Ainda se ouve a guitarra de Kurt Cobain - Fonoteca Municipal de ...
Ainda se ouve a guitarra de Kurt Cobain - Fonoteca Municipal de ...
Ainda se ouve a guitarra de Kurt Cobain - Fonoteca Municipal de ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
CAPA: ANA CARVALHO APARTIR DE UMA FOTO REUTERS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7017 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />
Sexta-feira<br />
20 Novembro 2009<br />
www.ipsilon.pt<br />
<strong>Ainda</strong> <strong>se</strong> <strong>ouve</strong> a <strong>guitarra</strong> <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />
O primeiro álbum dos Nirvana<br />
foi editado há 20 anos<br />
Francis Coppola Robert FrankKimi Djabaté David Claerbout Jo<strong>se</strong>ph O’Neill
CAPA: ANA CARVALHO APARTIR DE UMA FOTO REUTERS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7017 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />
Sexta-feira<br />
20 Novembro 2009<br />
www.ipsilon.pt<br />
<strong>Ainda</strong> <strong>se</strong> <strong>ouve</strong> a <strong>guitarra</strong> <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />
O primeiro álbum dos Nirvana<br />
foi editado há 20 anos<br />
Francis Coppola Robert FrankKimi Djabaté David Claerbout Jo<strong>se</strong>ph O’Neill
Flash<br />
Sumário<br />
<strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> 6<br />
Os <strong>de</strong>spojos <strong>de</strong> um mito<br />
Francis Ford Coppola 16<br />
Quer começar <strong>de</strong> novo;<br />
<strong>se</strong>rá possível?<br />
Robert Frank 20<br />
Ele dis<strong>se</strong>, há 50 anos,<br />
“eu sou um americano”<br />
David Claerbout 24<br />
Quer mostrar imagens<br />
impossíveis <strong>de</strong> esquecer<br />
Jo<strong>se</strong>ph O’Neill 28<br />
O irlandês diz “New York<br />
I love You” e a crítica<br />
americana compara-o a<br />
Fitzgerald<br />
Musical 30<br />
Em Portugal, o que é isso?<br />
Em Londres, “it’s a musical”<br />
Architecting 35<br />
Uma proposta teatral <strong>se</strong>m<br />
optimismos que faz pensar<br />
na América e no mundo; na<br />
Culturgest<br />
Ficha Técnica<br />
Directora Bárbara Reis<br />
Editor Vasco Câmara,<br />
Inês Nadais (adjunta)<br />
Con<strong>se</strong>lho editorial Isabel<br />
Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />
Design Mark Porter, Simon<br />
Esterson, Kuchar Swara<br />
Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />
Designers Ana Carvalho,<br />
Carla Noronha, Mariana Soares<br />
Editor <strong>de</strong> fotografi a<br />
Miguel Ma<strong>de</strong>ira<br />
E-mail: ipsilon@publico.pt<br />
Espaço<br />
Público<br />
Este espaço vai <strong>se</strong>r<br />
<strong>se</strong>u. Que fi lme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
Zemeckis realiza<br />
“remake” <strong>de</strong> “Yellow<br />
Submarine”<br />
A Beatlemania está <strong>de</strong> volta, em<br />
versão século XXI. Ou <strong>se</strong>ja, tivemos<br />
a caixa com a discografia<br />
remasterizada e os álbuns<br />
individualmente a escalar as tabelas<br />
E <strong>se</strong> os trabalhos<br />
incompletos <strong>de</strong> David Lean,<br />
Terry Gilliam, Kubrick e<br />
Michael Powell tives<strong>se</strong>m<br />
sido concluídos? Esta é a<br />
i<strong>de</strong>ia do festival Cinecity,<br />
em Brighton, cuja <strong>se</strong>cção<br />
“Neverma<strong>de</strong>s” está a<br />
“mostrar”, até 6 <strong>de</strong><br />
Dezembro, os filmes nunca<br />
feitos ou nunca terminados<br />
do cinema britânico. O<br />
objectivo é questionar o “e<br />
<strong>se</strong>” da história. Perguntar<br />
como estes “neverma<strong>de</strong>s”<br />
po<strong>de</strong>rão constituir uma<br />
história alternativa do<br />
cinema.<br />
Numa conversa intitulada<br />
“Un-ma<strong>de</strong> British Cinema”,<br />
o historiador e<br />
programador da <strong>se</strong>cção,<br />
Ian Christie, apre<strong>se</strong>ntará<br />
guiões, esquissos ou alguns<br />
minutos <strong>de</strong> película <strong>de</strong>stes<br />
filmes nunca vistos. O<br />
festival disponibilizará<br />
online entrevistas em<br />
podcast com alguns dos<br />
realizadores, como Terry<br />
Gilliam, sobre os <strong>se</strong>us<br />
nunca-terminados<br />
projectos. Passará<br />
ainda um<br />
documentário <strong>de</strong><br />
Serge Bromberg e<br />
Ruxandra Medrea<br />
que re-monta as<br />
imagens <strong>de</strong><br />
“Inferno”, <strong>de</strong><br />
Henri-Georges<br />
Clouzot (1964), com<br />
Romy Schnei<strong>de</strong>r. Na<br />
altura, Clouzot tinha<br />
um orçamento ilimitado e<br />
filmou horas e horas <strong>de</strong><br />
película, mas a produtora<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
Yellow Submarine”<br />
<strong>de</strong> venda e o jogo <strong>de</strong> consola Beatles<br />
Rock Band a mostrar a música dos<br />
Fab Four a miúdos armados <strong>de</strong><br />
<strong>guitarra</strong>s e baterias <strong>de</strong> plástico.<br />
Agora, sabe-<strong>se</strong> que em 2012, estreia<br />
a coincidir com os Jogos Olímpicos<br />
<strong>de</strong> Londres, teremos uma nova<br />
versão <strong>de</strong> “Yellow Submarine”.<br />
Robert Zemeckis <strong>se</strong>rá o responsável<br />
pelo projecto e, <strong>de</strong>pois do acordo,<br />
Brighton vê um “best<br />
of” dos fi lmes “nunca<br />
feitos”<br />
cancelou o projecto após<br />
três <strong>se</strong>manas <strong>de</strong> filmagens.<br />
Bromberg e Medrea<br />
recuperaram o material e,<br />
com entrevistas e análi<strong>se</strong>s às<br />
cenas, realizaram o<br />
documentário.<br />
Problemas com direitos,<br />
ob<strong>se</strong>ssões <strong>de</strong> realizadores,<br />
doenças e mortes<br />
interromperam estes<br />
projectos. Em muitos casos,<br />
po<strong>de</strong>riam ter sido “os filmes<br />
das vidas” <strong>de</strong>stes<br />
realizadores.<br />
“Vários realizadores<br />
passaram muito tempo a<br />
trabalhar em projectos que<br />
nunca foram falados. Eu<br />
estou a tentar dar-lhes vida”,<br />
explicou Christie ao<br />
“In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt”. Nos vários<br />
filmes incluídos no<br />
programa estão “Nostromo”<br />
(1986) <strong>de</strong> David Lean,<br />
afectado pela saú<strong>de</strong> do<br />
realizador, e “Dom Quixote”<br />
(2000) <strong>de</strong> Terry Gilliam,<br />
cujas filmagens foram<br />
interrompidas ao fim <strong>de</strong><br />
quatro <strong>se</strong>manas<br />
<strong>de</strong>vido a doenças,<br />
inundações,<br />
entre<br />
outros<br />
VINCENT WEST/ REUTERS<br />
em Setembro,<br />
entre a Walt Disney<br />
Studios e a Beatles Apple Corps, foi<br />
anunciado, em entrevista do<br />
realizador <strong>de</strong> “Regresso ao Futuro”<br />
à MTV News, que Paul McCartney e<br />
Ringo Starr estão a <strong>se</strong>r sondados<br />
para participar no projecto – no<br />
filme original, <strong>de</strong> 1968, as vozes das<br />
versões animadas <strong>de</strong> Paul, John,<br />
<strong>de</strong>sastres. Stanley Kubrick e<br />
Michael Powell são, talvez,<br />
os campeões dos<br />
“neverma<strong>de</strong>s” neste<br />
programa. Powell “não fez”<br />
“The Tempest” (anos 1970)<br />
<strong>de</strong>vido a problemas com a<br />
Rank Organisation com<br />
quem tinha péssimas<br />
relações, apesar <strong>de</strong> haver<br />
dinheiro do produtor e Mia<br />
Farrow, James Mason, e o<br />
comediante Frankie Howerd<br />
já estarem escolhidos.<br />
Kubrick Kubrick “não filmou<br />
“Napoleon” em 1969, nem<br />
“Aryan “Aryan Papers” (anos 90),<br />
projecto projecto sobre o Holocausto<br />
que abandonou po ppor r dizer<br />
George e<br />
Ringo não<br />
pertenciam aos Beatles, surgiam<br />
apenas na sua curta <strong>se</strong>quência final.<br />
O “remake” <strong>se</strong>rá realizado em<br />
animação 3-D, recorrendo à técnica<br />
“performance-capture” (animação<br />
digital e imagem real) que Zemeckis<br />
vem utilizando em filmes como<br />
“Expresso Polar”.<br />
não <strong>se</strong>r possível fazer um<br />
filme sobre o tema que<br />
fos<strong>se</strong> bem feito. O<br />
lançamento “A Lista <strong>de</strong><br />
Schindler” <strong>de</strong> Spielberg,<br />
em 1993, não ajudou. Mas<br />
as ob<strong>se</strong>ssões <strong>de</strong> Kubrick<br />
também não, conta<br />
Christie: “Havia um lado<br />
notoriamente napoleónico<br />
em Kubrick; <strong>se</strong>m dúvida,<br />
ele pensava em gran<strong>de</strong> […]<br />
Apesar <strong>de</strong> ter con<strong>se</strong>guido<br />
concluir imensos<br />
projectos, a sua ob<strong>se</strong>ssão<br />
com Napoleon e<br />
problemas problemas <strong>de</strong> casting<br />
levaram muitos a <strong>de</strong>ixar<br />
<strong>de</strong> o apoiar.”<br />
Kubrick, talvez o campeão dos “neverma<strong>de</strong>s”; Romy Schnei<strong>de</strong>r<br />
em “Inferno”, o projecto interrompido <strong>de</strong> Clouzot, e Terry Gilliam,<br />
que entra para este grupo com um “Dom Quixote”<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 3<br />
EPA/ AFP FILES
Flash<br />
Fela Kuti<br />
chega à<br />
Broadway<br />
Que África está por todo o lado na<br />
música popular não é novida<strong>de</strong>. Se<br />
nos centrarmos nos EUA, <strong>se</strong> nos<br />
lembrarmos <strong>de</strong> nomes como<br />
Vampire Weekend, Yeasayer ou<br />
Dirty Projectors, e da quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vezes que lemos a expressão<br />
“<strong>guitarra</strong>s africanas” aplicada<br />
à sua música, tal é ainda<br />
mais evi<strong>de</strong>nte. Pois agora o<br />
fascínio está a chegar ao<br />
coração do<br />
entretenimento<br />
americano.<br />
Em<br />
gran<strong>de</strong>:<br />
“Fela!”,<br />
musical <strong>de</strong> nada<br />
menos que Bill T<br />
Jones, o respeitadíssimo<br />
coreógrafo e bailarino, ba<strong>se</strong>ado na<br />
vida e música do pai do afro-beat,<br />
no herói da música nigeriana cuja<br />
criativida<strong>de</strong> e activismo<br />
transformaram em nome fulcral da<br />
música do século XX, chega à<br />
Broadway dia 23, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma<br />
temporada <strong>de</strong> oito <strong>se</strong>manas “off<br />
Broadway”, em 2008, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
sucesso.<br />
Entre os produtores do espectáculo,<br />
que conta com os Antibalas, a<br />
distinta orquestra afro-beat novaiorquina,<br />
como banda resi<strong>de</strong>nte,<br />
estão Jay-Z e Will Smith, figuras<br />
es<strong>se</strong>nciais para cativar o público.<br />
Isto porque, como era <strong>de</strong>fendido<br />
recentemente num artigo da revista<br />
“Variety”, o musical repre<strong>se</strong>nta um<br />
risco por não <strong>se</strong>guir a estrutura<br />
comum da Broadway, por ter como<br />
figura central um músico<br />
<strong>de</strong>sconhecido do gran<strong>de</strong> público<br />
americano, por ter a acção<br />
pontuada por canções cantadas em<br />
yoruba ou inglês <strong>de</strong> calão nigeriano<br />
e por incentivar a participação do<br />
público, algo pouco comum para o<br />
espectador habitual da Broadway.<br />
O espectáculo foi concebido por Bill<br />
T Jones em colaboração com Jim<br />
Lewis, com quem já havia<br />
colaborado, em 1994, em “Dream<br />
on Monkey Mountain”, e a estreia<br />
está marcada para o Eugene O’Neill<br />
Theater.<br />
Paralelamente, e não <strong>se</strong>rá<br />
coincidência, a Knitting Factory<br />
Records iniciou a 27 <strong>de</strong> Outubro,<br />
com “The Best Of The Black<br />
Presi<strong>de</strong>nt”, vasta reedição da obra<br />
<strong>de</strong> Fela Kuti. Aparentemente, nada<br />
ficará <strong>de</strong> fora. Durante o próximo<br />
ano e meio, 45 álbuns <strong>se</strong>rão<br />
lançados no mercado americano,<br />
com <strong>de</strong>staque para a primeira<br />
edição oficial, <strong>se</strong>gundo avança a<br />
Pitchfork, do catálogo completo dos<br />
Koola Lobitos, a banda <strong>de</strong> Fela nos<br />
anos 1960.<br />
4 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Bill T Jones encena “Fela”,<br />
espectáculo co-produzido<br />
por Jay-Z e Will Smith<br />
Courtney Love<br />
ressuscita as Hole<br />
Agora é que é. Quatro anos<br />
<strong>de</strong>pois dos primeiros rumores,<br />
dois <strong>de</strong>pois da confirmação<br />
“<strong>de</strong>sconfirmada”, Courtney<br />
Love as<strong>se</strong>gura que a 1 <strong>de</strong> Janeiro<br />
<strong>de</strong> 2010 é que vai <strong>se</strong>r. “Nobody’s<br />
Daughter”, o <strong>se</strong>u novo álbum,<br />
que <strong>se</strong>rá rock’n’roll e, <strong>se</strong>ndo<br />
rock’n’roll, terá Hole inscrito na<br />
capa, está prestes a <strong>se</strong>r editado.<br />
“É mais importante que<br />
qualquer outro disco que tenha<br />
feito, <strong>de</strong> longe”, exclama a viúva<br />
<strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> à “Rolling<br />
Stone”, antes <strong>de</strong> confessar,<br />
justificando a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> o<br />
creditar à sua antiga banda, que<br />
“as Hole são on<strong>de</strong> quer<br />
que pendure o<br />
chapéu”.<br />
“Nobody’s<br />
Daughter”<br />
começou a<br />
nascer em 2005. Courtney<br />
estava internada por <strong>de</strong>cisão<br />
judicial num centro <strong>de</strong><br />
reabilitação e Linda Perry, a<br />
ex-4 Non Blon<strong>de</strong><br />
transformada em<br />
compositora a retalho,<br />
visitou-a e ofereceu-lhe uma<br />
<strong>guitarra</strong>. Courtney começou<br />
a compor e, à saída, juntou<strong>se</strong><br />
a Perry e a Billy Corgan, o<br />
Smashing Pumpkin que<br />
quis um dia dominar o<br />
mundo, e, com<br />
o duo como<br />
É <strong>de</strong>sta que Richard<br />
Kelly faz um novo<br />
“Donnie Darko”?<br />
Pobre Richard Kelly: o<br />
realizador americano parece<br />
estar con<strong>de</strong>nado a <strong>se</strong>r o homem<br />
<strong>de</strong> um só filme, “Donnie<br />
Darko”. Depois do <strong>de</strong>saire do<br />
ambicioso (alguns diriam<br />
megalómano) “Southland<br />
Tales”, arrasado em Cannes e<br />
distribuído confi<strong>de</strong>ncialmente<br />
(quando foi distribuído...),<br />
“The Box”, o <strong>se</strong>u novo filme,<br />
não convenceu os espectadores<br />
americanos – e isto apesar <strong>de</strong><br />
críticas simpáticas mesmo que<br />
pouco entusiastas. O público<br />
rejeitou esta adaptação <strong>de</strong> um<br />
conto do escritor Richard<br />
Matheson com Cameron Diaz,<br />
produtores, passou dois me<strong>se</strong>s<br />
a gravar material.<br />
Em 2007 andou a experimentálo<br />
na estrada, não gostou e<br />
voltou a estúdio para regravar<br />
tudo. Juntou uma nova banda,<br />
as novas Hole, com o guitarrista<br />
Micko Larkin (23 anos), e<br />
recrutou Michael Beinhorn, o<br />
responsável pela gravação <strong>de</strong><br />
“Celebrity Skin”, o último<br />
álbum das<br />
Hole, <strong>de</strong><br />
1998,<br />
para<br />
James Mars<strong>de</strong>n e Frank<br />
Langella nos papéis principais,<br />
sobre um casal suburbano que<br />
recebe um pre<strong>se</strong>nte<br />
envenenado: uma caixa com<br />
um botão que lhes po<strong>de</strong> dar um<br />
milhão <strong>de</strong> dólares <strong>se</strong> o<br />
pressionarem... ao mesmo<br />
tempo que mata alguém que<br />
eles não conhecem. Kelly<br />
dis<strong>se</strong>ra ao jornal “New York<br />
Times” que “The Box” é um<br />
filme <strong>de</strong>liberadamente<br />
“comercial”, tentativa <strong>de</strong><br />
adaptar os <strong>se</strong>us universos<br />
distorcidos às exigências <strong>de</strong> um<br />
gran<strong>de</strong> estúdio – mas, <strong>se</strong>gundo<br />
Patrick Goldstein, do “Los<br />
Angeles Times”, essa tentativa<br />
esbarrou no <strong>de</strong>sagrado dos<br />
espectadores que não gostaram<br />
do final. Goldstein cita Ed<br />
Mintz, da empresa <strong>de</strong> pesquisa<br />
<strong>de</strong> mercado Cinemascore, que<br />
as<strong>se</strong>gurar a produção.<br />
Como referências do novo<br />
disco, Love aponta o “Diamond<br />
Dogs” <strong>de</strong> Bowie, o “lado bom”<br />
<strong>de</strong> “The Wall”, dos Pink Floyd, e<br />
o rock gótico dos anos 1980. Os<br />
temas são, refere, “ganância,<br />
vingança e feminismo”. Ah, e<br />
está cheio <strong>de</strong> <strong>se</strong>ntimentos<br />
maternais: “A minha letra<br />
favorita é: ‘Nobody’s daughter,<br />
she never was, she never will<br />
behol<strong>de</strong>n to anyone. She cannot<br />
kill. You don’t un<strong>de</strong>rstand how<br />
evil we really are’”. O que quer<br />
isto dizer? “Nem <strong>se</strong>i, mas <strong>se</strong>i<br />
que tem a ver com a minha filha<br />
[Frances Bean <strong>Cobain</strong>] e tem<br />
também a ver comigo”. É<br />
isso mesmo. Courtney<br />
está <strong>de</strong> volta.<br />
LUCAS JACKSON/ REUTERS<br />
<strong>de</strong>fine “The Box” como uma<br />
“versão em filme <strong>de</strong> terror” <strong>de</strong><br />
“A Escolha <strong>de</strong> Sofia” e diz há<br />
muito tempo não ver resultados<br />
tão maus nas “sondagens à<br />
boca das urnas” feitas no final<br />
das <strong>se</strong>ssões. Ironicamente, os<br />
<strong>de</strong>cepcionantes 13 milhões <strong>de</strong><br />
dólares <strong>de</strong> bilheteira <strong>de</strong> “The<br />
Box” equivalem ao maior<br />
sucesso <strong>de</strong> <strong>se</strong>mpre <strong>de</strong> Kelly em<br />
salas: a popularida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
“Donnie Darko” apenas<br />
disparou em DVD (o filme<br />
estreou em cima do 11 <strong>de</strong><br />
Setembro e praticamente não<br />
registou) e “Southland Tales”<br />
mal foi distribuído. E,<br />
conhecendo o culto que <strong>se</strong> tem<br />
gerado à volta do realizador,<br />
nada garante que “The Box”<br />
não encontre igualmente o<br />
público que lhe está a escapar<br />
em sala quando sair em DVD...
