strong>de</strong>stes tópicos. Em “Kin<strong>de</strong>rgarten<br />

Antonio Sant’Elia 1932” (1998) vemos<br />

uma fotografia <strong>de</strong> crianças num<br />

jardim-<strong>de</strong>-infância, projectado por<br />

Giu<strong>se</strong>ppe Terragni, arquitecto do<br />

racionalismo italiano. Não <strong>se</strong><br />

movem, como que presas num<br />

plano fixo. A imagem porém não<br />

está “morta”, pois vislumbra-<strong>se</strong> o<br />

baloiçar das folhas das árvores. O<br />

mesmo “corte” repete-<strong>se</strong> em<br />

“Shadow Piece” (2005): várias<br />

pessoas, movidas pela curiosida<strong>de</strong>,<br />

tentam entrar num edifício, mas não<br />

con<strong>se</strong>guem; apenas as suas sombras<br />

penetram no outro lado imagem (a<br />

da fotografia). Entretanto, o preto e<br />

o branco, a luz, os elementos<br />

arquitectónicos do lugar e o rigor da<br />

composição oferecem à cena um<br />

cariz melancólico e lembramo-nos<br />

<strong>de</strong> “Playtime”, <strong>de</strong> Jacques Tati: com<br />

efeito, em “Shadow Piece” o artista<br />

partilha com o cineasta o mesmo<br />

afecto pela relação dos indivíduos<br />

com os espaços da arquitectura<br />

mo<strong>de</strong>rnista.<br />

Olhar com <strong>de</strong>mora (com tempo)<br />

as imagens é uma das “exigências”<br />

implícitas na obra <strong>de</strong> Claerbout. E<br />

por vezes olhar significa também<br />

esperar, como em “Arena” (2007),<br />

uma projecção ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong><br />

diapositivos <strong>de</strong> um só momento: o<br />

instante antes da marcação <strong>de</strong> um<br />

cesto num jogo <strong>de</strong> basquetebol.<br />

Imagens fixas <strong>de</strong> várias figuras,<br />

planos e rostos parecem dirigidas à<br />

acção mas, em simultâneo,<br />

<strong>de</strong>volvem-nos um olhar diferido <strong>de</strong><br />

um momento que não é possível<br />

capturar na sua totalida<strong>de</strong>, que<br />

escapa (o próprio tempo).<br />

Esta espera resulta, por vezes,<br />

num <strong>de</strong><strong>se</strong>ncontro, como em<br />

“Rocking Chair” (2003), instalação<br />

interactiva num ecrã duplo que<br />

mostra uma mulher. De um lado,<br />

vemo-la <strong>se</strong>ntada na sua ca<strong>de</strong>ira, o<br />

rosto meio coberto pela sombra,<br />

nas suas costas uma paisagem. Ao<br />

passarmos pela instalação e quando<br />

estamos prestes a abandonar a sala,<br />

eis que reage ao nosso andar. Move<strong>se</strong>,<br />

mas <strong>se</strong>m qualquer gesto<br />

performativo ou teatral. Limita-<strong>se</strong><br />

notar a nossa pre<strong>se</strong>nça, <strong>se</strong>m nos<br />

ver. Ouve-nos apenas.<br />

Uma situação <strong>se</strong>melhante<br />

reaparece em “Riversi<strong>de</strong>” (2009), a<br />

peça mais forte da exposição. Um<br />

homem e uma mulher percorrem a<br />

mesma paisagem, mas nunca <strong>se</strong><br />

encontram, nunca <strong>se</strong> reúnem.<br />

Passam pelo mesmo lugar (um<br />

ribeiro), mas em tempos diferentes<br />

e só a banda sonora (o som do<br />

ribeiro) liga no fim as duas imagens.<br />

A expectativa <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sfecho é<br />

quebrada para questionar, como<br />

em “Arena”, a percepção enquanto<br />

fenómeno linear, unidireccional.<br />

David Claerbout: um artista fascinado pelo tempo das imagens<br />

PEDRO CUNHA<br />

PEDRO GUEDES<br />

direcção musical<br />

A Orquestra Jazz <strong>de</strong> Matosinhos associa-<strong>se</strong><br />

à voz pujante e versátil <strong>de</strong> Maria João num<br />

programa que inclui standards do universo<br />

jazzístico norte-americano e da música<br />

popular brasileira, obras emblemáticas<br />

da longa colaboração da cantora com<br />

o pianista Mário Laginha e uma canção<br />

inédita da autoria <strong>de</strong> Carlos Azevedo.<br />

RICARDO SILVEIRA <strong>guitarra</strong><br />

KIKO FREITAS bateria<br />

NEY CONCEIÇÃO baixo<br />

SÁB 22:00<br />

SALA SUGGIA<br />

€ 25<br />

JOÃO BOSCO voz e <strong>guitarra</strong><br />

RICARDO SILVEIRA <strong>guitarra</strong><br />

KIKO FREITAS bateria<br />

NEY CONCEIÇÃO baixo<br />

O mineiro João Bosco é um dos músicos<br />

mais originais do Brasil, com canções<br />

que são autênticos hinos da MPB. Ricardo<br />

Silveira, guitarrista <strong>de</strong> excepção com<br />

carreira internacional, transita por<br />

vários estilos, particularmente entre a<br />

música brasileira e o jazz.<br />

SÁB 22:00<br />

SALA SUGGIA<br />

€ 15<br />

SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO<br />

PARA O CONCERTO DE DIA 12 DEZEMBRO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />

www.casadamusica.com | T 220 120 220<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 41


Concertos<br />

42 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

AMY GIUNTA<br />

Pop<br />

Massive<br />

Attack ou os<br />

Clash versão<br />

LCD<br />

Concertos com o lado visual<br />

e performativo infl uenciados<br />

pelos Clash, diz-nos Daddy<br />

G. João Bonifácio<br />

Massive Attack<br />

Lisboa. Praça <strong>de</strong> Touros do Campo Pequeno. Campo<br />

Pequeno. Sáb. e Dom. às 21h00 (portas abrem às<br />

20h). Tel.: 217820575. 24€ a 35€.<br />

Ora vamos lá a olhar para os <strong>de</strong>dos<br />

das duas mãos e fazer contas: há<br />

quantos anos é que os Massive<br />

Attack não têm disco novo? Ora, dois<br />

mil e três é o mindinho esquerdo<br />

que é igual a um, portanto, um, dois,<br />

três, quatro, cinco, polegar direito.<br />

Há polegar direito que não temos<br />

direito a disco novo.<br />

Seis anos e tal à espera do quinto<br />

disco <strong>de</strong> originais que está “qua<strong>se</strong><br />

pronto”, <strong>se</strong>gundo Daddy G, vai<br />

chamar-<strong>se</strong> “LP5”, conta com a<br />

pre<strong>se</strong>nça <strong>de</strong> Damon Albarn, Martina<br />

Topley-Bird e Tun<strong>de</strong>, dos TV on the<br />

Radio, e vai sair este ano. Isto é<br />

certo. “Qua<strong>se</strong> certo”, diz Daddy G.<br />

“LP5” já teve uma data <strong>de</strong> nomes,<br />

várias datas <strong>de</strong> edição adiadas, mas<br />

não é como <strong>se</strong> eles tives<strong>se</strong>m estado<br />

<strong>de</strong> férias. Daddy G, ao telefone com<br />

o Ípsilon justifica os atrasos: “Des<strong>de</strong><br />

2003 editámos um ‘Best-of’, fizemos<br />

a respectiva digressão, fomos<br />

Concertos<br />

C<br />

Os Fiery Furnaces dos<br />

irmãos Matthew e Eleanor<br />

Friedberger são uma das<br />

bandas mais relevantes<br />

e criativamente<br />

estimulantes da última<br />

década, o que <strong>se</strong> comprova<br />

em álbuns tão distintos<br />

quanto “Blueberry Boat”,<br />

curadores do Festival Meltdwon,<br />

fizemos várias BSOs, voltámos a<br />

fazer uma digressões, e continuámos<br />

<strong>se</strong>mpre a fazer DJing”.<br />

Pelo meio atiraram para o lixo<br />

“duas versões anteriores” <strong>de</strong> “LP 5”,<br />

tudo por causa da última digressão.<br />

“Tínhamos o disco acabado,<br />

experimentámo-lo um pouco na<br />

estrada e quando acabámos <strong>de</strong> tocar<br />

ao vivo estávamos um bocado fartos<br />

<strong>de</strong>le. Tínhamos escrito o disco em<br />

<strong>se</strong>parado e achámos que lhe faltava<br />

alguma coisa que fos<strong>se</strong> comum a<br />

todos, por isso resolvemos começar<br />

<strong>de</strong> novo, <strong>de</strong>sconstruir as canções e<br />

voltar a construí-las”.<br />

Claro que, perante tanta <strong>de</strong>mora,<br />

o povo tuga que <strong>se</strong> <strong>de</strong>slocar amanhã<br />

e domingo à Praça <strong>de</strong> Touros do<br />

Campo Pequeno (Lisboa) para os ver<br />

ao vivo (com a voz <strong>de</strong> Martina<br />

Topley-Bird) vai ter direito a “mesmo<br />

muita coisa <strong>de</strong> ‘LP5’”. Aliás,<br />

preparem-<strong>se</strong> porque “as primeiras<br />

cinco ou <strong>se</strong>is canções são do novo<br />

disco”. Isto, diz Daddy G, até “po<strong>de</strong><br />

<strong>se</strong>r suicídio comercial” mas “isso é<br />

que torna tudo mais excitante, não<br />

é?”.<br />

Vai <strong>se</strong>r um disco distante do início<br />

da banda, quando eles diziam <strong>se</strong>r<br />

“um sound-system e não uma<br />

banda”, mas também vai <strong>se</strong>r um<br />

disco diferente <strong>de</strong> “100 th Window”:<br />

“Com ‘100th Window’ havia muitas<br />

camadas com coisas brilhantes, mas<br />

um pouco inacessíveis. Nes<strong>se</strong><br />

<strong>se</strong>ntido este disco é mais limpo, mais<br />

acessível. É como quando os Clash<br />

foram a Nova Iorque e viram o hiphop<br />

com beats uptempo e toda<br />

aquela onda disco. Conheces os PIL?<br />

Soa um pouco a essa era”.<br />

Essa era, <strong>se</strong>gundo Daddy G,<br />

influencia o lado visual e<br />

performativo que vamos assistir ao<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

“Bitter Tea” ou o recente<br />

“I’m Going Away”, pérola<br />

pop como nunca lhes<br />

tínhamos ouvido antes.<br />

Tudo verda<strong>de</strong>. Ponto<br />

fi nal. Acontece que,<br />

uma década <strong>de</strong>pois do<br />

nascimento da banda,<br />

ainda não os tínhamos<br />

Massive Attack: o novo disco, “LP5”, vai fazer-<strong>se</strong> ouvir no Campo Pequeno<br />

vivo: “Vai <strong>se</strong>r como a ‘White Riot<br />

Tour’ dos Clash. Vi-a quando era<br />

novo e só pensava ‘Um dia quero<br />

fazer parte <strong>de</strong> uma coisa assim’”.<br />

Bom, em abono do lado punk dos<br />

Clash (que Daddy G citou 134 vezes<br />

em 15 minutos <strong>de</strong> conversa) <strong>de</strong>clare<strong>se</strong><br />

que na “White Riot Tour” não<br />

havia LCDs gigantes. Mas nos<br />

concertos dos Massive Attack sim:<br />

“Temos um ecrã LCD que enchemos<br />

<strong>de</strong> informação, alguma política,<br />

outra mais non-<strong>se</strong>n<strong>se</strong>, tudo aquilo<br />

que faz parte do nosso mundo”.<br />

Portanto, amanhã e domingo já<br />

sabem: ali em palco estão os Clash<br />

do século XXI e aquela moça bonita<br />

é o Joe Strummer. E “LP5” ainda vai<br />

acabar por chamar-<strong>se</strong> “Combat triphop”.<br />

Num lugar<br />

<strong>se</strong>mpre novo<br />

O Ben Chasny que regressa<br />

a Portugal está, outra vez,<br />

diferente. Pedro Rios<br />

Six Organs Of Admittance<br />

Lisboa. Cinema Nimas. Av. 5 Outubro, 42B. 3ª às<br />

22h00. Tel.: 213574362. 10€.<br />

É um dos gran<strong>de</strong>s cultores dos<br />

cruzamentos entre canção folk e o<br />

fogo eléctrico do psica<strong>de</strong>lismo e do<br />

rock mais livre. Mas é um Ben<br />

Chasny diferente aquele que<br />

regressa a Portugal, terça-feira, no<br />

Nimas, em Lisboa, acompanhado <strong>de</strong><br />

Elisa Ambrogio (dos Magik Markers),<br />

Andrew Mitchell e Alex Nielson.<br />

Na verda<strong>de</strong>, nunca esteve parado<br />

num único lugar. No início <strong>de</strong><br />

visto em Portugal. A<br />

espera acabou. Aí está o<br />

anúncio: Fiery Furnaces<br />

no Santiago Alquimista,<br />

em Lisboa, dia 26 <strong>de</strong><br />

Fevereiro. Bilhetes a 20<br />

euros, concerto marcado<br />

para as 22h.<br />

carreira, gravava num gravador <strong>de</strong><br />

quatro pistas longas peças centradas<br />

na <strong>guitarra</strong> acústica e na sua voz,<br />

que amplificavam as aventuras pelo<br />

<strong>de</strong>sconhecido <strong>de</strong> guitarristas como<br />

John Fahey e Robbie Basho,<br />

transpondo-as para um contexto<br />

abertamente psicadélico e<br />

influenciado pelo avant rock. Fez um<br />

belo disco <strong>de</strong> canções simples,<br />

“Compathia” (2003), e clássicos do<br />

ressurgimento folk <strong>de</strong>sta década,<br />

como “For Octavio Paz” (também<br />

em 2003) e, sobretudo, “School of<br />

the Flower”, editado em 2005, com<br />

a inesquecível participação do<br />

baterista Chris Corsano a elevar a<br />

folk à estratosfera “free”. Em Agosto,<br />

lançou “Luminous Night” e, este<br />

mês, chegou a um terreno novo, as<br />

livrarias, ao assinar a banda sonora<br />

que acompanha o romance “Empty<br />

The Sun”, <strong>de</strong> Jo<strong>se</strong>ph Mattson.<br />

“Luminous Night” foge do<br />

domínio absoluto da <strong>guitarra</strong> dos<br />

discos anteriores. Ro<strong>de</strong>ou-<strong>se</strong> <strong>de</strong><br />

convidados como Hans Teuber<br />

(flautas), Tor Dietrichson (tablas) e o<br />

prestigiado Eyvind Kang (viola), que<br />

tocou com gente como os Mr.<br />

Ben Chasny: “Luminous Night”<br />

foge do domínio absoluto da<br />

<strong>guitarra</strong> dos discos anteriores


Bungle, Sunn 0))), John Zorn e Marc<br />

Ribot. E fez o <strong>se</strong>u disco mais cheio e<br />

límpido, e aquele em que parece<br />

mais confiante com as suas<br />

capacida<strong>de</strong>s: é capaz <strong>de</strong> ir da<br />

electrónica com pingos <strong>de</strong><br />

melancolia à Tim Hecker, à melodia<br />

oriental <strong>de</strong> “Bar-Nasha”, <strong>se</strong>m medo<br />

<strong>de</strong> trazer flautas <strong>se</strong>rpenteantes e<br />

tablas (para susto <strong>de</strong> alguns a<strong>de</strong>ptos<br />

da frugalida<strong>de</strong> dos Six Organs <strong>de</strong><br />

antigamente), e lembrar o tom<br />

apocalíptico dos Current 93 em<br />

“Enemies Before the Light”.<br />

O processo <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> “Cover<br />

Your Wounds With The Sky”, a<br />

canção que lembra Hecker, é<br />

revelador da ambição <strong>de</strong> Chasny.<br />

Gravou “drones” no computador,<br />

passou-os para cas<strong>se</strong>tes, que<br />

enterrou no <strong>se</strong>u quintal, em Seattle,<br />

durante dois me<strong>se</strong>s. Depois pô-las a<br />

tocar num amplificador num volume<br />

ensur<strong>de</strong>cedor e gravou o som daí<br />

resultante, a que acrescentou piano<br />

e outros elementos. Ben Chasny em<br />

2009 é isto: um músico <strong>de</strong> excepção,<br />

em qualquer domínio que <strong>se</strong> mova.<br />

Micachu & The<br />

Shapes: chocar<br />

com o pre<strong>se</strong>nte<br />

Popnoname + Trash Converters +<br />

Micachu & The Shapes +<br />

Aquaparque + Mr Mitsuhirato<br />

Porto. Plano B. R. Cândido dos Reis, 30. 6ª às<br />

22h30. Tel.: 222012500.14€. Pré-venda: 12€. Lisboa,<br />

sábado, 21, Loft<br />

“Jewellery”, afirmamo-lo com<br />

convicção, é um dos álbuns do ano.<br />

Um ovni pop saído da cabeça <strong>de</strong><br />

uma música, compositora e<br />

produtora, a londrina Mica Levi, que<br />

ignora, por temperamento e<br />

formação, fronteiras estéticas e<br />

paradigmas musicais.<br />

Em “Jewellery”, o álbum <strong>de</strong><br />

estreia, editado pela Acci<strong>de</strong>ntal<br />

Records <strong>de</strong> Matthew Herbert e<br />

elogiado por Björk, convivem ruído<br />

sónico e blips <strong>de</strong> artesã electrónica,<br />

melodias pop e arrojo <strong>de</strong><br />

experimentalista <strong>se</strong>m pachorra para<br />

“aca<strong>de</strong>mismos”. Nesta música, o<br />

pre<strong>se</strong>nte é reflectido <strong>de</strong> forma<br />

magistral: porque aos sinais dos<br />

tempos vem acoplada uma<br />

Micachu & The Shapes: autores<br />

<strong>de</strong> um dos discos do ano<br />

vincadíssima marca autoral.<br />

Ouve-<strong>se</strong> uma canção como<br />

“Gol<strong>de</strong>n phone” e temos um single<br />

disfuncional que encontrará espaço<br />

nas colectâneas <strong>de</strong> época que o<br />

futuro trará. Ouve-<strong>se</strong> “Lips” e a<br />

estética lo-fi <strong>de</strong> ontem transmuta-<strong>se</strong><br />

em urgência <strong>de</strong> hoje – e <strong>de</strong>pois,<br />

procuram-<strong>se</strong> canções, simplesmente<br />

canções, mas busca-<strong>se</strong> som a todo o<br />

lado: a <strong>guitarra</strong>s inventadas, a<br />

aspiradores em sucção feroz, a<br />

bancos <strong>de</strong> sons digitais ou a ruídos<br />

extraídos da rua.<br />

Acompanhada pelos Shapes<br />

(Raisa Khan nas teclas e Marc Pell<br />

na bateria), esta Micachu que tem<br />

formação erudita e idolatra o<br />

compositor vanguardista Harry<br />

Partch, que <strong>se</strong> mostrou primeiro<br />

como produtora e DJ da<br />

comunida<strong>de</strong> grime britânica,<br />

estreia-<strong>se</strong> em Portugal com dois<br />

concertos: esta noite no Porto, no<br />

Plano B, com primeira parte dos<br />

indispensáveis Aquaparque, e<br />

amanhã em Lisboa, no Loft – nesta,<br />

que é festa <strong>de</strong> aniversário (a <strong>de</strong><br />

Madame, da produtora Madame<br />

Management, que as organiza <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