AGENDA CULTURAL FNAC<br />
entrada livre<br />
AO VIVO<br />
OIOAI<br />
Pela Primeira Vez<br />
Os Oioai vêm à Fnac apre<strong>se</strong>ntar Pela Primeira Vez, o sucessor do álbum homónimo editado em 2007.<br />
20.11. 18H00 FNAC STA. CATARINA 21.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING 26.11. 18H30 FNAC CASCAIS<br />
20.11. 22H00 FNAC GAIASHOPPING 22.11. 17H00 FNAC BRAGA PARQUE 27.11. 18H30 FNAC ALFRAGIDE<br />
21.11. 17H00 FNAC MAR SHOPPING 22.11. 22H00 FNAC GUIMARÃESHOPPING 27.11. 22H30 FNAC VASCO DA GAMA<br />
AO VIVO<br />
DAVID FONSECA<br />
Between Waves<br />
David Fon<strong>se</strong>ca vem à Fnac mostrar as suas novas canções num formato reduzido e intimista, revelador<br />
das características únicas que fazem <strong>de</strong>le uma referência no país.<br />
26.11. 18H00 FNAC CHIADO<br />
26.11. 22H00 FNAC CASCAISHOPPING<br />
AO VIVO<br />
ANTÓNIO PINHO VARGAS<br />
Solo II<br />
Solo II reúne trechos inéditos das <strong>se</strong>ssões do aclamado Solo <strong>de</strong> 2008 e novos registos <strong>de</strong> 2009:<br />
versões <strong>de</strong> músicas <strong>de</strong> José Afonso e Bob Dylan ao lado das composições do próprio Vargas.<br />
28.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING<br />
LANÇAMENTO<br />
QUE CAVALOS SÃO AQUELES QUE<br />
FAZEM SOMBRA NO MAR?<br />
Livro <strong>de</strong> António Lobo Antunes<br />
Aquele que é um dos maiores escritores portugue<strong>se</strong>s vem à Fnac para um encontro com o público.<br />
27.11. 19H30 FNAC CHIADO<br />
EXPOSIÇÃO<br />
VANUATU - A TERRA DELES<br />
Fotografias <strong>de</strong> Marco C. Pereira e Sara Wong<br />
Marco C. Pereira e Sara Wong visitaram o arquipélago <strong>de</strong> Vanuatu. Cinco ilhas que os autores <strong>de</strong>scobriram<br />
e que documentaram com imagens étnicas e <strong>de</strong> paisagem que retratam a singularida<strong>de</strong> da nação.<br />
12.11.2009 - 20.01.2010 FNAC ALMADA<br />
Consulte a agenda cultural Fnac em http://cultura.fnac.pt/Agenda<br />
Apoio:<br />
27.11. 18H00 FNAC MAR SHOPPING<br />
27.11. 22H00 FNAC NORTESHOPPING<br />
APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO
IMAGEM DO BOOKLET DE “LIVE AT READING”<br />
Uma anomalia<br />
Em 1989 uma banda <strong>de</strong> Aber<strong>de</strong>en, Seattle, gravava, com apenas 600 d<br />
E sai em DVD o registo <strong>de</strong> um concerto, “Live at Reading”, quando o mundo era d<br />
Por falar em <strong>Kurt</strong>... Mais exactamente,<br />
<strong>Kurt</strong>z, o coronel renegado, interpretado<br />
por Marlon Brando no épico<br />
<strong>de</strong> Coppola “Apocalyp<strong>se</strong> Now”. O filme<br />
centra-<strong>se</strong> na missão li<strong>de</strong>rada pelo<br />
capitão do exército americano Benjamin<br />
Willard (Martin Sheen), cujo<br />
objectivo é eliminar o enigmático<br />
<strong>Kurt</strong>z, que li<strong>de</strong>ra, no interior da <strong>se</strong>lva<br />
vietnamita, qual rei divino, uma milícia<br />
<strong>de</strong> dissi<strong>de</strong>ntes e nativos.<br />
Porque é que o exército americano<br />
quer eliminar um dos <strong>se</strong>us? Porque<br />
<strong>Kurt</strong>z <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer à linha <strong>de</strong><br />
comando. Não porque tenha <strong>de</strong>sistido<br />
da guerra ou <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> acreditar<br />
nes<strong>se</strong>s i<strong>de</strong>ais. Pelo contrário: crê totalmente,<br />
mas por excesso. Sofre <strong>de</strong><br />
sobre-i<strong>de</strong>ntificação com a instituição<br />
militar. Foi ultrapassado pelos acontecimentos.<br />
Até à loucura. Transformou-<strong>se</strong><br />
no <strong>de</strong>sregramento a abater.<br />
Um incómodo.<br />
Ele percebe-o. No final é Willard a<br />
6 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
matar <strong>Kurt</strong>z ou é <strong>Kurt</strong>z a preparar o<br />
terreno para que Willard o abata? A<br />
imolação <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong>z, <strong>se</strong>quência que encerra<br />
o filme, é a tentativa <strong>de</strong> lidar<br />
com a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m cosmológica. Um<br />
exaltado fotojornalista – Dennis Hopper<br />
– que Willard encontra na <strong>se</strong>lva<br />
faz <strong>de</strong> arauto. É ele que nos diz sobre<br />
<strong>Kurt</strong>z: “The man is clear in his mind,<br />
but his soul is mad.” Não po<strong>de</strong>ríamos<br />
dizer o mesmo <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong>?<br />
O filme da sua vida foi outro, mas<br />
foi também o mesmo. Interpretou os<br />
princípios da contracultura, acreditou<br />
neles, excessivamente. Sofria <strong>de</strong> sobre-i<strong>de</strong>ntificação<br />
com a ética punkrock.<br />
Foi ultrapassado pelos factos.<br />
Via-<strong>se</strong> como criador alternativo mas<br />
os <strong>se</strong>us discos vendiam milhões. Em<br />
parte, por ele, música antes encarada<br />
como difícil foi cunhada e vendida às<br />
massas como “grunge”.<br />
A popularida<strong>de</strong> embaraçava-o.<br />
Queria fama, mas não estava prepa-<br />
rado. Quem tinha 20 anos olhava-o<br />
como guia. Mas ele não queria <strong>se</strong>r<br />
guia. Sentia que estava tão perdido<br />
como os que queriam <strong>se</strong>r guiados.<br />
Nunca conciliou os <strong>se</strong>us princípios<br />
com o sucesso. O suicídio resolveu o<br />
impas<strong>se</strong>, antes que o rasto <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sapareces<strong>se</strong> por inteiro.<br />
20 anos <strong>de</strong>pois, na altura em que<br />
<strong>se</strong> assinala a edição do primeiro álbum<br />
dos Nirvana, “Bleach”, o mistério<br />
sobre <strong>Kurt</strong> e a sua banda mantém<strong>se</strong>.<br />
Ficarão para <strong>se</strong>mpre com o nome<br />
gravado na História do rock dos anos<br />
90 – mesmo <strong>se</strong> parecem ter constituído<br />
uma anomalia.<br />
Aquela voz, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vinha?<br />
Nes<strong>se</strong> período, do ponto <strong>de</strong> vista criativo,<br />
as linguagens da música <strong>de</strong> dança<br />
é que faziam a revolução. Mas para<br />
a indústria elas não repre<strong>se</strong>ntavam<br />
nada. No mercado mais rentável do<br />
mundo, o americano, o rock dominou<br />
<strong>se</strong>mpre. Os concertos eram lucrativos<br />
e o culto da personalida<strong>de</strong> suplantava<br />
o anonimato das electrónicas.<br />
Quem tinha vivido os anos 60, 70<br />
e 80 dizia que já não havia mais nada<br />
para inventar. Dos Velvet Un<strong>de</strong>rground<br />
aos Stooges, tudo parecia ter<br />
sido feito. Mas o rock, velha carcaça,<br />
recusava-<strong>se</strong> a morrer.<br />
<strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> nasceu em 1967. Lia<br />
fanzines rock. Escutava Va<strong>se</strong>lines, Daniel<br />
Johnston, Raincoats, TV Personalities,<br />
Black Flag. Rock in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />
cultivado em caves escuras. Regia-<strong>se</strong><br />
pela ética punk-rock. Pertencia a uma<br />
elite: aqueles que <strong>se</strong> zangavam a sério<br />
contra os valores burgue<strong>se</strong>s. Era contra<br />
o capitalismo, a favor do “façavocê-mesmo”.<br />
Contra o espectáculo,<br />
pela anarquia. Pelo regresso da sincerida<strong>de</strong>,<br />
mesmo sabendo que a história<br />
do rock está repleta <strong>de</strong> traições.<br />
O rock, para <strong>Kurt</strong>, eram canções<br />
cruas, o visual <strong>de</strong> todos os dias, lutar<br />
Capa
: <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />
dólares, o álbum <strong>de</strong> estreia: “Bleach”. 20 anos <strong>de</strong>pois es<strong>se</strong> disco é reeditado.<br />
dos Nirvana. A (nossa) história nunca mais foi a mesma. Vítor Belanciano<br />
Para muitos,<br />
<strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> per<strong>de</strong>u.<br />
Puxou <strong>de</strong> uma arma,<br />
mas apontou-a a si<br />
próprio. Para outros,<br />
não; foi gran<strong>de</strong><br />
contra o estabelecido, convencer <strong>se</strong>guidores<br />
a recusar o <strong>se</strong>xismo, a homofobia,<br />
o novo-riquismo. As canções,<br />
virulentas, punham a nu a vaida<strong>de</strong><br />
e a opulência da América, do<br />
Oci<strong>de</strong>nte, do princípio dos anos 90.<br />
Tornavam visível a esclero<strong>se</strong>, a gordura.<br />
O capitalismo, dizia <strong>Kurt</strong>, era<br />
“a gula.”<br />
Anotava as suas reflexões num diário.<br />
Cresceu na década <strong>de</strong> 90, a primeira,<br />
<strong>de</strong>pois da década <strong>de</strong> 40, que<br />
viu duas gerações distintas – pais e<br />
filhos – a gostarem da mesma música.<br />
O rock, os Beatles, os Stones, com os<br />
quais os pais também haviam crescido.<br />
Mas <strong>Kurt</strong> tinha raiva da geração dos<br />
pais. A cólera tinha que explodir. Em<br />
1987, os Nirvana. E ele, esperançado,<br />
anotava: “Vamos lançar o álbum às<br />
nossas custas. Achámos uma fábrica<br />
que prensará 1000 discos por 1600<br />
dólares, o que faz com que tenhamos<br />
que ven<strong>de</strong>r apenas 250 discos para<br />
recuperar o nosso investimento.”<br />
Acabaria por <strong>se</strong>r a in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
Sub Pop a editar o primeiro álbum,<br />
“Bleach”, registado em apenas vinte<br />
horas. <strong>Kurt</strong> tinha 22 anos. Não <strong>se</strong> saiu<br />
mal. 80 mil exemplares. Mais <strong>de</strong> 1,7<br />
milhões <strong>de</strong> cópias vendidas até hoje.<br />
O maior sucesso <strong>de</strong> <strong>se</strong>mpre da Sub<br />
Pop.<br />
Os Nirvana tornam-<strong>se</strong> lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong>ssa<br />
coisa chamada grunge. Em Seattle<br />
outras formações praticavam música<br />
<strong>se</strong>melhante (Melvins, Soundgar<strong>de</strong>n,<br />
Pearl Jam, Screaming Trees, Alice In<br />
Chains), mistura <strong>de</strong> Neil Young punk<br />
e Black Sabbath pop, <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, melodias<br />
perdidas por entre <strong>guitarra</strong>s<br />
cerradas e, no caso dos Nirvana, aquela<br />
voz, passando da dor à raiva, do<br />
apaziguamento ao caos. De on<strong>de</strong> vinha?<br />
Entre as influências citava “os<br />
divórcios, as drogas, os efeitos sónicos.”<br />
Fragmentos<br />
da Fen<strong>de</strong>r<br />
Stratocaster,<br />
<strong>de</strong>struída em<br />
1992, em<br />
concerto, por<br />
<strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />
(1967-1994)<br />
Festival <strong>de</strong><br />
Reading:<br />
momentos<br />
finais do rock<br />
enquanto<br />
gran<strong>de</strong><br />
manifestação<br />
artística e<br />
cultural<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 7
IMAGEM DO BOOKLET DA CAIXA “WITH THE LIGHTS OUT”<br />
O <strong>de</strong>sgosto formava o gosto<br />
Ao vivo os Nirvana ganhavam reputação<br />
<strong>de</strong> grupo incontrolável. Em<br />
1991, o rock precisava <strong>de</strong> sangue novo.<br />
Em quem apostar? Havia os Pixies,<br />
mas Frank Black era anafado. Não<br />
parecia Jesus como <strong>Kurt</strong>. Dir-<strong>se</strong>-ia<br />
mais um simpático caixa <strong>de</strong> supermercado<br />
do que outra coisa. E os<br />
Sonic Youth? Muito artísticos, muito<br />
nova-iorquinos, veteranos.<br />
Restavam os Nirvana. Restava<br />
injectar visibilida<strong>de</strong> e dólares no<br />
grunge <strong>de</strong> Seattle. E o negócio<br />
abateu-<strong>se</strong> sobre a cida<strong>de</strong>.<br />
Visualmente era <strong>Kurt</strong><br />
quem sobressaía. Loiro,<br />
Antes da tempesta<strong>de</strong><br />
Só queriam editar um disco, integrar-<strong>se</strong> na cena <strong>de</strong> Seattle e conhecer a América. Gravaram “Bleach” em vinte horas.<br />
Três anos <strong>de</strong>pois, não <strong>se</strong> limitavam a conhecer o mundo. O mundo era dos Nirvana. Dois momentos<br />
ilustrados pela reedição <strong>de</strong> “Bleach” e pelo DVD “Live At Reading”. Mário Lopes<br />
Nem era bem <strong>se</strong>rem recusados.<br />
Eram ignorados. Copiavam<br />
centenas <strong>de</strong> maquetas, nas quais<br />
colavam autocolantes com o<br />
nome da banda e o alinhamento,<br />
colavam os <strong>se</strong>los nos envelopes<br />
e lá <strong>se</strong>guiam elas. Para a Touch &<br />
Go, a editora dos Big Black, para<br />
a K Records <strong>de</strong> Calvin Johnson, a<br />
editora indie <strong>de</strong> Washington DC,<br />
para toda e qualquer editora que<br />
acolhes<strong>se</strong> bandas que os Nirvana<br />
admiras<strong>se</strong>m, qualquer uma que<br />
os pu<strong>de</strong>s<strong>se</strong> editar, tirá-los <strong>de</strong><br />
Aber<strong>de</strong>en e dar-lhes a conhecer<br />
a América – es<strong>se</strong> país que, presos<br />
numa pequena cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
estado periférico, não conheciam.<br />
“Estamos dispostos a pagar<br />
a maioria da prensagem <strong>de</strong> mil<br />
cópias do nosso LP, bem como<br />
todos os custos <strong>de</strong> gravação”,<br />
escreveu <strong>Cobain</strong> numa carta à<br />
Touch & Go, ano 1988, <strong>se</strong>gundo<br />
ar torturado, <strong>de</strong>sleixado como um<br />
roqueiro que <strong>se</strong> preze.<br />
E os Nirvana assinaram por uma<br />
multinacional.<br />
Foram convidados a <strong>de</strong>scer até Los<br />
Angeles para gravar o <strong>se</strong>gundo álbum.<br />
Pru<strong>de</strong>nte, a Geffen prensou apenas<br />
50 mil exemplares <strong>de</strong> “Nevermind”.<br />
Foram vendidos mais <strong>de</strong> 10 milhões.<br />
Para quem tinha vivido a década <strong>de</strong><br />
80 foi a surpresa. O álbum transformava<br />
a impotência em energia, a inércia<br />
em dinamismo, mas ninguém<br />
acreditava que aquele som<br />
– <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte dos<br />
Husker Du, Dinosaur Jr<br />
ou Sonic Youth – teria<br />
um artigo publicado na edição<br />
<strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2005 da revista<br />
“Mojo”. Na volta do correio, nada.<br />
Nova carta: “Será que po<strong>de</strong>riam,<br />
por favor, dar-nos uma resposta<br />
<strong>de</strong> ‘vão-<strong>se</strong> fo<strong>de</strong>r’, ou ‘não estamos<br />
interessados’, <strong>de</strong> forma a não<br />
<strong>de</strong>sperdiçarmos mais dinheiro<br />
a enviar maquetas?” A resposta<br />
chegaria, mas não da Touch & Go.<br />
Arriscou a Sub Pop, a agora mítica<br />
editora <strong>de</strong> Seattle, que acolheu os<br />
Nirvana como banda <strong>de</strong> <strong>se</strong>gunda<br />
linha. Afi nal, tinha no <strong>se</strong>u catálogo<br />
os Mudhoney, reis do rock’n’roll<br />
<strong>de</strong> Seattle, ou os Tad, on<strong>de</strong> cabiam<br />
ecos <strong>de</strong> Black Sabbath, zumbidos<br />
industriais e terror <strong>de</strong> série B.<br />
Neste contexto, os <strong>de</strong>sconhecidos<br />
Nirvana <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong>, Kris<br />
Novo<strong>se</strong>lic e do baterista Chad<br />
Channing não passavam <strong>de</strong><br />
aposta <strong>de</strong> risco pouco elevado<br />
para uma editora in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />
Como o <strong>Kurt</strong>z<br />
<strong>de</strong> “Apocalip<br />
<strong>se</strong> Now”, <strong>Kurt</strong><br />
era lúcido; <strong>de</strong><br />
uma luci<strong>de</strong>z<br />
disforme<br />
hipóte<strong>se</strong>s <strong>de</strong> <strong>se</strong>duzir. Seduziu.<br />
Em parte, por um single, “Smells<br />
like teen spirit”. Em 1991 <strong>se</strong>r jovem<br />
era aquela canção, aquela <strong>de</strong>flagração,<br />
rejeição <strong>de</strong> qualquer coisa inominável.<br />
O <strong>de</strong>sgosto formava o gosto.<br />
Tornava-<strong>se</strong> êxito disforme, aberração<br />
dos tops habituados a acolher <strong>de</strong> braços<br />
abertos Vanilla Ice. As palavras<br />
eram confusas, mas tornava-<strong>se</strong> num<br />
hino <strong>de</strong> revolução adolescente, impulsionada<br />
por um ví<strong>de</strong>o sugerido<br />
por “Over The Edge”, filme <strong>de</strong> Jonathan<br />
Kaplan, com Matt Dillon.<br />
Mas <strong>de</strong> que espírito jovem falava<br />
<strong>Kurt</strong> nessa canção? Do punk-rock que<br />
queria acabar com a gula e o cinismo<br />
dos mais velhos? Ou do espírito dos<br />
adolescentes da América, <strong>de</strong>ssa geração<br />
que obe<strong>de</strong>ceu a Bush pai, adoptou<br />
valores reaccionários, correu aos<br />
cinemas para ver “Forrest Gump” ou<br />
às lojas <strong>de</strong> discos para comprar Bryan<br />
Adams?<br />
Afi nal, ela mesma arcaria com os<br />
custos <strong>de</strong> gravação daquele que<br />
<strong>se</strong>ria o <strong>se</strong>u primeiro álbum - o<br />
preço foi inscrito no próprio disco:<br />
600 dólares.<br />
Gravado em vinte horas,<br />
com produção <strong>de</strong> Jack Endino,<br />
“Bleach” teve como primeiro<br />
título “Too Many Humans” – o<br />
que <strong>se</strong>ria apropriado para um<br />
disco on<strong>de</strong> fi guram canções feitas<br />
<strong>de</strong> frustração e alienação como<br />
“School”, “Negative creep” ou<br />
“Downer”.<br />
<strong>Cobain</strong> diria mais tar<strong>de</strong> que<br />
escreveu as letras no caminho<br />
para o estúdio e, mesmo que tal<br />
não pas<strong>se</strong> <strong>de</strong> auto mitifi cação, a<br />
verda<strong>de</strong> é que a música gravada<br />
naquele Dezembro <strong>de</strong> 1988<br />
refl ecte essa espontaneida<strong>de</strong>.<br />
“Bleach” é o quadro <strong>de</strong> um<br />
momento: o primeiro álbum<br />
<strong>de</strong> uma banda que, imersa no<br />
cal<strong>de</strong>irão “un<strong>de</strong>rground” <strong>de</strong><br />
Seattle <strong>se</strong>m lhe pertencer (eram<br />
da pequena Aber<strong>de</strong>en), refl ectiu<br />
<strong>de</strong> forma magistral essa<br />
condição. Estão<br />
lá as marcas<br />
do rock’n’roll<br />
que vivia do<br />
confronto<br />
cerrado com o<br />
“mainstream”,<br />
alimentado<br />
pelas<br />
expressões<br />
marginais da<br />
música e cultura<br />
popular – o punk e<br />
o metal, os “cartoons”<br />
a preto e branco das<br />
“fanzines” –, mas<br />
também a marca<br />
distintiva que<br />
<strong>se</strong> revelaria<br />
<strong>de</strong>fi nitivamente<br />
Em Agosto <strong>de</strong> 1992, <strong>de</strong>pois da<br />
distinção <strong>de</strong> “Nevermind” como<br />
álbum do ano nas mais diversas<br />
publicações, os Nirvana foram<br />
cabeças <strong>de</strong> cartaz <strong>de</strong> Reading,<br />
um dos maiores festivais <strong>de</strong><br />
Verão europeus<br />
A partir<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada<br />
altura <strong>Cobain</strong> percebe<br />
que os amantes<br />
<strong>de</strong> rock já não são<br />
aliados. Percebe que<br />
os <strong>de</strong>z milhões que<br />
o ouviam eram os<br />
mesmos que iriam<br />
ouvir, mais tar<strong>de</strong>,<br />
Limp Bizkit
<strong>Kurt</strong> horroriza-<strong>se</strong> com a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong><br />
dos <strong>se</strong>us pares. Com o estado do mundo.<br />
E com as suas próprias <strong>de</strong>sventuras:<br />
porque é que <strong>se</strong> droga, arma zaragata,<br />
<strong>de</strong>strói hotéis como <strong>se</strong> fos<strong>se</strong><br />
uma trivial celebrida<strong>de</strong> rock? Porque<br />
é que <strong>se</strong> casa com uma estrela, Courtney<br />
Love, tão frágil como ele? Porque<br />
é que os dois adquirem uma<br />
casa como todos os casais conformistas<br />
que critica? Porque é que<br />
ele, no auge da glória, não po<strong>de</strong>,<br />
não con<strong>se</strong>gue, mudar o estado<br />
das coisas?<br />
Sim, tornara-<strong>se</strong> numa personalida<strong>de</strong>.<br />
A revista<br />
“Rolling Stone”, outrora<br />
alternativa, agora símbolo<br />
do entretenimento, quer<br />
que ele po<strong>se</strong> para a capa.<br />
Ele não <strong>de</strong>via, escreve.<br />
A ética punk não lho<br />
permite. A ele, das<br />
“fanzines”. Mas é<br />
estrela, a “Stone”<br />
é importante, tem<br />
que fazê-lo.<br />
Para não passar<br />
por marioneta<br />
tem uma i<strong>de</strong>ia:<br />
posa para a capa, mas <strong>de</strong> tshirt,<br />
com a inscrição “corporate magazines<br />
still suck”, forma <strong>de</strong> insultar<br />
a “Rolling Stone”. É isso que pensa,<br />
mas a vida é mais complexa.<br />
Ao aceitar essas condições a<br />
“Rolling Stone” dá provas <strong>de</strong> largueza<br />
<strong>de</strong> espírito. É admirada por isso.<br />
<strong>Kurt</strong> sofre. Pensava que <strong>se</strong> podia infiltrar<br />
no sistema para o fazer explodir,<br />
mas transforma-<strong>se</strong> no alibi do<br />
sistema, que o exibe: olhem para os<br />
Nirvana, indomáveis, rock com alarido,<br />
comprem os discos e estarão a<br />
comprar também uma atitu<strong>de</strong> rebel<strong>de</strong>.<br />
A partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada altura percebe<br />
que os amantes <strong>de</strong> rock já não<br />
são aliados. Ele que <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntia diferen-<br />
A banda que só<br />
queria <strong>se</strong>r <strong>de</strong> Seattle<br />
tinha <strong>de</strong>stronado<br />
as estrelas do passado<br />
e tornava-<strong>se</strong> a estrela<br />
do pre<strong>se</strong>nte<br />
pouco <strong>de</strong>pois daquela apressada<br />
gravação.<br />
Editado a 13 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1989,<br />
“Bleach” cresceu lentamente.<br />
Inicialmente ignorado, já era em<br />
meados <strong>de</strong> 1990 um dos mais<br />
bem-sucedidos álbuns <strong>de</strong> estreia<br />
por uma editora in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />
No fi nal <strong>de</strong>s<strong>se</strong> ano, os Nirvana<br />
assinavam por uma multinacional,<br />
a Geff en. Tudo mudara – e agora,<br />
a edição paralela da versão<br />
remasterizada <strong>de</strong> “Bleach” e do<br />
DVD “Live At Reading”, mostranos<br />
quanto.<br />
te ao ouvir os Va<strong>se</strong>lines e que acreditava<br />
na atitu<strong>de</strong> combativa, percebe<br />
que os <strong>de</strong>z milhões que o ouviam<br />
eram os mesmos que iriam ouvir,<br />
mais tar<strong>de</strong>, Limp Bizkit.<br />
Não espanta que <strong>de</strong>sconfias<strong>se</strong> dos<br />
fãs <strong>de</strong> rock, sobretudo os da primeira<br />
geração, os renegados que, na sua<br />
visão, haviam traído i<strong>de</strong>ais. “O leitor<br />
médio da ‘Rolling Stone’ é um ex-hippie<br />
que virou hipócrita e que olha<br />
para o passado como <strong>se</strong>ndo a época<br />
<strong>de</strong> ouro, mas absorveu o capitalismo<br />
com indulgência, mo<strong>de</strong>ração, numa<br />
palavra, acomodou-<strong>se</strong>.” Porquê a animosida<strong>de</strong><br />
contra os “hippies”? Não<br />
eram suficientemente radicais. Tinham-<strong>se</strong><br />
vendido. Eram “yuppies”.<br />
<strong>Kurt</strong> e Eddie<br />
Apesar <strong>de</strong> <strong>se</strong>r o número 1 mundial<br />
continuava um pequeno punk. No<br />
festival <strong>de</strong> Reading apre<strong>se</strong>nta-<strong>se</strong> <strong>de</strong><br />
bata e ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas. Nos prémios<br />
MTV os Nirvana tocam uma canção<br />
chamada “Rape me”. <strong>Kurt</strong> ainda acreditava.<br />
Mas intensificava-<strong>se</strong> a <strong>se</strong>nsação<br />
que já não passava <strong>de</strong> um Dom<br />
Quixote a esbracejar no vazio.<br />
Tenta curas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintoxicação, com<br />
e <strong>se</strong>m Love. A 2 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1993, uma<br />
“overdo<strong>se</strong>” <strong>de</strong> heroína em Seattle.<br />
Prepara-<strong>se</strong> o sucessor <strong>de</strong> “Nevermind”.<br />
Os Nirvana querem lançar um<br />
disco assumidamente difícil. <strong>Cobain</strong><br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>ja que tenha o título <strong>de</strong> “I hate<br />
my<strong>se</strong>lf and i want to die”. Mas os imperativos<br />
do negócio falam mais alto.<br />
Chamar-<strong>se</strong>-á “In Utero” e trepará pelos<br />
tops. A 4 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1994, em<br />
digressão, mais uma “overdo<strong>se</strong>”, em<br />
Roma. Um mês <strong>de</strong>pois, a 5 <strong>de</strong> Abril,<br />
suicídio. Ao lado do corpo: “É melhor<br />
apagar <strong>de</strong> uma vez que <strong>de</strong>saparecer<br />
aos poucos.”<br />
Tinha 27 anos. Infiltrou-<strong>se</strong> no sistema.<br />
Os Nirvana impu<strong>se</strong>ram às massas<br />
a cólera face à gula. Para muitos, <strong>Kurt</strong><br />
per<strong>de</strong>u. Puxou <strong>de</strong> uma arma, mas<br />
O jogo do estrelato<br />
Tudo mudara, repetimos. Em<br />
1991, “Nevermind” chegou como<br />
um furacão. Não foi um acaso. Os<br />
Nirvana sabiam o que faziam.<br />
Tinham encontrado em Dave<br />
Grohl o baterista perfeito para a<br />
sua música, tinham trabalhado<br />
com um produtor, Butch Vig,<br />
que os conduziu na gravação<br />
<strong>de</strong> um disco on<strong>de</strong> as harmonias<br />
pop e a limpi<strong>de</strong>z da produção <strong>se</strong><br />
conjugavam admiravelmente<br />
com o carácter visceral das letras,<br />
com a violência <strong>de</strong> “Stay away”<br />
ou “Territorial pissings”. Tinham<br />
até criado uma canção que <strong>se</strong>ria<br />
erguida a hino da Geração X: “here<br />
we are now entertain us”.<br />
A banda que só queria <strong>se</strong>r<br />
<strong>de</strong> Seattle já não repre<strong>se</strong>ntava<br />
apenas a cida<strong>de</strong> do noroeste<br />
americano. Tinha <strong>de</strong>stronado<br />
“Dangerous”, <strong>de</strong> Michael<br />