há <strong>se</strong>is anos em diferentes locais <strong>de</strong><br />

Lisboa), os bilhetes apenas <strong>se</strong>rão<br />

vendidos no próprio dia, à porta do<br />

espaço e, para além <strong>de</strong> Micachu,<br />

haverá concertos <strong>de</strong> Jon Hopkins e<br />

Voltek e DJs <strong>se</strong>ts <strong>de</strong> Quayola,<br />

Twofold, Stereo Addiction e<br />

Heartbreakerz. M.L.<br />

Dead Combo:<br />

fim e recomeço<br />

Dead Combo<br />

Com Pedro Gonçalves (contrabaixo<br />

e baixo eléctrico), Tó Trips<br />

(<strong>guitarra</strong>s), Ana Araújo (piano), João<br />

Cabrita (saxofone), João Marques<br />

(trompete), Jorge Ribeiro<br />

(trombone), Alexandre Frazão<br />

(bateria).<br />

Lisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº Maria<br />

Cardoso, 38-58. 6ª e Sáb. às 23h30. Tel.: 213257650.<br />

15€.<br />

No Jardim <strong>de</strong> Inverno. Apre<strong>se</strong>ntação<br />

<strong>de</strong> “Lusitânia Playboys”. M/3.<br />

Quando os Dead Combo actuarem,<br />

hoje e amanhã, a partir das 23h30,<br />

no Teatro São Luiz, em Lisboa,<br />

assistiremos a um fim e a um<br />

recomeço. Fim, porque os dois<br />

concertos assinalarão o final da<br />

digressão <strong>de</strong> “Lusitânia Playboys”, o<br />

aclamado álbum <strong>de</strong> 2008 on<strong>de</strong> Tó<br />

Trips e Pedro Gonçalves<br />

aprimoraram como nunca antes a<br />

sua expressão musical – é álbum <strong>de</strong><br />

viagem e <strong>de</strong>ambulação, on<strong>de</strong> o<br />

“western vadio” parte mundo fora<br />

<strong>se</strong>m nunca abandonar<br />

verda<strong>de</strong>iramente o <strong>se</strong>u centro vital:<br />

Lisboa e os recantos <strong>de</strong> Lisboa. Mas<br />

é também um recomeço porque os<br />

concertos no São Luiz <strong>se</strong>rvirão para<br />

lançar o novo disco do duo. Chama<strong>se</strong><br />

“Live Hot Clube”, terá edição em<br />

CD e vinil, e, como o título indica,<br />

regista uma actuação na histórica<br />

sala lisboeta que lhe dá título.<br />

No disco, os Dead Combo são<br />

acompanhados pelo baterista<br />

Alexandre Frazão. No São Luiz, além<br />

<strong>de</strong> Frazão, contarão com os<br />

convidados Ana Araújo (piano), João<br />

Cabrita (saxofones), João Marques<br />

(trompete) e Jorge Ribeiro<br />

(trombone). Mário Lopes<br />

Teratron: dançar<br />

até fazer farelo<br />

Teratron + Exerci<strong>se</strong> One<br />

+ Expan<strong>de</strong>r + Leonaldo <strong>de</strong><br />

Almeida + Tiago<br />

Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique,<br />

Armazém A. 5ª às 23h00. Tel.: 218820890.<br />

Consumo mínimo.<br />

Dead Combo RITA CARMO<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 43


Concertos<br />

Orquestra <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong> Matosinhos em Estarreja<br />

Agenda<br />

Sexta 20<br />

O Irmão Enamorado (Lo Frate<br />

Nnamorato)<br />

Encenação: Luca Aprea. Direcção<br />

Musical: Marcos Magalhães. Com Os<br />

Músicos do Tejo, Joana Seara (voz),<br />

João Fernan<strong>de</strong>s (voz), Sara Amorim<br />

(voz), Luís Rodrigues (voz), Eduarda<br />

Melo (voz), Carlos Guilherme (voz),<br />

Carla Caramujo (voz). Compositor:<br />

G. B. Pergolesi.<br />

Lisboa. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do<br />

Império. 6ª, Sáb. e Dom. às 21h00. Tel.: 213612400.<br />

15€ a 18€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos).<br />

No Pequeno Auditório. M/12.<br />

Ver texto pag. 14 e <strong>se</strong>gs.<br />

Matteah Baim + Domingo No<br />

Quarto<br />

Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 -<br />

Bairro Alto, às 23h00. Tel.: 213430205.<br />

Hell & Pinkboy + Slight Delay<br />

Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique,<br />

Armazém A, às 23h00. Tel.: 218820890.<br />

Consumo mínimo.<br />

Pedro Abrunhosa & Comité<br />

Caviar<br />

Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr.<br />

Francisco Sá Carneiro, às 22h00. Tel.:<br />

219107110. 15€ a 30€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos).<br />

No Auditório Jorge Sampaio.<br />

M/6.<br />

Ana Moura<br />

Leiria. Teatro José Lúcio da Silva. R.<br />

Dr. Américo Cortez Pinto, às 21h30.<br />

Tel.: 244834117. 15€ a 20€.<br />

Apre<strong>se</strong>ntação <strong>de</strong><br />

“Leva-me aos Fados”.<br />

M/4.<br />

Quarteto <strong>de</strong> Cordas<br />

Com Eldar Nagiev<br />

(violino), Elena<br />

Norberto Lobo<br />

O que é que <strong>se</strong> faz quando já <strong>se</strong> é<br />

<strong>de</strong>masiado conhecido e as pessoas<br />

esperam <strong>de</strong> nós <strong>de</strong>terminado<br />

comportamento? Há várias hipóte<strong>se</strong>s:<br />

a) cirurgia plástica <strong>de</strong> reconstrução e<br />

ir viver para um paraíso fiscal; b)<br />

vestir uma gabardine, pôr uma<br />

peruca, sair <strong>de</strong> casa e evitar o Parque<br />

Eduardo VII; c) mudar <strong>de</strong> nome e <strong>de</strong><br />

trabalho. Meta<strong>de</strong> dos Da Wea<strong>se</strong>l<br />

optou pela última opção: João Nobre<br />

e Pedro Quaresma, que, no colectivo<br />

da doninha, são responsáveis pelo<br />

baixo e pela <strong>guitarra</strong>, formam uma<br />

dupla que dá pelo nome Teratron.<br />

Acabam <strong>de</strong> lançar o primeiro e<br />

homónimo disco e agora apre<strong>se</strong>ntam<strong>se</strong><br />

pela primeira vez no Lux, em<br />

Lisboa, quinta-feira.<br />

Ao contrário dos Da Wea<strong>se</strong>l não há<br />

aqui melting-pot sob fundo hip-hop<br />

com a pop como alvo: isto é<br />

electrónica pura e dura, feita para<br />

dançar à gran<strong>de</strong>, até os pés fazerem<br />

farelo. Para terem uma i<strong>de</strong>ia, a<br />

referência mais óbvia para os<br />

Teratron <strong>se</strong>rão os Justice ou os<br />

BoizNoi<strong>se</strong>: batidas pesadas em 4 por<br />

4, digitália ruidosa, linhas <strong>de</strong> baixo<br />

sintetizadas, umas vezes duras como<br />

chumbo outras dúcteis como a<br />

<strong>se</strong>xualida<strong>de</strong> dos pioneiros do discosound.<br />

O objectivo é a eficácia, <strong>se</strong>m<br />

rodriguinhos, o que é confirmável na<br />

44 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

FRED NS<br />

Komissarova (violino), Gerardo<br />

Gramajo (viola), Marco Pereira<br />

(violoncelo).<br />

Lisboa. Mu<strong>se</strong>u do Oriente. Av. Brasília - Edifício Pedro<br />

Álvares Cabral - Doca <strong>de</strong> Alcântara Norte, às 21h30.<br />

Tel.: 213585200.10€.<br />

No Auditório. Obras <strong>de</strong> Turina,<br />

Barber, Reger e Hin<strong>de</strong>mith. M/3.<br />

Cassandra Wilson<br />

Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D.<br />

Afonso Henriques, 701, às 22h00. Tel.: 253424700.<br />

17,5€ a 20€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos). Pas<strong>se</strong> Festival: 90€.<br />

No Gran<strong>de</strong> Auditório. Guimarães Jazz<br />

2009. M/12.<br />

Zany Dislexic Band<br />

Lisboa. Cinema Nimas. Av. 5 Outubro, 42B, às 22h00.<br />

Tel.: 213574362. 4€.<br />

O’queStrada<br />

Com Marta Miranda (voz), João Lima<br />

(<strong>guitarra</strong> portuguesa), Zeto (<strong>guitarra</strong> e<br />

voz), Pablo (contrabaixo), Donatello<br />

(acor<strong>de</strong>ão).<br />

Barcelos. Auditório São Bento Menni. Av. Paulo<br />

Felisberto, às 22h00. Tel.: 253808210. 8€.<br />

Orquestra <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong> Matosinhos<br />

Estarreja. Cine-Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Estarreja. Rua<br />

do Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>mouro, às 21h30. Tel.:<br />

234811300. 5€. Pas<strong>se</strong> Festival: 7,5€ (sujeito a<br />

<strong>de</strong>scontos).<br />

Homenagem a Count Basie.<br />

Estarrejazz 2009 - Festival <strong>de</strong> Jazz<br />

<strong>de</strong> Estarreja. M/3.<br />

Sábado 21<br />

Quarteto Remix<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 12h00. Tel.:<br />

220120220.5€.<br />

Na Sala 2. Obras <strong>de</strong> Chagas<br />

Rosa, Andrikopoulos e<br />

Beethoven.<br />

Norberto Lobo<br />

Vila Real. Teatro <strong>de</strong> Vila Real.<br />

faixa <strong>de</strong> abertura, “Fanfiction”, em<br />

que a batida é rainha e vai direito à<br />

espinha. Há faixas cantadas, ligeiras<br />

influências lounge (“Swinging<br />

hammock”), a sombra dos Daft<br />

Punk, mas não haja dúvidas: isto é<br />

música para tomar drogas que<br />

<strong>se</strong>rvem para dançar ao som <strong>de</strong><br />

música (que <strong>se</strong>rve para tomar drogas<br />

que etcetcetc).<br />

Clássica<br />

Uma lenda<br />

do piano<br />

no Porto<br />

O pianista e pedagogo<br />

vienen<strong>se</strong> Paul Badura-<br />

Skoda interpreta Haydn,<br />

Beethoven, Brahms e Jeno<br />

Takács na Casa da Música.<br />

Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

Paul Badura-Skoda<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, sáb., 21, às 18h00. Tel.: 220120220.<br />

25€.<br />

Alameda <strong>de</strong> Gras<strong>se</strong>, às 22h00. Tel.: 259320000.<br />

7€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos).<br />

No Pequeno Auditório. Apre<strong>se</strong>ntação<br />

<strong>de</strong> “Pata Lenta”. M/6.<br />

Sean Riley & The Slowri<strong>de</strong>rs<br />

Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Casa das Artes. Pq. <strong>de</strong><br />

Sinçães, às 23h00. Tel.: 252371297. 5€.<br />

Café-concerto. Ciclo Panorama:<br />

Mostra Cultural para 4 Estações.<br />

Apre<strong>se</strong>ntação <strong>de</strong> “Only Time Will<br />

Tell”. M/3.<br />

Ana Moura<br />

Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Casa das Artes <strong>de</strong> Vila Nova<br />

<strong>de</strong> Famalicão. Pq. <strong>de</strong> Sinçães, às 21h30. Tel.:<br />

252371297. 12€.<br />

No Gran<strong>de</strong> Auditório. Apre<strong>se</strong>ntação<br />

<strong>de</strong> “Leva-me aos Fados”. M/3.<br />

Dave Douglas & Blood Sweat<br />

Drum’n Bass Big Band<br />

Direcção Musical: Jim McNeely. Com<br />

Dave Douglas (trompete), Jim<br />

McNeely (piano).<br />

Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D.<br />

Afonso Henriques, 701, às 22h00. Tel.: 253424700.<br />

17,5€ a 20€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos). Pas<strong>se</strong> Festival: 90€.<br />

No Gran<strong>de</strong> Auditório. Guimarães Jazz<br />

2009. M/12.<br />

Mário Laginha<br />

Lourinhã. Auditório Maestro Manuel Maria Baltazar.<br />

Praça José Máximo da Costa, 7, às 21h30. Tel.:<br />

261410100. 8€.<br />

David Fon<strong>se</strong>ca<br />

Beja. Teatro Pax-Júlia. Largo São João, às 21h30. Tel.:<br />

284315090. 12,5€.<br />

JP Simões + Mr. Mitsuhirato<br />

Lisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 23h30. Tel.:<br />

213467090. 12€.<br />

Apre<strong>se</strong>ntação <strong>de</strong> “Boato”.<br />

Trio<br />

Com João Paulo Santos (piano), Maria<br />

do Anjo Albuquerque (soprano), Ana<br />

Serôdio (mezzo-soprano).<br />

Na Sala Suggia. Obras <strong>de</strong> Haydn,<br />

Beethoven, Takács e Brahms.<br />

O Ciclo <strong>de</strong> Piano da Casa da Música<br />

recebe no sábado um convidado<br />

ilustre. Trata-<strong>se</strong> do pianista austríaco<br />

Paul Badura-Skoda, com 82 anos,<br />

uma intensa carreira atrás <strong>de</strong> si e<br />

como uma discografia monumental<br />

que conta com mais <strong>de</strong> 200 títulos e<br />

inclui as integrais das Sonatas <strong>de</strong><br />

Mozart, Haydn e Schubert. Po<strong>de</strong><br />

dizer-<strong>se</strong> que Badura-Skoda é uma<br />

autêntica lenda viva do piano, tanto<br />

no plano da interpretação como da<br />

pedagogia, da edição musical e da<br />

investigação no domínio da<br />

performance e dos instrumentos<br />

antigos. Apaixonado pelo repertório<br />

do classicismo vienen<strong>se</strong> e dos<br />

alvores do romantismo, foi um dos<br />

pioneiros na utilização <strong>de</strong><br />

pianofortes da época dos<br />

compositores, mas manteve <strong>se</strong>mpre<br />

em paralelo a prática do piano<br />

mo<strong>de</strong>rno.<br />

Depois <strong>de</strong> <strong>se</strong> ter formado no<br />

Con<strong>se</strong>rvatório <strong>de</strong> Viena nos anos 40,<br />

fez estudos <strong>de</strong> aperfeiçoamento com<br />

Edwin Fischer em Lucerna e<br />

começou a apre<strong>se</strong>ntar-<strong>se</strong> com<br />

maestros da estatura <strong>de</strong> Wilhelm<br />

Furtwängler e Herbert von Karajan.<br />

Foram colaborações <strong>de</strong>cisivas para o<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Évora. Igreja e Convento <strong>de</strong> Nossa Senhora dos<br />

Remédios. Av. São Sebastião, às 21h30. Tel.: 266777100.<br />

Música Francesa. V Ciclo <strong>de</strong><br />

Concertos “Música no Inverno”.<br />

Carlos Bica + João Paulo<br />

Estarreja. Cine-Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Estarreja. Rua<br />

do Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>mouro, às 21h30. Tel.:<br />

234811300. 5€. Pas<strong>se</strong> Festival: 7,5€ (sujeito a<br />

<strong>de</strong>scontos).<br />

Estarrejazz 2009 - Festival <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong><br />

Estarreja. M/3.<br />

Solistas da Metropolitana<br />

Com Adrian Florescu (violino),<br />

Fernando Llopis (percussão), Savka<br />

Konjikusic (piano).<br />

Lisboa. Palácio Nacional da Ajuda. Largo da Ajuda,<br />

às 16h00. Tel.: 213637095. Entrada livre.<br />

Ciclo <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Câmara. Obras <strong>de</strong><br />

Martinu, Cowell e Hersh.<br />

Domingo 22<br />

Os Violinhos<br />

Queluz. Palácio Nacional <strong>de</strong> Queluz. Largo do<br />

Palácio, às 17h00. Tel.: 214343860. 5€. Entrada livre<br />

para -14 anos.<br />

Na Sala do Trono. Concerto <strong>de</strong> Santa<br />

Cecília.<br />

Terça 24<br />

Carlos Bica<br />

+ João Paulo em Estarreja<br />

Sean Riley & The Slowri<strong>de</strong>rs<br />

em Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão<br />

Remix En<strong>se</strong>mble: Metropolis<br />

Direcção Musical: Rolf Gupta.<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 10€.<br />

Na Sala Suggia. Filme-concerto:<br />

Metropolis, <strong>de</strong> Fritz Lang.<br />

“Metropolis”, filme <strong>de</strong> culto que Fritz<br />

Lang realizou em 1926, foi um dos<br />

últimos objectos do mudo. Foi<br />

musicado mais <strong>de</strong> vinte vezes. Uma<br />

<strong>de</strong>ssas bandas sonoras foi composta<br />

por Martin Matalon, em 1995. É essa<br />

obra que o agrupamento portuen<strong>se</strong><br />

interpreta ao vivo, enquanto o filme é<br />

início <strong>de</strong> uma importante carreira<br />

internacional. Em conjunto com a<br />

musicóloga Eva Halfar (com quem<br />

casou em 1951) publicou duas<br />

importantes obras sobre as práticas<br />

<strong>de</strong> execução e os problemas<br />

interpretativos das obras <strong>de</strong> Mozart<br />

(“Mozart-Interpretation”, 1957) e<br />

Bach (“Bach-Interpretation”, 1990) e<br />

é também co-autor <strong>de</strong> um estudo<br />

sobre “As Sonatas para Piano <strong>de</strong><br />

Beethoven” (1970) em colaboração<br />

com o pianista Jorg Demus, com<br />

projectado.<br />

Quarta 25<br />

Bruno Monteiro<br />

Lisboa. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do<br />

Império, às 19h00. Tel.: 213612400.7€.<br />

No Pequeno Auditório. Obras <strong>de</strong> Bach,<br />

Prokofiev, Ysaÿe e Kreisler. M/6.<br />

Moritz von Oswald Trio<br />

Com Moritz von Oswald<br />

(electrónica), Max Lo<strong>de</strong>rbauer<br />

(electrónica), Vladislav Delay<br />

(percussão).<br />

Lisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos. Av. Frei<br />

Miguel Contreiras, 52, às 22h00. Tel.: 218438801.<br />

12€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos).<br />

Na Sala Principal. Vertical Ascent.<br />

Naughty Nights (Manuel João<br />

Vieira)<br />

Lisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 23h30. Tel.:<br />

213467090. Consumo mínimo.<br />

Quinta 26<br />

Nancy Lee Harper<br />

Aveiro. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aveiro. Campus<br />

Universitário <strong>de</strong> Santiago, às 18h00. Tel.:<br />

234370200. Entrada livre.<br />

Moritz von Oswald Trio<br />

Coimbra. Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente. Pç.<br />

República, às 21h30. Tel.: 239855636.<br />

Axe En<strong>se</strong>mble + Carlos Zíngaro<br />

Lisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar,<br />

91, às 21h30. Tel.: 213111400. 10€.<br />

Cão Solteiro & Vasco Araújo: A<br />

Portugueza<br />

Com Banda Filarmónica da<br />

Socieda<strong>de</strong> Musical Min<strong>de</strong>n<strong>se</strong>.<br />

Maestro: João Carlos Gameiro.<br />

Alcanena. Cine-Teatro São Pedro. Avenida 25 <strong>de</strong><br />

Abril, às 21h00. Tel.: 249889115.<br />

5€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos). Pas<strong>se</strong> Festival: 50€. Pas<strong>se</strong><br />

5: 20€ (acesso a 5 espectáculos).<br />

Paul Badura-Skoda no Ciclo <strong>de</strong> Piano da Casa da Música<br />

quem <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>ntou em duo.<br />

Orientou ainda a edição <strong>de</strong><br />

numerosas partituras, com <strong>de</strong>staque<br />

para as obras <strong>de</strong> Mozart, Beethoven,<br />

Schubert e Chopin.<br />

O programa que apre<strong>se</strong>nta na<br />

Casa da Música inclui a Sonata em Mi<br />

bemol Maior Hob.XVI:52, <strong>de</strong> Haydn;<br />

a Sonata op. 53 “Waldstein”, <strong>de</strong><br />

Beethoven; a Partita op.58, <strong>de</strong> Jenö<br />

Takács (escrita em 1954 com Badura-<br />

Skoda como <strong>de</strong>dicatário); e a Sonata<br />

em Fá menor, op.5. <strong>de</strong> Brahms.