Jackson, do topo das tabelas e<br />
transformado o “hair rock” <strong>de</strong><br />
Def Leppard, Aerosmith e afi ns<br />
em anacronismo. Destronadas as<br />
estrelas do passado, os Nirvana<br />
tornaram-<strong>se</strong> as estrelas do<br />
pre<strong>se</strong>nte - mas conviveram com os<br />
mesmos mecanismos mediáticos.<br />
A diferença é que tentaram<br />
<strong>de</strong>sconstruir o artifício daquele<br />
en<strong>de</strong>usamento que apropria a<br />
apontou-a a si próprio. Para outros,<br />
não; foi gran<strong>de</strong>. Es<strong>se</strong>s normalmente<br />
ten<strong>de</strong>m a compará-lo a Eddie Ved<strong>de</strong>r,<br />
dos Pearl Jam, outro grupo <strong>se</strong>minal<br />
<strong>de</strong> Seattle, ainda activo. Faz <strong>se</strong>ntido.<br />
Enquanto <strong>Kurt</strong> <strong>se</strong>mpre teve dificulda<strong>de</strong><br />
em lidar com gran<strong>de</strong>s audiências,<br />
e em palco qua<strong>se</strong> não dizia nada,<br />
Eddie comporta-<strong>se</strong> como o irmão<br />
mais velho, aquele que <strong>se</strong> oferece para<br />
<strong>se</strong>r guia.<br />
A voz <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> é coisa em bruto,<br />
expondo uma raiva incoerente, as<strong>se</strong>nte<br />
em letras pouco claras. Eddie<br />
conta histórias. As canções dos Nirvana<br />
são mais <strong>de</strong>safiantes, mas não<br />
oferecem calor. Quando muito são<br />
catárticas.<br />
Eddie parece tentar chegar ao outro.<br />
<strong>Kurt</strong> quer que o <strong>de</strong>ixem em paz.<br />
Aquilo que faz do primeiro um herói<br />
do rock – no <strong>se</strong>ntido mais con<strong>se</strong>rvador<br />
do termo – é que é alguém que<br />
nunca <strong>de</strong>siste <strong>de</strong> lutar. “In Utero”, o<br />
último grito dos Nirvana, é o oposto.<br />
É <strong>de</strong>sistir, é o isolamento, o casulo<br />
on<strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>se</strong> resguarda das contradições<br />
<strong>de</strong> <strong>se</strong>r um rebel<strong>de</strong> milionário.<br />
Talvez Eddie <strong>se</strong>ja um <strong>se</strong>r humano<br />
melhor. Mas <strong>se</strong>gundo o mito romântico<br />
do criador, talvez <strong>Kurt</strong> <strong>se</strong>ja melhor<br />
artista. Como o <strong>Kurt</strong>z <strong>de</strong> Brando:<br />
era lúcido. De uma luci<strong>de</strong>z disforme,<br />
incapaz <strong>de</strong> percepcionar a totalida<strong>de</strong><br />
à sua volta. Ninguém <strong>se</strong> surpreen<strong>de</strong>u<br />
quando <strong>se</strong> suicidou. Mas mesmo assim<br />
a sua morte continua a inspirar<br />
as mais bizarras e diversas teorias<br />
conspirativas.<br />
Quem matou <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong>? A resposta<br />
é óbvia. <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> matou <strong>Kurt</strong><br />
<strong>Cobain</strong>. Mas também foi vítima: vítima<br />
do mito <strong>de</strong> que para <strong>se</strong> <strong>se</strong>r autêntico,<br />
verda<strong>de</strong>iro e comprometido, não<br />
<strong>se</strong> po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r popular.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 46 e <strong>se</strong>gs e<br />
crítica <strong>de</strong> DVD pág. 55<br />
diferença até a transformar em<br />
banalida<strong>de</strong>.<br />
Quando actuaram no Top Of<br />
The Pops, foi-lhes exigido um<br />
“playback” - contrapu<strong>se</strong>ram com<br />
um “playback” parcial. Ouviram<strong>se</strong><br />
os instrumentos da versão <strong>de</strong><br />
estúdio <strong>de</strong> “Smells like teen spirit”,<br />
ouviu-<strong>se</strong> a voz <strong>de</strong> <strong>Cobain</strong>, no palco<br />
do mais famoso programa musical<br />
televisivo britânico, a cantar<br />
em voz operática <strong>de</strong>stroçada,<br />
<strong>de</strong>safi nada, versos como “load up<br />
on drugs / kill your friends” – e<br />
os espectadores viram um trio a<br />
movimentar-<strong>se</strong> em palco como<br />
marionetas. Pela mesma altura,<br />
convidados para um programa<br />
familiar, ainda em Inglaterra,<br />
ouviu-<strong>se</strong> o apre<strong>se</strong>ntador anunciar<br />
ao público <strong>de</strong> <strong>se</strong>nhores e <strong>se</strong>nhoras<br />
<strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong> os Nirvana e o <strong>se</strong>u<br />
novo single, “Come as you are”.<br />
Acto contínuo, a banda atira-<strong>se</strong><br />
a uma feroz interpretação <strong>de</strong><br />
“Territorial pissings”, a mais<br />
curta e mais agressiva canção <strong>de</strong><br />
“Nevermind”, culminada com a<br />
<strong>de</strong>struição dos instrumentos em<br />
palco.<br />
Em Agosto <strong>de</strong> 1992, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> ganharem dois prémios<br />
MTV, <strong>de</strong>pois da distinção <strong>de</strong><br />
“Nevermind” como álbum do ano<br />
nas mais diversas publicações,<br />
<strong>de</strong>pois do casamento <strong>de</strong> <strong>Cobain</strong><br />
com Courtney Love e do início<br />
do inevitável tratamento “Yoko<br />
Ono” que esta sofreria, chegaria o<br />
culminar <strong>de</strong> todo este meteórico<br />
crescimento.<br />
Os Nirvana como cabeças<br />
<strong>de</strong> cartaz <strong>de</strong> Reading, um dos<br />
maiores festivais <strong>de</strong> Verão<br />
europeus, encabeçando um<br />
alinhamento que apre<strong>se</strong>ntava<br />
antes <strong>de</strong>les os históricos Nick<br />
Cave e Beastie Boys, os amigos<br />
Mudhoney, Melvins e Screaming<br />
Trees, os perfeitos Pavement, as<br />
“riot grrls” L7, os artesãos pop<br />
Teenage Fanclub e a piada Björn<br />
Again.<br />
<strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong> entra em palco <strong>de</strong><br />
ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas, bata hospitalar<br />
e longa cabeleira loura. Ergue-<strong>se</strong><br />
com difi culda<strong>de</strong>. Canta um verso<br />
e estatela-<strong>se</strong> no chão. Acaba o<br />
teatro. A primeira canção do<br />
alinhamento é “Bleed”, a que<br />
abrira “Bleach”. A última, antes da<br />
<strong>de</strong>struição dos instrumentos, <strong>se</strong>rá<br />
“Territorial pissings”.<br />
Estavam centenas <strong>de</strong> milhar à<br />
sua frente e os Nirvana jogavam<br />
<strong>de</strong> acordo com as suas regras.<br />
Dominavam a situação com<br />
mestria. Até ali, tudo perfeito.<br />
O caos <strong>se</strong>guir-<strong>se</strong>-ia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
momentos.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 9
O que tem a série Twin Peaks em<br />
comum com os Nirvana? À partida<br />
nada. São dois mundos <strong>se</strong>parados.<br />
Tal conclusão, porém, não <strong>de</strong>ve<br />
impedir que <strong>se</strong> revejam acasos,<br />
coincidências. Hoje, como à época,<br />
relativamente esquecidas.<br />
Um pouco <strong>de</strong> memória então: a<br />
acção <strong>de</strong> Twin Peaks <strong>de</strong>corre no<br />
estado <strong>de</strong> Washington <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
os Nirvana eram originários.<br />
Há uma coincidência temporal<br />
entre a aparição da série criada<br />
por David Lynch e o princípio da<br />
popularida<strong>de</strong> da banda. A primeira<br />
surgiu em 1990 e o grupo <strong>de</strong> <strong>Cobain</strong><br />
gravou “Bleach” em Junho <strong>de</strong> 1989.<br />
Sabe-<strong>se</strong> que o vocalista/guitarrista<br />
não só era fã <strong>de</strong> Twin Peaks, como<br />
comparava esta a Aber<strong>de</strong>en (a sua<br />
cida<strong>de</strong> natal).<br />
“Fait-divers”? O que é certo é que<br />
série e banda trouxeram para o<br />
imaginário da cultura visual uma<br />
paisagem lúgubre, húmida, pouco<br />
solar: um lugar “exótico” entre<br />
Portland e Seattle. Mais: nasceram<br />
em plena paz pós-Guerra Fria,<br />
quando rareavam as gran<strong>de</strong>s<br />
causas e os gran<strong>de</strong>s medos, bem<br />
como o glamour <strong>de</strong> outros tempos.<br />
Aliás, tanto em Twin Peaks como<br />
na música dos Nirvana é fácil<br />
<strong>de</strong>scortinar um ambiente malsão,<br />
<strong>de</strong>baixo do qual <strong>se</strong> escon<strong>de</strong>m<br />
<strong>se</strong>gredos e traumas, embora<br />
<strong>Cobain</strong> fos<strong>se</strong> um tipo menos<br />
estranho do que as personagens<br />
<strong>de</strong> Twin Peaks: alguém <strong>de</strong> carne<br />
e osso. Um “redneck” <strong>se</strong>nsível,<br />
intelectualmente curioso.<br />
Mas <strong>se</strong> especularmos à beira<br />
do <strong>de</strong>lírio, porque não confrontar<br />
o mistério da sua morte com o <strong>de</strong><br />
Laura Palmer, as más companhias<br />
<strong>de</strong> um com as más companhias do<br />
outro? Um pouco <strong>de</strong> bom <strong>se</strong>nso:<br />
avaliar a infl uência <strong>de</strong> Lych na<br />
obra <strong>de</strong> <strong>Cobain</strong> é tarefa absurda.<br />
É verda<strong>de</strong> que o músico, nos<br />
últimos anos, foi abandonando<br />
o “realismo” visual do rock a<br />
favor <strong>de</strong> uma fantasia <strong>de</strong> cariz<br />
surrealista (“In Utero”), mas o <strong>se</strong>u<br />
lugar foi <strong>se</strong>mpre mais chão, mais<br />
musical. Mais fl anela coçada e<br />
10 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Imagens <strong>de</strong> <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />
De Twin Peaks<br />
ao último rosto da pop<br />
No mesmo ano <strong>de</strong> “Bleach” aparecia a série Twin Peaks, <strong>de</strong> que <strong>Cobain</strong> era fã. Coincidência fértil – e húmida, e lúgubre – para esta<br />
viagem por um ambiente malsão, <strong>de</strong>baixo do qual <strong>se</strong> escon<strong>de</strong>m <strong>se</strong>gredos e traumas. José Marmeleira<br />
A ABC começou a exibir a série<br />
em Abril <strong>de</strong> 1990 – a acção situa<strong>se</strong><br />
numa fictícia cida<strong>de</strong> do<br />
estado <strong>de</strong> Washington, <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
os Nirvana eram originários<br />
cabelos soltos <strong>de</strong> que roupas e<br />
penteados estilizados como os <strong>de</strong><br />
Dale Cooper enquanto comia o <strong>se</strong>u<br />
“donut”.<br />
Tal não impediu, sublinhe-<strong>se</strong>,<br />
que o cinema <strong>de</strong> Lynch (mais do<br />
que o <strong>de</strong> Alex Cox, Hal Hartley<br />
ou Linklater) tenha funcionado<br />
como espelho para o melhor rock<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos anos 80, aquele<br />
que infl uenciou os Nirvana: os<br />
primeiros Sonic Youth, os Big<br />
Black e os Butthole Surfers, tudo<br />
gente cujas letras lidavam com<br />
América <strong>de</strong> Frank Booth (“Veludo<br />
Azul”), a América do pesa<strong>de</strong>lo, das<br />
mutilações, dos lugares escuros.<br />
Dupla face<br />
Mas as imagens dos Nirvana<br />
existiram para além do cinema.<br />
Existiram no palco. Neste caso,<br />
num palco on<strong>de</strong> as fronteiras entre<br />
músicos e público <strong>se</strong> esbatiam,<br />
como a fotografi a <strong>de</strong> Charles<br />
Peterson, sobre a cena <strong>de</strong> Seattle,<br />
soube mostrar no livro “Touch Me<br />
I’m Sick”. Ou nas po<strong>se</strong>s ansiosas<br />
dos jovens do Noroeste enfi ados<br />
em roupas em <strong>se</strong>gunda mão e<br />
camisas <strong>de</strong> fl anela (na tradição <strong>de</strong><br />
Neil Young, John Fogerty ou Mike<br />
Watt). Imagens assim po<strong>de</strong>m <strong>se</strong>r<br />
encontradas no livro “Grunge”,<br />
<strong>de</strong> Michael Lavine, on<strong>de</strong> subsiste<br />
nos olhares dos adolescentes<br />
um <strong>de</strong><strong>se</strong>jo, um <strong>de</strong>safi o – como <strong>se</strong><br />
estives<strong>se</strong>m à espera <strong>de</strong> alguma<br />
coisa.<br />
É possível revisitar es<strong>se</strong>s<br />
retratos nas personagens <strong>de</strong><br />
Gus Van Sant, mas o cineasta<br />
esteve <strong>se</strong>mpre mais interessado<br />
em criar fi cções à volta <strong>de</strong><br />
marginais, artistas solitários,<br />
anjos monossilábicos – como o<br />
<strong>de</strong> “Last Days”. E menos sobre<br />
“heróis” reais, como o guitarrista<br />
e vocalista <strong>Cobain</strong> que acreditava<br />
que o rock ainda podia mudar<br />
o mundo; que transformou as<br />
edições <strong>de</strong> 1991 e 1992 do Festival<br />
<strong>de</strong> Reading nos momentos<br />
fi nais do rock enquanto gran<strong>de</strong><br />
manifestação artística e cultural<br />
(no horizonte já <strong>se</strong> ouviam os<br />
ritmos do tecno e do hip hop).<br />
A verda<strong>de</strong>, contudo, é que<br />
<strong>Cobain</strong> teve <strong>se</strong>mpre uma dupla<br />
face. De um lado, aparentemente<br />
franco, cândido, apaixonado pela<br />
música; do outro, pronto a virar<br />
contra si (e contra os outros) toda<br />
a irrisão possível; o <strong>Cobain</strong> arauto<br />
louro e sincero do “un<strong>de</strong>rground”<br />
contra o <strong>Cobain</strong> <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
Lynch funcionou<br />
como espelho para<br />
o rock indie dos anos<br />
80, que influenciou os<br />
Nirvana: os primeiros<br />
Sonic Youth, Big Black<br />
e Butthole Surfers,<br />
gente cujas letras<br />
lidavam com a<br />
América do pesa<strong>de</strong>lo<br />
rodas, vestido <strong>de</strong> mulher, <strong>de</strong> olhos<br />
pintados.<br />
Terá sido esta facilida<strong>de</strong> em<br />
criar “personas” que continua<br />
a atrair os artistas. Rodney<br />
Graham <strong>de</strong>dicou-lhe em 2000<br />
uma peregrinação feita em<br />
sli<strong>de</strong>s, “Aber<strong>de</strong>en”; Douglas<br />
Gordon juntou-o, em 1996, num<br />
auto-retrato, a Andy Warhol e a<br />
Marilyn; Elizabeth Peyton fê-lo<br />
objecto da sua pintura e Sam<br />
Durant “restitui-lhe” a voz numa<br />
das suas esculturas.<br />
Compreen<strong>de</strong>-<strong>se</strong>. O último rosto<br />
da pop pertence-lhe. Mesmo<br />
<strong>de</strong>pois da morte da Michael<br />
Jackson.<br />
“Grunge”, <strong>de</strong> Michael Lavine:<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>jo, <strong>de</strong>safio – como <strong>se</strong> estes<br />
adolescentes estives<strong>se</strong>m à<br />
espera <strong>de</strong> alguma coisa<br />
Um anjo<br />
caído:<br />
<strong>Kurt</strong><br />
<strong>Cobain</strong><br />
recriado<br />
em “Last<br />
Days” <strong>de</strong><br />
Gus Van<br />
Sant<br />
<strong>Cobain</strong>:<br />
“redneck”<br />
<strong>se</strong>nsível,<br />
intelectualmente<br />
curioso
<strong>de</strong> 21<br />
a 20<br />
<strong>de</strong><br />
Dez.<br />
22<br />
<strong>de</strong> 26<br />
a 13<br />
<strong>de</strong><br />
Dez.<br />
27<br />
17<br />
18<br />
e 19<br />
20<br />
29<br />
e 30<br />
<strong>de</strong> 6<br />
a 31<br />
<strong>de</strong> 14<br />
a 7 <strong>de</strong><br />
Fev.<br />
16, 23<br />
e 30<br />
T<br />
TEATRO<br />
NOVEMBRO<br />
TEATRO MUNICIPAL DE ALMADA A<br />
Teatro para a Infância<br />
DONA RAPOSA E OUTROS ANIMAIS<br />
Ba<strong>se</strong>ado nas fábulas <strong>de</strong> La Fontaine<br />
Enc. <strong>de</strong> Teresa Gafeira | M4<br />
UMA VIAGEM ATRAVÉS DA MÚSICA<br />
DO BRASIL<br />
Dir. geral <strong>de</strong> Lauro Moreira<br />
Solo Brasil | M12<br />
ANA<br />
<strong>de</strong> José Maria Vieira Men<strong>de</strong>s<br />
Enc. <strong>de</strong> Jorge Silva Melo<br />
Artistas Unidos | M12<br />
DO DESASSOSSEGO<br />
<strong>de</strong> Bernardo Soares/Fernando Pessoa<br />
Enc. <strong>de</strong> João Mota<br />
Comuna – Teatro <strong>de</strong> Pesquisa | M12<br />
DEZEMBRO<br />
VIAGEM ORGANIZADA<br />
<strong>de</strong> Filippo Arcelloni, Mauro Mozzani,<br />
Franco Sartori e Rolando Tarquini<br />
Manicomics Teatro (Itália) | M12<br />
POEMAS NA MINHA VIDA<br />
Poemas italianos, portugue<strong>se</strong>s, umbros,<br />
romanos e um napolitano<br />
Enc. <strong>de</strong> Teresa Faria | Io Appolloni | M12<br />
CONCERTO DE NATAL<br />
Dir. musical <strong>de</strong> Volodymyr Khanas<br />
Orquestra Sinfónica da Ucrânia | M12<br />
GISELLE<br />
Coreografia <strong>de</strong> Georges Garcia, <strong>se</strong>gundo<br />
Jean Coralli, Jules Perot e Marius Petipa<br />
Companhia Nacional <strong>de</strong> Bailado | M12<br />
JANEIRO<br />
A MÃE<br />
<strong>de</strong> Bertolt Brecht/Máximo Gorki<br />
Enc. <strong>de</strong> Joaquim Benite | M12<br />
UMA VISITA INOPORTUNA<br />
<strong>de</strong> Copi<br />
Enc. <strong>de</strong> Philip Boulay | M12<br />
CANÇÕES DE BRECHT<br />
Poemas <strong>de</strong> Bertolt Brecht<br />
Musicados por <strong>Kurt</strong> Weill, Hans Eisler,<br />
Paul Dessau, <strong>Kurt</strong> Schwaen, Franz Bruinier<br />
e Theodor Adorno | M12<br />
D<br />
DANÇA<br />
M<br />
MÚSICA<br />
Mais informações em<br />
www.ctalmada.pt<br />
ou através do telefone<br />
212739360<br />
T<br />
M<br />
T<br />
T<br />
T<br />
T<br />
M<br />
D<br />
T<br />
T<br />
T<br />
5<br />
6<br />
<strong>de</strong> 9<br />
a 16<br />
13<br />
<strong>de</strong> 19<br />
a 21<br />
<strong>de</strong> 19<br />
a 21<br />
23<br />
26<br />
<strong>de</strong> 27<br />
a 7 <strong>de</strong><br />
Mar.<br />
5 e 6<br />
<strong>de</strong> 11<br />
a 21<br />
19<br />
e 20<br />
26<br />
26<br />
e 28<br />
FEVEREIRO<br />
RECITAL DE PIANO<br />
<strong>de</strong> António Maria Cartaxo | M12<br />
FADO<br />
Carminho | M12<br />
Teatro para a Infância<br />
O BARBEIRO DE SEVILHA<br />
A partir <strong>de</strong> Rossini<br />
Enc. <strong>de</strong> Teresa Gafeira | M4<br />
ORQUESTRA GULBENKIAN<br />
Dir. musical <strong>de</strong> Lawrence Foster<br />
Haydn e Mozart | M12<br />
CONCERTO “À LA CARTE”<br />
<strong>de</strong> Franz Xaver Kroetz<br />
Enc. <strong>de</strong> Rui Ma<strong>de</strong>ira<br />
Companhia <strong>de</strong> Teatro <strong>de</strong> Braga | M12<br />
ESTUDO PARA UMA CIDADE PERFEITA<br />
<strong>de</strong> Jean Paul Bucchieri<br />
Oblivion | M12<br />
NIEUWZWART<br />
<strong>de</strong> Wim Van<strong>de</strong>keybus<br />
Ultima vez (Bélgica) | M12<br />
BANDA DA GUARDA NACIONAL<br />
REPUBLICANA<br />
Dir. musical <strong>de</strong> Jean-Sébastien Béreau | M12<br />
A CHUVA<br />
A partir <strong>de</strong> Jean-Luc Lagarce<br />
Enc. <strong>de</strong> Laurinda Chiungue<br />
Teatro ABC.PI | M12<br />
MARÇO<br />
O AQUI<br />
<strong>de</strong> Ana Rita Barata<br />
Companhia Integrada Multidisciplinar | M6<br />
COMÉDIA MOSQUETA<br />
<strong>de</strong> Angelo Beolco, dito o Ruzante<br />
Enc. <strong>de</strong> Mário Barradas | M12<br />
NOITE DE REIS<br />
<strong>de</strong> John Mowat e Leonor Keil, a partir <strong>de</strong><br />
Noite <strong>de</strong> Reis <strong>de</strong> William Shakespeare<br />
Enc. <strong>de</strong> John Mowat<br />
Companhia Paulo Ribeiro | M12<br />
ORQUESTRA SINFÓNICA DA ESCOLA<br />
SUPERIOR DE MÚSICA DE LISBOA (ESML)<br />
Dir. musical <strong>de</strong> Vasco Pearce <strong>de</strong> Azevedo<br />
M12<br />
A SERIEDADE DO ANIMAL<br />
<strong>de</strong> Marlene Freitas<br />
Bomba Suicida | M12<br />
M<br />
M<br />
T<br />
M<br />
T<br />
D<br />
D<br />
M<br />
T<br />
D<br />
T<br />
D<br />
M<br />
D<br />
<strong>de</strong> 8<br />
a 2 <strong>de</strong><br />
Mai.<br />
10<br />
11<br />
<strong>de</strong> 22<br />
a 16 <strong>de</strong><br />
Mai.<br />
14, 21<br />
e 28<br />
20<br />
22<br />
23<br />
29<br />
4<br />
5<br />
<strong>de</strong> 9<br />
a 20<br />
11<br />
20<br />
ABRIL<br />
TUNING<br />
<strong>de</strong> Rodrigo Francisco<br />
Enc. <strong>de</strong> Joaquim Benite | M12<br />
ORQUESTRA GULBENKIAN<br />
Dir. musical <strong>de</strong> Alain Altinoglu<br />
Prokofiev, Haydn e Mozart | M12<br />
ORQUESTRA «DIVINO SOSPIRO»<br />
Dir. musical <strong>de</strong> Massimo Mazzeo<br />
Concerto Schumann | M12<br />
TROILO E CRÉSSIDA<br />
<strong>de</strong> William Shakespeare<br />
Enc. <strong>de</strong> Mário Barradas | M12<br />
MAIO<br />
ÓPERA E CONCERTO<br />
Dir. musical Nuno Vieira <strong>de</strong> Almeida<br />
Comentários <strong>de</strong> Yvette Centeno<br />
Carlos Guilherme, Joana Manuel,<br />
Paulo Ferreira | M12<br />
SUPERMAN e NOSSA SENHORA<br />
DAS FLORES<br />
<strong>de</strong> Francisco Camacho<br />
EIRA | M12<br />
O BARBEIRO DE SEVILHA<br />
<strong>de</strong> Gioachino Rossini<br />
Compañía Estudio Lírico <strong>de</strong> Madrid | M12<br />
CONCERTO DE MUSICA DE CÂMARA<br />
Solistas da Orquestra Gulbenkian<br />
Johannes Brahms | M12<br />
RECITAL DE PIANO<br />
<strong>de</strong> Jorge Moyano | M12<br />
JUNHO<br />
ÓPERA E CONCERTO<br />
Dir. musical Nuno Vieira <strong>de</strong> Almeida<br />
Comentários <strong>de</strong> Yvette Centeno<br />
Elvire <strong>de</strong> Paiva e Pona, Carmen Matos | M12<br />
CONCERTO SCHUMANN E CHOPIN<br />
Quarteto com Piano <strong>de</strong> Moscovo | M12<br />
O QUARTO e COMEMORAÇÃO<br />
<strong>de</strong> Harold Pinter<br />
Enc. <strong>de</strong> Jorge Silva Melo<br />
Artistas Unidos | M12<br />
AGAIN FROM THE BEGINNING<br />
<strong>de</strong> Sofia Dias e Vítor Roriz<br />
O Espaço do Tempo | M12<br />
CONCERTO DE MUSICA DE CÂMARA<br />
Solistas da Orquestra Gulbenkian<br />
Johannes Brahms, György Ligeti | M12<br />
T<br />
M<br />
M<br />
T<br />
O<br />
D<br />
O<br />
M<br />
M<br />
O<br />
M<br />
T<br />
D<br />
M
RITA CARMO<br />
No mundo do espectáculo ter um nome<br />
é tudo. Sem nome não há concertos<br />
nem discos. Não <strong>se</strong> existe. É o<br />
mesmo que estar morto. Na prática,<br />
que significa o nome Kimi Djabaté?<br />
Um pequeno conjunto <strong>de</strong> irredutíveis<br />
<strong>se</strong>gue-o a cada concerto, em salas minúsculas,<br />
umas vezes a solo, outras<br />
acompanhado por Braima Galissa,<br />
mestre da kora e um terço do excelente<br />
combo Tafetas, mas 99 por cento<br />
dos portugue<strong>se</strong>s não fazem i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> quem <strong>se</strong>ja.<br />
Mas agora a hora <strong>de</strong>le chegou.<br />
Depois <strong>de</strong> um primeiro disco, “Tereké”,<br />
que não o <strong>de</strong>ixou contente por<br />
<strong>se</strong>r “muito oci<strong>de</strong>ntal” e com excessivo<br />
pendor “comercial”, esperou, trabalhou<br />
e a sorte chegou: “Karam”, o<br />
<strong>se</strong>gundo disco <strong>de</strong>ste nativo da Guiné-<br />
Bissau radicado há muito em Lisboa,<br />
é uma pequena maravilha.<br />
E <strong>de</strong>sta feita não é uma maravilha<br />
só para meia-dúzia <strong>de</strong> sortudos que<br />
o <strong>se</strong>guiam: o disco, diz Djabaté, “está<br />
distribuídos em África, na Europa,<br />
nos Estados Unidos da América”. Porque<br />
por trás <strong>de</strong> “Karam” está uma das<br />
mais interessantes editoras <strong>de</strong> “world<br />
music”: a Cumbancha.<br />
“Tive muita sorte”, dizia-nos Kimi<br />
há dias, numa esplanada do Chiado,<br />
em Lisboa. “Estava a tentar ao mesmo<br />
tempo editar por cá quando Jacob<br />
Edgar, da editora, <strong>se</strong> interessou pelo<br />
meu trabalho.” Segundo João Rolo,<br />
responsável pela Leve Music, distribuidora<br />
da Cumbancha em Portugal,<br />
Kimi é “o primeiro nome numa nova<br />
série da Cumbancha, a série Discovery,<br />
que apre<strong>se</strong>nta novos nomes”.<br />
Agora as coisas estão a mudar para<br />
Djabaté: no dia 16 ia “viajar para França<br />
para fazer um concerto”. Tinha a<br />
impressão que <strong>se</strong> tratava <strong>de</strong> “uma<br />
apre<strong>se</strong>ntação para a imprensa”, mas<br />
não sabia bem: ainda não está habituado<br />
a tratar <strong>de</strong>s<strong>se</strong> <strong>de</strong>talhes. João<br />
Rolo confirma que sim, e que entre<br />
os media pre<strong>se</strong>ntes estavam confirmados<br />
pesos pesados da escrita<br />
“world” como “Mondo Mix”, “Songlines”<br />
e “Folk Roots”.<br />
12 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Nenhuma <strong>de</strong>stas revistas vai às cegas:<br />
“Karam” começou a <strong>se</strong>r editado<br />
internacionalmente no Verão, e as<br />
reacções estão a ultrapassar as melhores<br />
expectativas: a “Billboard”, o<br />
“Boston Globe”, o “Finantial Times”<br />
e a BBC3 cobriram-no <strong>de</strong> elogios. Na<br />
tabela <strong>de</strong> vendas da World Music<br />
Charts Europe, “Karam” surge este<br />
mês em terceiro lugar.<br />
Mas mesmo perante tudo isto,<br />
quando perguntámos a Kimi <strong>se</strong> temia<br />
a importância da actuação, ele atirou<br />
<strong>se</strong>m pensar duas vezes: “Não estou<br />
nervoso. Tocar é uma coisa que me<br />
dá mesmo muita alegria – <strong>se</strong> não ouvir<br />
música não consigo dormir.”<br />
Raízes<br />
A razão do sucesso actual <strong>de</strong> Djabaté<br />
po<strong>de</strong> explicar-<strong>se</strong> por ter uma editora<br />
forte por trás, mas também pela recusa<br />
em voltar a fazer um disco como<br />
o primeiro: “Karam” é todo raízes e<br />
as raízes <strong>de</strong> Kimi estão-lhe na garganta,<br />
<strong>se</strong>mpre a saltar cá para fora em<br />
conversa.<br />
Tem 34 anos anos e chegou cá em<br />
1995. Sempre fez música. Uma fra<strong>se</strong><br />
é sintomática: “Nem <strong>se</strong>i com que ida<strong>de</strong><br />
comecei”. Kimi, “com um ou dois<br />
anos já tinha um balafon [espécie <strong>de</strong><br />
xilofone] pequenino”. Diz que “<strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
pequenino” está “habituado a carregar<br />
o balafon às costas”.<br />
Isto porque é “<strong>de</strong> uma família<br />
griot”, o que na cultura mandinga<br />
significa que é o portador da tradição<br />
musical. Os griots cantam a vida dos<br />
<strong>se</strong>us e são respeitados por isso. A sua<br />
al<strong>de</strong>ia, conta, tem “apenas cento e<br />
poucas pessoas e são todas griot”.<br />
A al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Kimi chama-<strong>se</strong> Tabeto,<br />
fica entre Bafato e Dabo, leste da Guiné-Bissau,<br />
e ele ainda lá vai “<strong>se</strong>mpre<br />
que possível”. 14 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />
chegado a Portugal ainda <strong>se</strong> refere à<br />
al<strong>de</strong>ia no pre<strong>se</strong>nte: “Não temos electricida<strong>de</strong><br />
até hoje”.<br />
Em miúdo “tinha um rádio, que<br />
usava com pilhas ou ligado a baterias<br />
<strong>de</strong> carro” e “ouvia blues, jazz, gumbé<br />
ou afro-mandinga”, que é o tipo <strong>de</strong><br />
música que ele faz. Mas também “ouvia<br />
morna”, porque “também há morna<br />
gineen<strong>se</strong>” e “ouvia muito kussundé”.<br />
Também ouvia “um pouco <strong>de</strong><br />
pop”, mas isso é que “[o] interessa<br />
menos”.<br />
A vida não era fácil em Tabeto e<br />
Kimi não esqueceu a dureza. Durante<br />
o período das chuvas, “que era três<br />
me<strong>se</strong>s por ano”, faziam agricultura.<br />
“O resto do tempo vamos <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia<br />
em al<strong>de</strong>ia ganhar dinheirinho”. “Vamos”,<br />
diz.<br />
Kimi encontrou forma <strong>de</strong> pertencer<br />
ao Ballet Nacional da Guiné, e “numa<br />
ida a França para fazer actuações”<br />
resolvou “ficar lá, com uma prima<br />
que já lá vivia. Isto em 1995”.<br />
A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Kimi era juntar-<strong>se</strong> a outros<br />
como ele. Mas correu mal. “Lá<br />
não encontrei músicos guineen<strong>se</strong>s.<br />
Sempre tive intenção <strong>de</strong> encontrar<br />
griots – e não encontrava, porque estavam<br />
todos em Portugal”. É bom que<br />
tenhamos noção disto, em particular<br />
porque França é tida como país por<br />
excelência <strong>de</strong> emigração dos griots:<br />
“Estavam todos em Portugal”. Quantos<br />
<strong>de</strong>les <strong>se</strong> tornaram conhecidos?<br />
Nenhum.<br />
Kimi encontrou “um bom país para<br />
viver, calmo e com uma língua comum”.<br />
A música, no entanto, não lhe<br />
<strong>se</strong>ria suficiente para viver <strong>se</strong> não fos<strong>se</strong><br />
o <strong>se</strong>u estatuto <strong>de</strong> nascença.<br />
“Como griot há pessoas que me dão<br />
dinheiro só pela minha pre<strong>se</strong>nça. Se<br />
for convidado para um casamento,<br />
mesmo que não toque recebo dinheiro”.<br />
Além disso há pessoas que lhe “pagam<br />
100 euros ou 200 para fazer uma<br />
canção”. Escreveu para Badji, também<br />
para Dabo, e Mamas Samba.<br />
“Por enquanto felizmente não tive<br />
<strong>de</strong> lavar pratos. Pu<strong>de</strong> <strong>de</strong>dicar-me exclusivamente<br />
à música”.<br />
Em família<br />
Mas mesmo que hoje vista um belo<br />
sobretudo e um belo cachecol às riscas,<br />
o mundo <strong>de</strong> Djabaté ainda é a<br />
Guiné-Bissau. A canção que dá nome<br />
ao disco, “Karam”, fala do mundo que<br />
Kimi<br />
Djabaté<br />
merece <strong>se</strong>r uma<br />
estrela<br />
Durante anos, guitarrista e balafonista com voz <strong>de</strong><br />
excepção, <strong>de</strong>u concertos obscuros em salas minúsculas<br />
<strong>de</strong> Lisboa. Até que uma editora americana o <strong>de</strong>scobriu.<br />
Agora explo<strong>de</strong> no mundo da “world music”. Mas não<br />
esqueceu a Guiné-Bissau natal. João Bonifácio
Música<br />
Tem 34 anos<br />
anos, chegou a<br />
Portugal,<br />
vindo da<br />
Guiné-Bissau,<br />
em 1995 – 14<br />
anos <strong>de</strong>pois<br />
ainda <strong>se</strong><br />
refere à sua<br />
al<strong>de</strong>ia no<br />
pre<strong>se</strong>nte:<br />
“Não temos<br />
electricida<strong>de</strong><br />
até hoje”<br />
“Nem <strong>se</strong>i com que<br />
ida<strong>de</strong> comecei.<br />
Com um ou dois anos<br />
já tinha um balafon<br />
[espécie <strong>de</strong> xilofone]<br />
pequenino”<br />
viveu, “do sofrimento do povo guineen<strong>se</strong>,<br />
da miséria. O povo não está feliz,<br />
falta-lhes muita coisa”. Por todo<br />
o disco estão temas como a “Guiné,<br />
o sofrimento da [minha] mãe, a Guerra,<br />
a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>”, mas também, e<br />
inevitavelmente, “o amor”. E África,<br />
claro: em “Karam” o coro canta mesmo<br />
e em bom inglês “I love Africa”.<br />
A mãe é um assunto que mexe com<br />
ele. “Falo do sofrimento da minha<br />
mãe porque a minha mãe sofreu muito.<br />
O meu pai morreu cedo, quando<br />
eu tinha 16 anos. Somos oito filhos e<br />
este tempo todo ela não aceitou ficar<br />
com outro homem e criou-nos sozinha.<br />
Tenho outro irmão que ficou<br />
doente, teve uma trombo<strong>se</strong> e a minha<br />
mãe sofre com isso”. Em “Na” é para<br />
ela que canta: “Tudo <strong>de</strong> bem ou mal<br />
que possa acontecer neste mundo/<br />
tens <strong>de</strong> aceitar” (canta-o em mandinga<br />
– a tradução é <strong>de</strong>le).<br />
Guitarrista e balafonista <strong>de</strong> excepção,<br />
fez o disco em família: os músicos<br />
“são os amigos”, não obrigatoriamente<br />
griots. Francisco Rebelo, dos<br />
Cacique, o produtor, conhece-o <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
“quando ele estava na [Galeria]<br />
ZDB [em Lisboa]” e dava aulas <strong>de</strong> balafon<br />
lá.<br />
Djabaté escreve a arranja as canções,<br />
que por mais <strong>de</strong>spojadas que<br />
<strong>se</strong>jam encontram <strong>se</strong>mpre um ritmo<br />
simultaneamente dolente e irresistível.<br />
Compõe “nos dois instrumentos<br />
e <strong>de</strong> qualquer forma a qualquer momento”.<br />
Às vezes está a tocar e começa<br />
“a <strong>se</strong>ntir uma coisa boa no<br />
peito”, e então aproveita e não pára<br />
<strong>de</strong> compor. Uma boa parte das canções<br />
estão eivadas <strong>de</strong> tristeza, mas<br />
Kimi rejeita ter um pendor mais melancólico.<br />
“Acho apenas que <strong>se</strong> nota<br />
mais a tristeza que a alegria porque<br />
quando canto coisas tristes canto<br />
como <strong>se</strong> estives<strong>se</strong> a viver o momento”.<br />
Quer “ter uma carreira internacional,<br />
sim”, mas quer acima <strong>de</strong> tudo<br />
“ter uma vida normal <strong>de</strong> griot”. “Não<br />
estou à espera <strong>de</strong> <strong>se</strong>r muito famoso”,<br />
conclui. É que <strong>se</strong> lembra <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
veio. E ainda hoje, <strong>se</strong> lhe perguntarem<br />
quem são os <strong>se</strong>us heróis musicais<br />
não cita Ali Farka Touré ou outro músico<br />
conhecido. Cita os pais. “Aprendi<br />
tudo com eles”, diz, num misto <strong>de</strong><br />
alegria e sauda<strong>de</strong>.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> discos págs. 46 e <strong>se</strong>gs.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 13
PEDRO CUNHA<br />
Teatro<br />
Depois do sucesso da ópera “La Spinalba”,<br />
<strong>de</strong> Francisco António <strong>de</strong> Almeida<br />
(1702-1755), apre<strong>se</strong>ntada em<br />
2008 no Centro Cultural <strong>de</strong> Belém, o<br />
agrupamento os Músicos do Tejo lança-<strong>se</strong><br />
agora em nova aventura no teatro<br />
musical barroco: uma comédia<br />
musical “louca e <strong>se</strong>lvagem” em dialeto<br />
napolitano. Trata-<strong>se</strong> <strong>de</strong> “Lo Frate<br />
‘Nnamorato”, com música <strong>de</strong> Giovanni<br />
Battista Pergolesi (1710-1736) e libreto<br />
<strong>de</strong> Gennaro Fe<strong>de</strong>rico (?-1744),<br />
um advogado que <strong>se</strong> converteu num<br />
dos mais célebres autores <strong>de</strong> comédias<br />
do <strong>se</strong>u tempo. Com direcção musical<br />
do cravista Marcos Magalhães e<br />
direcção cénica <strong>de</strong> Luca Aprea, esta<br />
obra <strong>se</strong>rá apre<strong>se</strong>ntada no CCB a 20,<br />
21 e 22, contando com a participação<br />
dos cantores Eduarda Melo, João Fernan<strong>de</strong>s,<br />
Carlos Guilherme, Sandra<br />
Me<strong>de</strong>iros, Joana Seara, Sara Amorim,<br />
Carla Caramujo e Inês Ma<strong>de</strong>ira.<br />
“Depois <strong>de</strong> termos feito ‘La Spinalba’,<br />
ficámos com vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir às fontes<br />
que po<strong>de</strong>m ter inspirado Francisco<br />
António <strong>de</strong> Almeida, em cuja obra<br />
<strong>se</strong> reconhece muito do estilo napolitano”,<br />
conta Marcos Magalhães ao<br />
Ípsilon. “Qui<strong>se</strong>mos também procurar<br />
as origens <strong>de</strong>s<strong>se</strong> mesmo estilo em Nápoles,<br />
já que este viria <strong>de</strong>pois a <strong>se</strong>r<br />
tão importante no plano internacional.<br />
Vimos partituras <strong>de</strong> Leonardo<br />
Leo, Leonardo Vinci e outros compositores,<br />
mas acabámos por nos <strong>de</strong>cidir<br />
por ‘Lo Frate ‘Nnamorato’, obra estreada<br />
em 1732 que fez imenso sucesso.”<br />
O que atraiu mais o maestro dos<br />
Músicos do Tejo, mentor do projecto<br />
com a cravista Marta Araújo e o actor<br />
e encenador Luca Aprea, foi um libreto<br />
<strong>de</strong> “gran<strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>, com personagens<br />
loucas, imprevisíveis, provocadoras<br />
e mal comportadas” e a<br />
qualida<strong>de</strong>e varieda<strong>de</strong> da música.<br />
“Tem uma enorme quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
árias, minuetos, sicilianas, canções.<br />
Nota-<strong>se</strong> também a influência da mú-<br />
fotografia. © 2009 margarida dias | <strong>de</strong>sign.patricia poção<br />
ESTRUTURA FINANCIADA<br />
O enredo<br />
<strong>se</strong>gue a linha<br />
da comédia <strong>de</strong><br />
enganos<br />
amorosos: um<br />
emaranhado<br />
<strong>de</strong> três<br />
casamentos<br />
arranjados<br />
entre duas<br />
famílias, <strong>de</strong><br />
Nápoles e <strong>de</strong><br />
Roma<br />
APOIOS<br />
14 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
sica popular, há duas árias que são<br />
i<strong>de</strong>ntificadas como ‘canzona’. Stravinsky<br />
aproveitou uma <strong>de</strong>las no bailado<br />
‘Pulcinella’. Acho que em ‘Lo<br />
Frate ‘Nnamorato” existe a mais bela<br />
ária <strong>de</strong> toda a ópera barroca, mas não<br />
vou revelar qual é!”, diz, tentando<br />
criar suspen<strong>se</strong>.<br />
A vida como ela é<br />
O enredo <strong>se</strong>gue a linha da comédia<br />
<strong>de</strong> enganos amorosos e relata um<br />
emaranhado <strong>de</strong> três casamentos arranjados<br />
entre duas famílias, <strong>de</strong> Nápoles<br />
e <strong>de</strong> Roma, que encontra resistência<br />
das três noivas prometidas, já<br />
que todas elas estavam apaixonadas<br />
pelo mesmo jovem.<br />
“À primeira vista parece uma coisa<br />
básica, mas os <strong>se</strong>ntimentos das personagens<br />
são muito mais refinados e<br />
complexos do que parecem. É uma<br />
obra que espelha a vida como ela é,<br />
uma vida que <strong>se</strong>ria riquíssima”, explica<br />
Marcos Magalhães, impressio-<br />
BRASIL<br />
CONTOS EM VIAGEM<br />
OUTRAS ROTAS<br />
30 OUT a DEZ 19<br />
4ª a 6ª às 22h | Sáb. às 17h e 22h<br />
Tel 21 868 92 45<br />
Rua do Açucar, 64<br />
Poço do Bispo<br />
Autocarros 28, 210, 718<br />
www.teatromeridional.net<br />
2009<br />
M/12<br />
“O olhar napolitano<br />
é mais bárbaro. Quer<br />
no passado, quer<br />
agora, há em Nápoles<br />
uma violência real<br />
à qual <strong>se</strong> junta a<br />
pobreza e o medo”<br />
Marcos Magalhães<br />
nado com a cultura napolitana da<br />
época e o modo como <strong>de</strong>u origem à<br />
criação <strong>de</strong> formas artísticas que reflectem<br />
o quotidiano: “É uma atitu<strong>de</strong><br />
fantástica, oposta às convenções da<br />
monumental ópera séria barroca,<br />
com os <strong>se</strong>us temas históricos e mitológicos.”<br />
Luca Aprea acrescenta que “as pessoas<br />
gostavam <strong>de</strong> ver em cena os gestos<br />
do dia a dia, as cantilenas, os refrões,<br />
as histórias do povo, os cantos<br />
antigos” e que neste tipo <strong>de</strong> peças<br />
“são institucionalizadas formas <strong>de</strong><br />
estar, <strong>de</strong> viver e da corporalida<strong>de</strong> do<br />
quotidiano.”<br />
Realça também a forte componente<br />
experimental. “Às vezes temos a<br />
<strong>se</strong>nsação <strong>de</strong> ouvir o libretista e o compositor<br />
a discutir. Fizeram uma peça<br />
sublime, com gran<strong>de</strong> plasticida<strong>de</strong> dos<br />
perfis psicológicos, mas também bárbara<br />
e <strong>se</strong>lvagem. Pensávamos que<br />
íamos encontrar uma catedral nesta<br />
obra, mas <strong>de</strong>parámo-nos com artesãos<br />
barrocos, artesãos que eram geniais.”<br />
Entre as suas personagens preferidas<br />
encontra-<strong>se</strong> D. Pietro, galã meio<br />
louco que fala todas as línguas. “Há<br />
uma das suas árias que costuma <strong>se</strong>r<br />
eliminada na maior parte das produções<br />
por <strong>se</strong>r difícil e porque os cantores<br />
não querem expor-<strong>se</strong>. É uma<br />
ária ‘di risata’ [<strong>de</strong> riso] que vai do registo<br />
grave profundo ao fal<strong>se</strong>te, mas<br />
o João Fernan<strong>de</strong>s vai arriscar o <strong>de</strong>safio<br />
.”<br />
Cantar o verbo<br />
Luca Aprea formou-<strong>se</strong> como actor e<br />
mimo em Nápoles e trabalhou com a<br />
companhia francesa Théâtre du M<strong>ouve</strong>ment,<br />
<strong>se</strong>ndo actualmente professor<br />
<strong>de</strong> Movimento na Escola Superior <strong>de</strong><br />
Teatro e Cinema <strong>de</strong> Lisboa. O trabalho<br />
<strong>de</strong> direcção teatral e o espaço cénico<br />
que <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolveu em “Lo Frate ‘Nnamorato”<br />
é próximo do que realizou<br />
com ‘L’ Spinalba’.<br />
“Não há a ilusão da cenografia, apenas<br />
alguns a<strong>de</strong>reços mínimos. Está<br />
tudo à vista, embora <strong>de</strong>sta vez a orquestra<br />
esteja no fosso. Dá-<strong>se</strong> pleno<br />
espaço aos cantores, ou melhor, aos<br />
intérpretes pois é es<strong>se</strong>ncial que estes<br />
tenham perfil <strong>de</strong> actores. É preciso<br />
dar muito espaço ao verbo no canto,<br />
con<strong>se</strong>guir cantar o verbo e não apenas<br />
as notas. Tal como a gestualida<strong>de</strong>,<br />
a oralida<strong>de</strong> é muito importante, é o<br />
som como i<strong>de</strong>ia.”<br />
Um dos maiores <strong>de</strong>safios <strong>de</strong>sta produção<br />
foi o dialeto napolitano, já que<br />
nenhum dos cantores tinha experiência<br />
nessa área. Marcos Magalhães<br />
consi<strong>de</strong>ra que a sonorida<strong>de</strong> da língua<br />
teve uma influência forte na criação<br />
do estilo musical napolitano. “A maneira<br />
<strong>de</strong> falar solicita um super-<br />
‘legato’ que <strong>de</strong>pois tem um equivalente<br />
no discurso musical.” Uma das<br />
maiores preocupações <strong>de</strong> Luca Aprea<br />
foi que o napolitano não soas<strong>se</strong> italianizado.<br />
“O dialeto é uma forma <strong>de</strong><br />
pensar. Não traduz o italiano, é outra<br />
forma <strong>de</strong> ver a vida. Trata-<strong>se</strong> <strong>de</strong> uma<br />
componente que não é apenas étnica.<br />
O olhar napolitano é mais bárbaro, é<br />
<strong>de</strong>sgrenhado, cabelo <strong>se</strong>m ir ao cabeleireiro!<br />
Quer no passado, quer agora,<br />
há em Nápoles uma violência real —<br />
pior do que a que <strong>se</strong> vê no filme ‘Gomorra’<br />
— à qual <strong>se</strong> junta a pobreza e<br />
o medo. A violência que encontramos<br />
nalgumas formas artísticas é uma violência<br />
lúdica que exorciza.”<br />
Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos págs. 42 e<br />
<strong>se</strong>gs.<br />
A violência lúdica que<br />
exorciza<br />
“Lo Frate ‘Nnamorato”, <strong>de</strong> Pergolesi, é o próximo<br />
<strong>de</strong>safi o dos Músicos do Tejo. Comédia musical em<br />
napolitano habitada por personagens imprevisíveis<br />
e mal comportadas. Cristina Fernan<strong>de</strong>s
SÃO<br />
LUIZ<br />
NOV~O9<br />
27 NOV<br />
HELDER<br />
MOUTINHO<br />
QUE FADO<br />
E ESTE QUE<br />
´<br />
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />
´<br />
TRAGO<br />
SEXTA ÀS 21H00<br />
SALA PRINCIPAL M/3<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
NOV~O9<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640 BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
MANUEL<br />
PAULO<br />
NANCY<br />
VIEIRA<br />
PÁSSARO<br />
CEGO<br />
3O NOV<br />
SEGUNDA ÀS 21H00<br />
SALA PRINCIPAL<br />
APOIO À DIVULGAÇÃO:<br />
CO-PRODUÇÃO:<br />
APOIO À DIVULGAÇÃO:<br />
APOIO:<br />
CO-PRODUÇÃO:<br />
M/3<br />
© Nãna Sousa Dias
Cinema<br />
JOSÉ MANUEL RIBEIRO/REUTERS<br />
16 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
“Dementia 13” (1963)<br />
Coppola ergue ainda hoje a<br />
exemplo os métodos <strong>de</strong> baixo<br />
orçamento <strong>de</strong> Roger Corman – a<br />
que assistiu na primeira pessoa,<br />
porque, tal como Jack Nicholson,<br />
Peter Bogdanovich ou o<br />
argumentista <strong>de</strong> “Chinatown”,<br />
Robert Towne, teve a sua<br />
primeira oportunida<strong>de</strong> na<br />
linha <strong>de</strong> montagem <strong>de</strong> Corman.<br />
Para além <strong>de</strong> trabalhar<br />
com o produtor e realizador<br />
na rodagem <strong>de</strong> “O Terror”<br />
e “O Palácio Maldito”, foi<br />
<strong>se</strong>u assistente em “A Fúria<br />
<strong>de</strong> Vencer” (1963) e nessas<br />
fi lmagens na Irlanda teve a<br />
hipóte<strong>se</strong> <strong>de</strong> rodar a sua primeira<br />
longa: Corman era especialista<br />
em maximizar orçamentos e<br />
<strong>de</strong>ixou Coppola rodar “Dementia<br />
13” com a mesma equipa e<br />
elenco nas pausas <strong>de</strong> “A Fúria <strong>de</strong><br />
Vencer”.<br />
“O Vale do Arco-Íris” (1968)<br />
Foi a primeira experiência <strong>de</strong><br />
O caminho da<br />
Cinco experiências que levaram Francis Ford C<br />
realização <strong>de</strong> Coppola para um<br />
gran<strong>de</strong> estúdio – e, não tives<strong>se</strong><br />
ele <strong>de</strong> pagar uma série <strong>de</strong><br />
dívidas que o levaram a aceitar<br />
“O Padrinho”, teria sido a única.<br />
O musical <strong>de</strong> E. Y. Harburg,<br />
Burton Lane e Fred Saidy fora<br />
um triunfo na Broadway após<br />
a II Guerra, mas chegava ao<br />
cinema fora <strong>de</strong> tempo, com<br />
um orçamento minúsculo e<br />
um elenco encabeçado por<br />
Fred Astaire, em plena cri<strong>se</strong><br />
dos gran<strong>de</strong>s estúdios. Foi a<br />
primeira <strong>de</strong> muitas rodagens<br />
catastrófi cas – mesmo que<br />
Coppola tives<strong>se</strong> jurado nunca<br />
mais <strong>se</strong> meter noutra assim.<br />
A <strong>se</strong>gunda juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Como é que <strong>se</strong> reinicia uma carreira <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> quarenta anos, três Oscares e meia-dúzia <strong>de</strong><br />
clássicos do cinema? A resposta <strong>de</strong> Coppola, quando “Tetro” chega às salas portuguesas:<br />
começar <strong>de</strong> novo como <strong>se</strong> fos<strong>se</strong> um estudante. Será possível? Jorge Mourinha
a in<strong>de</strong>pendência<br />
d Coppola a recomeçar a sua carreira <strong>de</strong> modo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />
“Chove no Meu Coração”<br />
(1969)<br />
Coppola diz que este pequeno<br />
“road movie” que passou<br />
<strong>de</strong>spercebido à altura é a “raiz”<br />
da sua actual técnica <strong>de</strong> rodar<br />
“em movimento”. Uma das<br />
primeiras produções da sua<br />
companhia American Zoetrope<br />
na sua encarnação inicial,<br />
esta história <strong>de</strong> uma dona <strong>de</strong><br />
casa à procura <strong>de</strong> si própria<br />
foi rodada “na estrada” com<br />
uma equipa pequena (da qual<br />
fazia parte George Lucas, que<br />
assinou o “making of”), com um<br />
elenco encabeçado por Shirley<br />
Knight, James Caan e Robert<br />
Duvall, como “exorcismo” da<br />
experiência <strong>de</strong> “O Vale do<br />
Arco-Íris”.<br />
“O Vigilante” (1974)<br />
Talvez o único fi lme que<br />
Coppola con<strong>se</strong>guiu fazer para<br />
um estúdio nos <strong>se</strong>us próprios<br />
termos: rodado entre o primeiro<br />
e o <strong>se</strong>gundo “Padrinhos” e<br />
estreado em plena pós-produção<br />
do <strong>se</strong>gundo, era um guião que<br />
Coppola tinha na gaveta e que<br />
o êxito <strong>de</strong> “O Padrinho” lhe<br />
permitiu montar na Paramount.<br />
Apesar da excelente recepção<br />
crítica e <strong>de</strong> três nomeações<br />
para os Óscares, esta história<br />
claustrofóbica <strong>de</strong> um <strong>de</strong>tective<br />
(Gene Hackman) que sucumbe<br />
à paranóia, abertamente<br />
inspirada pelo “Blow-Up” <strong>de</strong><br />
Antonioni, não registou na<br />
bilheteira.<br />
“Rumble Fish – Juventu<strong>de</strong><br />
Inquieta” (1983)<br />
Provavelmente o maior culto da<br />
longa carreira <strong>de</strong> Coppola, data<br />
<strong>de</strong> um dos períodos “negros” da<br />
sua carreira: rodado e estreado<br />
entre o <strong>de</strong>sastre <strong>de</strong> “Do Fundo do<br />
Coração” (1982) e a controvérsia<br />
<strong>de</strong> “Cotton Club” (1984), é, tal<br />
como “Tetro”, uma história <strong>de</strong><br />
família rodada a preto e branco,<br />
centrada na relação complicada<br />
entre dois irmãos – Matt Dillon<br />
e Mickey Rourke. Adaptando<br />
um romance <strong>de</strong> S. E. Hinton,<br />
“Rumble Fish” é o gémeo negro<br />
<strong>de</strong> “Os Marginais”, fi lmado (na<br />
melhor tradição Corman) ao<br />
mesmo tempo daquele, com a<br />
mesma equipa e alguns actores<br />
em comum. J.M.<br />
e Francis Ford Coppola<br />
É difícil <strong>se</strong>r Francis Ford Coppola.<br />
É o próprio quem o diz ao Ípsilon.<br />
“Hoje, o meu nome só ajuda <strong>se</strong> eu<br />
qui<strong>se</strong>r que me tirem muitas fotos, ou<br />
<strong>se</strong> qui<strong>se</strong>r assinar muitos autógrafos.<br />
A maior parte das vezes é um embaraço<br />
– porque entro numa sala como<br />
<strong>se</strong> fos<strong>se</strong> um fenómeno e não a pessoa<br />
normal que sou...”<br />
O cineasta americano, 70 anos, diz<br />
estas palavras com leve tom <strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>se</strong>ncanto,<br />
ao final da manhã <strong>de</strong> um domingo<br />
cinzento num hotel em Cascais,<br />
ro<strong>de</strong>ado por técnicos que <strong>se</strong> afadigam<br />
a montar e <strong>de</strong>smontar iluminação e<br />
câmaras para entrevistas televisivas,<br />
sob o olhar atento dos relações públicas<br />
do Estoril Film Festival.<br />
Podia <strong>se</strong>r um mero <strong>de</strong>sabafo do autor<br />
dos “Padrinhos”, mas a prova surge<br />
horas mais tar<strong>de</strong>: a sua entrada na<br />
sala <strong>de</strong> imprensa do Centro <strong>de</strong> Congressos<br />
do Estoril é acompanhada por<br />
uma multidão <strong>de</strong> fotógrafos que o voltarão<br />
a ro<strong>de</strong>ar no final da conferência<br />
<strong>de</strong> imprensa, em alguns casos com<br />
DVDs dos <strong>se</strong>us filmes clássicos para<br />
autografar.<br />
Ossos do ofício, diríamos — embora,<br />
alguns minutos antes <strong>de</strong> dizer ao<br />
Ípsilon aquelas palavras, Coppola tives<strong>se</strong><br />
dito igualmente que “nunca<br />
ninguém prometeu que <strong>se</strong>r um artista<br />
implicas<strong>se</strong> também <strong>se</strong>r-<strong>se</strong> rico e<br />
famoso.” Mas es<strong>se</strong> relativo <strong>de</strong>sconforto<br />
com a imagem <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> cineasta<br />
atribuída por filmes como “O Padrinho”<br />
(1972/1974/1990), “Apocalyp<strong>se</strong><br />
Now” (1979) ou “Drácula <strong>de</strong> Bram<br />
Stoker” (1992), é uma das marcas do<br />
Coppola colheita 2009, em Portugal<br />
a apre<strong>se</strong>ntar “Tetro” – o “<strong>se</strong>gundo filme<br />
da minha <strong>se</strong>gunda carreira” (nas<br />
salas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ontem).<br />
Por “<strong>se</strong>gunda carreira”, <strong>de</strong>fine o <strong>se</strong>u<br />
retorno à realização em 2007, após<br />
<strong>de</strong>z anos <strong>se</strong>m filmar, em regime <strong>de</strong><br />
absoluta in<strong>de</strong>pendência – financiando<br />
ele próprio os <strong>se</strong>us filmes com os proveitos<br />
das suas empresas vinícolas e<br />
turísticas, rodando em regime <strong>de</strong><br />
“economia total” fora do sistema <strong>de</strong><br />
estúdios <strong>de</strong>ntro do qual passou a<br />
maior parte do <strong>se</strong>u percurso e com o<br />
qual não quer voltar a ter nada a ver.<br />
Trocou-lhe as voltas<br />
O primeiro filme <strong>de</strong>ssa “<strong>se</strong>gunda carreira”<br />
foi, em 2007, “Uma Segunda<br />
Juventu<strong>de</strong>”. Inspirado numa história<br />
do filósofo Mircea Elia<strong>de</strong>, falava <strong>de</strong><br />
um académico a quem era dada uma<br />
<strong>se</strong>gunda oportunida<strong>de</strong> para viver — e<br />
o paralelo com um cineasta apostado<br />
a dar-<strong>se</strong> a si próprio uma <strong>se</strong>gunda<br />
oportunida<strong>de</strong> não estava longe da<br />
cabeça <strong>de</strong> Coppola.<br />
“Havia <strong>de</strong> facto alguma relevância<br />
na história faustiana <strong>de</strong> um idoso que<br />
volta a <strong>se</strong>r jovem – no fundo, eu queria<br />
voltar a <strong>se</strong>r um estudante <strong>de</strong> cinema,<br />
fazer as coisas que achava que<br />
queria fazer quando tinha 21 anos.<br />
Nessa altura, a carreira que eu tinha<br />
em mente era usar as técnicas <strong>de</strong> pequeno<br />
orçamento do Roger Corman<br />
para fazer filmezinhos <strong>de</strong> autor, e<br />