Discos<br />

Martha domina<br />

<strong>de</strong> olhos fechados o universo<br />

romântico <strong>de</strong> Piaf<br />

46 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Pop<br />

Para além<br />

da nostalgia<br />

Martha Wainwright<br />

ressuscita Piaf bem melhor<br />

do que era <strong>de</strong> esperar. O<br />

disco <strong>de</strong> tributo do ano?<br />

Luís Maio<br />

Martha Wainwright<br />

Sans Fusils, Ni Souliers, A Paris<br />

Coop, distri. PopStock<br />

mmmmn<br />

Martha é irmã <strong>de</strong><br />

Rufus Wainwright<br />

e tem sobretudo<br />

feito carreira à<br />

sombra do êxito<br />

<strong>de</strong>le. Edith Piaf,<br />

<strong>se</strong>rá qua<strong>se</strong><br />

escusado lembrar, foi a maior<br />

cantora francesa <strong>de</strong> todos os<br />

tempos. De maneira que um disco<br />

<strong>de</strong> canções <strong>de</strong> Edith na voz <strong>de</strong><br />

Martha soa à partida com projecto<br />

votado ao fracasso. Talvez por as<br />

expectativas <strong>se</strong>rem tão baixas, “Sans<br />

Fusils, Ni Souliers, A Paris” é o tipo<br />

<strong>de</strong> disco que começa por<br />

surpreen<strong>de</strong>r e acaba por fascinar.<br />

Primeiro, coisa rara para uma<br />

americana, Martha tem um francês<br />

perfeito ou qua<strong>se</strong>, con<strong>se</strong>quência <strong>de</strong><br />

uma juventu<strong>de</strong> passada em<br />

Montreal, cida<strong>de</strong> do Quebec. Depois<br />

ela e Rufus cresceram a cantar Piaf,<br />

<strong>de</strong> tal modo que Martha domina <strong>de</strong><br />

olhos fechados o universo ultra<br />

romântico da francesa, fazendo <strong>de</strong><br />

“Sans Fusils, Ni Souliers, A Paris”<br />

um caso exemplar <strong>de</strong> teatro <strong>de</strong><br />

pos<strong>se</strong>ssão por uma voz imortal.<br />

Se a <strong>se</strong>nsação <strong>de</strong> ouvir a alma <strong>de</strong><br />

Piaf reencarnar noutra voz domina a<br />

primeira audição, <strong>de</strong>pois vai-<strong>se</strong><br />

percebendo o trabalho <strong>de</strong> <strong>se</strong>lecção e<br />

remontagem <strong>de</strong> Martha. As<br />

comparações com a homenagem a<br />

Judy Garland rubricada pelo irmão<br />

Rufus há dois anos são inevitáveis,<br />

quando aqui também <strong>se</strong> trata <strong>de</strong><br />

celebrar a face excessiva <strong>de</strong> uma<br />

diva trágica. A coisa não resvala,<br />

porém, para a orgia barroca, comum<br />

nos discos do mano, o que em boa<br />

parte <strong>se</strong> <strong>de</strong>ve à supervisão <strong>de</strong>s<strong>se</strong><br />

especialista em discos <strong>de</strong> tributo que<br />

é Hal Willner e do excelente<br />

“en<strong>se</strong>mble” <strong>de</strong> nove músicos que<br />

acompanharam a cantora ao longo<br />

<strong>de</strong> três dias <strong>de</strong> gravações no Verão<br />

passado, frente a plateias cheias no<br />

Dixon Place, pequeno teatro da<br />

baixa <strong>de</strong> Nova Iorque.<br />

Uma <strong>de</strong>cisão criteriosa foi evitar<br />

êxitos tipo “La vie en ro<strong>se</strong>” ou<br />

“Milord” em favor <strong>de</strong> reportório<br />

menos popular. Isto permitiu a<br />

Martha não apenas uma maior<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentos, mas<br />

também escolher temas que têm a<br />

ver com a faceta mais retorcida ou<br />

mesmo patológica <strong>de</strong> Piaf. Não <strong>de</strong>ve<br />

<strong>se</strong>r por acaso que este álbum abre<br />

com o sufoco da multidão <strong>de</strong> “La<br />

foule” e a acaba na re<strong>de</strong>nção da<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

camisa-<strong>de</strong>-forças <strong>de</strong> “Blou<strong>se</strong>s<br />

blanches”. É esta Piaf à beira da<br />

perdição ou da loucura, que a maior<br />

parte dos <strong>se</strong>us fãs nunca ouviu, que<br />

Martha ressuscita superiormente. O<br />

contributo dos músicos, sobretudo<br />

do pianista Brag Albetta e do<br />

guitarrista Doug Wie<strong>se</strong>lman, é<br />

<strong>de</strong>cisivo, na medida em que vão<br />

criando um crescendo <strong>de</strong> abstracção<br />

e <strong>de</strong> estranheza através do<br />

alinhamento, que o subtrai por<br />

completo à estrita nostalgia. No final<br />

“Sans Fusils, Ni Souliers, A Paris”<br />

con<strong>se</strong>gue <strong>se</strong>r Piaf para além <strong>de</strong> Piaf<br />

– talvez o melhor elogia que <strong>se</strong> po<strong>de</strong><br />

fazer a um disco <strong>de</strong> tributo.<br />

À volta <strong>de</strong><br />

Robert Wyatt<br />

Um dos músicos maiores do<br />

nosso tempo recriado pela<br />

ONJ, com participações do<br />

próprio e <strong>de</strong> Camille, Rokia<br />

Traoré ou Yael Naim.<br />

Vítor Belanciano<br />

Orchestre National <strong>de</strong> Jazz<br />

Daniel Yvinec<br />

Around Robert Wyatt<br />

BeeJazz, distri. Massala<br />

mmmmn<br />

A arte da versão<br />

não é um simples<br />

exercício <strong>de</strong><br />

reinterpretação. A<br />

reprodução literal<br />

ou, no extremo<br />

oposto, o<br />

processo iconoclasta normalmente<br />

dão maus resultados. Apropriar-<strong>se</strong><br />

<strong>de</strong> uma peça musical é saber ler nas<br />

entrelinhas, partir do princípio que<br />

não foi tudo dito, procurar as<br />

arestas, os subentendidos. É isso que<br />

faz a francesa Orchestre National <strong>de</strong><br />

Jazz, com direcção do contrabaixista<br />

e produtor Daniel Yvinec, num<br />

projecto ambicioso à volta do<br />

repertório <strong>de</strong> um dos músicos<br />

maiores do nosso tempo: o inglês<br />

Robert Wyatt.<br />

Robert Wyatt, um dos músicos<br />

maiores do nosso tempo<br />

As canções <strong>de</strong> Wyatt não <strong>se</strong> fixam<br />

numa tipologia (jazz, rock, pop,<br />

folk), nem procuram a perfeição,<br />

<strong>de</strong>ixando qua<strong>se</strong> <strong>se</strong>mpre pontas<br />

soltas, po<strong>de</strong>ndo <strong>se</strong>r alvo <strong>de</strong> muitas<br />

leituras. Foi essa maleabilida<strong>de</strong> que<br />

fascinou Yvinec, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>se</strong>mpre<br />

admirador da obra <strong>de</strong> Wyatt. Mas<br />

este não é um projecto <strong>de</strong><br />

homenagem. É uma visão do <strong>se</strong>u<br />

universo através <strong>de</strong> diferentes<br />

prismas. É essa a sua mais-valia. O<br />

visado canta em quatro temas,<br />

canções registadas <strong>se</strong>gundo o<br />

mo<strong>de</strong>lo piano-voz, com arranjos <strong>de</strong><br />

Vincent Artaud, sugerindo outro<br />

cromatismo, <strong>se</strong>m <strong>de</strong>svios excessivos<br />

das harmonias originais.<br />

O mesmo mo<strong>de</strong>lo foi adoptado<br />

nas canções on<strong>de</strong> participam<br />

convidados como Camille, Rokia<br />

Traoré, Yael Naim, Irene Jacob, Arno<br />

ou Daniel Darc. O resultado é sóbrio<br />

e consistente, <strong>de</strong>volvendo-nos o<br />

fascinante universo íntimo <strong>de</strong> Wyatt,<br />

exposto numa mão cheia <strong>de</strong> canções<br />

que fazem parte do património da<br />

música popular, como “Just as you<br />

are”, “Shipbuilding”, “O Caroline”<br />

ou “Te recuerdo Amanda.” Depois<br />

da passagem pelos grupos Soft<br />

Machine e Matching Hole, a meio<br />

dos anos 70, Wyatt enveredou por<br />

um percurso a solo, transformando<strong>se</strong><br />

num dos mais fascinantes<br />

criadores musicais do nosso tempo.<br />

Alguém que, a cada novo disco, nos<br />

lança à cara o tipo <strong>de</strong> obras capazes<br />

<strong>de</strong> sublimar a nostalgia do passado e<br />

projectar o futuro <strong>se</strong>m gran<strong>de</strong>s<br />

ro<strong>de</strong>ios.<br />

É verda<strong>de</strong> que passou tempos<br />

difíceis na década <strong>de</strong> 80 e parte dos<br />

anos 90. Mas neste século tem visto,<br />

finalmente, a sua obra reconhecida.<br />

Há dois anos, em entrevista, dizia-nos<br />

com a habitual autenticida<strong>de</strong>, que era<br />

um solitário, alguém que trabalhava<br />

longe do ruído contemporâneo, e<br />

aspirava a continuar assim. De vez<br />

em quando é resgatado <strong>de</strong>s<strong>se</strong> retiro.<br />

Foi isso que fez a Orchestre National<br />

<strong>de</strong> Jazz. <strong>Ainda</strong> bem.<br />

O pingaamor<br />

erudito<br />

Gran<strong>de</strong> disco <strong>de</strong> pop<br />

enciclopédica.<br />

João Bonifácio<br />

Vincent Delerm<br />

Quinze Chansons<br />

Tôt Ou Tard; distri. Massala<br />

mmmmn<br />

Vincent Delerm<br />

ocupa, com<br />

Benjamin Biolay,<br />

o lugar <strong>de</strong><br />

transportador da<br />

tocha da<br />

“n<strong>ouve</strong>lle


chanson françai<strong>se</strong>”. Mas enquanto<br />

Biolay é todo sombras, lixo e luxo,<br />

Delerm é o burguês, limpo e erudito.<br />

Parece um pinga-amor trapalhão e<br />

<strong>de</strong>masiado lido, o tipo <strong>de</strong> homem a<br />

quem uma mãe confiaria a filha,<br />

enquanto Biolay é o tipo <strong>de</strong> homem<br />

que não só papava a filha como<br />

também a mãe. E para acentuar as<br />

diferenças, Biolay é o her<strong>de</strong>iro<br />

legítimo do toque <strong>de</strong> Midas <strong>de</strong><br />

Gainsbourg e um conhecedor<br />

profundo da canção francesa,<br />

enquanto Delerm é mais americano:<br />

nas fotos do libreto do <strong>se</strong>u novo<br />

disco, “Quinze Chansons”, ele<br />

aparece a ler um livro chamado<br />

“J’aime Le Music-Hall” e a ler a<br />

biografia <strong>de</strong> Johnny Carson. Es<strong>se</strong> é o<br />

<strong>se</strong>gredo <strong>de</strong> Delerm: o cruzamento<br />

dos ritmos e harmonias do musichall<br />

com a simplicida<strong>de</strong> das<br />

melodias da “chanson”, a aplicação<br />

<strong>de</strong> arranjos <strong>de</strong>rivados da Broadway<br />

em melodias eivadas da falsa<br />

ingenuida<strong>de</strong> que Sylvie Vartan<br />

imortalizou.<br />

“Quinze Chansons” abre com as<br />

magníficas cordas <strong>de</strong> “Tous les<br />

acteurs s’appelllent Terence”, olhar<br />

cínico sobre a imagem pública das<br />

estrelas <strong>de</strong> cinema. As cordas abrem<br />

espaço para o piano (imagem <strong>de</strong><br />

marca), há flautas, coros e metais<br />

numa extraordinária canção que<br />

<strong>de</strong>ve muito às bandas-sonoras dos<br />

anos 40. O jazz <strong>de</strong> Nova Orleães é a<br />

inspiração da perfeita “Je pen<strong>se</strong> à<br />

toi”, cujo refrão com cravo<br />

<strong>de</strong>bruado a fio <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong> cordas<br />

nos <strong>de</strong>ixa com rebuçado a escorrer<br />

pelas orelhas. “Le coeur <strong>de</strong>s<br />

volleyeu<strong>se</strong>s” é todo música <strong>de</strong><br />

saloon e o western inva<strong>de</strong> “From a<br />

romm”. Sempre pluri-referencial (o<br />

rapaz adora referências) escreve<br />

ainda uma gran<strong>de</strong> canção, toda<br />

engalanada <strong>de</strong> metais estrepitosos,<br />

sobre o jogador <strong>de</strong> futebol Patrick<br />

Vieira. Amores falhados, vau<strong>de</strong>ville<br />

e pianada, órgãos prenhes <strong>de</strong><br />

nostalgia (Delerm adora a nostalgia)<br />

a adornar melodias-chai<strong>se</strong>-long-commartini,<br />

erudição e mundanida<strong>de</strong><br />

(que inclui referências aos<br />

Tin<strong>de</strong>rsticks, aos Peugeuots e a<br />

Godart e a Wayne Rooney) e coros<br />

femininos, doces como uma carícia<br />

<strong>de</strong> uma amante sabida. Um gran<strong>de</strong><br />

disco <strong>de</strong> pop enciclopédica.<br />

Há vida para além<br />

dos Strokes<br />

Julian Casablancas<br />

Phrazes For The Young<br />

Sony Music<br />

mmmnn<br />

No início <strong>de</strong>sta<br />

década, os<br />

Strokes foram um<br />

felicíssimo<br />

sobressalto. As<br />

canções e a<br />

atitu<strong>de</strong> certas,<br />

Vincent Delerm: este rapaz adora referências...<br />

uma precisão pop vestida <strong>de</strong> cabedal<br />

rock’n’roll e o peso da história <strong>de</strong><br />

Nova Iorque, dos Velvets aos<br />

Television, a libertar-<strong>se</strong> como nova<br />

euforia. Com “Is This It?”, fizeram<br />

um álbum maior que eles mesmos, o<br />

que, <strong>de</strong> resto, a carreira posterior<br />

viria confirmar.<br />

Em pousio <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “First<br />

Impressions of Earth”, o terceiro<br />

álbum, editado em 2006, a banda é<br />

formada por gente que ainda mal<br />

chegou aos 30 anos mas que tem<br />

sobre si uma aura <strong>de</strong><br />

veteranos <strong>de</strong> um<br />

tempo distante. O<br />

mundo da pop corre<br />

rápido como nunca e,<br />

<strong>se</strong> não <strong>se</strong>rão novos<br />

álbuns dos Strokes a<br />

transformá-los em<br />

luminárias <strong>de</strong> uma<br />

nova era (como<br />

pareciam em 2000), muito menos o<br />

<strong>se</strong>rão os trabalhos a solo em que os<br />

<strong>se</strong>us membros <strong>se</strong> têm ocupado. Ora,<br />

Julian Casablancas: o álbum mais interessante<br />

criado por um Strokes a solo<br />

isso <strong>se</strong>rá tremendamente<br />

aborrecido para este<br />

“Phrazes For The Young”,<br />

o primeiro álbum a<br />

solo do mais<br />

importante dos<br />

Strokes – afinal, foi<br />

ele que compôs<br />

tudo o que<br />

ouvimos em “Is<br />

This It?”.<br />

Se tudo<br />

continuar como até<br />

aqui, <strong>se</strong>r-lhe-á votado o<br />

mesmo <strong>de</strong>sinteres<strong>se</strong> geral<br />

que ro<strong>de</strong>ou os discos <strong>de</strong><br />

Albert Hammond Jr ou os<br />

Little Joy <strong>de</strong> Fabrizio<br />

Moretti. Acontece que este<br />

intrigante, estranho e<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>quilibrado “Phrazes<br />

For The Young” merecia um<br />

pouco mais. Nele,<br />

Casablancas prova que “Is<br />

This It?” não foi<br />

simplesmente golpe <strong>de</strong> sorte.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 47


Discos<br />

Há realmente aqui um compositor<br />

interessante, com uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

vincada. Não por reproduzir aquilo<br />

que são os Strokes, a banda <strong>de</strong><br />

<strong>guitarra</strong>s. Precisamente o contrário:<br />

por <strong>se</strong> ro<strong>de</strong>ar <strong>de</strong> sintetizadores e<br />

“drum machines”, por inventar<br />

cyborgues-country como “River of<br />

bravelights” e <strong>se</strong> atirar à soul como<br />

existencialista apocalíptico da ida<strong>de</strong><br />

digital – “we’re going nowhere / and<br />

we’re going fast”, fra<strong>se</strong> chave <strong>de</strong> “4<br />

chords to the apocalyp<strong>se</strong>”. Ou <strong>se</strong>ja,<br />

por fazer tudo isso <strong>se</strong>m <strong>se</strong> anular no<br />

processo.<br />

É Casablancas, indiscutivelmente,<br />

que está nestas oito longas canções.<br />

É ele o betinho “bad boy” que atira<br />

as palavras em tom blasé, que<br />

encontra porto <strong>se</strong>guro nos refrães<br />

iluminados a néon, que troca os riffs<br />

<strong>de</strong> <strong>guitarra</strong> <strong>de</strong> ontem por sonoros<br />

riffs <strong>de</strong> teclas – i<strong>de</strong>ia bizarra, esta <strong>de</strong><br />

querer <strong>se</strong>r, à uma, o Michael Jackson<br />

<strong>de</strong> “Thriller” e os Van Halen <strong>de</strong><br />

“Jump” (“11th dimension”).<br />

Claro que há exageros. Claro que<br />

algumas canções <strong>se</strong> prolongam por<br />

tempo <strong>de</strong>mais, <strong>se</strong> recheiam <strong>de</strong><br />