quando precisas<strong>se</strong> <strong>de</strong> dar <strong>de</strong> comer<br />
aos miúdos, fazia um filme <strong>de</strong> terror...”<br />
Mas a vida trocou-lhe as voltas –<br />
guionista reconhecido em meados<br />
da década <strong>de</strong> 1960, com créditos em<br />
filmes como “Paris Já Está a Ar<strong>de</strong>r?”<br />
ou “Patton”, autor <strong>de</strong> dois “filmes<br />
pequenos” que não registaram (“Dementia<br />
13”, 1963, produzido por Corman,<br />
e “You’re a Big Boy Now”,<br />
1966), viu-<strong>se</strong> promovido a realizador<br />
<strong>de</strong> estúdio à terceira longa, “O Vale<br />
do Arco-Íris” (1968), adaptação <strong>de</strong><br />
um musical da Broadway com Fred<br />
Astaire e Petula Clark que foi uma<br />
experiência <strong>de</strong>sastrosa.<br />
“Dis<strong>se</strong> a mim próprio que não queria<br />
fazer filmes daquela maneira. Imediatamente<br />
a <strong>se</strong>guir fui para a estrada<br />
rodar ‘Chove no Meu Coração’, que<br />
é o exemplo daquilo a que me refiro<br />
quando falo da escola <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong><br />
pequeno orçamento do Roger Corman<br />
– não <strong>se</strong> <strong>de</strong>ita dinheiro à rua,<br />
tem-<strong>se</strong> uma equipa pequena, viaja-<strong>se</strong><br />
com pouco equipamento, está-<strong>se</strong><br />
aberto a todo o tipo <strong>de</strong> coisas que<br />
possam acontecer durante a produção.<br />
E foi precisamente isso a que me<br />
abri quando fui para a Roménia.”<br />
“Chove no Meu Coração” (1969),<br />
contudo, foi o último “filme pequeno”<br />
que Coppola ainda con<strong>se</strong>guiu<br />
fazer. A <strong>se</strong>guir, veio o triunfo improvável<br />
<strong>de</strong> “O Padrinho” e uma das carreiras<br />
mais escrutinadas do cinema<br />
americano dos anos 1970 e 1980, pontuada<br />
pela incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fugir às<br />
estruturas e esquemas dos estúdios.<br />
Agora dizem-me,<br />
‘Você já não<br />
con<strong>se</strong>gue fazer<br />
filmes tão bons<br />
como quando era<br />
mais novo’, e eu<br />
respondo-lhes,<br />
‘mas vocês<br />
também não<br />
gostaram <strong>de</strong>les na<br />
altura!’. Levou<br />
vinte anos para<br />
dizerem que<br />
‘Apocalyp<strong>se</strong> Now’<br />
tinha valor, e<br />
provavelmente vai<br />
levar outros vinte<br />
para admitirem<br />
que ‘Uma<br />
Segunda<br />
Juventu<strong>de</strong>’ é<br />
interessante. Aí<br />
vou estar morto<br />
“Uma Segunda Juventu<strong>de</strong>”, inteiramente<br />
rodado na Roménia, foi o<br />
<strong>se</strong>u regresso, quarenta anos <strong>de</strong>pois,<br />
a essa forma <strong>de</strong> fazer cinema qua<strong>se</strong><br />
improvisada: “Instalei todo o equipamento<br />
<strong>de</strong> que ia precisar num camião,<br />
<strong>de</strong>spachei-o para a Roménia,<br />
contratei apenas técnicos locais.” E<br />
a experiência correu tão bem que<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
NOV~O9<br />
reincidiu com “Tetro”, retendo Mihai<br />
Malaimare Jr., o jovem director <strong>de</strong><br />
fotografia com quem trabalhara em<br />
“Uma Segunda Juventu<strong>de</strong>”, mas rodando<br />
agora na Argentina com uma<br />
equipa local.<br />
Correu bem, diga-<strong>se</strong>, em termos<br />
práticos – porque a recepção crítica<br />
e pública a “Uma Segunda Juven-<br />
Encenação e Interpretação<br />
Gonçalo Waddington<br />
Tiago Rodrigues<br />
Dramaturgia<br />
João Canijo<br />
6 A 22 NOV<br />
O QUE SE LEVA<br />
DESTA VIDA<br />
MUNDO PERFEITO<br />
QUARTA A SÁBADO ÀS 21H00<br />
DOMINGO ÀS 17H30<br />
SALA PRINCIPAL M/12<br />
O MUNDO PERFEITO<br />
É UMA ESTRUTURA<br />
FINANCIADA POR<br />
últimas repre<strong>se</strong>ntações<br />
“Um prato<br />
conta <strong>se</strong>mpre a história<br />
<strong>de</strong> quem o cozinhou”<br />
APOIOS APOIO À<br />
DIVULGAÇÃO<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38 / 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE<br />
E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 17<br />
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />
© Rita Carmo
tu<strong>de</strong>” e a “Tetro” foi tudo menos<br />
unânime.<br />
Coppola não alimenta ilusões:<br />
“Sinto-me confortável com quaisquer<br />
afirmações <strong>de</strong>sagradáveis sobre os<br />
meus filmes porque as tenho ouvido<br />
ao longo <strong>de</strong> toda a minha carreira.<br />
Lembro-me <strong>de</strong> ficar <strong>de</strong>stroçado quando,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter ganho todos os Óscares<br />
por ‘O Padrinho parte II’, ninguém<br />
quis produzir ‘Apocalyp<strong>se</strong><br />
Now’. Tive literalmente <strong>de</strong> investir<br />
tudo o que tinha. E quando o fiz, riram-<strong>se</strong><br />
<strong>de</strong> mim, troçaram do filme,<br />
con<strong>de</strong>naram-no como a obra louca<br />
<strong>de</strong> um megalomaníaco. Agora dizemme,<br />
‘Você já não con<strong>se</strong>gue fazer fil-<br />
18 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
mes tão bons como quando era mais<br />
novo’, e eu respondo-lhes, ‘mas vocês<br />
também não gostaram <strong>de</strong>les na<br />
altura!’. Levou vinte anos para dizerem<br />
que ‘Apocalyp<strong>se</strong> Now’ tinha valor,<br />
e provavelmente vai levar outros<br />
vinte para admitirem que ‘Uma Segunda<br />
Juventu<strong>de</strong>’ é interessante. Aí<br />
vou estar morto – como o Bizet, que<br />
morreu a achar que a ‘Carmen’ era<br />
um fracasso... Mas já não me ralo<br />
com isso. Não tenho agente, nunca<br />
tive, não preciso <strong>de</strong> dinheiro, não<br />
estou a tentar enriquecer, não quero<br />
ter uma carreira, ninguém me telefona<br />
a perguntar <strong>se</strong> quero dirigir o<br />
‘Homem Aranha 3’.”<br />
À maneira<br />
<strong>de</strong> Tennes<strong>se</strong>e Williams<br />
Isto não quer dizer que renegue o que<br />
fez antes – na conferência <strong>de</strong> imprensa,<br />
citaria “O Vigilante” (1974) ou<br />
“Rumble Fish” (1983) como alguns<br />
dos <strong>se</strong>us filmes preferidos <strong>de</strong> entre os<br />
que realizou. E quer “Uma Segunda<br />
Juventu<strong>de</strong>” quer “Tetro” exploram<br />
um regresso à fórmulas clássicas com<br />
as quais cresceu.<br />
“Estou a entrar aos poucos nesta<br />
nova carreira e não posso exactamente<br />
<strong>de</strong>ixar para trás a bagagem que<br />
carrego... Aos vinte anos, estudava<br />
teatro numa escola nos subúrbios <strong>de</strong><br />
Nova Iorque e os <strong>de</strong>u<strong>se</strong>s que admirávamos<br />
eram gente como Tennes<strong>se</strong>e<br />
Williams, Elia Kazan, Marlon Brando...<br />
E nunca tive a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
fazer um filme como ‘Tetro’, que é<br />
mo<strong>de</strong>stamente um filme ‘à maneira<br />
<strong>de</strong>’ Tennes<strong>se</strong>e Williams, alguém que<br />
tanto admiro. Os jovens artistas têm<br />
tendência a copiar os artistas <strong>de</strong> quem<br />
gostam, e ao fazê-lo libertam-<strong>se</strong> <strong>de</strong>ssa<br />
imitação e encontram a sua própria<br />
voz. Eu próprio tenho <strong>de</strong> me libertar<br />
<strong>de</strong>ssa imitação. Claro que não roubei<br />
literalmente — <strong>de</strong>ixei-me inspirar por,<br />
por admiração. Balzac falava do quanto<br />
os escritores mais jovens lhe iam<br />
roubar e <strong>de</strong> como ele gostava disso,<br />
<strong>de</strong> como ele os incentivava porque ao<br />
fazê-lo o tornariam parcialmente<br />
imortal, tal como ele havia feito com<br />
os escritores <strong>de</strong> quem gostava. Quando<br />
vi ‘Blow-Up’ [Michelangelo Antonioni],<br />
dis<strong>se</strong>: ‘quero fazer um filme<br />
assim.’ E fiz ‘O Vigilante’. É maravilhoso<br />
ver-<strong>se</strong> um filme fantástico e <strong>se</strong>rmos<br />
motivados para fazer um filme<br />
por causa disso. E acho isso perfeitamente<br />
legítimo.”<br />
No fundo, trata-<strong>se</strong> <strong>de</strong> per<strong>se</strong>guir<br />
aquilo que motivava Coppola antes<br />
do sucesso <strong>de</strong> “O Padrinho” lhe ter<br />
aberto as portas <strong>de</strong> Hollywood, e da<br />
posterior necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer<br />
filmes “alimentares” para<br />
pagar as contas das apostas<br />
falhadas. E, sobretudo, <strong>de</strong><br />
NUNO FERREIRA SANTOS<br />
“O Padrinho” afastou Coppola,<br />
diz ele, dos filmes <strong>de</strong> pequeno<br />
orçamento que ele queria fazer<br />
— como “Tetro”<br />
Como sou eu que<br />
me financio a<br />
mim próprio, <strong>se</strong>i<br />
que vou encontrar<br />
um otário para<br />
me pagar o<br />
próximo filme.<br />
Mas, para lá disso,<br />
não tenho<br />
certezas – não faço<br />
i<strong>de</strong>ia do que vou<br />
fazer a <strong>se</strong>guir. E<br />
isso é excitante<br />
per<strong>se</strong>guir a sua própria musa, o <strong>se</strong>u<br />
amor do cinema que “Tetro” mostra<br />
(com as suas citações assumidas dos<br />
“Sapatos Vermelhos” e dos “Contos<br />
<strong>de</strong> Hoffman” <strong>de</strong> Michael Powell e<br />
Emeric Pressburger, com o <strong>se</strong>u preto<br />
e branco luminoso herdado do cinema<br />
clássico).<br />
“Uma vez, perguntaram-me como<br />
era possível eu ter feito um filme tão<br />
aclamado como ‘O Padrinho’, e eu<br />
respondi: ‘risco’. Não existe uma fórmula<br />
e é isso que falha actualmente<br />
em Hollywood. Os estúdios acham<br />
que po<strong>de</strong>m inventar uma fórmula que<br />
garanta o sucesso comercial e falham<br />
completamente, mas não aceitam es<strong>se</strong><br />
falhanço.”<br />
Mas não <strong>se</strong> trata <strong>de</strong> per<strong>se</strong>guir o risco<br />
apenas pelo risco, nem <strong>de</strong> reencontrar<br />
um qualquer entusiasmo<br />
perdido - “<strong>se</strong>mpre me mantive em<br />
contacto com o miúdo que fui, pelo<br />
que nunca me preocupei em recuperar<br />
a inocência, o entusiasmo, o prazer.<br />
Sempre os tive. E foi por isso que<br />
me <strong>se</strong>nti tão frustrado ao <strong>se</strong>r um realizador<br />
‘convencional’... Faço filmes<br />
<strong>de</strong> autor porque gosto, porque me dá<br />
prazer. Mas não estou à espera <strong>de</strong><br />
ganhar dinheiro com eles. Distribuí<br />
‘Tetro’ eu próprio e vou ter sorte <strong>se</strong><br />
recuperar o investimento que fiz.”<br />
E para quem faz Coppola estes filmes<br />
<strong>de</strong> autor? “Para um público que<br />
gosta <strong>de</strong> cinema e quer vê-lo <strong>se</strong>guir<br />
caminhos mais variados do que aqueles<br />
que neste momento lhe é permitido<br />
<strong>se</strong>guir [pelos estúdios].” Um<br />
público composto “pelas mesmas<br />
pessoas para quem fiz ‘O Vigilante’<br />
ou ‘Apocalyp<strong>se</strong> Now’, que neles encontraram<br />
algo <strong>de</strong> válido.” Um público<br />
que não conhece apenas o Coppola<br />
<strong>de</strong> “O Padrinho”, e que lhe<br />
prefere o <strong>de</strong> “Rumble Fish”<br />
- que vê<br />
nele um cineasta que, mesmo mes pelo<br />
meio do <strong>de</strong><strong>se</strong>ncanto, continu continua a acre-<br />
ditar que o ci cinema é<br />
mais mai do que<br />
apenas ape uma<br />
boa história<br />
bem be b conta-<br />
da.<br />
E, por<br />
improvável<br />
váve ve v l qque<br />
pareça,<br />
ça ç , Cop Coppola ri-<br />
<strong>se</strong>. “Como sou eu que me m finan-<br />
cio a mim próprio, <strong>se</strong>i que q vou<br />
encontrar um otário para mme<br />
pagar<br />
o próximo filme. Mas, para lá disso,<br />
não tenho certezas – não ffaço<br />
i<strong>de</strong>ia<br />
do que vou fazer a <strong>se</strong>guir. <strong>se</strong>guir E isso é<br />
excitante.”<br />
Ver crítica <strong>de</strong> filmes págs. 53<br />
e <strong>se</strong>gs
© Julien Bourgeois<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
DEZ~O9<br />
CO-PRODUÇÃO:<br />
estreias<br />
internacionais<br />
novas músicas<br />
no são luiz<br />
2 DEZ<br />
QUARTA ÀS 21H00<br />
SALA PRINCIPAL<br />
CO-PRODUÇÃO<br />
SLTM ~ UGURU<br />
M/3<br />
MY<br />
BRIGHTEST<br />
DIAMOND<br />
2 DEZ<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38 / 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE<br />
E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />
CO-PRODUÇÃO:
20 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Exposições<br />
E cinquenta anos d<br />
<strong>Ainda</strong> é uma aven t<br />
“US 285 New<br />
Mexico”, 1955,<br />
e “US 90 en<br />
route to Del<br />
Rio, Texas”,<br />
1955: como a<br />
estrada, o carro<br />
era a viagem<br />
em si a tomar<br />
conta da<br />
narrativa. Os<br />
carros<br />
aparecem<br />
solitários em<br />
estradas,<br />
sobretudo<br />
aparecem<br />
parados como<br />
casas<br />
os am
“O livro <strong>de</strong> fotografia mais importante<br />
<strong>de</strong>pois da <strong>se</strong>gunda Gran<strong>de</strong> Guerra”<br />
Sarah Greenough, curadora da National<br />
Gallery of Art, Washington, no<br />
catálogo “Looking in: Robert Frank’s<br />
The Americans”<br />
“É preciso passar por isto. É o ‘texto’ da<br />
fotografia mo<strong>de</strong>rna.”<br />
Jeff L. Ro<strong>se</strong>nheim, curador do <strong>de</strong>partamento<br />
<strong>de</strong> fotografia do Metropolitan<br />
Mu<strong>se</strong>um, Nova Iorque, ao Ípsilon<br />
“Está <strong>de</strong>cidido: vou voltar a fazer fotografia<br />
a preto e branco!”<br />
Uma visitante da exposição, para uma<br />
amiga<br />
A estrada<br />
– O Truman Capote não tinha razão<br />
quando dis<strong>se</strong> que o “On the Road” era<br />
batido à máquina, não era escrito. –<br />
Sim.<br />
– O Kerouac sabia escrever.<br />
– Sim.<br />
– Ele não sabia era bater à máquina.<br />
As duas mulheres afastam-<strong>se</strong> da vitrine<br />
on<strong>de</strong> está em exposição a primeira<br />
versão da introdução que Jack<br />
Kerouac escreveu para o livro <strong>de</strong> fotografia<br />
“The Americans”. De facto,<br />
Kerouac não sabia bater à máquina:<br />
“what a poem hthis is, what poems<br />
can bet weritten about his boo o of<br />
pictures some day by some some<br />
youn new writer”<br />
É difícil dizer <strong>se</strong> haverá por aqui<br />
poetas, mas há <strong>de</strong> certeza fotógrafos,<br />
e há muitos jovens entre as <strong>de</strong>zenas<br />
<strong>de</strong> pessoas que visitam o Metropolitan<br />
Mu<strong>se</strong>um em Nova Iorque a um dia <strong>de</strong><br />
<strong>se</strong>mana para verem as 83 fotografias<br />
icónicas e outros materiais que contam<br />
a história do livro “The Americans”.<br />
No dia 4 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1957, a vida<br />
<strong>de</strong> Jack Kerouac mudou. Na noite<br />
anterior, Kerouac e a sua namorada,<br />
Joyce Johnson, esperaram na rua pela<br />
edição do dia <strong>se</strong>guinte do “The New<br />
York Times”. A crítica a “On the Road”<br />
(“Pela Estrada Fora”), por Gillbert<br />
Millstein, que <strong>de</strong>voraram, o jornal<br />
ainda quente, proclamava o <strong>se</strong>gundo<br />
romance <strong>de</strong> Kerouac como uma “ocasião<br />
histórica”. Duas <strong>se</strong>manas <strong>de</strong>pois,<br />
Kerouac era a pessoa mais procurada<br />
nos círculos literário, intelectual e<br />
boémio <strong>de</strong> Nova Iorque, quando numa<br />
festa um fotógrafo aborda-o e<br />
pe<strong>de</strong>-lhe uma introdução para o <strong>se</strong>u<br />
livro <strong>de</strong> fotografia.<br />
Encontraram-<strong>se</strong> pouco <strong>de</strong>pois, o<br />
fotógrafo com duas caixas <strong>de</strong> fotografias,<br />
recorda Joyce Johson numa autobiografia.<br />
A primeira fotografia que<br />
Johnson viu foi a imagem <strong>de</strong> uma estrada<br />
“com uma risca branca no meio<br />
que continuava e continuava na direcção<br />
do horizonte escuro”. Pensou:<br />
“A estrada <strong>de</strong> Jack!”<br />
O fotógrafo tinha reconhecido em<br />
Jack Kerouac – e nos escritores Beat<br />
em geral – a qualida<strong>de</strong> das suas imagens:<br />
livres; e ainda que fotográficas,<br />
estavam em movimento.<br />
Kerouac aceitou o convite <strong>de</strong> Robert<br />
Frank, e no <strong>se</strong>u característico<br />
jacto a tinta <strong>de</strong> máquina <strong>de</strong> escrever<br />
<strong>de</strong>screveu a estrada comum: “Estrada-louca<br />
conduzindo os homem em<br />
frente – a estrada louca, solitária, dirigindo<br />
<strong>de</strong>pois da curva para os espaços<br />
abertos até ao horizonte (...)”<br />
Dois anos <strong>de</strong>pois, o mesmo crítico<br />
que tinha posto Kerouac na História<br />
comentava o novo livro <strong>de</strong> fotografia<br />
“The Americans”, no mesmo “New<br />
York Times”. As fotografias, escreveu,<br />
sugeriam uma “violência latente”,<br />
“<strong>de</strong>sconfiança dos <strong>se</strong>us sujeitos”, e<br />
uma “fúria gélida”.<br />
Talvez <strong>se</strong>ja mais fácil aceitar que<br />
um escritor não saiba bater à máquina<br />
do que um fotógrafo não saiba usar<br />
a sua máquina. Outros críticos foram<br />
ainda mais duros e <strong>de</strong>screveram as<br />
fotografias como “<strong>de</strong>scuidadas”, mui-<br />
Na candidatura<br />
à bolsa Guggenheim<br />
[para concretizar<br />
‘The Americans’],<br />
é <strong>de</strong>scrito o que é que<br />
o “naturalizado”<br />
Robert Frank queria<br />
ver na América:<br />
“O tipo <strong>de</strong> civilização<br />
que nasce aqui e<br />
<strong>se</strong> espalha por outros<br />
lugares”<br />
tas vezes <strong>de</strong>sfocadas ou “mal” enquadradas.<br />
O escritor que batia furiosamente<br />
à máquina não sabia – nem queria saber<br />
– <strong>de</strong> técnica <strong>de</strong> fotografia. Intuitivamente,<br />
o julgamento <strong>de</strong>le estava<br />
feito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro encontro com<br />
o fotógrafo: “Robert Frank, suíço, discreto,<br />
amável, com aquela pequena<br />
máquina fotográfica que ele levanta<br />
e dispara com uma mão, sacou um<br />
poema triste directamente da América<br />
para a película, entrando para a<br />
lista dos poetas trágicos do mundo.”<br />
De qualquer forma, quando “The<br />
Americans”, datado <strong>de</strong> 1959, saiu nos<br />
EUA em Janeiro do ano 1960, publicado<br />
com a introdução <strong>de</strong> Kerouac e<br />
com cada uma das 83 fotografias <strong>se</strong>parada<br />
por uma página em branco e<br />
uma legenda minimalista (tinha sido<br />
publicado em França antes numa versão<br />
que Frank não gostava, com longos<br />
textos sobre a América escolhidos<br />
por um francês), já Frank estava mais<br />
preocupado com outro projecto: o<br />
primeiro da sua carreira <strong>de</strong> cineasta<br />
– “Pull My Daisy”, escrito por Jack Kerouac,<br />
e com a participação <strong>de</strong> Ginsberg,<br />
Corso e outros Beat.<br />
A “estrada <strong>de</strong> Jack” é a estrada número<br />
285 dos EUA, a fotografia número<br />
36 <strong>de</strong> “The Americans”. A estrada<br />
está vazia, apenas um carro <strong>se</strong> aproxima<br />
ao fundo. O alcatrão brilha como<br />
<strong>se</strong> o sol brilhas<strong>se</strong>, mas no horizonte<br />
o céu escureceu como <strong>se</strong> já tives<strong>se</strong><br />
feito noite.<br />
Se olharmos para as provas <strong>de</strong> contacto,<br />
também na exposição “Looking<br />
In”, ficamos a saber que nes<strong>se</strong> momento,<br />
o sol brilhava. Mas o que era<br />
mais verda<strong>de</strong>? Que era dia ou que era<br />
noite?<br />
Determinadas verda<strong>de</strong>s – como<br />
Frank, Kerouac também sabia isto –<br />
precisam <strong>de</strong> menos luz: “On<strong>de</strong> vais<br />
América, no teu carro brilhante pela<br />
noite?”<br />
O carro<br />
A primeira coisa que Robert Frank<br />
fez, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> receber o primeiro cheque<br />
da fundação Guggenheim, na<br />
Primavera <strong>de</strong> 1955, foi comprar um<br />
carro – um Ford Business Coupe em<br />
<strong>se</strong>gunda mão.<br />
Depois, partiu para a terra <strong>de</strong> Henry<br />
Ford. A capital da América não era<br />
Washington, D.C. dos políticos, não<br />
era Nova Iorque do “melting pot” cultural;<br />
a capital da América era Detroit<br />
das fábricas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> automóveis.<br />
Como a estrada, o carro era a viagem<br />
em si a tomar conta da narrativa.<br />
Os carros aparecem solitários em estradas,<br />
mas também aparecem como<br />
enquadramentos <strong>de</strong> caras, e sobretudo<br />
aparecem parados como casas.<br />
No final <strong>de</strong>s<strong>se</strong> ano, a sua mulher e<br />
os <strong>se</strong>us dois filhos foram ter com ele.<br />
Mary com Pablo e Andrea a dormir,<br />
<strong>de</strong>ntro do carro, é a última imagem<br />
<strong>de</strong> “The Americans”.<br />
s <strong>de</strong>pois os americanos afl uem em multidão ao Metropolitan Mu<strong>se</strong>um para <strong>se</strong> verem em “The Americans”.<br />
tura atravessar a América, pela estrada fora, com Robert Frank. Susana Moreira Marques, Nova Iorque<br />
Tudo sobre<br />
mericanos<br />
/ 10 companhias<br />
/ 17 apre<strong>se</strong>ntações<br />
/ 3 estreias<br />
/ 2 concertos<br />
/ 4 salas <strong>de</strong> espectáculo<br />
+ ruas <strong>de</strong> Ton<strong>de</strong>la<br />
/ animações teatrais<br />
/ feira do livro lusófono<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 21
“Trolley New<br />
Orleans”,<br />
1955, e<br />
“Charleston<br />
South<br />
Carolina”,<br />
1955: quanto<br />
mais tempo<br />
passava no<br />
Sul, mais<br />
queria<br />
fotografar não<br />
os sinais<br />
exteriores da<br />
<strong>se</strong>gregação,<br />
mas os<br />
interiores - a<br />
forma como<br />
uma negra<br />
pega ao colo<br />
um bebé<br />
branco, por<br />
exemplo<br />
O carro foi, durante um ano, a<br />
casa <strong>de</strong> Robert Frank.<br />
O mapa<br />
Detroit – Nova Iorque – Savannah –<br />
Miami Beach – St. Petersburg – Memphis<br />
– Rio Mississipi – Arkansas – Nova<br />
Orleães – Houston, Texas – Del Rio –<br />
Novo México – Santa Fé – Albuquerque<br />
– Arizona – barragem Hoover – Las<br />
Vegas – Los Angeles – Hollywood – São<br />
Francisco – Reno – Nevada – Salt Lake<br />
City – Butte, Montana – Wyoming –<br />
Omaha – Iowa – Chicago – Indianápolis<br />
– Ohio – Pensilvânia – Nova Iorque<br />
Depois havia o trajecto em cada lugar:<br />
Woolworth’s, para comprar uma<br />
coca-cola – cemitério – campo <strong>de</strong> golfe<br />
– parque – elevadores – estações dos<br />
correios – autocarros – estações <strong>de</strong><br />
comboio.<br />
Com ele, levava um mapa da Associação<br />
Automobilística, anotado por<br />
Walker Evans. Levava ainda o livro da<br />
autoria <strong>de</strong> Evans, “American Photographs”.<br />
Evans tinha sugerido que<br />
Robert Frank fos<strong>se</strong> para Sul. Robert<br />
Frank <strong>se</strong>guiu as instrucções.<br />
Começou por fotografar tabuletas,<br />
sinais <strong>de</strong> “branco” e <strong>de</strong> “negro” ou<br />
“<strong>de</strong> cor”. Fotografou muitos “proibidos”.<br />
Essas fotografias, nas provas <strong>de</strong><br />
contacto, não chegaram à <strong>se</strong>lecção<br />
final. Quanto mais tempo passava no<br />
Sul, mais queria fotografar não os sinais<br />
exteriores da <strong>se</strong>gregação, mas<br />
os interiores: a forma como uma mu-<br />
22 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
lher negra pega num bebé branco.<br />
Se há uma espécie <strong>de</strong> clímax da viagem,<br />
acontece em Nova Orleães. Se<br />
ia avançando para um “estado <strong>de</strong> graça”<br />
com a liberda<strong>de</strong> da viagem, es<strong>se</strong><br />
estado manifestou-<strong>se</strong> particularmente<br />
num único dia em Nova Orleães.<br />
Num único dia, numa única folha <strong>de</strong><br />
provas <strong>de</strong> contacto e numa única tira<br />
– o que “nunca, nunca acontece”,<br />
confessou Frank recentemente numa<br />
entrevista– estão duas fotografias extraordinárias<br />
que <strong>se</strong> <strong>se</strong>guem uma à<br />
outra no livro.<br />
Mas <strong>se</strong>guem-<strong>se</strong> por or<strong>de</strong>m inversa.<br />
A primeira foto tirada é a da multidão<br />
da rua, on<strong>de</strong> <strong>se</strong> distinguem negros a<br />
cruzarem-<strong>se</strong> com brancos numa rua<br />
<strong>de</strong>nsa. Depois <strong>de</strong> tirar essa foto, Frank<br />
voltou-<strong>se</strong> para trás, e por acaso, viu<br />
<strong>de</strong> repente um “trolley” a passar. Não<br />
sabia o que tinha fotografado.<br />
Os passageiros olham pela janela.<br />
Nos primeiros lugares vão brancos;<br />
os lugares <strong>de</strong> trás estão ocupados por<br />
negros; e um <strong>de</strong>les, um homem afroamericano,<br />
procura compaixão na<br />
lente do fotógrafo.<br />
Robert Frank não sabia o que tinha<br />
fotografado, mas três <strong>se</strong>manas <strong>de</strong>pois,<br />
a afro-americana Rosa Parks, em Montgomery,<br />
Alabama, recusava-<strong>se</strong> a ce<strong>de</strong>r<br />
o <strong>se</strong>u lugar a um passageiro branco.<br />
As cartas<br />
Que <strong>se</strong> saiba, Frank não mandou postais.<br />
Fotografou postais – em gran<strong>de</strong><br />
Numa das primeiras<br />
salas da exposição,<br />
um homem pára<br />
e comenta para<br />
a mulher: “Nós ainda<br />
temos o terceiro<br />
mundo aqui,<br />
o problema é que não<br />
<strong>se</strong> vê <strong>de</strong> Park Avenue”<br />
plano, sobre uma banca, com um carro<br />
em fundo, uma imagem que imprimiu,<br />
mas que, finalmente, <strong>de</strong>cidiu<br />
não incluir no livro. Os postais ilustram<br />
mais do que o lugar on<strong>de</strong> o visitante<br />
está – um “canyon”, a barragem<br />
Hoover; ilustram as ob<strong>se</strong>ssões americanas:<br />
ven<strong>de</strong>m-<strong>se</strong> postais da nuvem<br />
em forma <strong>de</strong> cogumelo.<br />
O medo era fotografável nos EUA.<br />
O medo <strong>de</strong> um negro <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntar no<br />
branco da frente quando Robert<br />
Frank lhe abre a porta para lhe dar<br />
boleia; mas também o medo <strong>de</strong> uma<br />
ameaça mais distante, e no entanto,<br />
concreta.<br />
- Você é um “commie”?<br />
- Não.<br />
- Você sabe o que é um “commie”?<br />
- Sim.<br />
Isto é uma parte <strong>de</strong> um diálogo entre<br />
um polícia e Robert Frank em Mc-<br />
Gehee, Arkansas. Era a <strong>se</strong>gunda vez,<br />
durante a viagem, que Frank era preso.<br />
Foi <strong>de</strong>tido porque o <strong>se</strong>u carro tinha<br />
matrícula <strong>de</strong> Nova Iorque e ele<br />
era um estrangeiro. As cartas <strong>de</strong> apoio<br />
que trazia consigo não o ajudaram:<br />
– Estou a viajar com o apoio <strong>de</strong> uma<br />
bolsa Guggenheim.<br />
– Guggenheim, quem é es<strong>se</strong>?<br />
Uma das cartas <strong>de</strong> recomendação,<br />
<strong>de</strong> Alexey Brodovitch, director <strong>de</strong> arte<br />
da revista “Harper’s Bazaar”, <strong>de</strong>u<br />
direito a mais algumas horas na prisão,<br />
porque Brodovitch soava russo.<br />
Frank foi finalmente libertado <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> ter sido cadastrado. Foi, escreveu<br />
numa carta a Walker Evans,<br />
“a experiência mais humilhante que<br />
tive até agora.”<br />
O hotel<br />
“Não h<strong>ouve</strong> mais prisões <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
viajo en famille”, escreveu mais tar<strong>de</strong><br />
para <strong>de</strong>ixar Walker Evans <strong>de</strong>scansado.<br />
A carta vinha escrita em papel <strong>de</strong><br />
carta do Hotel Ro<strong>se</strong>well, Del Rio, Texas.<br />
Frank sabia que Evans ia gostar<br />
<strong>de</strong> receber os papéis <strong>de</strong> carta com<br />
“Para<strong>de</strong><br />
Hoboken New<br />
Jer<strong>se</strong>y”
publicida<strong>de</strong> e mapas e <strong>de</strong><strong>se</strong>nhos nas<br />
margens.<br />
O fotógrafo <strong>de</strong> “Let Us Now Prai<strong>se</strong><br />
Famous Men” tinha ajudado o mais<br />
jovem Frank a con<strong>se</strong>guir a bolsa Guggenheim.<br />
Evans admirava o trabalho<br />
<strong>de</strong> Frank e chegou a escrever uma<br />
introdução para o projecto “The Americans”.<br />
Frank preferiu não publicar<br />
o texto, que saiu entretanto na antologia<br />
“U.S. Camera Annual” <strong>de</strong> 58.<br />
Evans continuou a apreciar o trabalho<br />
<strong>de</strong> Frank: “Tenho que admitir<br />
que, <strong>se</strong>jam qual forem os <strong>de</strong>u<strong>se</strong>s que<br />
enviaram Robert Frank, assim tão armado,<br />
através <strong>de</strong>ste país, fizeram-no<br />
com um certo sorriso.”<br />
Evans sabia que Robert Frank era<br />
outro tipo <strong>de</strong> fotógrafo. Viajar e fotografar<br />
o país não era nada <strong>de</strong> original,<br />
Evans tinha-o feito antes. Mas Evans<br />
tinha documentado os anos 30. E<br />
Frank viajava nos anos 50 e não era<br />
documentar a acção que mais o preocupava.<br />
“Mon cher profes<strong>se</strong>ur”, começa<br />
carinhosamente Frank num papel <strong>de</strong><br />
carta do Hotel Finlen:<br />
“A noite passada num bar em Butte<br />
vi este cartaz na pare<strong>de</strong>: ‘A única pos<strong>se</strong><br />
que o governo não po<strong>de</strong> taxar é o<br />
teu pénis. 90% do tempo está fora <strong>de</strong><br />
<strong>se</strong>rviço. 10% do tempo está num buraco<br />
e tem dois <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes (…)’ Se<br />
não pu<strong>de</strong>s<strong>se</strong> rir-me, estaria a chorar<br />
todo o tempo, boa sorte, Robert.”<br />
De Butte, Montana, há apenas uma<br />
fotografia em “The Americans”, tirada<br />
da janela do quarto no hotel Finlen.<br />
Não há ninguém na rua la<strong>de</strong>ada<br />
<strong>de</strong> casas baixas, e vê-<strong>se</strong> a cida<strong>de</strong> a <strong>de</strong><strong>se</strong>mbocar<br />
numa mina <strong>de</strong> cobre.<br />
O americano<br />
Antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a Europa, Robert<br />
Frank preparou um portfolio para<br />
mostrar a editores e tentar arranjar<br />
trabalho quando chegas<strong>se</strong> ao EUA. O<br />
portfolio chamava-<strong>se</strong> “40 fotos” e tinha<br />
40 fotos, qua<strong>se</strong> todas da Suíça.<br />
A imagem que fecha o portfolio é<br />
Porque a América é,<br />
50 anos <strong>de</strong>pois, tão<br />
dividida como antes,<br />
ou simplesmente<br />
porque é <strong>de</strong>masiado<br />
vasta, a verda<strong>de</strong> é que<br />
os americanos<br />
nunca inteiramente<br />
conhecerão<br />
à América. E nunca<br />
po<strong>de</strong>rão respon<strong>de</strong>r<br />
à questão: quem são?<br />
um auto-retrato. O jovem Robert<br />
Frank no topo <strong>de</strong> uma montanha olha<br />
para trás, para a câmara, mas <strong>se</strong>m<br />
parar o movimento da escalada. As<br />
montanhas, para escalar ou esquiar,<br />
são as melhores recordações que tem<br />
da Suíça.<br />
Robert Louis Frank nasceu em Zurique,<br />
Suíça, em 1924, mas só aos 21<br />
anos é que <strong>se</strong> tornou cidadão suíço.<br />
A mãe era suíça, mas o pai era alemão,<br />
e quando, em 1939, os ju<strong>de</strong>us<br />
alemães per<strong>de</strong>ram o direito à nacionalida<strong>de</strong>,<br />
tanto Frank como os <strong>se</strong>us<br />
filhos <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ter Estado.<br />
Quando a guerra acabou e as fronteiras<br />
<strong>se</strong> abriram, Robert Frank partiu<br />
para ver mundo. Em Paris não arranjou<br />
trabalho e esperou pela oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> imigrar para os EUA. Quando,<br />
em 1947, chegou a Nova Iorque,<br />
no S.S. James Bennett Moore, não<br />
pensava ficar para o resto da vida.<br />
Quando <strong>se</strong> candidatou à bolsa da<br />
Fundação Guggenheim <strong>se</strong>te anos <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> chegar à América, escreveu<br />
– ou melhor, Walker Evans reescreveu<br />
– que o projecto <strong>se</strong>ria o olhar <strong>de</strong> um<br />
“americano naturalizado” sobre o <strong>se</strong>u<br />
novo país. Mas Robert Frank não <strong>se</strong><br />
tinha ainda naturalizado. Só em 1963<br />
con<strong>se</strong>guiu a cidadania americana e a<br />
resposta <strong>de</strong>le foi: “Ich bin ein Amerikaner”.<br />
O comentário parodiava o Presi<strong>de</strong>nte<br />
John F. Kennedy em Berlim<br />
Oci<strong>de</strong>ntal – “Ich bin ein Berliner” -,<br />
alguns me<strong>se</strong>s antes, não muito <strong>de</strong>pois<br />
do Muro ter sido erguido.<br />
Na candidatura à bolsa Guggenheim,<br />
é <strong>de</strong>scrito o que é que este<br />
“naturalizado” queria ver na América:<br />
“O tipo <strong>de</strong> civilização que nasce aqui<br />
e <strong>se</strong> espalha por outros lugares”.<br />
A América tornava-<strong>se</strong> o país mais<br />
importante do século XX, e <strong>de</strong>ixava<br />
<strong>de</strong> pertencer exclusivamente aos<br />
americanos. Éramos, em todas as línguas,<br />
americanos.<br />
Os americanos<br />
As pessoas que vieram para a “tour”<br />
do curador Jeff L. Ro<strong>se</strong>nheim pela exposição<br />
no Met, qua<strong>se</strong> não cabem na<br />
primeira sala.<br />
“Isto é um recor<strong>de</strong>”, comenta. “Vocês<br />
são pelo menos cinquenta.” Ro<strong>se</strong>nheim<br />
berra a sua introdução para<br />
<strong>se</strong> fazer ouvir: “Isto é mais um livro<br />
<strong>de</strong> poesia embora lhe chamem reportagem.”<br />
Está qua<strong>se</strong> encostado à pare<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> estão as impressões <strong>de</strong> trabalho<br />
que Robert Frank juntou <strong>de</strong><br />
propósito para esta exposição, para<br />
que os visitantes percebam o processo<br />
<strong>de</strong> reduzir 1000 impressões (esco-<br />
lhidas das mais <strong>de</strong> 27 mil fotografias<br />
que tirou ao longo <strong>de</strong> 10 mil milhas<br />
<strong>de</strong> viagem) para as 83 fotografias que<br />
<strong>se</strong> espalham, na exacta <strong>se</strong>quência do<br />
livro, pelas salas.<br />
“Inicialmente ele dividiu o livro em<br />
quatro capítulos”, continua Ro<strong>se</strong>nheim,<br />
apontando para a maquete<br />
inicial <strong>de</strong> “The Americans”, “mas <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong>cidiu que não queria criar es<strong>se</strong><br />
tipo <strong>de</strong> estrutura. É uma só coisa,<br />
um <strong>se</strong>ntimento.”<br />
Os cinquenta vão <strong>se</strong>guindo o curador<br />
como po<strong>de</strong>m pelas salas: “negros<br />
e brancos”; “pobres e ricos”; “urbano<br />
e rural” – aponta Ro<strong>se</strong>nheim.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, ao Ípsilon, Ro<strong>se</strong>nheim<br />
<strong>de</strong>screveu estes contrastes como “rachas”<br />
que começavam aparecer no<br />
dia-a-dia impecável da América. Só<br />
uma câmara fotográfica, sugeriu Ro<strong>se</strong>nheim,<br />
podia apanhar a subtileza<br />
com que a América <strong>se</strong> transformava.<br />
Robert Frank concordou, ao fim <strong>de</strong><br />
50 anos, com uma exposição inteiramente<br />
<strong>de</strong>dicada à série “The Americans”,<br />
mas Ro<strong>se</strong>nheim não sabe porquê.<br />
Até aqui, Frank nunca quis contribuir<br />
para estatudo icónico <strong>de</strong> “The<br />
Americans”.<br />
Quando o livro foi feito, há precisamente<br />
50 anos atrás, e precisamente<br />
como ele queria – simplesmente um<br />
conjunto <strong>de</strong> imagens –, o trabalho em<br />
“The Americans”, para ele, acabou.<br />
Frank <strong>se</strong>guiu viagem. Como dis<strong>se</strong><br />
num evento com a curadora Sarah<br />
Greenough quando a exposição inaugurou<br />
em Washington no início do<br />
ano, a “vida é muito mais interessante<br />
quando <strong>se</strong> move ou nós nos movemos.”<br />
A maior parte <strong>de</strong> nós continua a<br />
surpreen<strong>de</strong>r-<strong>se</strong> com as <strong>de</strong>scobertas<br />
<strong>de</strong> Frank. De volta a uma das primeiras<br />
salas da exposição, um homem<br />
pára junto das provas <strong>de</strong> contacto e<br />
comenta para a mulher: “Nós ainda<br />
temos o terceiro mundo aqui, o problema<br />
é que não <strong>se</strong> vê <strong>de</strong> Park Avenue.”<br />
Porque a América é, 50 anos <strong>de</strong>pois,<br />
tão dividida como em 59, ou<br />
simplesmente porque é <strong>de</strong>masiado<br />
vasta, a verda<strong>de</strong> é que os americanos<br />
nunca inteiramente conhecerão à<br />
América. E nunca po<strong>de</strong>rão respon<strong>de</strong>r<br />
à questão: quem são?<br />
Frank nunca tentou. As fotografias<br />
<strong>de</strong>le só levantam perguntas: quem é<br />
aquela mulher no elevador que Kerouac<br />
quis conhecer na sua introdução?<br />
Porque é que aquele homem passa<br />
o dia em pé na rua a distribuir folhetos<br />
religiosos?<br />
Por quem reza o negro que <strong>se</strong> ajoelha<br />
todo <strong>de</strong> branco no Mississipi?<br />
Mais do que uma história colectiva,<br />
“The Americans” conta a história <strong>de</strong><br />
cada um. Mesmo quando os americanos<br />
<strong>se</strong> <strong>se</strong>ntam lado a lado num balcão<br />
<strong>de</strong> um típico café americano, no meio<br />
da estrada ou no centro da cida<strong>de</strong>, as<br />
histórias não <strong>se</strong> cruzam.<br />
Como escreveu Kerouac sobre a<br />
fotografia do engraxador <strong>de</strong> sapatos<br />
e o <strong>se</strong>u cliente numa casa <strong>de</strong> banho<br />
pública, algumas <strong>de</strong>stas imagens são<br />
possivelmente as imagens “mais solitárias<br />
algumas vez feitas”.<br />
As fotografi as<br />
Podia-<strong>se</strong> dizer das fotografias <strong>de</strong> Robert<br />
Frank o que ele dis<strong>se</strong> sobre as<br />
fotografias do amigo suíço Gotthard<br />
Schuh numa carta que lhe enviou:<br />
“They are – Not words – ” Não são<br />
palavras.<br />
Michel Schweizer<br />
BLEIB opus #3<br />
Co-apre<strong>se</strong>ntação alkantara festival,<br />
21 e 22 Novembro 21h30<br />
12€ M/12<br />
www.teatromariamatos.pt<br />
Bilhetes à venda:<br />
Teatro Maria Matos 218 438 801<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
DEZ~O9<br />
festival Temps d’Images, Teatro Maria Matos<br />
3 DEZ<br />
PEDRO<br />
BARROSO<br />
4O ANOS<br />
DE MÚSICAS<br />
E PALAVRAS<br />
QUINTA ÀS 21H00<br />
SALA PRINCIPAL M/3<br />
teatro<br />
(Bordéus)<br />
menores<br />
30 anos<br />
5€<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 23<br />
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT
PEDRO CUNHA<br />
David Claerbout<br />
quer mostrar imagens<br />
impossíveis <strong>de</strong> esquecer<br />
Alguém escureceu as principais salas<br />
do Mu<strong>se</strong>u do Chiado. Pelo chão arrastam-<strong>se</strong><br />
cabos e ferramentas e ao fundo<br />
dois técnicos põem a funcionar um<br />
projector. Não há qualquer azáfama<br />
ou pressa. Apenas o ritmo habitual<br />
da montagem <strong>de</strong> uma exposição. A<br />
luz – ou gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>la – vem das<br />
imagens e permite i<strong>de</strong>ntificar um vulto<br />
que as ob<strong>se</strong>rva <strong>de</strong>sinteressado. É<br />
David Claerbout, o responsável por<br />
esta transformação, o artista, que espera<br />
alguém.<br />
Quem viu no ano passado, no Centro<br />
<strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna da Fundação<br />
Calouste Gulbenkian, a colectiva “Ida<br />
e Volta: Ficção e Realida<strong>de</strong>”, com<br />
24 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Fotografi as que trazem a animação <strong>de</strong> volta. Filmes que são experiências <strong>se</strong>nsoriais. M<br />
A obra <strong>de</strong> David Claerbout en<strong>de</strong>reça, no Mu<strong>se</strong>u do Chiado, um convite gentil a<br />
obras <strong>de</strong> vários autores que trabalham<br />
com a imagem em movimento, lembrar-<strong>se</strong>-á<br />
provavelmente <strong>de</strong> “Sections<br />
of a Happy Moment”. Era, digamos<br />
assim, uma das propostas mais “acessíveis”:<br />
<strong>de</strong>screvia um momento <strong>de</strong><br />
lazer <strong>de</strong> uma família oriental a partir<br />
<strong>de</strong> múltiplas perspectivas. Um momento<br />
apanhado na sua tridimensionalida<strong>de</strong>.<br />
Situada nas zonas cinzentas da fotografia<br />
e do filme, a produção artística<br />
<strong>de</strong> David Claerbout (que já expôs<br />
no Centre Pompidou, em Paris, e no<br />
Mu<strong>se</strong>um Boijmans Van Beuningen,<br />
em Roterdão, entre outras instituições<br />
<strong>de</strong> arte) revela-<strong>se</strong>, <strong>de</strong> facto, num pri-<br />
meiro momento, “acessível”, isto é,<br />
familiar. Mas a impressão é traiçoeira.<br />
O que as suas imagens fazem é sobretudo<br />
<strong>de</strong>ter o espectador.<br />
Pintura, fotografi a, ví<strong>de</strong>o<br />
A exposição no Mu<strong>se</strong>u do Chiado –<br />
realizado no âmbito do Festival Temps<br />
d’Images – reúne vi<strong>de</strong>oprojecções e<br />
uma instalação e percorre vários momentos<br />
do percurso <strong>de</strong>ste artista flamengo<br />
que, curiosamente, começou<br />
por estudar pintura: “Faço parte <strong>de</strong><br />
uma das últimas gerações <strong>de</strong> artistas<br />
belgas vindas <strong>de</strong> um contexto muito<br />
con<strong>se</strong>rvador e dominado por uma<br />
forte tradição académica. Foi uma<br />
situação frustrante, passávamos a<br />
maior parte do tempo a <strong>de</strong><strong>se</strong>nhar nus,<br />
mas <strong>de</strong>u-me uma ba<strong>se</strong> saudável para<br />
a pesquisa e o confronto”.<br />
Claerbout chegou, inclusive, a formar-<strong>se</strong><br />
em litografia, mas rapidamente<br />
<strong>se</strong> apaixonou pela fotografia, embora<br />
na condição <strong>de</strong> um amador, <strong>de</strong><br />
um não especialista. “Quando comecei<br />
a trabalhar com o medium, limitava-me<br />
a recolher material para usar<br />
na pintura e no <strong>de</strong><strong>se</strong>nho. Não me interessa<br />
a fotografia em si mesma. Mais<br />
tar<strong>de</strong>, então, <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolvi um trabalho<br />
<strong>de</strong> autodidacta, entre o coleccionador<br />
<strong>de</strong> fotografia e o artista que trabalhava<br />
com a fotografia”.<br />
A mesma abordagem intuitiva <strong>se</strong>ria<br />
utilizada na composição e edição <strong>de</strong><br />
imagens em movimento enquanto<br />
para trás ficava o fazer artesanal herdado<br />
das disciplinas tradicionais.<br />
Com poucos conhecimentos técnicos,<br />
“mas com muitas i<strong>de</strong>ias e um interes<strong>se</strong><br />
apaixonado”, Claerbout abraçava<br />
<strong>de</strong>finitivamente os novos media (<strong>de</strong>ste<br />
período “iniciático” po<strong>de</strong>mos ver<br />
no mu<strong>se</strong>u “Kin<strong>de</strong>garten Antonio<br />
Sant’Elia 1932”, <strong>de</strong> 1998).<br />
A <strong>de</strong>cisão funcionou a <strong>se</strong>u favor:<br />
“Criei o meu próprio estúdio e adquiri<br />
um conhecimento mais profundo<br />
dos processos da imagem fotográfica<br />
e do filme, mas fi-lo <strong>de</strong> forma muito<br />
“Arena”,<br />
sucessão <strong>de</strong><br />
cenas <strong>de</strong> um<br />
instante <strong>de</strong><br />
um jogo <strong>de</strong><br />
basquetebol
. Momentos que explo<strong>de</strong>m em imagens diferentes.<br />
l aos nossos <strong>se</strong>ntidos. José Marmeleira<br />
pessoal”, nota. Acrescenta: “Talvez<br />
por isso tendo a pensar imagem como<br />
um <strong>de</strong><strong>se</strong>nho, uma arquitectura. Se<br />
não tiver autorida<strong>de</strong>, em termos <strong>de</strong><br />
composição, não sobrevive. Talvez<br />
haja uma influência do pictórico no<br />
meu conceito <strong>de</strong> composição”.<br />
Na verda<strong>de</strong>, a pintura não <strong>de</strong>sapareceu<br />
totalmente da obra <strong>de</strong> Claerbout.<br />
Basta reparar na pre<strong>se</strong>nça da<br />
paisagem, no uso da luz em “Riversi<strong>de</strong>”,<br />
<strong>de</strong> 2009, ou em “Vietnam, 1967,<br />
near Duc Pho (reconstruction after<br />
Hiromichi Mine)”, <strong>de</strong> 2001. “Forma,<br />
com certeza, parte <strong>de</strong> um triângulo<br />
na minha obra, ao lado da fotografia<br />
e do filme”, admite. “O meu trabalho<br />
tem, aliás, essas três dimensões: é<br />
pictórico, porque não tenho comigo<br />
a experiência da pintura e do <strong>de</strong><strong>se</strong>nho,<br />
é fotográfico e até certo ponto<br />
narrativo”.<br />
Homenagem ao mo<strong>de</strong>rnismo<br />
Tempo então para confrontar o artista<br />
com o cinema. Afinal, até on<strong>de</strong> vai<br />
a sua relação com o universo cinematográfico?<br />
“Sempre tive uma relação<br />
<strong>de</strong> ódio/amor”, lamenta, num tom<br />
lacónico. “Na minha opinião, a liberda<strong>de</strong><br />
artística no cinema tem diminuído<br />
e as formas convencionais <strong>de</strong> produção<br />
dão origem a cada vez menos<br />
obras <strong>de</strong> arte. Claro que continuam a<br />
existir gran<strong>de</strong>s autores, mas vivem<br />
sob a pressão do lucro e da distribuição”.<br />
Pedimos-lhe para citar um ou dois<br />
e aponta o nome do realizador iraniano<br />
Abbas Kiarostami. É, porém, sobre<br />
Robert Bresson, um cineasta já <strong>de</strong>saparecido,<br />
que prefere conversar:<br />
“Adoro o cinema <strong>de</strong>le. Mostra como<br />
a artificialida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ter um enorme<br />
po<strong>de</strong>r. De alguma forma ecoa no meu<br />
trabalho, pelo <strong>se</strong>u lado arcaico, a sua<br />
rigi<strong>de</strong>z e construção. Dou-me conta<br />
<strong>de</strong>ssas <strong>se</strong>melhanças, pela importância<br />
que dou à composição, à coreografia<br />
entre os lugares e as figuras humanas.<br />
É um cinema que parece hoje muito<br />
antiquado, mas tem uma força muito<br />
comovente”.<br />
No campo da fotografia, elege Jeff<br />
Wall e Steven Shore embora a sua fotografia<br />
procure outros motivos. A<br />
arquitectura mo<strong>de</strong>rnista, por exemplo,<br />
que vemos em “Bor<strong>de</strong>aux Piece”<br />
(2004) ou em “Shadow Piece“<br />
(2005).<br />
“A arquitectura no meu trabalho<br />
apareceu <strong>de</strong> forma natural, quando<br />
coleccionava fotografia”, esclarece.<br />
“O que <strong>de</strong> facto me interessa é a fotografia<br />
da arquitectura, a forma como<br />
novos ambientes e contextos são<br />
apre<strong>se</strong>ntados nas suas fa<strong>se</strong>s iniciais.<br />
“Quando faço um<br />
trabalho, tenho em<br />
conta a experiência<br />
do espectador na<br />
galeria ou no mu<strong>se</strong>u.<br />
Claro que certa obra<br />
po<strong>de</strong> passar<br />
<strong>de</strong>spercebida ou<br />
esquecida. Po<strong>de</strong> até<br />
excluir o espectador,<br />
mas <strong>se</strong> este <strong>se</strong> abrir<br />
à imagem po<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scobrir o que<br />
encontramos nos<br />
filmes do Bresson:<br />
uma <strong>se</strong>nsação <strong>de</strong><br />
espaço, duração<br />
e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconexão,<br />
uma imagem que é<br />
impossível esquecer”<br />
Basicamente, a fotografia da arquitectura<br />
é um pouco como a fotografia do<br />
casamento. Quando as olhamos trinta<br />
anos <strong>de</strong>pois parecem menos atraentes,<br />
mas não menos tocantes”.<br />
Não escon<strong>de</strong> o fascínio pela posição<br />
“exemplar, qua<strong>se</strong> utópica” da figura<br />
humana diante dos edifícios e dos<br />
ambientes urbanos do mo<strong>de</strong>rnismo;<br />
pela relação da figura humana com o<br />
espaço e a vida. “Faço uma homenagem,<br />
uma homenagem com um comentário:<br />
quando uso fotografias<br />
antigas que repre<strong>se</strong>ntam o mo<strong>de</strong>rnismo,<br />
é porque este está velho, abandonado<br />
e esquecido. Já não é a situação<br />
dominante”.<br />
Imagens e luz<br />
É no âmbito <strong>de</strong>sta posição que po<strong>de</strong><br />
<strong>se</strong>r entendido o modo crítico como<br />
olha a produção <strong>de</strong> imagens na contemporaneida<strong>de</strong>.<br />
“Uma das coisas<br />
que me entristece quando colocamos<br />
uma câmara <strong>de</strong> filmar diante <strong>de</strong> uma<br />
paisagem, é que rapidamente transformamos<br />
esta numa coisa plana.<br />
Criamos uma memória fraca <strong>de</strong> uma<br />
imagem forte. Gosto <strong>de</strong> contrariar isso.<br />
Não que consi<strong>de</strong>re os meus ví<strong>de</strong>os<br />
Através<br />
da luz, do<br />
tempo, do<br />
som, da<br />
coreografi a, o<br />
belga<br />
proporciona<br />
experiências<br />
mais<br />
<strong>se</strong>nsoriais do<br />
que as <strong>de</strong> uma<br />
imagem plana<br />
Exposições<br />
esculturas, mas através da luz, do<br />
tempo, do som, da coreografia que<br />
acontece entre as figuras e os edifícios,<br />
procuro proporcionar experiências<br />
mais <strong>se</strong>nsoriais, concretas”.<br />
A fotografia é muitas vezes o meio<br />
para chegar a estas imagens, não só<br />
através dos conceitos e das i<strong>de</strong>ias,<br />
mas <strong>de</strong> um minucioso trabalho <strong>de</strong><br />
composição sobre o espaço. Por<br />
exemplo, “Arena”, sucessão <strong>de</strong> cenas<br />
<strong>de</strong> um instante <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> basquetebol:<br />
“Fiz 500 imagens diferentes <strong>de</strong><br />
um só momento, o que à partida parece<br />
impossível. Mas através <strong>de</strong> um<br />
longo e complexo processo <strong>de</strong> composição,<br />
criei um espaço tridimensional<br />
que a visão fotográfica não con<strong>se</strong>gue<br />
apreen<strong>de</strong>r. Um espaço que, como<br />
certos momentos importantes da nossa<br />
vida, não con<strong>se</strong>guimos <strong>de</strong>terminar,<br />
fixar. É es<strong>se</strong> espaço procuro ‘esculpir’”.<br />
E a manipulação vai mais longe<br />
quando sugere o movimento na fotografia<br />
e a suspensão do movimento<br />
no filme. “Tem a ver com a forma como<br />
olhamos para as coisas. Mas ao<br />
mesmo tempo”, sublinha, “também<br />
não é nada <strong>de</strong> original. Remete para<br />
um prática que pertence às origens<br />
do cinema não enquanto narrativa,<br />
mas enquanto animação. Traz a animação<br />
<strong>de</strong> volta”.<br />
Nestas <strong>de</strong>slocações entre a fotografia<br />
o filme, é provável que o espectador<br />
<strong>se</strong> <strong>de</strong>soriente. Ou que não <strong>se</strong> queira<br />
<strong>de</strong>ter. “Quando faço um trabalho,<br />
tenho <strong>se</strong>mpre em conta a experiência<br />
do espectador na galeria ou no mu<strong>se</strong>u.<br />
Claro que certa obra po<strong>de</strong> passar<br />
<strong>de</strong>spercebida ou esquecida. Po<strong>de</strong> até<br />
excluir o espectador, mas <strong>se</strong> este <strong>se</strong><br />
abrir à imagem po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir o que<br />
encontramos nos filmes do Bresson:<br />
uma <strong>se</strong>nsação <strong>de</strong> espaço, duração e<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconexão, uma imagem que é<br />
impossível esquecer”.<br />
A luz é fundamental para este encontro<br />
e torna-<strong>se</strong> mais pre<strong>se</strong>nte à medida<br />
que os vi<strong>de</strong>oprojectores vão iluminado<br />
a escuridão, <strong>de</strong>ixando entrever,<br />
através <strong>de</strong> uma porta<br />