48 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Espaço<br />

Público<br />

<strong>de</strong>masiados elementos. Claro que<br />

nem toda a intrigante bizarria <strong>de</strong>ste<br />

Casablancas que agora ouvimos<br />

acerta na mouche - “Glass” é balada<br />

que volteja incessantemente <strong>se</strong>m<br />

chegar a lado nenhum. Mas isso não<br />

apaga o facto <strong>de</strong> <strong>se</strong>r o álbum mais<br />

interessante criado por um Strokes a<br />

solo e <strong>de</strong>, nele, Casablancas <strong>se</strong><br />

revelar o único da banda a po<strong>de</strong>r<br />

aspirar sobreviver-lhe<br />

verda<strong>de</strong>iramente. Mário Lopes<br />

Kimi Djabaté<br />

Karam<br />

Cumbancha; distri. Leve Music<br />

mmmmn<br />

Mazzy Star é o primeiro<br />

nome que vem à cabeça<br />

quando <strong>se</strong> <strong>ouve</strong> a voz doce<br />

<strong>de</strong> Marissa Nadler. Mas<br />

fora o reducionismo das<br />

comparações, Marissa<br />

tem um mundo muito<br />

próprio. Em “Little Hells”<br />

é a melancolia elevada<br />

ao <strong>se</strong>u expoente máximo.<br />

Mas uma melancolia<br />

“Karam”, estreia<br />

<strong>de</strong> Kimi Djabaté, é<br />

trabalho <strong>de</strong><br />

compositor já<br />

feito, <strong>se</strong>guro da<br />

sua voz quente e<br />

gran<strong>de</strong> construtor <strong>de</strong> ritmos e<br />

harmonias. Djabaté toca <strong>guitarra</strong> e<br />

balafón (espécie <strong>de</strong> xilofone) e todas<br />

as canções são dominadas pelas<br />

melodias <strong>de</strong>s<strong>se</strong>s dois instrumentos:<br />

por norma a <strong>guitarra</strong> enleia um<br />

entraçado complexo enquanto o<br />

balafón pontua uma melodia mais<br />

imediata. “Karam” abre com a<br />

óptima “Kodé”, lenta canção com<br />

belos arranjos <strong>de</strong> metais, e à<br />

<strong>se</strong>gunda faixa (homónima ao disco)<br />

<strong>de</strong>ixa-<strong>se</strong> levar por um ritmo<br />

irresistível. A canção, lamento pelo<br />

gran<strong>de</strong> continente, tem cuíca e<br />

percussões várias a levarem balanço<br />

ao rendilhado da kora – a melodia<br />

principal funciona em regime<br />

incitação-resposta e canta-<strong>se</strong> “I love<br />

Africa”. Ao terceiro tema, “Djombé”,<br />

estamos, graças a um extraordinário<br />

trabalho <strong>de</strong> <strong>guitarra</strong>, em pleno<br />

território <strong>de</strong> abanar o rabo, o que <strong>se</strong><br />

repete na estupenda “Mussolu”,<br />

com <strong>de</strong>liciosa melodia <strong>de</strong> balafón. E<br />

até ao fim <strong>se</strong>rá assim, com Djabaté a<br />

explorar as mais variadas formas <strong>de</strong><br />

música mandinga munido apenas <strong>de</strong><br />

umas percussões, coros, kora, voz<br />

quente e um exímio talento à<br />

<strong>guitarra</strong>. Uma gran<strong>de</strong>, gran<strong>de</strong><br />

estreia. J. B.<br />

Adriana Partimpim<br />

Partimpim 2<br />

Sony Music<br />

mmmmn<br />

reconfortante, com a qual<br />

nos envolvemos e fi camos<br />

<strong>se</strong>guros, a experienciar<br />

um hedonismo <strong>se</strong>m igual.<br />

Durante as 10 faixas<br />

não há mudanças <strong>de</strong><br />

velocida<strong>de</strong>, apenas um<br />

constante caminhar em<br />

direcção à perfeição,<br />

mas que nunca chega a<br />

<strong>se</strong>r atingida. Há ainda<br />

Adriana<br />

Calcanhotto<br />

voltou ao<br />

heterónimo<br />

Partimpim<br />

(herdado <strong>de</strong><br />

infância), cinco anos <strong>de</strong>pois do<br />

primeiro e bem sucedido passo, com<br />

resultados encorajadores. Se no disco<br />

original todos os temas vinham do<br />

baú ou <strong>de</strong> terceiros (Edu e Chico,<br />

Arnaldo Antunes, Paula Toller,<br />

até Amália e Alain Oulman),<br />

neste Adriana assina três temas, a<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

uma cereja para pôr em<br />

cima do bolo que são os<br />

telediscos <strong>de</strong> Joana Linda,<br />

gravados cá em Portugal.<br />

António Pedro Reis,<br />

Estudante <strong>de</strong> Eng. Civil, 23<br />

anos.<br />

Blog: http://<br />

barulhoesquisito.blogspot.<br />

com/.<br />

começar logo no frenético e<br />

carnavalesco samba <strong>de</strong> “Baile<br />

partimcundum”, <strong>se</strong>guido do achado<br />

que é “Ringtone <strong>de</strong> amor” (com<br />

produção, subtil mas notável, <strong>de</strong> Arto<br />

Lindsay) e, mais adiante, <strong>de</strong> “Menina,<br />

menino”, feliz numa ambiência <strong>de</strong><br />

baião electro-transcen<strong>de</strong>ntal. Para<br />

começo da “brinca<strong>de</strong>ira” já <strong>se</strong>ria um<br />

bom sinal. Mas Adriana vai mais<br />

longe e traz para o <strong>se</strong>u terreiro <strong>de</strong><br />

faz-<strong>de</strong>-conta o “Trenzinho do caipira”<br />

<strong>de</strong> Villa-Lobos, trocando-lhe a<br />

melancolia por uma atmosfera <strong>de</strong><br />

encantamento qua<strong>se</strong> infantil; ou o<br />

“Alexandre” do genial “Livro” <strong>de</strong><br />

Caetano Veloso, fazendo da saga do<br />

cruel imperador a aventura <strong>de</strong> um<br />

menino, adulto antes do tempo; e,<br />

por fim, Bob Dylan, com “Man gave<br />

names to all the animals” traduzido<br />

livremente pelo dylaniano Zé<br />

Ramalho. Arnaldo Antunes voltou,<br />

com “Na massa” (parceria com Davi<br />

Moraes), Cid Campos também<br />

(adaptando um pequeno poema<br />

surreal do novecentista Edward Lear,<br />

“Alface”) e para a festa foram ainda<br />

convocados Roberto e Erasmo<br />

Carlos, com “Gatinha manhosa” (que<br />

Kimi Djabaté: uma gran<strong>de</strong>, gran<strong>de</strong> estreia<br />

LEO AVERSA<br />

Adriana <strong>de</strong>dica a outra das suas<br />

gatas, Ming Lé), João Gilberto (“Bim<br />

bom”, claro) e Vinicius <strong>de</strong> Moraes,<br />

com Cid Campos a musicar um<br />

poemas da sua “Arca <strong>de</strong> Noé”,<br />

“Borboletas”, sucessor da<br />

“Borboleta” encomendada a<br />

Domenico no “Partimpim” inicial.<br />

Com Dé Palmeira <strong>de</strong> novo como<br />

parceiro musical, Adriana volta a<br />

mostrar que “Partimpim” po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r<br />

receita inesgotável. Des<strong>de</strong> que, como<br />

agora, mantenha o nível bem alto.<br />

Nuno Pacheco<br />

Nirvana<br />

Bleach<br />

Sub Pop; distri. Warner<br />

mmmmn<br />

Estes eram os<br />

Nirvana <strong>se</strong>m Dave<br />

Grohl (Chad<br />

Channing era o<br />

baterista), eram<br />

os Nirvana que<br />

canalizavam<br />

numa canção <strong>de</strong> dois versos e riff<br />

impressionante, “School”, um<br />

quadro mental <strong>de</strong> neuro<strong>se</strong> e<br />

alienação que repre<strong>se</strong>ntava na<br />

perfeição o espírito dos tempos –<br />

não era só aquele “no recess”, era<br />

também a forma como <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />

o berrava, com a voz, rouca e<br />

cortante, e ameaçar quebrar a<br />

qualquer momento.<br />

Mas “Bleach”, agora reeditado<br />

em versão remasterizada,<br />

supervisionada pelo produtor<br />

original, Jack Endino, e acrescido<br />

<strong>de</strong> um concerto <strong>de</strong> 1990 (tem<br />

“Dive”, “Sappy” ou a versão <strong>de</strong><br />

“Molly’s lips”, dos Va<strong>se</strong>lines, mas<br />

não oferece epifanias), mostra<br />

Adriana Partimpim: uma receita<br />

inesgotável e <strong>de</strong> nível alto<br />

RITA CARMO


mais. Porque há “About a girl” e um<br />

apreço por harmonias pop que<br />

<strong>de</strong>sabrocharia em “Nevermind” e<br />

porque <strong>se</strong> <strong>de</strong>monstra o apreço pelas<br />

pérolas excêntricas do rock’n’roll na<br />

excelente “Love buzz”, versão dos<br />

holan<strong>de</strong><strong>se</strong>s Shocking Blue que<br />

transforma psica<strong>de</strong>lismo 60s em<br />

matéria ameaçadora.<br />

“Bleach” é um um álbum<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>quilibrado – a primeira meta<strong>de</strong>,<br />

que encerra com “Negative creep”, é<br />

tudo o que dis<strong>se</strong>mos acima, a<br />

<strong>se</strong>gunda é um indistinto prolongar<br />

do grito “grunge” (antes <strong>de</strong> <strong>se</strong> saber<br />

o que o grunge era). Mas tem uma<br />

vivacida<strong>de</strong>, um <strong>se</strong>ntido <strong>de</strong> urgência<br />

e uma negra perversida<strong>de</strong> que, além<br />

<strong>de</strong> o erguer acima do contexto<br />

específico que o viu nascer, o<br />

transforma em peça imprescindível<br />

do mosaico Nirvana. Em estado<br />

bruto, já encontramos nele tudo o<br />

que <strong>se</strong>riam <strong>de</strong>pois. M.L.<br />

Ben Frost<br />

By The Throat<br />

Bedroom Community, distri. Flur<br />

mmmmn<br />

O australiano, a<br />

residir na<br />

Islândia, Ben<br />

Frost esteve há<br />

duas <strong>se</strong>manas no<br />

teatro Maria<br />

Matos, em Lisboa,<br />

on<strong>de</strong> actuou ao lado <strong>de</strong> Nico Muhly,<br />

Sam Amidon e Valgeir Sigurosson,<br />

todos da editora Bedroom<br />

Community, num concerto<br />

magnífico, autêntica dança <strong>de</strong> estilos<br />

– da folk alternativa à electrónica<br />

progressiva, da música clássica ao<br />

ambientalismo saturado. Se existe<br />

algo que os liga é a curiosida<strong>de</strong><br />

extrema em relação a todos os tipos<br />

<strong>de</strong> música e uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir<br />

<strong>se</strong>mpre mais além. O novo álbum <strong>de</strong><br />

Ben Frost confirma-o.<br />

Aparentemente é um disco <strong>de</strong><br />

electrónica ambiental. Mas ficar por<br />

aí é não perceber qua<strong>se</strong> nada. Sim,<br />

claro, há electrónica, qua<strong>se</strong> <strong>se</strong>mpre<br />

estática e imponente. E ambientes,<br />

Ben Frost: tensão<br />

nunca resolvida entre opostos,<br />

claro e escuro, placi<strong>de</strong>z e ruído,<br />

gelo e calor, tranquilida<strong>de</strong><br />

e convulsão...<br />

49 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Nobuyasu Furuya Trio<br />

medo, neve, lobos, carros. Mas o<br />

que há acima <strong>de</strong> tudo é uma tensão<br />

nunca resolvida entre opostos, claro<br />

e escuro, placi<strong>de</strong>z e ruído, gelo e<br />

calor, tranquilida<strong>de</strong> e convulsão,<br />

natureza e cida<strong>de</strong>, aquilo que une<br />

Lynch a Cronenberg, Brian Eno a<br />

Wolf Eyes, o tiquetaque <strong>de</strong> um<br />

relógio com o <strong>de</strong>tonador <strong>de</strong> uma<br />

bomba, e é tanta coisa. Não é disco<br />

para todas as horas. Exige que <strong>se</strong><br />

mergulhe nele como quem olha um<br />

filme, não com esperança <strong>de</strong><br />

compreen<strong>de</strong>r uma história que<br />

nunca chegará, mas <strong>de</strong> o <strong>se</strong>ntir,<br />

absolutamente. Vítor Belanciano<br />

Jazz<br />

Fúria Zen<br />

Fúria controlada com o<br />

apoio <strong>de</strong> uma boa <strong>se</strong>cção<br />

rítmica portuguesa.<br />

Nuno Catarino<br />

Nobuyasu Furuya Trio<br />

Bendowa<br />

Clean Feed / distr. Trem Azul<br />

mmmmn<br />

O japonês<br />

Nobuyasu Furuya,<br />

actualmente a<br />

viver entre Berlim<br />

e Lisboa, tem feito<br />

furor nos<br />

concertos pela<br />

chama incendiária do <strong>se</strong>u saxofone<br />

tenor: ao vivo é capaz <strong>de</strong> rugidos<br />

intensíssimos, capazes <strong>de</strong> assustar<br />

fãs <strong>de</strong> noi<strong>se</strong>. Mas a arte do palhetista<br />

– Furuya toca saxofone tenor,<br />

clarinete baixo e flautas - não <strong>se</strong><br />

resume à ferocida<strong>de</strong>; além <strong>de</strong><br />

dominar diferentes instrumentos, o<br />

japonês utiliza uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

diferentes técnicas. Acompanhado<br />

por uma dupla rítmica portuguesa,<br />

Hernâni Faustino no contrabaixo e<br />

Gabriel Ferrandini na bateria, tem<br />

neste trio uma plataforma <strong>se</strong>gura<br />

para explorar um jazz aberto com<br />

ascendência no “free” e ligação<br />

directa a Peter Brötzmann – e que<br />

nos momentos extremos <strong>se</strong><br />

aproxima da fúria <strong>de</strong> um Kaoru Abe.<br />

Mas é simultaneamente capaz <strong>de</strong><br />

uma irrepreensível contenção “zen”,<br />

especialmente quando <strong>se</strong> aplica na<br />

flauta em <strong>de</strong>licados murmúrios.<br />

Neste álbum, “Bendowa”,<br />

homenagem a um monge do século<br />

XIII, o japonês tem o apoio<br />

inteligente <strong>de</strong> uma dupla lusa que<br />

não <strong>se</strong> limita a um papel <strong>de</strong><br />

background: complementa e<br />

interage, reage e provoca. Ferrandini<br />

é talento bruto em ascensão (aqui<br />

está vibrante e atento) e Faustino<br />

tem uma performance<br />

especialmente rica, <strong>se</strong>rvindo-<strong>se</strong> do<br />

contrabaixo com criativida<strong>de</strong>.<br />

Nuno Catarino<br />

Marc-André Hamelin apre<strong>se</strong>nta-<strong>se</strong> hoje<br />

pela primeira vez em Portugal no âmbito do Festival<br />

“À volta do Barroco” na Casa da Música<br />

Clássica<br />

O Haydn<br />

clarivi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> Marc-<br />

André<br />

Hamelin<br />

Este álbum duplo <strong>de</strong>dicado<br />

às Sonatas <strong>de</strong> Haydn é um<br />

sério candidato aos lugares<br />

cimeiros da discografia do<br />

compositor austríaco.<br />

Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

Piano Sonatas II<br />

Marc-André Hamelin<br />

Hypérion CDA 67710 (2 CD)<br />

mmmmn<br />

O pianista<br />

canadiano Marc-<br />

André Hamelin,<br />

que <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>nta<br />

hoje pela primeira<br />

vez em Portugal<br />

no âmbito do<br />

Festival “À volta do Barroco” na Casa<br />

da Música, é conhecido pelo <strong>se</strong>u<br />

brilhante virtuosismo, mas é também<br />

capaz da maior subtileza<br />

interpretativa. A inteligência e a<br />

imaginação que coloca na abordagem<br />

CARLOS PAES<br />

das Sonatas <strong>de</strong> Haydn são<br />

surpreen<strong>de</strong>ntes, como <strong>de</strong>monstra<br />

este álbum duplo da Hypérion, que<br />

constitui já um <strong>se</strong>gundo volume <strong>de</strong><br />

uma série <strong>de</strong>dicada ao gran<strong>de</strong><br />

compositor austríaco. Uma “toucher”<br />

cristalina, uma técnica rigorosa, um<br />

eloquente recorte <strong>de</strong> fra<strong>se</strong>ados e um<br />

<strong>se</strong>ntido rítmico <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> precisão<br />

são colocados ao <strong>se</strong>rviço <strong>de</strong> uma<br />

penetrante compreensão do universo<br />

haydniano. Hamelin tira partido das<br />

cores e dinâmicas do piano mo<strong>de</strong>rno<br />

mas nunca per<strong>de</strong> a noção <strong>de</strong> que este<br />

é um repertório <strong>de</strong> matriz clássica,<br />

que amiú<strong>de</strong> <strong>de</strong>nuncia raízes barrocas<br />

e noutros casos possui rasgos que<br />

apontam para a futura linguagem<br />

romântica ou para a Empfindsamkeit<br />

(estilo da <strong>se</strong>nsibilida<strong>de</strong>).<br />

Se algumas das primeiras obras<br />

para instrumento <strong>de</strong> teclas <strong>de</strong> Haydn<br />

foram ainda concebidas <strong>de</strong> modo a<br />

permitir a execução no cravo ou no<br />

pianoforte, outras foram claramente<br />

inspiradas pelas novas<br />

possibilida<strong>de</strong>s dinâmicas do piano.<br />

Por exemplo as Sonatas nºs 48 e 49,<br />

também incluídas na gravação,<br />

<strong>de</strong>correm a <strong>de</strong>scoberta, em Londres,<br />

dos po<strong>de</strong>rosos pianos Broadwood. A<br />

elegância, o humor, os efeitos <strong>de</strong><br />

surpresa e uma energia que pren<strong>de</strong><br />

constantemente o ouvinte<br />

percorrem a interpretação <strong>de</strong><br />

Hamelin <strong>de</strong> uma <strong>se</strong>lecção <strong>de</strong> Sonatas<br />

variada que compreen<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

peças relativamente simples<br />

<strong>de</strong>dicadas aos executantes amadores<br />

a obras <strong>de</strong> maior fôlego. Foram<br />

gravadas as Sonatas nºs 6, 26, 31, 33,<br />

34, 35, 39, 42, 48 e 49 e a Fantasia<br />

em Dó Maior (Hob XVII:4), uma<br />

página brilhante, <strong>de</strong> um virtuosismo<br />

qua<strong>se</strong> orquestral, que <strong>se</strong> ba<strong>se</strong>ia<br />

numa canção popular austríaca.<br />

Usufruindo <strong>de</strong> menos divulgação<br />

junto do público e dos intérpretes do<br />

que as Sonatas <strong>de</strong> Mozart e<br />

Beethoven, as Sonatas <strong>de</strong> Haydn na<br />

versão <strong>de</strong> Hamelin constituem um<br />

excelente cartão <strong>de</strong> visita para os<br />

ouvintes menos familiarizados com<br />

este repertório e uma referência<br />

obrigatória para os conhecedores.


Livros<br />

Top Bulhosa<br />

Livreiros<br />

Nacional<br />

Ficção<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

O Símbolo Perdido<br />

Dan Brown<br />

Bertrand<br />

Fúria Divina<br />

José Rodrigues<br />

dos Santos<br />

Gradiva<br />

Caim<br />

José Saramago<br />

Caminho<br />

Novas Crónicas<br />

da Boca do Inferno<br />

Ricardo Araújo Pereira<br />

e João Fazenda<br />

Tinta da China<br />

O Aniversário <strong>de</strong> Asterix e<br />

Obélix – O Livro <strong>de</strong> Ouro<br />

R. Goscinny e A. U<strong>de</strong>rzo<br />

Asa<br />

Não-Ficção<br />

Mal-entendidos<br />

1 Nuno Lobo Antunes<br />

Verso da Kapa<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

Fontes Pereira <strong>de</strong> Mello<br />

– Uma Biografia<br />

Maria Filomena Mónica<br />

Alêtheia Editores<br />

As Extraordinárias<br />

Aventuras da Justiça<br />

Portuguesa<br />

Sofia Pinto Coelho<br />

A Esfera dos Livros<br />

Portugal Que Futuro<br />

Medina Carreira e Eduardo<br />

Dâmaso<br />

Objectiva<br />

1 Km <strong>de</strong> Cada Vez<br />

Gonçalo Cadilhe<br />

Oficina do Livro<br />

DANIEL ROCHA<br />

50 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Memórias<br />

Do “kilt”<br />

ao “quilt”<br />

Contos, memórias,<br />

<strong>se</strong>nsações que <strong>se</strong> entrelaçam<br />

ao sabor da memória – a<br />

extraordinária arte <strong>de</strong> contar<br />

<strong>de</strong> Alice Munro.<br />

Helena Vasconcelos<br />

A Vista <strong>de</strong> Castle Rock<br />

Alice Munro<br />

(trad. José Miguel Silva)<br />

Relógio d’Água<br />

mmmmm<br />

Andrew Laidlaw<br />

tinha <strong>de</strong>z anos<br />

quando foi pela<br />

primeira vez a<br />

Edimburgo. O pai<br />

levou-o a subir à<br />

torre do castelo e<br />

obrigou-o a fixar<br />

um ponto distante<br />

e brilhante.<br />

Depois, dis<strong>se</strong>-lhe: “Tivemos sorte<br />

com o dia... pronto, rapaz, já viste a<br />

América. Queira Deus que um dia a<br />

possas ver mais <strong>de</strong> perto”.<br />

Desta forma fantasmagórica as<br />

terras para além do mar surgiramlhe<br />

como uma miragem e também<br />

como um objectivo, uma porta para<br />

um mundo novo, intocado e fértil.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, Andrew atravessará<br />

realmente o Atlântico com a família,<br />

numa longa, aventurosa e pitoresca<br />

viagem que está <strong>de</strong>scrita no capítulo<br />

que dá o título a este livro. A<br />

reconstituição <strong>de</strong>s<strong>se</strong>s tempos em<br />

que na Escócia toda a gente sabia ler<br />

e escrever – graças aos bons ofícios<br />

do Reformista John Knox – mas on<strong>de</strong><br />

<strong>se</strong> morria <strong>de</strong> fome, faz parte da<br />

intricada saga da família da autora<br />

canadiana Alice Munro, a vencedora<br />

do Booker International <strong>de</strong>ste ano,<br />

cujo nome <strong>de</strong> solteira é exactamente<br />

Laidlaw, os mesmos <strong>de</strong> Ettrick,<br />

condado <strong>de</strong> Selkirk, uma “paróquia<br />

<strong>se</strong>m vantagens” como ficou<br />

registado numa <strong>de</strong>scrição estatística<br />

da região, datada <strong>de</strong> 1799.<br />

A primeira parte <strong>de</strong> “A Vista <strong>de</strong><br />

Castle Rock” é es<strong>se</strong>ncialmente<br />

<strong>de</strong>dicada aos antepassados da<br />

autora, aos avós que, mesmo longe,<br />

adoptavam o sotaque das terras altas<br />

da Escócia, e aos pais que fizeram<br />

parte <strong>de</strong> gerações <strong>de</strong> colonos que<br />

<strong>de</strong>sbravaram cerradas florestas <strong>de</strong><br />

carvalhos para o cultivo das terras e<br />

<strong>se</strong> estabeleceram em quintas<br />

construídas do zero. O pai começou<br />

por <strong>se</strong>r caçador e criador <strong>de</strong> animais<br />

– raposas douradas, visons,<br />

zibelinas, ratos almiscarados – para<br />

o comércio das peles que a mãe<br />

levava para hotéis nas cida<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong><br />

Design<br />

A obra “Sena da Silva”,<br />

lançada na Fundação<br />

Gulbenkian, apre<strong>se</strong>nta o<br />

retrato <strong>de</strong> um dos maiores<br />

<strong>de</strong>signers portugue<strong>se</strong>s<br />

do século XX, António<br />

Sena da Silva (1926-<br />

2001), arquitecto <strong>de</strong><br />

formação, <strong>de</strong>signer, mas<br />

também fotógrafo, pintor,<br />

fundador e primeiro<br />

presi<strong>de</strong>nte do Centro<br />

Português <strong>de</strong> Design.<br />

Esta obra, comissariada<br />

Es<strong>se</strong>ncial para a compreensão da obra <strong>de</strong> Munro,<br />

este livro <strong>de</strong>svenda um dos <strong>se</strong>us <strong>se</strong>gredos...<br />

paravam turistas. O negócio durou<br />

pouco, sucessivamente afectado<br />

pela Depressão, pela Guerra e pela<br />

doença <strong>de</strong>generativa da mãe. Estes e<br />

outros episódios, simultaneamente<br />

violentos e líricos, intensos e<br />

dramáticos, compõem estas<br />

“memórias autobiográficas” e<br />

possuem o po<strong>de</strong>r, pela dinâmica da<br />

escrita e pela mestria da autora, <strong>de</strong><br />

convocarem com a mesma<br />

intensida<strong>de</strong>, tanto os antepassados<br />

que a escritora não conheceu, como<br />

os elementos da família mais<br />

próxima, assim como os vizinhos e<br />

conhecidos, as amigas <strong>de</strong> escola e os<br />

namorados, uns, no centro da acção,<br />

outros, meros figurantes, na vasta e<br />

gloriosa “tapeçaria”, laboriosa e<br />

genialmente tecida por Munro. Da<br />

Escócia do século XVII ao Canadá<br />

rural dos anos 40 do século XX, as<br />

personagens – incluindo a própria<br />

autora – ganham uma estranha vida,<br />

iri<strong>de</strong>scente e vibrante, e os ciclos <strong>de</strong><br />

esperança, <strong>de</strong> falhanço e <strong>de</strong><br />

resignação suce<strong>de</strong>m-<strong>se</strong> numa<br />

cadência branda que afectam a<br />

jovem Alice no que diz respeito à sua<br />

adaptação às circunstâncias e à sua<br />

<strong>se</strong>mpre mutável visão do universo.<br />

A <strong>se</strong>gunda parte do livro,<br />

intitulada “Casa”, abrange o tempo<br />

do crescimento da autora, enquanto<br />

ela corre as estradas rurais numa<br />

velha bicicleta <strong>de</strong> rapaz, veste roupa<br />

feita em casa, <strong>se</strong>nte os primeiros<br />

arroubos eróticos e cresce na quinta<br />

– on<strong>de</strong> só são introduzidos alguns<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

por Bárbara Coutinho,<br />

directora do MUDE,<br />

“sublinha a actualida<strong>de</strong>”<br />

do pensamento <strong>de</strong><br />

Sena da Silva, e mostra<br />

a sua importância<br />

para “a afi rmação,<br />

consciencialização e<br />

consolidação do <strong>de</strong>sign<br />

em Portugal”, escreve<br />

Coutinho. Com belíssima<br />

edição da Gulbenkian,<br />

o livro exibe projectos<br />

e objectos criados pelo<br />

melhoramentos <strong>de</strong>pois da morte da<br />

mãe, pela madrasta –, enquanto<br />

ob<strong>se</strong>rva a natureza ainda <strong>se</strong>lvagem,<br />

a socieda<strong>de</strong> provinciana da vila e os<br />

hábitos das pessoas que assumem<br />

um papel mais ou menos<br />

prepon<strong>de</strong>rante na sua vida. Como<br />

qualquer adolescente, tenta <strong>se</strong>r<br />

popular, adora revistas <strong>de</strong> cinema e<br />

presta pouca atenção ao que <strong>se</strong><br />

passa à sua volta: os irmãos são<br />

mencionados <strong>de</strong> passagem e a<br />

doença incapacitante da mãe, o<br />

alcoolismo <strong>de</strong> um vizinho ou os<br />

estranhos hábitos dos pais <strong>de</strong> uma<br />

colega <strong>de</strong> escola são tratados como<br />

meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta entre os<br />

afazeres rotineiros.<br />

Munro nunca é <strong>se</strong>ntimental ou<br />

hipócrita e as suas evocações<br />

mostram com acutilante clareza um<br />

universo em que o citadino e o rural<br />

<strong>se</strong> entrechocam, em que as clas<strong>se</strong>s<br />

sociais são rigidamente <strong>se</strong>paradas e<br />

em que a vida flui numa<br />

simplicida<strong>de</strong> espartana que aguça,<br />

ainda mais, a imaginação e o <strong>se</strong>ntido<br />

<strong>de</strong> ob<strong>se</strong>rvação.<br />

A “montagem” <strong>de</strong>stes relatos,<br />

<strong>se</strong>melhante à construção <strong>de</strong> um<br />

“quilt” – estas míticas mantas <strong>de</strong><br />

retalhos são feitas a partir <strong>de</strong> contos,<br />

memórias, imagens, <strong>se</strong>nsações que<br />

pacientemente <strong>se</strong> entrelaçam ao<br />

sabor da memória – constitui um<br />

exemplo da extraordinária arte <strong>de</strong><br />

contar da autora. Da Escócia para a<br />

Nova Scotia, do Velho Mundo para o<br />

Novo, da vida dos clãs para as<br />

autor ligados à fotografi a,<br />

à pintura e à arquitectura,<br />

provando que para Sena<br />

da Silva o <strong>de</strong>sign era<br />

“o sonho tornado útil”.<br />

Retrato traçado por<br />

investigadores e amigos<br />

do autor, como Christian<br />

Brändle, José Brandão,<br />

Henrique Cayatte ou<br />

Sérgio Mah, que <strong>se</strong> unem<br />

“para tirar as aspas ao<br />

<strong>de</strong>sign”.<br />

povoações enterradas na vastidão<br />

canadiana com as suas rígidas leis,<br />

dos “kilts” aos “quilts”, toda a<br />

história <strong>se</strong> <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolve<br />

acompanhando os tempos,<br />

impulsionada primeiro por homens<br />

<strong>de</strong>stemidos, com uma larga visão do<br />

futuro e posteriormente ancorada e<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>nvolvida por mulheres<br />

diligentes, resistentes e dadas ao<br />

trabalho árduo.<br />

“A Vista <strong>de</strong> Castle Rock”, já <strong>se</strong><br />

dis<strong>se</strong>, não é ficção, como a autora<br />

explica, logo no início. No entanto, o<br />

<strong>se</strong>u po<strong>de</strong>r narrativo é tão forte que o<br />

leitor po<strong>de</strong>rá <strong>se</strong>ntir-<strong>se</strong> em pleno<br />

universo ficcionado. As <strong>de</strong>scrições<br />

da paisagem mítica – pensa-<strong>se</strong><br />

imediatamente em Willa Cather –, o<br />

choque entre o banal e o<br />

transcen<strong>de</strong>nte, o olhar “directo ao<br />

coração” e as <strong>de</strong>scrição das tarefas<br />

mais simples e inglórias são<br />

revelados como epifanias, súbitos<br />

clarões que iluminam os mais<br />

preciosos e minúsculos <strong>de</strong>talhes.<br />

Não falta ironia a esta mulher que<br />

continua a explorar a memória, o<br />

tempo e a gloriosa capacida<strong>de</strong> das<br />

pessoas para o insucesso e para a<br />

<strong>de</strong>rrota, enquanto o amor e as<br />

“afinida<strong>de</strong>s electivas” resistem às<br />

intempéries. Es<strong>se</strong>ncial para a<br />

compreensão da obra <strong>de</strong> Munro este<br />

livro <strong>de</strong>svenda um dos <strong>se</strong>us<br />

<strong>se</strong>gredos: o <strong>se</strong>u ímpeto para <strong>se</strong><br />

afastar da sua infância e da<br />

brutalida<strong>de</strong> humilhante da vida no<br />

campo e a força que a atrai<br />

constantemente <strong>de</strong> volta, como um<br />

sonho mau.<br />

Ficção<br />

A angústia<br />

do analista<br />

fi nanceiro<br />

Uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />

amor a Nova Iorque, um<br />

tratado sobre críquete,<br />

uma meditação acerca do<br />

“american dream”.<br />

José Riço Direitinho<br />

Netherland – Terra <strong>de</strong> Sombras<br />

Jo<strong>se</strong>ph O’Neill<br />

(tradução <strong>de</strong> Patrícia Xavier)<br />

Bertrand, € 17, 00<br />

mmmmn<br />

A meio do ano <strong>de</strong><br />

2008, um<br />

romance –<br />

“Netherland” –<br />

conquistou os<br />

leitores<br />

americanos<br />

(Presi<strong>de</strong>nte<br />

Obama incluído) e<br />

qua<strong>se</strong> <strong>de</strong>ixou em


Jo<strong>se</strong>ph O’Neill, uma encarnação<br />

do “sonho americano”<br />

êxta<strong>se</strong> alguns críticos, sobretudo os<br />

das publicações nova-iorquinas – o<br />

livro é um apaixonado hino à<br />

“cida<strong>de</strong> que nunca dorme”. (Do<br />

outro lado do Atlântico, os ingle<strong>se</strong>s<br />

não <strong>se</strong> entusiasmaram tanto e o<br />

romance nem tão-pouco foi um dos<br />

eleitos para a “short list” do Booker<br />

Prize, imerecidamente.) Um crítico<br />

nova-iorquino chegou mesmo a<br />

comparar “Netherland” à obraprima<br />

<strong>de</strong> Scott Fitzgerald, “O Gran<strong>de</strong><br />

Gatsby”, agora em versão mo<strong>de</strong>rna e<br />

actualizada para a era da<br />

globalização, um romance “póscolonial”<br />

(e pós ataques ao World<br />

Tra<strong>de</strong> Center) com personagens <strong>de</strong><br />

todos os tons <strong>de</strong> cor da pele e credos<br />

religiosos. O autor, Jo<strong>se</strong>ph O’Neill (n.<br />

1964), é ele próprio uma encarnação<br />

do “sonho americano”: filho <strong>de</strong> pai<br />

irlandês e <strong>de</strong> mãe turca, nasceu na<br />

Irlanda, viveu em Moçambique, no<br />

Irão e na Turquia, e passou a<br />

adolescência na Holanda, on<strong>de</strong><br />

chegou a <strong>se</strong>r ardina nos arredores <strong>de</strong><br />

Haia; estudou Direito em<br />

Cambridge, exerceu advocacia em<br />

Londres, e nos anos 90 mudou-<strong>se</strong><br />

para Nova Iorque para <strong>se</strong> <strong>de</strong>dicar à<br />

escrita; adquiriu recentemente a<br />

nacionalida<strong>de</strong> americana.<br />

Neste <strong>se</strong>u terceiro romance criou<br />

um alter-ego: Hans van <strong>de</strong>n Broek é<br />

um holandês que vive em Nova<br />

Iorque e que trabalha como analista<br />

<strong>de</strong> acções <strong>de</strong> multinacionais do<br />

<strong>se</strong>ctor petrolífero. Em 1998, Hans<br />

mudara-<strong>se</strong> <strong>de</strong> Londres para Nova<br />

Iorque com a mulher, Rachel, uma<br />

bem sucedida advogada inglesa, e<br />

foram viver para um “loft” em<br />

Manhattan. Mas após os<br />

acontecimentos <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Setembro<br />

<strong>de</strong> 2001, mudam-<strong>se</strong><br />

“temporariamente” para um<br />

apartamento no lendário Chel<strong>se</strong>a<br />

Hotel. Nasce-lhes um filho. Como<br />

que tomados pela inércia, vão <strong>se</strong>ndo<br />

incapazes <strong>de</strong> voltar ao “loft”, o<br />

temporário transforma-<strong>se</strong> em<br />

permanente e um estranho cansaço<br />

doméstico apo<strong>de</strong>ra-<strong>se</strong> das suas<br />

vidas. “No trabalho, éramos<br />

incansáveis; em casa, o menor gesto<br />

<strong>de</strong> vivacida<strong>de</strong> estava para além das<br />

nossas forças.”<br />

Rachel não <strong>se</strong> <strong>se</strong>nte <strong>se</strong>gura na<br />

cida<strong>de</strong> e teme que o próximo<br />

atentado tenha lugar na Times<br />

Square, on<strong>de</strong> ela trabalha. Quer<br />

voltar a Inglaterra com o filho mas<br />

<strong>se</strong>m Hans, o choque dos atentados<br />

parece ter abalado os alicerces do<br />

casamento, ela “nunca <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntira tão<br />

sozinha, tão <strong>de</strong>sconsolada, tão longe<br />

<strong>de</strong> casa”. Instala-<strong>se</strong> um constante<br />

mal-estar existencial. Em Wall Street<br />

ele continua a <strong>se</strong>r uma estrela em<br />

ascensão, um narcisista que fala <strong>de</strong><br />

si próprio na condição <strong>de</strong><br />

ob<strong>se</strong>rvador privilegiado. Mas não há<br />

respostas para as perguntas sobre o<br />

que lhes aconteceu, às suas vidas <strong>de</strong><br />

liberais da clas<strong>se</strong> média angloamericana,<br />

como <strong>se</strong> atravessas<strong>se</strong>m<br />

um longo período <strong>de</strong> <strong>de</strong>feso póstraumático<br />

em que a racionalida<strong>de</strong><br />

normal <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> fazer <strong>se</strong>ntido,<br />

numa espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contra um<br />

medo avassalador, contra o<br />

inevitável caminho dos<br />

acontecimentos.<br />

A enigmática Rachel parte com o<br />

filho para Londres. Hans fica<br />

durante dias no Chel<strong>se</strong>a Hotel num<br />

estado <strong>de</strong> astenia que o leva a pedir<br />

que as pizas lhe <strong>se</strong>jam entregues no<br />

quarto. De vez em quando move-<strong>se</strong><br />

até à recepção e ao átrio <strong>de</strong> entrada,<br />

e as únicas visitas que recebe no<br />

apartamento são os empregados e o<br />

turco do 6º andar que lhe aparece<br />

travestido <strong>de</strong> anjo e enfeitado com<br />

umas mi<strong>se</strong>ráveis asas nas costas.<br />

Sente-<strong>se</strong> “infeliz pela primeira vez”<br />

na vida. Tudo é frágil e melancólico.<br />

Tenta um psiquiatra, mas faz apenas<br />

três <strong>se</strong>ssões. Depois <strong>de</strong>dica-<strong>se</strong> ao<br />

ioga no YMCA do outro lado da rua,<br />

o que lhe traz algum alívio. Volta ao<br />

trabalho e duas vezes por mês voa<br />

para Londres para visitar o filho.<br />

Hans é uma espécie <strong>de</strong> náufrago<br />

que não quer <strong>se</strong>r mais pequeno do<br />

que a soma das suas experiências<br />

vivenciais. Ele é o homem comum<br />

da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, cheio <strong>de</strong> si, <strong>de</strong><br />

memórias, <strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>se</strong>jos e <strong>de</strong> medos,<br />

<strong>se</strong>mpre em busca da sua própria<br />

autenticida<strong>de</strong>. Deambula por vários<br />

recantos da cida<strong>de</strong> e re<strong>de</strong>scobre o<br />

críquete (o que acaba por o salvar),<br />

<strong>de</strong>sporto que jogara na sua<br />

adolescência na Holanda e que volta<br />

a praticar em Nova Iorque, on<strong>de</strong> é o<br />

único jogador branco da equipa.<br />

Conhece Chuck Ramkisson, um<br />

emigrante <strong>de</strong> Trinida<strong>de</strong> e Tobago,<br />

um encantador oportunista (no<br />

<strong>se</strong>ntido literal), e estabelece com ele<br />

uma amiza<strong>de</strong> improvável: o<br />

bancário e o imigrante, o<br />

melancólico e o optimista, a Europa<br />

e o Novo Mundo.<br />

Ramkisson<br />

– que é a<br />

Avessa<br />

aos fl oreados<br />

da retórica,<br />

Clarice <strong>de</strong>ixa os<br />

interstícios da intriga à vista<br />

verda<strong>de</strong>ira personagem principal do<br />

romance – é o “Gatsby” mo<strong>de</strong>rno, o<br />

que quer cumprir – pois ainda<br />

acredita – o “sonho americano”.<br />

Chuck Ramkisson tem um<br />

restaurante <strong>de</strong> sushi kosher (que<br />

gere com um ju<strong>de</strong>u que é amigo <strong>de</strong><br />

um rabino), e tem negócios <strong>de</strong> jogo<br />

ilegal; além disso, tem um <strong>de</strong><strong>se</strong>jo:<br />

construir em Brooklyn um estádio<br />

<strong>de</strong> críquete. Este <strong>de</strong>sporto –<br />

originalmente praticado pela clas<strong>se</strong><br />

alta inglesa, e que agora tem as suas<br />

maiores estrelas nos paí<strong>se</strong>s asiáticos<br />

colonizados – surge no romance<br />

como uma promessa <strong>de</strong> civilização<br />

universal, <strong>de</strong> símbolo <strong>de</strong> luta contra<br />

a barbárie, como o <strong>de</strong>sporto i<strong>de</strong>al<br />

para suportar o “choque <strong>de</strong><br />

civilizações” num mundo póscolonial<br />

e pós-nacionalista; mas por<br />

outro lado, também num mundo<br />

“pós-América”, pois os atentados e a<br />

cri<strong>se</strong> do crédito mostraram que os<br />

EUA são afinal um país vulnerável, o<br />

que em parte acaba por <strong>de</strong>sfazer a<br />

i<strong>de</strong>ia do “sonho americano”, que<br />

as<strong>se</strong>ntava nessa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

invulnerabilida<strong>de</strong>.<br />

Jo<strong>se</strong>ph O’Neill quis escrever um<br />

romance <strong>de</strong>masiado ambicioso. Mais<br />

do que o tema ou a cuidada<br />

estrutura narrativa, é a sua prosa<br />

elegante (que <strong>se</strong> <strong>de</strong>ixa levar em<br />

<strong>de</strong>scrições poéticas pelos recantos<br />

<strong>de</strong> Nova Iorque) e o fascínio do<br />

estilo, que dão força ao livro. Para<br />

fazer o mo<strong>de</strong>rno “gran<strong>de</strong> romance<br />

americano” é preciso algo mais,<br />

aquela centelha <strong>de</strong> génio que só<br />

alguns têm.<br />

Inventário<br />

do tédio<br />

Monotonia, fra<strong>se</strong>s curtas,<br />

respiração do<strong>de</strong>cafónica. Só<br />

po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r Clarice do outro<br />

lado do espelho.<br />

Eduardo Pitta<br />

A Cida<strong>de</strong> Sitiada<br />

Clarice Lispector<br />

Relógio d’Água<br />

mmmmm<br />

Haia Lispector<br />

nasceu em<br />

Tchetchelnik, na<br />

Ucrânia, em 1920,<br />

no <strong>se</strong>io <strong>de</strong> uma<br />

família judaica,<br />

mas foi ainda<br />

bebé para o<br />

Brasil. Em Maceió,<br />

o pai muda-lhe o<br />

nome para Clarice. Em<br />

1943 acaba o curso <strong>de</strong><br />

Direito, obtém a carteira<br />

profissional <strong>de</strong> jornalista e<br />

a nacionalida<strong>de</strong> brasileira,<br />

casa com um diplomata, e<br />

publica o primeiro livro,<br />

ESTÚDIO<br />

Nuno Ramalho & Renato Ferrão<br />

Exposição <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Novembro até 22 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2010<br />

Horário: <strong>de</strong> quarta-feira a sábado, das 15h às 20h<br />

Visita guiada com os Artistas e com Bruno Marchand<br />

(autor do texto do catálogo)<br />

11 <strong>de</strong> Dezembro, <strong>se</strong>xta-feira, às 18h30<br />

fundação carmona e costa<br />

Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova <strong>de</strong> Lisboa)<br />

Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.º D<br />

1600-196 Lisboa<br />

(Bairro do Rego / Bairro Santos)<br />

Tel. 217 803 003 / 4<br />

www.fundacaocarmonaecosta.pt<br />

Autocarro: 31<br />

Metro: Sete Rios / Praça <strong>de</strong> Espanha /<br />

/ Cida<strong>de</strong> Universitária<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 51


Livros<br />

“Perto do Coração Selvagem”,<br />

provocando um abalo na ficção<br />

escrita em português.<br />

As ondas <strong>de</strong> choque ainda<br />

percutem. Des<strong>de</strong> então, Lispector é<br />

sinónimo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> literatura. E um<br />

maná para os estudiosos da<br />

alterida<strong>de</strong>. Um cancro fulminante<br />

matou-a na véspera <strong>de</strong> completar 57<br />

anos.<br />

“A Cida<strong>de</strong> Sitiada” (1949) foi o<br />

terceiro romance que escreveu, e o<br />

mais difícil <strong>de</strong> todos, dis<strong>se</strong> um dia. À<br />

época, vivia na Suíça, factor que<br />

atrasou a saída do livro, como<br />

aconteceria com todos os que<br />

publicou antes do regresso <strong>de</strong>finitivo<br />

ao Brasil, em 1959. Embora gran<strong>de</strong><br />

parte da obra (romances, contos e<br />

crónicas) esteja publicada em<br />

Portugal, só agora chegou a vez da<br />

história <strong>de</strong> Lucrécia Neves.<br />

“A Cida<strong>de</strong> Sitiada” é isso: a história<br />

<strong>de</strong> Lucrécia, moça <strong>de</strong> S. Geraldo que<br />

não cabia no subúrbio. Lucrécia não<br />

tem vida interior. Vê, simplesmente:<br />

os cavalos, o morro, o armazém, o<br />

sol, o vento. Por isso, “A realida<strong>de</strong><br />

precisava da mocinha para ter uma<br />

52 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

forma. [...] E a cida<strong>de</strong> ia tomando a<br />

forma que o <strong>se</strong>u olhar revelava.”<br />

Quem leu “A Hora da Estrela” (1977)<br />

sabe que Macabéa é uma replicante<br />

<strong>de</strong> Lucrécia, embora Macabéa<br />

pertença à <strong>se</strong>gunda fa<strong>se</strong> da obra,<br />

posterior ao <strong>de</strong>sastre <strong>de</strong> 1966,<br />

quando Clarice adormeceu a fumar,<br />

provocando o incêndio que lhe<br />

inutilizou a mão direita, obrigando-a<br />

a reapren<strong>de</strong>r a escrever. A título <strong>de</strong><br />

exemplo, as crónicas e os livros para<br />

a infância são géneros <strong>de</strong>s<strong>se</strong><br />

período.<br />

Clarice é a “déracinée” típica: <strong>se</strong>ca<br />

e <strong>de</strong> voz enxuta. De Tchetchelnik<br />

para Maceió, dali para o Recife, o Rio<br />

e o vasto mundo (Nápoles, Berna,<br />

Torquay, Londres, Washington,<br />

qua<strong>se</strong> <strong>de</strong>zas<strong>se</strong>is anos <strong>de</strong> diáspora),<br />

construiu um universo <strong>de</strong> fra<strong>se</strong>s<br />

curtas e respiração do<strong>de</strong>cafónica,<br />

porém <strong>de</strong>scritiva: “Um baile em S.<br />

Geraldo: a noite estiolada pela chuva<br />

e ela pisando com os cascos na<br />

pedra escorregadia, e os grupos <strong>de</strong><br />

guarda-chuva chegando. Grupos <strong>de</strong><br />

cavalheiros anónimos, os<br />

cavalheiros <strong>de</strong> pau ao redor dos<br />

quais <strong>se</strong> dançava.” A coreografia<br />

exacta, o “pau” rodopiando nos<br />

órgãos <strong>de</strong> Lucrécia: “ela dançara,<br />

chovia, as gotas escorrendo sob a<br />

luz, ela dançando, e a cida<strong>de</strong> erguida<br />

em torno.” O espelho <strong>de</strong>volve-lhe<br />

uma imagem “dourada e gros<strong>se</strong>ira”.<br />

Apesar da sombra.<br />

Hélène Cixous, justamente ela, a<br />

feminista <strong>de</strong> Orão, diz que Clarice<br />

inventou a “economia da<br />

feminilida<strong>de</strong>”. É bem verda<strong>de</strong>.<br />

Lucrécia vê, e <strong>se</strong>nte, mas falta-lhe o<br />

nome das coisas. Avessa aos<br />

floreados da retórica, Clarice <strong>de</strong>ixa<br />

os interstícios da intriga à vista: “Ele<br />

era masculino e <strong>se</strong>rvil. Servil <strong>se</strong>m<br />

humilhação como um gladiador que<br />

<strong>se</strong> alugas<strong>se</strong>. E ela, <strong>se</strong>ndo mulher, o<br />

<strong>se</strong>rvia. Enxugava-lhe o suor, alisavalhe<br />

os músculos. Aviltava-a viver às<br />

custas das idas e vindas e dos treinos<br />

<strong>de</strong> Mateus, esten<strong>de</strong>ndo camisas que<br />

a poeira da cida<strong>de</strong> logo sujava, ou<br />

alimentando-o com carnes e<br />

vinhos.” Do lado <strong>de</strong> cá do Atlântico,<br />

quando chegou a sua hora, Agustina<br />

Bessa Luís acrescentou um grão <strong>de</strong><br />

sal e um halo barroco ao imaginário<br />

tenso e <strong>de</strong>spojado <strong>de</strong> Clarice.<br />

Lucrécia vive “emparedada”,<br />

literalmente sitiada na periferia da<br />

cida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>. Tem uma “graça<br />

equestre”, e ama Lucas: “Foi entre a<br />

boca e o nariz - não nes<strong>se</strong> espaço,<br />

mas numa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

movimento egoísta e <strong>se</strong>m culpa que<br />

ali <strong>se</strong> pres<strong>se</strong>ntia, nes<strong>se</strong> trecho que<br />

não tinha <strong>se</strong>quer um nome–que<br />

<strong>de</strong>scobriu por on<strong>de</strong> o amava e por<br />

on<strong>de</strong> Lucas podia <strong>se</strong>r ferido.” Seu<br />

Correia foi apenas um pretexto. Ela<br />

<strong>se</strong>mpre o olhou <strong>de</strong> viés.<br />

Outra<br />

Olivença<br />

Fantasias e farsas<br />

historiográficas sobre a<br />

História ibérica.<br />

Pedro Mexia<br />

Los Moros<br />

José Viale Moutinho<br />

Afrontamento<br />

mmmmn<br />

Mário <strong>de</strong> Carvalho<br />

imaginou o<br />

exército<br />

português <strong>de</strong> 1984<br />

a dar <strong>de</strong> caras<br />

com a cavalaria<br />

moura<br />

<strong>de</strong><br />

1148,<br />

com o<br />

cafarnaum que daí<br />

resultava (“A Inaudita<br />

Guerra da Avenida Gago<br />

Coutinho”, 1983). “Los<br />

Moros”, o <strong>se</strong>gundo<br />

romance <strong>de</strong> José Viale<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Moutinho, editado em 2000 e agora<br />

revisto, tem uma estratégia afim;<br />

aqui não é a <strong>de</strong>usa da História que<br />

adormece, é a História pátria que <strong>se</strong><br />

repete e confun<strong>de</strong>. Não temos uma<br />

componente “fantástica” como no<br />

conto <strong>de</strong> Carvalho, mas o esquema é<br />

<strong>se</strong>melhante, pois a narrativa cruza<br />

as épocas históricas nos <strong>se</strong>us curtos<br />

capítulos. Tal como na “Inaudita<br />

Guerra” o efeito é inaudito e<br />

profundamente irónico.<br />

San Felice <strong>de</strong> los Moros é uma<br />

localida<strong>de</strong> imaginária que po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r<br />

<strong>de</strong>scrita como uma outra Olivença.<br />

Fica perto <strong>de</strong> Castelo Rodrigo e é<br />

território português por lei, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

Tratado <strong>de</strong> Alcanizes, e pos<strong>se</strong>ssão<br />

espanhola <strong>de</strong> facto. Es<strong>se</strong> povoado<br />

<strong>se</strong>rve a Viale Moutinho para<br />

fantasias e farsas historiográficas<br />

que abrangem sobretudo dois<br />

períodos: a Guerra Civil <strong>de</strong> Espanha<br />

e a actualida<strong>de</strong> (década <strong>de</strong> 1980). Há<br />

muito que Viale tem escrito sobre a<br />

Guerra espanhola, e é um dos<br />

portugue<strong>se</strong>s que melhor conhece<br />

es<strong>se</strong> período (embora consiga ver<br />

apenas as cruelda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um dos<br />

lados). Os episódios mais vívidos <strong>de</strong><br />

“Los Moros” são os da Guerra Civil,<br />

com um batalhão franquista<br />

varrendo um território fronteiriço. O<br />

que tem graça é que estes homens,<br />

que incluem requetés com pendões<br />

e crucifixos, <strong>se</strong> fazem acompanhar<br />

da tropa moura, os mais insólitos<br />

aliados dos nacionalistas: “‘Meu<br />

comandante, concretamente, o que<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>ja? Há aqui um problema a<br />

resolver. Estes soldados mouros não<br />

enten<strong>de</strong>m espanhol. Sabem que<br />

pertencem ao exército <strong>de</strong> libertação<br />

<strong>de</strong> Espanha, que estão às or<strong>de</strong>ns do<br />

nosso Generalíssimo Franco e que o<br />

meu tenente é quem manda aqui. A<br />

questão é que não fazem a mínima<br />

i<strong>de</strong>ia do que é que manda. Olhe, não<br />

lhe enten<strong>de</strong>m as or<strong>de</strong>ns, está a ver?<br />

Depois da morte do sargento<br />

Hamed, fiquei eu a comandá-los,<br />

mas saiba o meu tenente que<br />

também não me consigo enten<strong>de</strong>r<br />

com eles…’” (pág. 43). Embora o<br />

Alzamiento <strong>se</strong> veja como uma<br />

espécie <strong>de</strong> Reconquista cristã, usa<br />

tropas marroquinas para espalhar o<br />

terror. E então os mouros,<br />

apropriadamente, chegam a Los<br />

Moros.<br />

Já o episódio<br />

contemporâneo é<br />

uma paródia às<br />

incursões<br />

monárquicas, à<br />

causa oliventina<br />

e a outros<br />

FERNANDO VELUDO / PÚBLICO<br />

saudosismos. Baltazar Negrões,<br />

historiador monárquico, <strong>de</strong>scobre<br />

um paiol <strong>de</strong> munições do tempo <strong>de</strong><br />

Paiva Couceiro, e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> fazer um<br />

acto <strong>de</strong> propaganda tomando Los<br />

Moros a Castela. Engran<strong>de</strong>cer a<br />

República em nome da Monarquia,<br />

eis um belo golpe. Mas estas novas<br />

incursões são tão ineptas e mal<br />

preparadas como as dos anos 1911-19,<br />

uma cambada <strong>de</strong> reaças <strong>se</strong>m<br />

quaisquer condições <strong>de</strong> número,<br />

armamento ou estratégia para levar<br />

a cabo a sua empreitada: “O<br />

comandante da coluna não contara<br />

aos <strong>se</strong>us homens que passara todo o<br />

tempo <strong>de</strong> tropa no Mu<strong>se</strong>u Militar, a<br />

catalogar as colecções <strong>de</strong> miniaturas<br />

em chumbo dos exércitos dos paí<strong>se</strong>s<br />

da Europa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo dos<br />

romanos até ao final da II Guerra<br />

Mundial. Que lhes po<strong>de</strong>ria<br />

interessar? O ajudante Braz fora<br />

mobilizado em 1969 para S. Tomé,<br />

era <strong>de</strong> transmissões, mas nunca<br />

chegara a embarcar porque meteu,<br />

com sucesso, a alegação <strong>de</strong> <strong>se</strong>r o<br />

único amparo da mãe. (…) Aliás,<br />

pareciam preferir as navalhas às<br />

espingardas. Um dis<strong>se</strong>ra-lhe que <strong>se</strong><br />

fos<strong>se</strong> ao menos uma G.3 ainda <strong>se</strong><br />

po<strong>de</strong>ria esperar algum sucesso,<br />

agora com aqueles canhangulos<br />

nada <strong>se</strong> po<strong>de</strong>ria dar como certo”<br />

(pág. 89-90). Baltazar fez uma te<strong>se</strong><br />

sobre Estáquio <strong>de</strong> Sessé, que no<br />

século XVI tentou reconquistar a<br />

al<strong>de</strong>ia, e na sua cabeça confusa<br />

revive vários actos patrióticos <strong>de</strong><br />

séculos diferentes.<br />

Viale Moutinho usa com<br />

perspicácia uma característica<br />

estruturante do pensamento<br />

ultramontano: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que todos<br />

os episódios históricos ocorreram<br />

ontem, pelo que ainda são tema<br />

hoje, ainda estão vivos e latejantes,<br />

mesmo que muitos os <strong>de</strong>clarem<br />

esquecidos. Que eles estão na<br />

verda<strong>de</strong> esquecidos prova-<strong>se</strong> pela<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provas documentais,<br />

provas essas que inundam<br />

textualmente este romance:<br />

cronicões, investigações<br />

académicas, <strong>de</strong>scobertas<br />

arqueológicas. A História parece<br />

enterrada e é a cada momento<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>nterrada por quem acha isso<br />

benéfico ou útil. Daí que todos estes<br />

combates peninsulares revivam<br />

memórias apagadas, <strong>se</strong>ndo a maior<br />

<strong>de</strong> todas (do nosso lado) a batalha <strong>de</strong><br />

Aljubarrota.<br />

“Los Moros” é pois uma novela<br />

ibérica, com amor evi<strong>de</strong>nte pela<br />

cultura <strong>de</strong> Espanha, empréstimos à<br />

literatura picaresca, e uma prosa<br />

imitativa e garbosa. Viale Moutinho<br />

vê a História como uma história da<br />

violência, mas também como uma<br />

teia <strong>de</strong> enganos. Surge como<br />

tragédia e repete-<strong>se</strong> como<br />

comédia.<br />

Viale Moutinho vê a História<br />

como uma história da violência, mas também<br />

como uma teia <strong>de</strong> enganos


Cinema<br />

“O Milagre Sant’Anna”:<br />

um fi lme feito em resposta<br />

à sub-repre<strong>se</strong>ntação dos negros<br />

americanos nas efabulações<br />

cinematográfi cas em torno<br />

da II Guerra<br />

Estreiam<br />

Pop song<br />

das trevas<br />

Um gran<strong>de</strong> filme sobre o<br />

trabalho artístico como<br />

processo repetitivo.<br />

Luís Miguel Oliveira<br />

Ne Change Rien<br />

De Pedro Costa,<br />

com Jeanne Balibar. M/12<br />

MMMMM<br />

Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 16h45, 19h, 21h45, 00h05<br />

Domingo 11h30, 14h30, 16h45, 19h, 21h45, 00h05<br />

Que “não mu<strong>de</strong> nada”, pe<strong>de</strong> o título,<br />

<strong>se</strong>m explicar quem faz es<strong>se</strong> pedido a<br />

quem. O título vem <strong>de</strong> uma canção<br />

<strong>de</strong> Jeanne Balibar, que por sua vez<br />

“samplou” a voz <strong>de</strong> Jean-Luc Godard<br />

a dizer isto, “ne change rien”, numa<br />

passagem das “Histoire(s) du<br />

Cinéma” (e é espantoso o momento<br />

em que, por via <strong>de</strong>s<strong>se</strong> “sample” e da<br />

“puissance <strong>de</strong> la parole”, Godard<br />

vem assombrar o filme). Mas<br />

portanto, ainda não passámos do<br />

título e já aqui há uma corrente (<strong>de</strong><br />

pedidos?), uma “veia <strong>de</strong><br />

transmissão” que dava vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

per<strong>se</strong>guir.<br />

Pedro Costa, evi<strong>de</strong>ntemente, não<br />

é nada alheio ao efeito provocado<br />

pelos títulos dos <strong>se</strong>us filmes, do que<br />

é um bom exemplo o caso <strong>de</strong><br />

“Juventu<strong>de</strong> em Marcha” e do <strong>se</strong>u<br />

título internacional “oficial”, que na<br />

prática era um título diferente,<br />

“Colossal Youth”. Usa os títulos<br />

como os pintores. Mas, como<br />

alguns pintores, gosta <strong>de</strong> os<br />

usar como pista, <strong>se</strong> não<br />

falsa, incerta. Não muda<br />

nada ou muda tudo? E é<br />

melhor que mu<strong>de</strong> ou<br />

que não mu<strong>de</strong>?<br />

O filme não<br />

respon<strong>de</strong>, com clareza<br />

As estrelas do público<br />

Balibar ora é Nico, ora é Marlene,<br />

ora é Nina Simone, ora é aluna <strong>de</strong> canto clássico...<br />

pelo menos. Mas é curioso reparar<br />

no que vai mudando ao longo <strong>de</strong> “Ne<br />

Change Rien”. Nas metamorfo<strong>se</strong>s <strong>de</strong><br />

Balibar, que ora é Nico, ora é<br />

Marlene, ora é Nina Simone, ora é<br />

aluna <strong>de</strong> canto clássico com o<br />

empenho <strong>de</strong> uma liceal aplicada, ora<br />

é, mesmo (e é o “chiaroscuro” que o<br />

permite), Vanda, voltando <strong>se</strong>mpre a<br />

<strong>se</strong>r, <strong>se</strong> é que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> <strong>se</strong>r, Balibar. Há<br />

muitos ecrãs no filme, muitas telas<br />

brancas que Costa plantou no<br />

“décor” para cortar a profundida<strong>de</strong><br />

ou para compor o <strong>de</strong>licado<br />

equilíbrio da iluminação. Mas os<br />

ecrãs e as telas existem para além<br />

<strong>de</strong>ssa função, e ficam ali, a dar um ar<br />

<strong>de</strong> sala <strong>de</strong> cinema improvisada, à<br />

espera do arcaísmo <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong><br />

sombras. Numa cena, contra um<br />

ecrã <strong>de</strong>s<strong>se</strong>s sobre o qual projecta<br />

uma sombra que faz lembrar as do<br />

“Nosferatu” (a “sinfonia das trevas”),<br />

Balibar ensaia uma canção (“Ton<br />

Diable”) que fala do “teu diabo, o teu<br />

duplo ridículo”. A reverberação não<br />

faz só um <strong>se</strong>ntidos, faz imensos<br />

<strong>se</strong>ntidos, para mais no contexto da<br />

cena: parece que fala da maneira<br />

como Balibar <strong>se</strong> oferece à câmara, à<br />

câmara que a apanha durante todo o<br />

filme numa espécie <strong>de</strong> fronteira<br />

entre a “comédia” e a “vida”. Mas<br />

parece que fala também da maneira<br />

como o cinema “entra” naquele<br />

espaço, neste filme: como uma coisa<br />

que “dobra” a vida, que <strong>se</strong> lhe<br />

sobrepõe, por vezes <strong>de</strong> maneira um<br />

pouco “ridícula” porque é só o que<br />

po<strong>de</strong>. E é o cinema que transforma<br />

Balibar em Nico ou em Marlene,<br />

como <strong>se</strong> Costa, filmando Balibar<br />

enquanto cantora, a filmas<strong>se</strong><br />

sobretudo como actriz - o que<br />

também assinala o regresso <strong>de</strong> Pedro<br />

Costa, ainda que <strong>de</strong>sta maneira<br />

propositadamente ambígua, ao<br />

cinema “com actores”, com actores<br />

profissionais. Uma actriz, neste caso,<br />

a quem Costa po<strong>de</strong> pedir - como um<br />

mestre bonecreiro - aquilo que não<br />

podia pedir a Vanda, ao Ventura ou<br />

aos Straubs: que mu<strong>de</strong>, que vá<br />

mudando para ele.<br />

<strong>Ainda</strong> a propósito da maneira<br />

como o cinema “entra” no filme é<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

impossível não reparar que a cena<br />

com o plano mais aberto, com a luz<br />

mais clara, com o enquadramento<br />

mais distante e mais parecido com o<br />

que <strong>se</strong> veria num típico “filmeconcerto”,<br />

é a da canção do “Johnny<br />

Guitar”. E é assim por uma razão<br />

simples: o cinema “entra” pela<br />

canção, não é preciso mais nada.<br />

E o trabalho, evi<strong>de</strong>ntemente. “Ne<br />

Change Rien” é um gran<strong>de</strong> filme<br />

sobre o trabalho (traço que mais<br />

salientemente o liga a “On<strong>de</strong> Jaz o<br />

Teu Sorriso?”, o filme com Straub e<br />

Huillet), sobre a paciência e a<br />

exasperação, sobre o cansaço e o<br />

erro, sobre a aprendizagem, sobre o<br />

trabalho artístico como processo<br />

repetitivo mas on<strong>de</strong> a repetição é a<br />

medida da disciplina que permite<br />

que a obra vá nascendo por<br />

<strong>de</strong>cantação (e nisto estará o traço<br />

que mais salientemente liga “Ne<br />

Change Rien” a “One Plus One”, o<br />

filme <strong>de</strong> Godard com os Stones).<br />

Balibar é a heroína <strong>de</strong>ste processo.<br />

Há os outros músicos, com certeza<br />

(como o excelente Rodolphe<br />

Burger), mas a heroína é ela.<br />

Criatura das sombras, ora as domina<br />

ora é dominada por elas. Tanto <strong>se</strong><br />

entrega ao ponto <strong>de</strong> <strong>se</strong> “zombificar”<br />

(a cena em que tenta interiorizar o<br />

compasso da melodia, repetindo-a<br />

infinitamente), como resiste, por<br />

exemplo na aula <strong>de</strong> canto com que<br />

<strong>se</strong> prepara para interpretar as<br />

canções <strong>de</strong> Offenbach. O anti-climax<br />

<strong>de</strong>ssa cena é fortíssimo, com a<br />

distância (a “resistência”) expressa<br />

na “nonchalance”, ao mesmo tempo<br />

fria e doméstica, com que Balibar<br />

fala do frigorífico e do que <strong>se</strong><br />

esqueceram <strong>de</strong> comprar para o<br />

almoço. Por outro lado, falando uma<br />

das canções <strong>de</strong> Offenbach (que<br />

ouvimos mais tar<strong>de</strong>) <strong>de</strong> miséria e<br />

fome, essa ob<strong>se</strong>rvação <strong>de</strong> Balibar<br />

torna-<strong>se</strong> um gag “diferido”. Há outro<br />

mais directo: no fim da actuação,<br />

pela porta à esquerda do<br />

enquadramento (presumivelmente<br />

já uma porta <strong>de</strong> bastidores), mal<br />

Balibar acabou <strong>de</strong> cantar sobre a<br />

impossibilida<strong>de</strong> da felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

barriga vazia, sai um tipo a mastigar<br />

uma san<strong>de</strong>s. Pedro Costa justificou<br />

es<strong>se</strong> enquadramento com a vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ter nele o pianista, que era “um<br />

pianista <strong>de</strong> John Ford”. <strong>Ainda</strong> uma<br />

pista incerta, diríamos: o que ele<br />

quis foi ter a porta, uma porta <strong>de</strong><br />

ripas como nas casas do Bairro das<br />

Fontaínhas, e as pare<strong>de</strong>s a brilharem<br />

com alguma coisa que parece<br />

humida<strong>de</strong> (e <strong>se</strong> con<strong>se</strong>guiu ter isto e o<br />

tipo com a san<strong>de</strong>s e ao mesmo<br />

tempo ter Ford, tanto melhor).<br />

Portas e pare<strong>de</strong>s que, <strong>se</strong>ndo<br />

ingredientes fundamentais dos<br />

filmes <strong>de</strong> Costa, são aqui menos<br />

ostensivas. Ou não as há - o estúdio<br />

foi improvisado numa espécie <strong>de</strong><br />

“loft” - ou estão escondidas pelas<br />

sombras, porque é <strong>se</strong>mpre noite ou<br />

recriação da noite. Há um plano<br />

fabuloso como uma janela (<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

vem a luz do dia) e uma Balibar<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

entre a concentração e a prostração<br />

(como <strong>se</strong> o dia não a tocas<strong>se</strong>). Por<br />

outro lado, nas cenas em que ela<br />

parece mais cansada ou dominada<br />

não con<strong>se</strong>guimos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar<br />

que a ausência <strong>de</strong> portas e pare<strong>de</strong>s<br />

tem alguma coisa a ver com o<br />

assunto: as heroínas <strong>de</strong> Pedro Costa<br />

gostam do <strong>se</strong>u espaço bem <strong>de</strong>finido,<br />

bem marcado.<br />

É claro que, feitas as contas, quem<br />

pe<strong>de</strong> que “não mu<strong>de</strong> nada” somos<br />

nós, espectadores. Durante a hora e<br />

três quartos que dura a projecção <strong>de</strong><br />

“Ne Change Rien”, não queremos<br />

que mu<strong>de</strong> coisa alguma. Pedro Costa<br />

“did it again”.<br />

The big black one<br />

O Milagre em Sant’Anna<br />

Miracle at St. Anna<br />

De Spike Lee,<br />

com Derek Luke, Michael Ealy, Laz<br />

Alonso. M/12<br />

MMnnn<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

Andando mmmmn mmmnn nnnnn mmmmn<br />

2012 mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

O Delator mmmnn mmnnn mmmnn mmmnn<br />

Julie e Julia mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Os Irmãos Bloom mmmmn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

O Milagre em Sant’Anna nnnnn mmnnn nnnnn nnnnn<br />

Moon - O Outro Lado da Lua mmmnn mmnnn nnnnn mmmnn<br />

Ne Change Rien mmmmn mmmmm nnnnn mmmmn<br />

Os Sorrisos do Destino nnnnn nnnnn mmmnn mnnnn<br />

Tetro mmnnn nnnnn nnnnn mnnnn<br />

Lisboa: Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h, 19h, 22h; UCI Cinemas<br />

- El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />

15h15, 18h30, 22h Domingo 11h30, 15h15, 18h30, 22h;<br />

ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h10, 21h10, 00h25; ZON<br />

Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 14h, 17h30, 21h, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h30, 17h, 21h05, 00h30<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 14h10, 17h40, 21h15, 00h35 3ª 4ª<br />

17h40, 21h15, 00h35<br />

O défice <strong>de</strong> repre<strong>se</strong>ntação da<br />

população negra na iconografia<br />

americana, especialmente no<br />

cinema, é uma preocupação antiga<br />

<strong>de</strong> Spike Lee. Já a exprimiu em<br />

diversas ocasiões – recor<strong>de</strong>m-<strong>se</strong> as<br />

picardias com Woody Allen e Clint<br />

Eastwood – e é um assunto que<br />

cruza os <strong>se</strong>us filmes, e nalguns casos<br />

os explica. Isso talvez nunca tenha<br />

sido tão verda<strong>de</strong> como com “O<br />

Milagre em Sant’Anna”, filme feito<br />

em resposta à sub-repre<strong>se</strong>ntação (ou<br />

à omissão) dos negros americanos<br />

nas efabulações cinematográficas<br />

em torno da II Guerra. Um filme <strong>de</strong><br />

guerra “reivindicativo”, <strong>se</strong><br />

qui<strong>se</strong>rmos, “blaxploitation” <strong>se</strong>m<br />

“xploitation” porque Spike Lee não<br />

aponta à margem, aponta ao centro.<br />

E o centro é o cinema clássico, e é,<br />

quem mais podia <strong>se</strong>r?, John Wayne.<br />

Se vemos John Wayne a visitar um<br />

filme <strong>de</strong> Spike Lee po<strong>de</strong>mos estar<br />

certos que é uma visita política e que<br />

Wayne aparece como símbolo<br />

i<strong>de</strong>ológico. É o prólogo <strong>de</strong> “O<br />

Milagre em Sant’Anna”: um homem<br />

negro, que viremos <strong>de</strong>pois a<br />

reconhecer como um ex-soldado<br />

protagonista <strong>de</strong>sta história, <strong>se</strong>ntado<br />

em casa a ver John Wayne a ganhar a<br />

guerra no “Dia Mais Longo”, e<br />

<strong>de</strong>pois um berro <strong>de</strong> indignação,<br />

qualquer coisa como “esta guerra foi<br />

nossa também!”.<br />

Ao filme não faltam, portanto,<br />

nem clareza <strong>de</strong> propósitos<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 53


Cinema<br />

(reparar uma usurpação) nem<br />

ambição (filmar heróis negros que<br />

<strong>de</strong>safiem o estatuto mítico <strong>de</strong><br />

Wayne). Propósitos e ambições tão<br />

nobres como outros quaisquer. O<br />

que falta ao filme é estar à altura<br />

<strong>de</strong>les. Para um filme que tão<br />

agressivamente <strong>se</strong> começa por<br />

<strong>de</strong>finir, <strong>de</strong>saponta a singular<br />

ausência <strong>de</strong> ferocida<strong>de</strong> com que Lee<br />

conta esta história sobre uma<br />

companhia <strong>de</strong> soldados negros na<br />

Toscana, em 1944, durante a<br />

reconquista aliada da Itália. Essa<br />

ferocida<strong>de</strong> dá lugar a uma moleza<br />

narrativa (facto a confirmar com<br />

“Malcolm X”: Spike Lee e o “épico”<br />

não jogam lá muito bem), enredada<br />

num complicado flash-back que,<br />

acabamos por perceber, só <strong>se</strong><br />

justifica pelas piores razões (o<br />

<strong>se</strong>ntimentalismo choramingas da<br />

cena final, o pior fecho <strong>de</strong> filme da<br />

obra <strong>de</strong> Spike Lee). Os combates e os<br />

“horrores da guerra” são filmados<br />

naquele realismo maquinal que faz<br />

da irrepreensibilida<strong>de</strong> técnica uma<br />

medida <strong>de</strong> indiferença – da<br />

indiferença <strong>de</strong> quem filma e da<br />

indiferença <strong>de</strong> quem assiste.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente há um fundo<br />

romântico na guerra vista por Spike<br />

Lee. O que ele quer é extrair <strong>de</strong> lá<br />

outros “heróis”, mas “heróis” na<br />

mesma. A crítica da mitologia volve<strong>se</strong><br />

em reprodução da mitologia com<br />

uma cor <strong>de</strong> pele diferente. Melhor<br />

ou pior, essa tarefa certamente <strong>se</strong><br />

cumpre. Mas é uma tarefa que <strong>de</strong>ixa<br />

lastro na construção <strong>de</strong> um olhar<br />

cinematográfico sobre a guerra – um<br />

lastro que <strong>se</strong> traduz numa candura,<br />

numa crença inquestionada, e qua<strong>se</strong><br />

paternalista, na bonda<strong>de</strong> das suas<br />

personagens. O que é um drama, <strong>se</strong><br />

cotejarmos o filme <strong>de</strong> Spike Lee com<br />

muitos dos filmes <strong>de</strong> guerra (Ford,<br />

Walsh, Fuller...) que ele<br />

implicitamente critica: a razão que<br />

lhe sobra em termos <strong>de</strong><br />

repre<strong>se</strong>ntação política e sociológica<br />

falta-lhe em profundida<strong>de</strong> poética e<br />

filosófica. Não espanta que os planos<br />

finais pareçam saídos <strong>de</strong> um filme <strong>de</strong><br />

Tornatore. Ao pé dos “Nus e os<br />

Mortos” <strong>de</strong> Walsh ou do “Big Red<br />

One” <strong>de</strong> Fuller, “O Milagre <strong>de</strong><br />

Sant’Anna” é apenas um simpático e<br />

rudimentar filme bem intencionado.<br />

L.M.O.<br />

O pai tirano<br />

Tetro<br />

De Francis Ford Coppola,<br />

com Vincent Gallo, Maribel Verdú,<br />

Al<strong>de</strong>n Ehrenreich. M/12<br />

MMnnn<br />

Lisboa: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />

14h30, 17h, 19h30, 22h 6ª Sábado 2ª 14h30, 17h,<br />

19h30, 22h, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 4 -<br />

Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h30<br />

Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 1: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h40, 19h10,<br />

21h40<br />

54 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />

Não faltaram as leituras autobiográfi cas <strong>de</strong> “Tetro”, e Coppola,<br />

sábio gestor da curiosida<strong>de</strong> alheia, não <strong>de</strong>smente nem confi rma<br />

Não, “Uma Segunda Juventu<strong>de</strong>” não<br />

foi “uma vez <strong>se</strong>m exemplo”. A obra<br />

que marcou o regresso ao cinema <strong>de</strong><br />

Coppola após <strong>de</strong>z anos <strong>se</strong>m filmar<br />

foi uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> intenções:<br />

liberto das dívidas e das constrições<br />

hollywoodianas, o cineasta ia agora<br />

fazer os filmes que queria, como<br />

queria, fora <strong>de</strong> qualquer lógica<br />

industrial e com a sua musa como<br />

único Norte. Recriando o sonho<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte que a sua geração quis<br />

trazer à Hollywood que, em finais<br />

dos anos 1960, estava atolada no<br />

mínimo <strong>de</strong>nominador comum em<br />

nome da maior abrangência<br />

possível, “Tetro” confirma a vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> mergulhar no passado da arte (e<br />

não apenas do cinema) para melhor<br />

lhe preparar o futuro.<br />

On<strong>de</strong> “Uma Segunda Juventu<strong>de</strong>”<br />

retomava as fantasias sobrenaturais<br />

dos anos 1940 e 1950, “Tetro”<br />

coloca-<strong>se</strong> à sombra do gran<strong>de</strong><br />

melodrama familiar. (Em comum a<br />

ambos, encontramos a asa<br />

protectora da dupla Michael Powell/<br />

Emeric Pressburger – on<strong>de</strong> “Uma<br />

Segunda Juventu<strong>de</strong>” podia remeter<br />

para “Uma Questão <strong>de</strong> Vida ou <strong>de</strong><br />

Morte”, 1946, “Tetro” cita<br />

directamente “Os Contos <strong>de</strong><br />

Hoffmann”, 1951, e “Os Sapatos<br />

Vermelhos”, 1948.) Mas <strong>se</strong> é verda<strong>de</strong><br />

que dificilmente nos po<strong>de</strong>mos<br />

esquecer do “Padrinho”, é talvez<br />

mais da literatura que “Tetro” <strong>se</strong><br />

reivindica, ao repescar o velho lugarcomum<br />

do escritor boémio que <strong>se</strong><br />

alimenta da sua própria vida. Aqui,<br />

es<strong>se</strong> escritor é Angie Tetrocini, filho<br />

<strong>de</strong> um “pai tirano” maestro <strong>de</strong><br />

renome, que corta relações com a<br />

família e foge a escon<strong>de</strong>r-<strong>se</strong> nos<br />

bairros boémios <strong>de</strong> Buenos Aires,<br />

on<strong>de</strong> é “<strong>de</strong>scoberto” pelo irmão<br />

mais novo, Bennie, também ele em<br />

ruptura com a família mas<br />

procurando reencetar a relação <strong>de</strong><br />

proximida<strong>de</strong> cortada com a fuga <strong>de</strong><br />

Angie, que agora <strong>se</strong> chama Tetro e<br />

abandonou a escrita.<br />

Não faltaram as leituras<br />

autobiográficas da história <strong>de</strong><br />

“Tetro”, e Coppola, sábio gestor da<br />

curiosida<strong>de</strong> alheia, não <strong>de</strong>smente<br />

nem confirma, esclarecendo apenas<br />

que é o mais pessoal dos <strong>se</strong>us filmes.<br />

Fazendo tangentes à tragédia grega e<br />

ao “gótico Americano” <strong>de</strong> Tennes<strong>se</strong>e<br />

Williams, “Tetro” prefere instalar-<strong>se</strong><br />

num meio-termo em constante<br />

<strong>de</strong><strong>se</strong>quilíbrio entre o realismo<br />

mágico latino-americano e o<br />

melodrama barroco e garrido da<br />

ópera clássica – e é no do<strong>se</strong>amento<br />

<strong>de</strong>ssas características que Coppola<br />

<strong>se</strong> per<strong>de</strong>, tornando o novo filme<br />

num passo atrás em relação a “Uma<br />

Segunda Juventu<strong>de</strong>”. No <strong>se</strong>u pior,<br />

<strong>se</strong>ntimos que Coppola está a tentar<br />

invocar os gran<strong>de</strong>s mestres do<br />

cinema europeu como Fellini e <strong>se</strong><br />

estampa espectacularmente (a “cor<br />

local” dos amigos boémios <strong>de</strong> Tetro<br />

é tão excêntrica que chega a <strong>se</strong>r<br />

risível, os “buracos” narrativos são<br />

óbvios). No <strong>se</strong>u melhor, contudo<br />

(como os vinte minutos finais e<br />

qua<strong>se</strong> todas as cenas que envolvem<br />

Bennie, Tetro e Miranda), Coppola<br />

toca a espaços essa condição<br />

operática que procura, con<strong>se</strong>gue<br />

fazer ressoar a corda da família que<br />

<strong>se</strong> ama mas não con<strong>se</strong>gue coexistir<br />

pacatamente. Não chega lá mais<br />

porque está mal <strong>se</strong>rvido por Vincent<br />

Gallo, incapaz <strong>de</strong> emprestar<br />

qualquer espessura a Tetro para lá<br />

do <strong>se</strong>u número habitual do artista<br />

torturado, chutado para canto pela<br />

ternura quente <strong>de</strong> Maribel Verdú e<br />

pela revelação <strong>de</strong> Al<strong>de</strong>n Ehrenreich.<br />

“Tetro” é o filme <strong>de</strong> um cineasta<br />

que trabalha agora em inteira<br />

liberda<strong>de</strong> e <strong>se</strong> marimba para o que<br />

os outros pensam – e isso é bonito <strong>de</strong><br />

<strong>se</strong> ver num veterano como Coppola,<br />

ainda disposto a correr os riscos que<br />

os <strong>se</strong>us colegas <strong>de</strong> geração já há<br />

muito <strong>de</strong>ixaram para trás. E,<br />

francamente, preferimos um<br />

veterano que <strong>se</strong> estampa em busca<br />

<strong>de</strong> outra coisa do que um que <strong>se</strong><br />

limita a <strong>de</strong>spachar mais do mesmo.<br />

Jorge Mourinha<br />

O girl power<br />

do fogão<br />

Julie e Julia<br />

Julie & Julia<br />

De Nora Ephron,<br />

com Meryl Streep, Amy Adams,<br />

Stanley Tucci. M/12<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito Bommmmm mm mmMuito BommmmmmExcelente<br />

Bommm mm mmmm mm m mEx Ex Excelente<br />

MMMnn<br />

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h30 6ª Sábado<br />

15h30, 18h20, 21h30, 00h15; Castello Lopes -<br />

Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,<br />

19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h;<br />

Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h30,<br />

21h30, 24h; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h35, 16h10, 18h30, 21h40, 00h05; CinemaCity<br />

Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h45, 16h05, 18h50, 21h30 6ª Sábado 13h45,<br />

16h05, 18h50, 21h30, 24h; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />

Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50, 00h30; UCI Cinemas<br />

- El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />

14h05, 16h35, 19h05, 21h35, 00h05 Domingo 11h30,<br />

14h05, 16h35, 19h05, 21h35, 00h05; ZON<br />

Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h30, 16h20, 19h, 21h50, 00h20; ZON<br />

Lusomundo CascaiShopping: 5ª 13h, 15h40, 18h20<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 13h, 15h40, 18h20,<br />

21h20, 24h 4ª 13h, 15h40, 18h20, 21h20; ZON<br />

Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 13h, 15h50, 18h35, 21h30, 00h15; ZON<br />

Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h50, 18h40, 21h30,<br />

00h15; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 13h05,<br />

15h45, 18h20, 00h15 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h05, 15h45, 18h20, 21h40, 00h15; Castello Lopes -<br />

Rio Sul Shopping: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />

18h30, 21h30, 00h10 Sábado Domingo 12h50,<br />

15h30, 18h30, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo<br />

Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h55, 15h55, 18h40, 21h25, 00h15<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h55, 16h30, 19h10, 21h50, 00h30 3ª<br />

4ª 16h30, 19h10, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo<br />

Dolce Vita Porto: 5ª 12h50, 15h30, 18h20, 21h 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h20,<br />

21h20, 00h05; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h40,<br />

21h40, 00h30; ZON Lusomundo Parque Nascente:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10,<br />

19h, 21h50, 00h35<br />

Como <strong>se</strong> não chegas<strong>se</strong> uma, “Julie e<br />

Julia” ba<strong>se</strong>ia-<strong>se</strong> em duas histórias<br />

verídicas e isso <strong>de</strong>ixa logo a pulga<br />

atrás da orelha. Uma é a história <strong>de</strong><br />

Julia Child, espécie <strong>de</strong> Maria <strong>de</strong><br />

Lour<strong>de</strong>s Mo<strong>de</strong>sto que revelou à<br />

América, nas décadas <strong>de</strong> 1950 e<br />

1960, a riqueza da cozinha francesa<br />

pela qual <strong>se</strong> apaixonara em Paris<br />

após a II Guerra. A outra é a história<br />

<strong>de</strong> Julie Powell, uma trintona novaiorquina<br />

que, em 2002, frustrada<br />

com o modo como a sua vida não<br />

<strong>se</strong>guira o curso que esperava,<br />

embarca no projecto meio insane <strong>de</strong><br />

cozinhar, ao longo <strong>de</strong> um ano, as<br />

500 receitas que Child incluira no<br />

<strong>se</strong>u livro <strong>de</strong> culinária francesa.<br />

Improvavelmente, do cruzamento<br />

entre as duas histórias Nora Ephron<br />

tira uma elegantíssima alta comédia<br />

sobre duas mulheres que nunca <strong>se</strong><br />

conheceram nem nunca <strong>se</strong> cruzaram<br />

mas que <strong>se</strong> encontraram a si<br />

próprias do mesmo modo – através<br />

da culinária. O truque é o <strong>de</strong> usar a<br />

divisão da casa à qual as mulheres<br />

foram relegadas durante anos como<br />

ba<strong>se</strong> do <strong>se</strong>u triunfo e da sua<br />

realização pessoal – <strong>de</strong> “escrava do<br />

fogão” a “girl power” através do<br />

po<strong>de</strong>r da manteiga e do refogado.<br />

Melhor ainda: não estamos a falar <strong>de</strong><br />

mulheres <strong>de</strong>sfavorecidas (Child era<br />

casada com um diplomata, Powell<br />

tinha uma vida <strong>de</strong> clas<strong>se</strong> média,<br />

ambas estão apaixonadas pelos<br />

maridos) e isso é também<br />

refrescante. O filme explora essa<br />

“normalida<strong>de</strong>” tantas vezes<br />

maltratada pelo cinema como banal.<br />

“Julie e Julia”: o po<strong>de</strong>r da manteiga e do refogado<br />

Como quem diz: sim, as pessoas<br />

normais não têm nada <strong>de</strong><br />

excepcional, e qual é o problema?<br />

“Julie e Julia” torna-<strong>se</strong>, assim,<br />

numa <strong>de</strong>liciosa subversão dos<br />

cânones feministas ao usar a cozinha<br />

como fonte da realização pessoal da<br />

mulher mo<strong>de</strong>rna, mas <strong>se</strong>m reduzir<br />

as personagens a meras fachadas<br />

que apenas existem para a cozinha.<br />

É óbvio que ajuda, e muito, ter duas<br />

actrizes do calibre <strong>de</strong> Amy Adams e,<br />

sobretudo, Meryl Streep, a quem a<br />

comédia está a ficar cada vez<br />

melhor. E também é verda<strong>de</strong> que<br />

ninguém pensaria em consi<strong>de</strong>rar<br />

“Julie e Julia” uma obra-prima. Mas é<br />

tão raro ver uma boa alta comédia<br />

hoje, ainda por cima divertida,<br />

inteligente, impecavelmente<br />

interpretada, que esta qua<strong>se</strong> faz<br />

figura <strong>de</strong> obra-prima. J.M.<br />

Continuam<br />

Os Sorrisos do Destino<br />

De Fernando Lopes,<br />

com Ana Padrão, Rui Morrison,<br />

Milton Lopes. M/12<br />

Mnnnn<br />

Lisboa: Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h40, 17h40,<br />

19h40, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo Alvaláxia:<br />

5ª 19h10, 22h 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 19h10,<br />

22h, 00h20 4ª 00h20; ZON Lusomundo Amoreiras:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 18h,<br />

23h40; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 18h40, 00h20<br />

Porto: Me<strong>de</strong>ia Cine Estúdio do Teatro Campo Alegre:<br />

Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

18h30, 22h; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª<br />

13h40, 19h10 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40,<br />

19h10, 23h55<br />

É uma “screwball comedy”<br />

impossível. Porque não há guerra <strong>de</strong><br />

<strong>se</strong>xos (nem actores à altura), é um<br />

solo, um irremediável solo – <strong>de</strong> Rui<br />

Morrison e da sua personagem, um<br />

homem apaixonado por boleros que<br />

<strong>se</strong> <strong>de</strong>scobre traído pela mulher, fã <strong>de</strong><br />

Wagner e da “alta cultura”. Mas que<br />

filme teria sido <strong>se</strong> Fernando Lopes<br />

<strong>se</strong> tives<strong>se</strong> entregue totalmente ao<br />

<strong>se</strong>u “duplo”, ao <strong>se</strong>u <strong>de</strong><strong>se</strong>spero <strong>de</strong><br />

“kamikaze”, tives<strong>se</strong> rebentado com<br />

as convenções muito convencionais<br />

que ainda costuram este filme?<br />

Imagine-<strong>se</strong>: <strong>se</strong> tives<strong>se</strong> rebentado<br />

com a mulher, o amante <strong>de</strong>la e os<br />

automatismos <strong>de</strong> narrativa à volta<br />

<strong>de</strong>les, <strong>se</strong> tives<strong>se</strong> ficado com a<br />

gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> Morrison, a ficção <strong>de</strong><br />

uma guerra <strong>de</strong> <strong>se</strong>xos (acto falhado,<br />

aqui) nem <strong>se</strong> colocaria. Teríamos um<br />

filme <strong>se</strong>m género e mais do que um<br />

filme-solo; teríamos um filme-só.<br />

Vasco Câmara


DVD<br />

<strong>Cobain</strong> e a sua bata hospitalar<br />

Música<br />

No fi o da<br />

navalha<br />

Os Nirvana estavam no topo<br />

do mundo, mas escolhiam<br />

caminhar no fi o da navalha.<br />

Mário Lopes<br />

Nirvana<br />

Live At Reading<br />

Universal Music<br />

mmmmn<br />

Sem extras<br />

Cabeças <strong>de</strong> cartaz<br />

em Reading, no<br />

topo do mundo. A<br />

30 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong><br />

1992, os Nirvana<br />

tocavam para<br />

aquela que era,<br />

até então, a sua<br />

maior audiência<br />

<strong>de</strong> <strong>se</strong>mpre. A culpa, naturalmente,<br />

era <strong>de</strong> “Nevermind”, álbum que<br />

transformou o mundo à sua volta,<br />

mas que não os transformou a eles.<br />

Ou melhor, não os fez jogar o jogo<br />

do estrelato, o “dar ao povo o que o<br />

povo quer”. No concerto que ganha<br />

agora edição oficial, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma<br />

existência pirata <strong>de</strong> década e meia,<br />

vemos o palco <strong>de</strong>spido <strong>de</strong> a<strong>de</strong>reços<br />

(o único visível chama-<strong>se</strong> Tony,<br />

dançarino anárquico, personagem<br />

enigmática com maquilhagem <strong>de</strong><br />

Joker) e ouvimos uma banda que<br />

oferece às centenas <strong>de</strong> milhar num<br />

gran<strong>de</strong> festival aquilo que ofereceria<br />

às centenas numa pequena sala.<br />

Tudo começa com o humor negro<br />

habitual: <strong>Cobain</strong>, com longa<br />

cabeleira loura e bata hospitalar, a<br />

<strong>se</strong>r empurrado até palco numa<br />

ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas e a erguer-<strong>se</strong><br />

lentamente até ao microfone para<br />

cantar como bala<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>safinado.<br />

Tudo acaba como em “happening”:<br />

Dave Grohl a jogar “prato ao alvo”<br />

com a bateria, Kris Novo<strong>se</strong>lic a<br />

batucar o que resta <strong>de</strong>la e <strong>Kurt</strong><br />

<strong>Cobain</strong>, imerso em “feedback”, tal<br />

como Hendrix, a extrair um<br />

iconoclasta hino americano da<br />

<strong>guitarra</strong> pintalgada <strong>de</strong> sangue.<br />

Entre o princípio e o fim, o<br />

rock’n’roll visceral, ora tortuoso, ora<br />

catártico, misto <strong>de</strong> angústia e<br />

libertação, <strong>de</strong> uma banda que<br />

transformava <strong>de</strong>scalabro sónico em<br />

corrosão pop. Estão lá as inevitáveis<br />

<strong>de</strong> “Nevermind” (“In bloom”, “Come<br />

as you are” ou “Smells like teen<br />

spirit”), está lá o passado convulsivo<br />

<strong>de</strong> “Bleach” (“Negative creep” ou a<br />

enorme “School”) e o futuro que<br />

chegaria em “In Utero” (primeiras<br />

versões <strong>de</strong> “Dumb”, “Tourette’s” ou<br />

“All apologies”). Tudo perfeito, como<br />

no twist infernal <strong>de</strong> “Aneurysm”.<br />

Tudo perfeito quando tudo corre<br />

mal, como na versão recheada <strong>de</strong><br />

pregos, <strong>de</strong>safinações e notas ao lado<br />

<strong>de</strong> “Sliver” – “ensaiámos ontem à<br />

noite”, ri-<strong>se</strong> Novo<strong>se</strong>lic.<br />

A realização, a convencional <strong>de</strong><br />

um concerto rock, não tem<br />

quaisquer rasgos. Os Nirvana são<br />

tudo menos convencionais: estão no<br />

topo do mundo, mas escolhem<br />

caminhar no fio da navalha.<br />

© Agathe Poupeney / PhotoScene.fr<br />

27 e 28 Novembro 21h30<br />

12€ M/12<br />

www.teatromariamatos.pt<br />

Bilhetes à venda:<br />

Teatro Maria Matos 218 438 801<br />

dança<br />

(Kisangani)<br />

Faustin Linyekula<br />

More more more... future<br />

apre<strong>se</strong>ntação em Lisboa<br />

apoiada por<br />

menores<br />

30 anos<br />

5€<br />

Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 55

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!