envidraçada, ao fundo, uma imagem<br />
em movimento. É então que David<br />
Clarbou aproveita para comentar:<br />
“[Os vi<strong>de</strong>oprojectores] existem para<br />
mim a um nível existencial, repre<strong>se</strong>ntam<br />
o sol. Num espaço escuro, <strong>se</strong> existir<br />
um raio <strong>de</strong> luz é este que permite<br />
às pessoas moverem-<strong>se</strong>. Traz vida ao<br />
espaço como o sol. E em algumas<br />
obras <strong>de</strong>sta exposição es<strong>se</strong> é um fenómeno<br />
muito importante”.<br />
Ver crítica <strong>de</strong> exposições pags. 38 e <strong>se</strong>gs.<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
NOV~O9<br />
24, 25 E 26 NOV<br />
ESPECTÁCULOS<br />
SESSÕES COMPETITIVAS<br />
SESSÕES ESPECIAIS<br />
PERFORMANCES<br />
INSTALAÇÕES<br />
WORKSHOPS<br />
MASTERCLASSES<br />
SALA PRINCIPAL E JARDIM DE INVERNO<br />
TERÇA A QUINTA<br />
CO-PRODUÇÃO: SLTM / VOARTE<br />
M/6<br />
estreia internacional<br />
.MOVCOMPANHIA AiEP<br />
26 NOV ~ QUINTA FEIRA ÀS 21H00<br />
SALA PRINCIPAL<br />
INSHADOW<br />
1.º FESTIVAL INTERNACIONAL<br />
DE VÍDEO, PERFORMANCE<br />
E TECNOLOGIAS<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
BILHETEIRA DAS 13H ÀS 20H<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA T: 213 257 650; BILHETEIRA@TEATROSAOLUIZ.PT<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640<br />
BILHETES À VENDA NA TICKETLINE E NOS LOCAIS HABITUAIS<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 25<br />
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />
ORGANIZAÇÃO:<br />
© Domitilla Biondi
Exposições<br />
A vida como<br />
auto-caravana<br />
Brel, Pucci, Beatles, Florida. Eduarda Abbondanza foi ao MUDE com o Ípsilon.<br />
Recordou uma viagem ao passado, <strong>de</strong> carro com os pais, que veio dar ao futuro –<br />
<strong>de</strong> auto-caravana, rumo ao século XXI. Joana Amaral Cardoso<br />
26 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Uma viagem <strong>de</strong> mês e meio, quatro<br />
paí<strong>se</strong>s e uma viragem irreversível.<br />
Naqueles anos 1970, pertinho do 25<br />
<strong>de</strong> Abril, os pais <strong>de</strong> uma Eduarda Abbondanza<br />
menina levaram-na pela<br />
Europa <strong>de</strong> carro.<br />
Primeira paragem: Espanha. As fotos:<br />
“very typical”. Ela, enfastiada, <strong>de</strong><br />
meias até ao joelho, mocassins, saia<br />
xadrez e t-shirt.<br />
Já em Paris, algo muda. As fotos:<br />
ela, mais contente com a sua maxisaia<br />
a escon<strong>de</strong>r os mocassins, t-shirt,<br />
cida<strong>de</strong> das luzes pós-Maio 68.<br />
Salto para Londres. Foto: plataformas<br />
nos pés, maxi-saia, t-shirt.<br />
Ponto <strong>se</strong>m retorno: Amesterdão.<br />
Foto: Maxi-saia, plataformas, a in<strong>se</strong>parável<br />
t-shirt e um casaco longuíssi-<br />
mo, <strong>de</strong> pêlo, bordados, o multiculturalismo<br />
fruto das viagens dos Beatles<br />
ao Oriente às costas.<br />
Por tudo isto é que diz, numa paragem<br />
na exposição “É Proibido Proibir!”,<br />
no Mu<strong>se</strong>u do Design e da Moda<br />
(Mu<strong>de</strong>), em Lisboa: “Encontramos<br />
imensas coisas que nos são familiares”.<br />
Brel, numa gravação, pe<strong>de</strong>: “Ne<br />
me quitte pas”. Os anos 1960 e 70<br />
nunca a <strong>de</strong>ixaram. A viagem também<br />
não, a recolher discos para a irmã<br />
mais velha, a absorver a moda da época,<br />
a criar a sua i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> estilo, <strong>se</strong>mentes<br />
do que viria a <strong>se</strong>r a professora da<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitectura <strong>de</strong> Lisboa,<br />
a responsável pela Associação Moda-<br />
Lisboa, a criadora <strong>de</strong> moda. Hoje,<br />
apaixonada pelo <strong>de</strong>sign, vê-<strong>se</strong> numa<br />
“As Palavras e as Coisas” <strong>de</strong> Michel Foucault, o meio é a mensagem <strong>de</strong> Marshall McLuhan...<br />
livros pendurados à entrada <strong>de</strong> uma exposição<br />
exposição com parte do acervo da<br />
colecção Francisco Capelo em que<br />
estão muitos dos referentes das duas<br />
décadas que passa em revista.<br />
Foi uma coisa <strong>de</strong> rua<br />
Olhando para um vestido Pucci <strong>de</strong>ntro<br />
da casinhota <strong>de</strong> on<strong>de</strong> brada Brel,<br />
Abbondanza atesta que aquela “foi<br />
uma época tão rica ao nível das experiências<br />
e das <strong>de</strong>scobertas que hoje<br />
ainda estamos a viver a <strong>se</strong>quência<br />
<strong>de</strong>ssa explosão”.<br />
A revolução foi isto: os Beatles à<br />
porta, gigantescos, apoiados em relva<br />
artificial. Os putos, a turba “freak”,<br />
que vê aquela ervinha <strong>de</strong> plástico,<br />
aquela árvore <strong>de</strong> Natal rasteira e a<br />
aproveita logo para <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntar, para<br />
tomar um bocadinho da Rua Augusta<br />
como sua. Lá <strong>de</strong>ntro, o sofá “Joe”,<br />
qual luva gigantesca com cinco <strong>de</strong>dos<br />
para nos abraçar. A roupa <strong>de</strong> Zandra<br />
Rho<strong>de</strong>s, a criadora da moda <strong>de</strong> rua<br />
que <strong>se</strong> tornou alimento do movimento<br />
das boutiques na Londres “sixties”<br />
da marca/boutique Biba, lado a lado<br />
com a “mini-kitchen” <strong>de</strong> Joe Colombo<br />
ou com as peças Verner Panton.<br />
Foi uma coisa <strong>de</strong> rua, mas também<br />
“a revolução das casas”, recorda Abbondanza<br />
ao construir a narrativa<br />
<strong>de</strong>sta viagem por uma exposição. Enfatiza<br />
“a versatilida<strong>de</strong>, o lado do ‘play<br />
the game’. Há <strong>se</strong>mpre um lado lúdico<br />
nas coisas. As ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> piscina que<br />
po<strong>de</strong>m ou não sê-lo, que quando <strong>se</strong><br />
fecham po<strong>de</strong>m <strong>se</strong>r uma caixa <strong>de</strong> pó
ENRIC VIVES-RUBIO<br />
T-shirts <strong>de</strong> Vivienne Westwood<br />
com Malcom McLaren<br />
ENRIC VIVES-RUBIO<br />
“Do ponto <strong>de</strong> vista<br />
criativo há [hoje]<br />
muito o revisitar<br />
e o repescar, no<br />
entanto vivemos<br />
numa época muito<br />
mais controlada,<br />
muito mais sujeita<br />
à crítica [que os anos<br />
60 e 70]. Voltámos<br />
a <strong>se</strong>r reféns <strong>de</strong> nós<br />
próprios. A autocensura<br />
é um reflexo<br />
da censura exterior”<br />
Eduarda<br />
Abbondanza,<br />
professora na<br />
Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Arquitectura<br />
<strong>de</strong> Lisboa<br />
Professora há á<br />
18 anos, s,<br />
Abbondanza a<br />
pediu este ano o<br />
para dar aulas s<br />
ao 1º ano <strong>de</strong> e<br />
<strong>de</strong>sign <strong>de</strong> e<br />
moda da a<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> e<br />
Arquitecura. a.<br />
Para perceber r<br />
as novas s<br />
gerações s<br />
ENRIC VIVES-RUBIO<br />
<strong>de</strong> arroz. Os as<strong>se</strong>ntos são baixos, tudo<br />
baixou ao nível do chão porque permitia<br />
um posicionamento relaxado e<br />
displicente”.<br />
A filosofia do momento não é “no<br />
alarms and no surpri<strong>se</strong>s” como nos<br />
Radiohead neurasténicos do século<br />
XX/XXI. Tocam os guizos, há novida<strong>de</strong>s.<br />
É nu<strong>de</strong>z, é liberda<strong>de</strong>, é música,<br />
é o psica<strong>de</strong>lismo para o povo, com a<br />
roupa a mudar. Mas já sabemos isto.<br />
Sabemos da conferência <strong>de</strong> imprensa<br />
pós-casamento <strong>de</strong> Yoko Ono e John<br />
Lennon, na cama, do efeito pop <strong>de</strong><br />
tantas peças <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> equipamento.<br />
Tudo isto terminou no fim dos<br />
anos 1970 com a cri<strong>se</strong> do petróleo e<br />
com os que esmagaram os “hippies”<br />
– os “yuppies”.<br />
E tudo isto forma um paradoxo:<br />
uma produção contracultural, um<br />
chuto na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo, que<br />
criou mais objectos <strong>de</strong> consumo que<br />
agora são peças <strong>de</strong> mu<strong>se</strong>u.<br />
O dinheiro<br />
Estas são “As Palavras e as Coisas” <strong>de</strong><br />
Michel Foucault, o meio é a mensagem<br />
<strong>de</strong> Marshall McLuhan, livros pendurados<br />
à entrada <strong>de</strong> uma exposição que<br />
grita – às vezes tão alto que não <strong>se</strong> <strong>ouve</strong>m<br />
as vozes dos objectos. E agora,<br />
mundo? E agora, gerações? E agora,<br />
Abbondanza? Naquelas duas décadas<br />
“É Proibido Proibir!”, constata Abbondanza.<br />
“Só que não estamos nessa<br />
época. Estamos numa época em que<br />
é proibido mesmo”. Questiona-<strong>se</strong><br />
quando quer pôr no Facebook alguns<br />
ví<strong>de</strong>os que a fascinam dos 60s e 70s<br />
– há nu<strong>de</strong>z, há drogas, há pérolas.<br />
“Agora é proibido mesmo”, suspira.<br />
“Do ponto <strong>de</strong> vista criativo há muito<br />
o revisitar e o repescar, no entanto<br />
vivemos numa época muito mais controlada,<br />
muito mais sujeita à crítica.<br />
Voltámos a <strong>se</strong>r reféns <strong>de</strong> nós próprios.<br />
A auto-censura é um reflexo da censura<br />
exterior”. No passado, a antimoda<br />
era um <strong>de</strong>scanso. “Não havia<br />
uma apreciação bom/mau, a moda<br />
não significava mais nada a não <strong>se</strong>r o<br />
que o grupo achava, era feita para os<br />
pares”. A alta-costura até ia beber à<br />
rua para não <strong>se</strong> tornar irrelevante.<br />
Mas hoje, com tantos espartilhos,<br />
com uma cri<strong>se</strong> na socieda<strong>de</strong> do sobreconsumo,<br />
com apelos constantes<br />
– Al Gore, ei-lo novamente a dizer que<br />
a responsabilida<strong>de</strong> é nossa, “Salvem<br />
o Planeta” – não estamos também<br />
agora a convidar ao fim ou ao início<br />
<strong>de</strong> algo? Edu Eduarda estaca. Sim, há que<br />
mudar. As coisas c estão em curso. Mas<br />
não é bem um “Está tudo a acontecer”<br />
cer” inebr inebriado das digressões dos<br />
Jefferson Airplane A ou dos Grateful<br />
Dead. Há ssinais:<br />
o luxo só é possível<br />
graças aos mmercados<br />
emergentes; os<br />
consumidores consumido ou absorvem incons-<br />
cientemente as peças <strong>de</strong> usar e <strong>de</strong>itar<br />
fora ou<br />
optam por produtos <strong>de</strong><br />
edição ediç limitada – “o futuro da<br />
Europa, E a produção diferenciada”<br />
–, sustentáveis;<br />
é preciso “salvar as pessoas”<br />
do tempo que falta,<br />
do trabalho sub-humano. Estuga o<br />
passo, rumo ao can<strong>de</strong>eiro Moloch <strong>de</strong><br />
Gaetano Pesce, maravilha das proporções.<br />
Professora há 18 anos, pediu<br />
este ano para dar aulas ao 1º ano <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sign <strong>de</strong> moda da sua faculda<strong>de</strong>. Para<br />
perceber melhor estas gerações.<br />
“Que são europeus, são. Tanto po<strong>de</strong>m<br />
estar aqui como em Madrid ou em<br />
Londres. Mas não vejo nada que remeta<br />
muito para um movimento <strong>de</strong><br />
opinião. Seja <strong>de</strong> que tipo for. Não vejo<br />
ingredientes <strong>de</strong> um colectivo que<br />
pensa uma causa. Encontro pessoas<br />
motivadas pelas questões ecológicas<br />
– talvez <strong>se</strong>ja a mais recorrente. E há<br />
uma gran<strong>de</strong> preocupação do ponto<br />
<strong>de</strong> vista do futuro, mas a nível económico,<br />
da prosperida<strong>de</strong>”.<br />
O dinheiro, es<strong>se</strong> valor que os “hippies”<br />
sonhavam <strong>se</strong>r dispensável, está<br />
associado aos movimentos colectivos<br />
mais significativos da era XXI. Mesmo<br />
os mais ver<strong>de</strong>s. Ao longe <strong>ouve</strong>m-<strong>se</strong><br />
agora os Doors, “Waiting for the sun”.<br />
Paralelamente a esta geração Europa<br />
<strong>de</strong> futuros criativos, há “o regresso ao<br />
campo mas numa versão mo<strong>de</strong>rna e<br />
não numa versão ‘hippie’. Há um lado<br />
‘network’, <strong>de</strong> permuta, na produção<br />
para a auto-suficiência. E o exce<strong>de</strong>ntário<br />
é vendido para criar riqueza. Há<br />
uma lógica racional, mo<strong>de</strong>rna, tecnológica,<br />
economicista, muito estrategicamente<br />
organizada”. Sofisticada,<br />
que procura “a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida que<br />
a socieda<strong>de</strong> actual retira. Que <strong>se</strong> chama<br />
tempo, que é o maior luxo <strong>de</strong> todos”,<br />
sorri Abbondanza.<br />
Dinheiro: “é incontornável: porque<br />
<strong>de</strong>termina as questões da educação,<br />
que <strong>de</strong>termina o sucesso e outra questão:<br />
a da saú<strong>de</strong> e dos cuidados antienvelhecimento<br />
que <strong>se</strong> colocam a<br />
quem vive hoje”. Tempo e dinheiro,<br />
tempo que é luxo, quanto tempo para<br />
criar sustentavelmente num mundo<br />
“em que tudo <strong>se</strong> tornou global,<br />
que é um enjoo horrível. Por isso é<br />
que o trabalho da Catarina Portas n’A<br />
Vida Portuguesa é válido”, exemplifica.<br />
Agora, em Sevilha, “tenho <strong>de</strong> ir<br />
a uma loja <strong>de</strong> ‘s<strong>ouve</strong>nirs’ para encontrar<br />
um leque”, exemplifica ainda,<br />
garantindo que Richard Florida é que<br />
é e que as indústrias criativas, com<br />
uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> mais do que nacional,<br />
regional, são a salvação da Europa.<br />
Abbondanza tem o fascínio das<br />
auto-caravanas. Não foi numa que fez<br />
a tal viagem <strong>de</strong> viragem com os pais,<br />
mas colecciona livros e livros sobre<br />
es<strong>se</strong> “símbolo da liberda<strong>de</strong> máxima”.<br />
É a pensar nelas que olha as t-shirts<br />
<strong>de</strong> Vivienne Westwood com Malcom<br />
McLaren a gritar “Destroy”. E recorda<br />
Katharine Hamnett e as suas t-shirts<br />
como um cartaz em vestuário, com<br />
fra<strong>se</strong>s ecológicas como “Save The Planet”.<br />
Então, as pessoas eram “statements<br />
daquilo em que acreditam”. O<br />
que dizem as t-shirts da década um<br />
do século XXI?<br />
Ver crítica <strong>de</strong> exposições págs. 41 e <strong>se</strong>gs.<br />
música<br />
Moritz<br />
von Oswald Trio<br />
Vertical ascent<br />
25 Novembro 22h00<br />
12€ M/6<br />
www.teatromariamatos.pt<br />
Bilhetes à venda:<br />
Teatro Maria Matos 218 438 801<br />
(Alemanha)<br />
menores<br />
30 anos<br />
5€<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 27
New<br />
York<br />
I Love<br />
You<br />
“Netherland”, romance sobre<br />
o submundo do críquete e dos<br />
imigrantes que o praticam em<br />
Nova Iorque, transformou-<strong>se</strong> em<br />
“best<strong>se</strong>ller”, venceu prémios, foi<br />
gabado por Obama. Jo<strong>se</strong>ph O’Neill só<br />
encontra uma explicação: “Veio no<br />
momento certo”. Hél<strong>de</strong>r Beja<br />
As pessoas ou franziam o sobrolho ou<br />
sorriam complacentes. Jo<strong>se</strong>ph O’Neill<br />
era um irlandês simpático a chegar<br />
aos 40, casado com a popularíssima<br />
editora da “Vogue” americana, Sally<br />
Singer, mas dizia-<strong>se</strong> escritor – publicara<br />
uns romances cómicos <strong>de</strong> que ninguém<br />
ouvira falar – e estava a preparar<br />
um novo livro há anos. Sobre quê? Ah,<br />
sobre o críquete, em Nova Iorque.<br />
“Enquanto escrevia o livro [levou<br />
<strong>se</strong>te anos] tinha consciência <strong>de</strong> que<br />
estava a trabalhar num pequeníssimo<br />
tópico, um mundo <strong>de</strong>sconhecido<br />
e indiferente à maioria das pessoas.<br />
Quando referia em conversa que o<br />
tema do meu romance era o críquete,<br />
as reacções não eram muito prometedoras”,<br />
diz-nos o autor <strong>de</strong> “Netherland<br />
– Terra <strong>de</strong> Sombras” (Bertrand)<br />
ao telefone <strong>de</strong> Nova Iorque,<br />
on<strong>de</strong> vive. “Eu procurava isso mesmo:<br />
um estado <strong>de</strong> confrontação entre<br />
o leitor americano, a sua perspectiva,<br />
e algo que lhe caís<strong>se</strong> nas<br />
28 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
mãos como um extra-terrestre.”<br />
O narrador e protagonista <strong>de</strong> “Netherland”<br />
é Hans, um analista financeiro<br />
holandês a viver na Big Apple<br />
com mulher e filho. E são precisas<br />
poucas páginas para que nós, que sabemos<br />
tanto <strong>de</strong> críquete como da atmosfera<br />
<strong>de</strong> Marte, percebamos as<br />
dúvidas do autor e dos que o escutavam,<br />
as vezes em que <strong>se</strong> imaginou<br />
“perdido ou, pelo menos, na direcção<br />
errada”. Há páginas inteiras que <strong>de</strong>screvem<br />
campos <strong>de</strong> críquete, tacadas,<br />
lançamentos, que chafurdam no jogo<br />
criado na Grã-Bretanha do século XVI<br />
e levado num qualquer porão para<br />
terras remotas como a Índia e o Paquistão,<br />
on<strong>de</strong> haveria <strong>de</strong> popularizar<strong>se</strong>.<br />
“H<strong>ouve</strong> um momento em que julguei<br />
que não ia con<strong>se</strong>guir finalizar o<br />
livro. Quando andamos <strong>de</strong>masiado<br />
tempo às voltas com uma história começamos<br />
a duvidar”, admite O’Neill.<br />
E esta história, que não é fácil, já o<br />
acompanhava antes <strong>de</strong> 2001.<br />
Livros<br />
DON EMMERT/ AFP<br />
O 12 <strong>de</strong> Setembro<br />
“Netherland” foi <strong>de</strong>scrito por alguma<br />
crítica como um livro sobre o 11 <strong>de</strong><br />
Setembro. É falso. Trata-<strong>se</strong>, quando<br />
muito, <strong>de</strong> um livro sobre o 12 <strong>de</strong> Setembro,<br />
o 13, o 14 e todos os dias <strong>de</strong>pois<br />
dos ataques às torres do World<br />
Tra<strong>de</strong> Center. “Os romancistas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />
das circunstâncias que os ro<strong>de</strong>iam<br />
e, naquele dia, as circunstâncias<br />
mudaram significativamente”,<br />
começa o escritor, que à época já vivia<br />
na cida<strong>de</strong> e, neste romance, usa o momento<br />
do ataque como catalisador da<br />
acção, qua<strong>se</strong> <strong>se</strong>m ter <strong>de</strong> nomeá-lo.<br />
“Rachel tinha os <strong>se</strong>us próprios medos,<br />
em particular a certeza inabalável <strong>de</strong><br />
que a Times Square (…) <strong>se</strong>ria o lugar<br />
do ataque <strong>se</strong>guinte” (pp. 27).<br />
Tal como Rachel, mulher <strong>de</strong> Hans,<br />
que é obrigada a <strong>de</strong>ixar o <strong>se</strong>u apartamento<br />
em Tribeca para viver no Chel<strong>se</strong>a<br />
Hotel, vomita “com o uivo fantástico<br />
<strong>de</strong> uma motorizada” e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> finalmente<br />
<strong>de</strong>ixar Nova Iorque com o<br />
filho, também<br />
O’Neill<br />
consi<strong>de</strong>rou essa possibilida<strong>de</strong><br />
em 2001: “Acho<br />
que toda a gente pensou <strong>se</strong> <strong>de</strong>via ou<br />
não abandonar a cida<strong>de</strong>. Muitos partiram.<br />
Nós <strong>de</strong>cidimos ficar e apren<strong>de</strong>mos<br />
a viver com esta nova situação.<br />
Quando olhamos para trás é bastante<br />
claro que os ataques foram um acto<br />
isolado, porque <strong>se</strong> não fos<strong>se</strong> assim<br />
teria sido fácil repeti-los e isso não<br />
aconteceu. Estávamos mais assustados<br />
do que <strong>de</strong>veríamos estar, o que<br />
na realida<strong>de</strong> era uma reacção a Bush,<br />
que tinha interes<strong>se</strong> em manter as pessoas<br />
aterrorizadas.”<br />
É essa “situação Bush” que O’Neill<br />
refere quando tenta justificar o sucesso<br />
do livro junto da crítica e dos leitores.<br />
“Acho que tive sorte, porque o<br />
livro saiu em 2008, quando os americanos<br />
estavam cansados da opressão<br />
da Administração Bush, da visão<br />
do mundo que tentavam impor-lhes.”<br />
E <strong>de</strong> repente<br />
surge este objecto-alien literário, on<strong>de</strong><br />
nada <strong>de</strong> estrondoso acontece ao<br />
longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 250 páginas carregadas<br />
<strong>de</strong> analep<strong>se</strong>s e prolep<strong>se</strong>s, não<br />
estamos à espera <strong>de</strong> um cataclismo,<br />
<strong>de</strong> armas <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição em massa, <strong>de</strong><br />
uma reviravolta inesperada. O’Neill<br />
concorda: “Acontecem algumas coisas.<br />
Alguém morre [bem no começo],<br />
as pessoas mudam-<strong>se</strong>, mas <strong>de</strong> facto<br />
este é um livro com poucos ‘twists’.<br />
Não é isso que me interessa.”<br />
O que aconteceu e as suas con<strong>se</strong>quências<br />
são, aqui, mais importantes<br />
que o que está para acontecer, pelo<br />
menos numa macro-escala que não<br />
contemple amores e amiza<strong>de</strong>s. Hans<br />
<strong>se</strong>nte o sufoco do passado recente e<br />
chega a comparar a situação dos no-
va-ior-<br />
O’Neill justifi<br />
ca o sucesso<br />
do livro pela<br />
“situação<br />
Bush” – por<br />
aquilo que<br />
em “Netherland”<br />
ecoa do<br />
cansaço dos<br />
americanos<br />
da Administração<br />
Bush<br />
conhecida con residência <strong>de</strong><br />
artistas art em Manhattan<br />
por on<strong>de</strong> passaram Janis<br />
quinos à<br />
Joplin, Jop Arthur C. Clarke,<br />
dos “ju<strong>de</strong>us da<br />
Bob Dylan. On<strong>de</strong> Dylan<br />
Europa nos anos 30 ou co-<br />
Tho Thomas foi encontrado<br />
mo os últimos cidadãos <strong>de</strong><br />
morto mor em 1953, on<strong>de</strong> Sid<br />
Pompeia” (pp. 31). O <strong>de</strong>svio<br />
Vicious Vici po<strong>de</strong>rá ter esfa-<br />
<strong>de</strong>ssa rota pré-apocalíptica<br />
queado quea e assassinado a sua<br />
aparece-lhe na figura amiga<br />
namorada, namo Nancy Spungen,<br />
<strong>de</strong> um optimista, Chuck Ra-<br />
em 197 1978.<br />
mkissoon, imigrante <strong>de</strong> Tri-<br />
Viver Vive no Chel<strong>se</strong>a Hotel<br />
nida<strong>de</strong> e Tobago, moral-<br />
“não fo foi uma escolha <strong>de</strong> estimente<br />
dúbio, cujo lema é<br />
lo <strong>de</strong> vvida”,<br />
mas uma neces-<br />
“pensar fantástico” fantástico” e que<br />
sida<strong>de</strong> sida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “alguém que chega<br />
tem o gran<strong>de</strong> sonho <strong>de</strong> trazer<br />
a Nova Iorque e não conhece<br />
o espectáculo do críquete para Nova ninguém, não tem crédito”. E há vá-<br />
Iorque – e, <strong>de</strong> caminho, aproveitar rias razões para que o hotel esteja no<br />
para enriquecer.<br />
livro: “Primeiro porque conheço bem<br />
Também Jo<strong>se</strong>ph O’Neill teve <strong>de</strong> re- o espaço, <strong>de</strong>pois porque havia qualfazer<br />
o <strong>se</strong>u modo <strong>de</strong> vida a 12 <strong>de</strong> Sequer coisa <strong>de</strong> interessante em ter a<br />
tembro. Mas continuou a <strong>se</strong>r o imi- personagem principal a viver num<br />
grante (viveu em Inglaterra, Moçam- hotel, que é <strong>se</strong>mpre uma espécie <strong>de</strong><br />
bique, Turquia, cresceu na Holanda) estado provisório <strong>de</strong> existência, <strong>de</strong><br />
que joga críquete, que mora com a pessoas que chegam e partem.”<br />
mulher e os filhos no Chel<strong>se</strong>a Hotel, São evi<strong>de</strong>ntes as <strong>se</strong>melhanças entre<br />
JASON REED/ REUTERS<br />
Jo<strong>se</strong>ph<br />
O’Neill, um<br />
irlandês em<br />
Nova Iorque,<br />
on<strong>de</strong> joga<br />
críquete e<br />
on<strong>de</strong> mora<br />
com a mulher<br />
e os filhos – no<br />
Chel<strong>se</strong>a Hotel<br />
“A América continua<br />
a <strong>se</strong>r a terra das<br />
oportunida<strong>de</strong>s. Para<br />
alguém que chega da<br />
Índia, do Bangla<strong>de</strong>sh,<br />
para essas pessoas os<br />
EUA são uma enorme<br />
oportunida<strong>de</strong>. Para<br />
os que nascem aqui,<br />
as coisas são<br />
diferentes. A<br />
imobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> clas<strong>se</strong><br />
é muito forte. Tem-<strong>se</strong><br />
um certo patamar<br />
económico e é muito<br />
difícil escapar-lhe”<br />
o percurso <strong>de</strong>ste autor <strong>de</strong> 45 anos e<br />
aquilo que encontramos em “Netherland”.<br />
“Uso muita da minha experiência<br />
pessoal neste livro”, admite o<br />
irlandês, para quem “a relação entre<br />
realida<strong>de</strong> e imaginação é indirecta”:<br />
“Acumulo pequenas situações e penso<br />
no que elas me sugerem, gosto <strong>de</strong><br />
<strong>se</strong>ntir que tudo o que imagino é real.<br />
E es<strong>se</strong> material que recolho vai ganhando<br />
forma e <strong>de</strong>finindo o meu trabalho,<br />
ditando aquilo que vem a <strong>se</strong>guir.”<br />
Por isso boa parte <strong>de</strong> “Netherland”<br />
é ficção pura. “Não conheço nenhum<br />
tipo <strong>de</strong> Trinida<strong>de</strong> [Chuck] que tenha<br />
o sonho <strong>de</strong> construir um gran<strong>de</strong> estádio<br />
<strong>de</strong> críquete em Nova Iorque,<br />
não faço <strong>se</strong>quer parte da comunida<strong>de</strong><br />
imigrante. Por outro lado, no Chel<strong>se</strong>a<br />
Hotel h<strong>ouve</strong> mesmo um homem que<br />
usava asas <strong>de</strong> anjo [outra das personagens<br />
do livro]. Não inventei isso,<br />
teria <strong>de</strong> estar mais confiante nas minhas<br />
capacida<strong>de</strong>s do que realmente<br />
estou para criar uma personagem<br />
<strong>de</strong>ssas e con<strong>se</strong>guir dar-lhe alguma<br />
verosimilhança.”<br />
LISA ACKERMAN<br />
Fitzgerald e Obama<br />
Seria paradoxal que O’Neill cuspis<strong>se</strong><br />
na sopa e consi<strong>de</strong>ras<strong>se</strong> que o tacho<br />
<strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s dos EUA está <strong>de</strong>masiado<br />
rapado para aqueles que<br />
chegam <strong>de</strong> fora – afinal, o que está<br />
acontecer-lhe prova o contrário. Num<br />
ápice, a crítica comparou “Netherland”<br />
a “O Gran<strong>de</strong> Gatsby”, <strong>de</strong> F. Scott<br />
Fitzgerald – “Que hei-<strong>de</strong> dizer... Sintome<br />
lisonjeado mas tento não pensar<br />
nisso”; a “New York Magazine” proclamou-o<br />
“Rei <strong>de</strong> Nova Iorque”; o <strong>se</strong>u<br />
romance apareceu na “long-list” <strong>de</strong><br />
candidatos ao Booker e venceu o prémio<br />
Pen/Faulkner; o Presi<strong>de</strong>nte Barack<br />
Obama falava do livro e <strong>de</strong> como<br />
lhe agradara lê-lo.<br />
SÃO<br />
LUIZ<br />
NOV~O9<br />
—<br />
28 E 29 NOV<br />
O’Neill: “A América continua a <strong>se</strong>r<br />
a terra das oportunida<strong>de</strong>s. Para alguém<br />
que chega da Índia, do Bangla<strong>de</strong>sh,<br />
para essas pessoas os EUA são<br />
uma enorme oportunida<strong>de</strong>. Para os<br />
que nascem aqui, as coisas são diferentes.<br />
A imobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> clas<strong>se</strong> é muito<br />
forte. Tem-<strong>se</strong> um certo patamar<br />
económico e é muito difícil escaparlhe”.<br />
Nova Iorque, a cida<strong>de</strong> que elege<br />
como a melhor para viver e à qual<br />
<strong>de</strong>dica muitas das páginas <strong>de</strong> “Netherland”,<br />
é ainda mais especial, “não é<br />
tipicamente americana”. Quem qui<strong>se</strong>r<br />
viver uma existência estranha po<strong>de</strong><br />
partir para Nova Iorque, porque<br />
“não há praticamente nada que não<br />
<strong>se</strong> possa fazer nesta cida<strong>de</strong>”. Se alguma<br />
coisa acontece a um imigrante que<br />
chegou há dois dias, ele é imediatamente<br />
tratado como um nova-iorquino,<br />
garante, para acrescentar: “Se eu<br />
<strong>de</strong>cidir partir para Lisboa <strong>se</strong>rei um<br />
imigrante toda a minha vida.”<br />
Talvez esteja certo, mas aqui fala<br />
do que não conhece. Porque apesar<br />
<strong>de</strong> Lisboa aparecer referida no romance<br />
como lugar <strong>de</strong> “partidas para<br />
o oceano e belas e terríveis aventuras<br />
extra-europeias” (pp.184), O’Neill<br />
nunca esteve na capital portuguesa.<br />
“Não são inocentes as referências a<br />
Portugal, a Inglaterra e à Holanda,<br />
três dos primeiros paí<strong>se</strong>s a alcançar<br />
a América”, atira, para justificar um<br />
certo ajuste <strong>de</strong> contas pós-colonial.<br />
Sobre Obama, <strong>de</strong> quem é admirador,<br />
e a menção que este fez ao <strong>se</strong>u<br />
livro, tem pouco a acrescentar. “Ele<br />
não dis<strong>se</strong> exactamente aquilo que os<br />
media propagaram [que “Netherland”<br />
era o melhor livro que lera em 2008].<br />
Mas obviamente que es<strong>se</strong> episódio<br />
tem tanto <strong>de</strong> estranho como <strong>de</strong> notável.”<br />
Ver crítica págs. 50 e <strong>se</strong>gs.<br />
LISBOA<br />
MISTURA<br />
2009<br />
—<br />
SÁBADO<br />
ONE LOVE FAMILY<br />
MU<br />
LULA PENA E TIGRALA<br />
CIGANOS D’OURO<br />
DHOAD GYPSIES<br />
FROM RAJASTHAN<br />
BATIDA<br />
DJ MPULA<br />
—<br />
IDEIA E ORGANIZAÇÃO<br />
ASSOCIAÇÃO SONS DA LUSOFONIA<br />
CO-PRODUÇÃO SLTM<br />
M/3<br />
— DOMINGO<br />
BARCO N M/12<br />
ANDRÉ CABAÇO<br />
CARMEN SOUZA<br />
LIS-NAVE / KOTA COOL<br />
AFROBEAT ORKESTRA<br />
DJ JOHNNY<br />
—<br />
ORGANIZAÇÃO<br />
SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL<br />
RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA<br />
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT; TEL: 213 257 640<br />
— LUSO-TROPICÁLIA<br />
LANÇAMENTO LIVRO<br />
OPA<br />
OFICINA PORTÁTIL DE ARTES<br />
—<br />
PROGRAMA COMPLETO EM<br />
WWW.SONSDALUSOFONIA.COM<br />
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT<br />
PARCEIROS MEDIA APOIOS OPA FINANCIAMENTO APOIO OPA<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 29
Teatro<br />
Musical à portugu<br />
Esta <strong>se</strong>mana Filipe La Féria estreia<br />
no Politeama, em Lisboa, “A Gaiola<br />
das Loucas”, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter estado em<br />
cartaz no Porto. Criação francesa tornada<br />
sucesso na Broadway, <strong>de</strong>staca<strong>se</strong><br />
pela aci<strong>de</strong>z social e ruptura do<br />
politicamente correcto – um casal<br />
homos<strong>se</strong>xual vê-<strong>se</strong> confrontado com<br />
o con<strong>se</strong>rvadorismo dos futuros compadres<br />
na véspera do casamento dos<br />
<strong>se</strong>us filhos.<br />
O encenador con<strong>se</strong>guiu autorização<br />
dos autores para adaptar o texto<br />
à realida<strong>de</strong> nacional, transformando<br />
o espectáculo numa homenagem aos<br />
“happenings” <strong>de</strong> travestismo do final<br />
dos anos 70 em Portugal.<br />
30 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Na <strong>se</strong>mana em que <strong>se</strong> estreia “A Gaiola das Loucas”, <strong>de</strong> Filipe La Féria, encenadores, a<br />
musical em Portugal. “Musical” em P<br />
“Este espectáculo fala <strong>de</strong> minorias”<br />
e o musical tem “preocupações sociais”,<br />
diz-nos La Féria. Já tinha sido<br />
assim com “West Si<strong>de</strong> Story”, passado<br />
numa Nova Iorque feita <strong>de</strong> confrontos<br />
entre latinos e brancos, e com<br />
“Um Violino no Telhado”, sobre o<br />
exílio dos ju<strong>de</strong>us no início do século<br />
da Rússia para a América, exemplos<br />
recentes da máquina <strong>de</strong> produção<br />
que <strong>se</strong> tornou uma referência <strong>de</strong> cada<br />
vez que <strong>se</strong> fala <strong>de</strong> musicais em<br />
Portugal.<br />
Mas este fim <strong>de</strong> <strong>se</strong>mana cruza também<br />
a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> olharmos<br />
para o musical em Portugal como algo<br />
mais vasto do que a espectacula-<br />
Qualquer conversa<br />
sobre o género<br />
musical em Portugal<br />
enfrenta conceitos<br />
<strong>de</strong>terminantes:<br />
tradição, mercado,<br />
formação e público<br />
rida<strong>de</strong> visual. No Trinda<strong>de</strong>, em Lisboa,<br />
termina a carreira <strong>de</strong> “A Máquina<br />
<strong>de</strong> Somar”, <strong>de</strong> Joshua Schmidt e<br />
Jason Loewith, encenado por Fernanda<br />
Lapa. É uma “amoralida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>screve<br />
a encenadora, sobre o conflito<br />
entre o homem e a máquina, ao jeito<br />
expressionista. Foi um sucesso surpresa<br />
na Broadway, em 2008, pelas<br />
suas características irónicas e o jogo<br />
que fazia com o género musical.<br />
Outro exemplo, e diferente: “Rapazes<br />
Nus a Cantar”, encenado por Henrique<br />
Feist, regressa para mais um<br />
mês <strong>de</strong> apre<strong>se</strong>ntações no Casino do<br />
Estoril. Explícito no título, não o é menos<br />
na <strong>de</strong>smontagem do género.<br />
São três exemplos diferentes, mas<br />
com tradição anglo-saxónica, em particular<br />
norte-americana, que <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>ntam<br />
em Portugal num ano que<br />
começou com o prolongamento, por<br />
mais dois me<strong>se</strong>s, <strong>de</strong> “Cabaret”, <strong>de</strong><br />
Diogo Infante, continuou com “Os<br />
Produtores”, <strong>de</strong> Mel Brooks, que percorreu<br />
o país entre Abril e Junho, e<br />
viu o Teatro Praga enveredar pelo<br />
mesmo caminho, em “Demo”, em<br />
Julho.<br />
Antes do ano acabar, João Garcia<br />
Miguel atira-<strong>se</strong> a Pessoa para fazer um<br />
misto <strong>de</strong> musical e cabaré com “O<br />
banqueiro anarquista” e, em Janeiro,<br />
é a vez <strong>de</strong> Bruno Bravo com “Maria<br />
Mata-mos”, inspirado na revista, ambos<br />
no Maria Matos.<br />
Tradição americana<br />
É nesta confluência <strong>de</strong> interpretações<br />
que resi<strong>de</strong> a riqueza do musical. Mas<br />
qualquer conversa sobre o género em<br />
La Féria diz<br />
que o gosto e o<br />
interes<strong>se</strong> do<br />
público não é<br />
algo que <strong>se</strong><br />
consiga “<strong>de</strong><br />
um<br />
espectáculo<br />
para outro”.<br />
Compara o <strong>se</strong>u<br />
trabalho ao <strong>de</strong><br />
“um<br />
trapezista,<br />
<strong>se</strong>m re<strong>de</strong>”
uesa: o que é isso?<br />
, actores, produtores e dramaturgos fazem ao Ípsilon uma radiografi a do estado do<br />
Portugal? Tiago Bartolomeu Costa<br />
Portugal enfrenta conceitos <strong>de</strong>terminantes:<br />
tradição, mercado, formação<br />
e público. São as razões pelas quais<br />
<strong>se</strong> torna difícil perceber <strong>se</strong> o que <strong>se</strong><br />
vai apre<strong>se</strong>ntando <strong>se</strong> in<strong>se</strong>re numa corrente<br />
ou prolonga apenas um fenómeno<br />
efémero.<br />
“A tradição musical é americana”,<br />
diz o Henrique Feist, actor em “A Máquina<br />
<strong>de</strong> Somar” e “Cabaret”. “O musical<br />
é uma tradição que vem do vau<strong>de</strong>ville<br />
e da opereta europeias e que<br />
a América transformou a partir das<br />
revistas do Ziegfield que passaram a<br />
ter uma história e uma narrativa”. A<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “mega-musical” surge com<br />
“a chegada <strong>de</strong> Andrew Lloyd Webber<br />
à Broadway”, com “Cats”, on<strong>de</strong> <strong>se</strong><br />
alia “a espectacularida<strong>de</strong> do cenário”<br />
com “o facto <strong>de</strong> <strong>se</strong>r cantado do princípio<br />
ao fim”.<br />
“Os musicais são objectos complexos<br />
porque implicam uma concepção<br />
global mais completa”, resume Feist,<br />
que estudou teatro musical em Londres.<br />
“A Máquina <strong>de</strong> Somar” é disso<br />
exemplo, porque inflecte a tendência<br />
“da sobreposição dos efeitos cénicos<br />
à interpretação” – aliás, o musical é,<br />
para Feist, “a essência do actor”.<br />
Para Fernanda Lapa “A Máquina<br />
<strong>de</strong> Somar” foi uma experiência <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um género que “não<br />
faz” o <strong>se</strong>u género. “Não sou fã <strong>de</strong> musicais”,<br />
confessa. A proposta veio <strong>de</strong><br />
Cucha Carvalheiro, directora artística<br />
do Teatro da Trinda<strong>de</strong>, e a peça esteve<br />
um mês em cartaz. Quando falámos<br />
com Lapa, contou-nos que a<br />
sala esteve cheia na estreia. “Mas não<br />
voltou a encher”. O convite tinha sido<br />
“um <strong>de</strong>safio”. “Não conhecia um musical<br />
tão negro que <strong>se</strong> levas<strong>se</strong> tão pouco<br />
a sério”. Não conta repetir a experiência<br />
– “para já”.<br />
Quem repete a experiência uma e<br />
outra vez é Filipe La Féria, responsável<br />
pelo Politeama, em Lisboa, e concessionário<br />
do Rivoli, no Porto. Des<strong>de</strong><br />
1992 (“Maldita Cocaína”) que tem<br />
procurado apre<strong>se</strong>ntar “os gran<strong>de</strong>s<br />
clássicos” que, com excepção do fenómeno<br />
“Amália” e <strong>de</strong> “A Canção <strong>de</strong><br />
Lisboa”, têm sido todos <strong>de</strong> tradição<br />
americana. “Música no Coração”,<br />
“Jesus Cristo Superstar”, “My Fair<br />
Lady”, “West Si<strong>de</strong> Story” e “Um Violino<br />
no Telhado” pautam-<strong>se</strong> pela noção<br />
que tem <strong>de</strong> “que o público tem<br />
direito a ver estes espectáculos em<br />
gran<strong>de</strong>s produções feitas em português”.<br />
“Estamos abertos a tudo”, diz-nos<br />
Feist. “O musical tem várias vertentes.<br />
Há vários caminhos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o<br />
opção <strong>de</strong> ba<strong>se</strong> esteja certa”.<br />
Se é certo que o género <strong>se</strong> permite<br />
às mais diferentes leituras, é verda<strong>de</strong><br />
que facilita a sua imediata i<strong>de</strong>ntificação.<br />
Pedro Penim, do Teatro Praga,<br />
diz que a opção pelo musical para a<br />
concepção <strong>de</strong> “Demo” <strong>se</strong> pren<strong>de</strong>u<br />
com “a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> materialização <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ias em textos que não fos<strong>se</strong>m apenas<br />
diálogos e que, pelo contexto,<br />
falas<strong>se</strong>m por si. A nossa intenção<br />
nunca foi <strong>de</strong>smontar o musical numa<br />
atitu<strong>de</strong> pós-dramática que apareces<strong>se</strong><br />
para justificar um discurso teórico<br />
e referencial. Qui<strong>se</strong>mos tornar dizível<br />
algo que já existia no nosso percurso<br />
e passar do papel à cena”.<br />
Luís Madureira, que esteve no elenco<br />
<strong>de</strong> “A Máquina <strong>de</strong> Somar” e <strong>de</strong><br />
“Demo”, conta que a singularida<strong>de</strong><br />
maior <strong>de</strong>ste espectáculo era <strong>se</strong>r feito<br />
“por pessoas que, além do interes<strong>se</strong><br />
pelo formato do musical, têm qualida<strong>de</strong>s<br />
naturais e sabem ouvir”.<br />
Ameaça tripla<br />
E é aqui que a ausência <strong>de</strong> mercado<br />
toca no problema da formação. Ao<br />
passo que em Londres, como nos explica<br />
Henrique Feist, “há um mercado<br />
que prepara as pessoas tanto para<br />
o West End como para a Broadway”,<br />
em Portugal isso não existe. Chamam<strong>se</strong><br />
a este actores “ameaça tripla”.<br />
Porque “são capazes <strong>de</strong> cantar, dançar<br />
e interpretar”.<br />
“Cá não há um sistema”, lamenta.<br />
É um problema <strong>de</strong> verbas e <strong>de</strong> formação.<br />
Para Luís Madureira o que existe<br />
em Portugal são “algumas produções<br />
<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> constituídas por<br />
elencos pensados para po<strong>de</strong>rem<br />
apren<strong>de</strong>r em dois me<strong>se</strong>s como fazer<br />
o que há para fazer. As pessoas tentam<br />
adaptar a sua formação às necessida<strong>de</strong>s<br />
e às circunstâncias que lhes<br />
são apre<strong>se</strong>ntadas”, sublinha.<br />
Tendo dirigido o Estúdio <strong>de</strong> Ópera<br />
da Casa da Música, no primeiro ano<br />
da sua existência (criado com a Porto<br />
2001 e extinto no final <strong>de</strong> 2006), Madureira<br />
prepara-<strong>se</strong>, agora, para iniciar<br />
as activida<strong>de</strong>s do Estúdio <strong>de</strong> Ópera<br />
e Teatro Musical da Escola Superior<br />
<strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Lisboa, que tem<br />
“como objectivo continuar a formação<br />
em exercício <strong>de</strong> alunos da escola<br />
ou jovens profissionais. É es<strong>se</strong>ncial<br />
O actor Henrique<br />
Feist recorda que,<br />
“apesar <strong>de</strong> haver bons<br />
técnicos em<br />
Portugal”, para o<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>nho <strong>de</strong> som <strong>de</strong><br />
“Cabaret” “os técnicos<br />
do Maria Matos<br />
foram a Londres<br />
apren<strong>de</strong>r como <strong>se</strong><br />
fazia”. La Féria diz<br />
que com os anos <strong>se</strong><br />
tem <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> “ir a<br />
Espanha contratar”.<br />
Há, contudo, um<br />
caminho a fazer<br />
“A Gaiola das<br />
Loucas” chega<br />
agora ao<br />
Politeama;<br />
“Rapazes Nus<br />
a Cantar”<br />
prolonga a<br />
carreira no<br />
Casino do<br />
Estoril;<br />
“Cabaret”, que<br />
levou os<br />
técnicos <strong>de</strong><br />
som do Maria<br />
Matos a<br />
Londres para<br />
apren<strong>de</strong>rem<br />
como <strong>se</strong> fazia<br />
que o ensino paralelo da ópera e do<br />
teatro musical <strong>se</strong>ja complementar. A<br />
capacida<strong>de</strong> dos intérpretes portugue<strong>se</strong>s<br />
é extraordinária”, sublinha, “mas<br />
a prática <strong>de</strong> formação tem que <strong>se</strong>r<br />
maior que o simples período <strong>de</strong> preparação<br />
<strong>de</strong> um espectáculo”.<br />
Disso <strong>se</strong> queixa Vera San Payo Lemos,<br />
dramaturgista, que para “Sweeney<br />
Todd”, remontado no Outono<br />
<strong>de</strong> 2007 <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois da estreia,<br />
recorda que o Teatro Aberto teve que<br />
ir “à procura <strong>de</strong> cantores <strong>de</strong> ópera<br />
que soubes<strong>se</strong>m interpretar a música<br />
do Sondheim”.<br />
“Não po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r cantado por actores<br />
<strong>de</strong>vido à sua dificulda<strong>de</strong> técnica, que<br />
<strong>se</strong> aproxima mais da ópera. O maior<br />
<strong>de</strong>safio foi pôr os actores a cantar e<br />
os cantores a repre<strong>se</strong>ntar”.<br />
Luís Madureira não gosta da diferença.<br />
“Canção e teatro <strong>se</strong>mpre h<strong>ouve</strong>.<br />
Há que ensiná-los simultaneamente.”<br />
Em Portugal, recorda, “uma das<br />
primeiras experiências” do género<br />
foi “Sauda<strong>de</strong>s-(um hetero-cabaretero-satírico)”,<br />
por Ricardo Pais, na<br />
Casa da Comédia, 1978.<br />
“O intérprete <strong>de</strong> ópera preocupa-<strong>se</strong><br />
com as mesmas coisas que um intérprete<br />
<strong>de</strong> musical. A formação po<strong>de</strong>rá<br />
<strong>se</strong>r comum, à qual <strong>se</strong> <strong>de</strong>ve <strong>se</strong>guir uma<br />
especialização <strong>de</strong> repertório”, explica.<br />
“As pessoas resolvem as suas falhas<br />
na prática. Em Portugal faz-<strong>se</strong><br />
menos bem feito e <strong>se</strong> o mecanismo<br />
<strong>de</strong> produção falha e a aprendizagem<br />
não existe, as pessoas <strong>se</strong>rão <strong>se</strong>mpre<br />
surpreendidas pela sua falta”, sublinha.<br />
Elsa Valentim dirige a ACT, esco-<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 31
Filipe La Féria<br />
tem<br />
apre<strong>se</strong>ntado<br />
em português<br />
os “clássicos”,<br />
que neste caso<br />
são “Música<br />
no Coração”,<br />
“Jesus Cristo<br />
Superstar”,<br />
“My Fair<br />
Lady”, “West<br />
Si<strong>de</strong> Story” ou<br />
“Um Violino<br />
no Telhado”<br />
Esta “bebe<strong>de</strong>ira louca<br />
para <strong>se</strong> fazer<br />
musicais”, como<br />
caracteriza Henrique<br />
Feist, tem contra si a<br />
ausência <strong>de</strong> um<br />
sistema. Henrique<br />
fala <strong>de</strong> condições <strong>de</strong><br />
trabalho mas<br />
também <strong>de</strong> exigência<br />
ténica<br />
la para actores que tem, no <strong>se</strong>u<br />
currículo, 24 horas anuais em regime<br />
opcional <strong>de</strong>dicadas ao music-hall. A<br />
também actriz diz que entrar num<br />
musical é, para um actor, “o concretizar<br />
do sonho <strong>de</strong> fazer gran<strong>de</strong>s performances”.<br />
Confessa: “Está no nosso<br />
imaginário, é isso que os alunos<br />
procuram”. As aulas são dadas por<br />
Marco <strong>de</strong> Camillis, ensaiador <strong>de</strong> programas<br />
<strong>de</strong> TV, mas a palavra mais<br />
utilizada pela directora da escola é<br />
“galvanizante”.<br />
Esta “bebe<strong>de</strong>ira louca para <strong>se</strong> fazer<br />
musicais”, como caracteriza Henrique<br />
Feist, tem contra si a ausência <strong>de</strong> um<br />
sistema. Henrique fala <strong>de</strong> condições<br />
<strong>de</strong> trabalho mas também <strong>de</strong> exigência<br />
ténica. Recorda que, “apesar <strong>de</strong> haver<br />
bons técnicos em Portugal” para o<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>nho <strong>de</strong> som <strong>de</strong> “Cabaret” “os técnicos<br />
do Maria Matos foram a Londres<br />
apren<strong>de</strong>r como <strong>se</strong> fazia”. La Féria diz<br />
que com os anos <strong>se</strong> tem <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong><br />
“ir a Espanha contratar”. Há, contudo,<br />
um caminho a fazer porque há<br />
quem aposte numa simplificação.<br />
Sandra Faria, produtora na UAU,<br />
responsável pela apre<strong>se</strong>ntação em<br />
Portugal <strong>de</strong> “Chicago”, “Cats” e “Miss<br />
Saigon” e pela criação original <strong>de</strong><br />
“Sexta Feira 13”, a partir <strong>de</strong> músicas<br />
dos Xutos e Pontapés, diz que há musicais<br />
que “<strong>de</strong>fraudam as expectativas<br />
do público porque apostam em produções<br />
<strong>de</strong> baixo custo”, on<strong>de</strong> o cenário<br />
ou a orquestra são substituídos<br />
por ví<strong>de</strong>os e música gravada. São<br />
muitos os exemplos que percorrem<br />
diversas cida<strong>de</strong>s europeias. É aqui<br />
que o mercado, a formação e a tradição<br />
encontram um ponto <strong>de</strong> interrogação<br />
e <strong>de</strong> contrabalanço: o gosto do<br />
público.<br />
Trapezistas sobre o público<br />
Que público? E que musicais?<br />
La Féria diz que o gosto e o interes<strong>se</strong><br />
do público não é algo que <strong>se</strong> consiga<br />
“<strong>de</strong> um espectáculo para outro”.<br />
Compara o <strong>se</strong>u trabalho ao <strong>de</strong> “um<br />
trapezista, <strong>se</strong>m re<strong>de</strong>”. Responsabilida<strong>de</strong><br />
total nessa educação prefere<br />
não assumir. Apesar <strong>de</strong> <strong>se</strong> orgulhar<br />
pelo facto <strong>de</strong> haver “público que vai<br />
ao Politeama hoje que começou a ver<br />
espectáculos musicais infanto-juvenis<br />
ali”.<br />
Se La Féria menciona “os autocarros<br />
<strong>de</strong> todo o país que chegam ao<br />
teatros Politeama e Rivoli, <strong>de</strong> todas<br />
as condições sociais”, já Sandra Faria<br />
é mais cautelosa. Há <strong>de</strong>z anos a aposta<br />
em apre<strong>se</strong>ntar durante um mês<br />
“Chicago” foi “um fracasso”.<br />
“Foram vários factores. Havia a<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que quem queria ver musicais<br />
podia ir a Londres. E o dólar estava<br />
caro, o que aumentou os custos<br />
<strong>de</strong> produção em mais vinte por cento”.<br />
Des<strong>de</strong> então a estratégia da UAU<br />
passa por continuar a trazer o que <strong>se</strong><br />
32 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
chama “espectáculos <strong>de</strong> primeira linha”,<br />
ou <strong>se</strong>ja, “tal como são apre<strong>se</strong>ntados<br />
na Broadway ou no West End<br />
em vez <strong>de</strong> <strong>se</strong>rem as versões <strong>de</strong> tournée,<br />
mas por menos tempo”. E a bilheteira<br />
“começou a reagir”. Dos 50<br />
mil espectadores <strong>de</strong> “Chicago” (o Coli<strong>se</strong>u<br />
leva cerca <strong>de</strong> 4 mil por <strong>se</strong>ssão),<br />
<strong>se</strong>guiram-<strong>se</strong> as 6 <strong>se</strong>manas <strong>de</strong> “Cats”<br />
visto por 120 mil espectadores em<br />
2004, as 3 <strong>se</strong>manas <strong>de</strong> “Miss Saigon”<br />
para 65 mil espectadores em 2006.<br />
“Em <strong>de</strong>z anos o público em Portugal<br />
mudou muito. E o <strong>de</strong> Lisboa ainda<br />
mais”, diz-nos, revelando que a<br />
estratégia da UAU passa pela<br />
apre<strong>se</strong>ntação <strong>de</strong>stes espectáculos<br />
em Lisboa e no<br />
Porto, “por questões <strong>de</strong><br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho<br />
com o público”. “O<br />
nosso público é diferente,<br />
é mais urbano”,<br />
refere. Uma i<strong>de</strong>ia que<br />
po<strong>de</strong> explicar outro<br />
exemplo recente. Os dados<br />
fornecidos pelo Teatro<br />
Maria Matos, em Lisboa, dão<br />
conta <strong>de</strong> que “Cabaret”, encenado<br />
por Diogo Infante<br />
e que esteve em cena<br />
<strong>se</strong>is me<strong>se</strong>s, entre Setembro<br />
2008 e Fevereiro<br />
<strong>de</strong>ste ano, teve<br />
40.128 espectadores<br />
divididos por 111 espectáculos,correspon<strong>de</strong>ndo<br />
a uma ocupação <strong>de</strong><br />
sala <strong>de</strong> 87 por cento.<br />
Assumindo que a UAU “vive<br />
do público” e que a quota <strong>de</strong><br />
mercado para os musicais “ainda está<br />
longe <strong>de</strong> estar completa”, Sandra Faria<br />
consi<strong>de</strong>ra que “há muito público<br />
para musicais” e “há vários mo<strong>de</strong>los<br />
interessantes que po<strong>de</strong>m <strong>se</strong>r explorados”.<br />
“Rapazes nus a cantar” <strong>se</strong>rá<br />
um <strong>de</strong>les. “Sucesso relativo” <strong>de</strong> público,<br />
mas “ainda <strong>se</strong>m números concretos”.<br />
A ausência <strong>de</strong> investimento na formação,<br />
tanto dos intérpretes como<br />
dos técnicos, na conceptualização e<br />
diversida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> massa crítica e a capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> distinguir entre o que<br />
respon<strong>de</strong> ao primado do teatro musical<br />
e o que alimenta uma máquina<br />
fugaz concorrem contra uma pressão<br />
que <strong>se</strong> diz existir por parte do<br />
público.<br />
Po<strong>de</strong>-<strong>se</strong> falar <strong>de</strong> musicais em Portugal?<br />
Po<strong>de</strong>. À portuguesa.<br />
Para Luís<br />
Madureira há<br />
que ensinar<br />
teatro e canção<br />
em simultâneo<br />
Vera San Payo<br />
Lemos,<br />
dramaturgista,<br />
para “Sweeney<br />
Todd” teve que<br />
ir “à procura <strong>de</strong><br />
cantores <strong>de</strong><br />
ópera que<br />
soubes<strong>se</strong>m<br />
interpretar a<br />
música do<br />
Sondheim”<br />
Um mergulho no Theaterland londrino. O que <strong>se</strong> escon<strong>de</strong> atrás d<br />
Musicais. A i<strong>de</strong>ia faz arrepiar<br />
os preconceitos e salivar os<br />
entusiasmos. Abre-<strong>se</strong> o guia<br />
<strong>de</strong> Londres como um menu <strong>de</strong><br />
restaurante e escolhe-<strong>se</strong> até<br />
empanturrar. Mas as <strong>de</strong>zenas<br />
<strong>de</strong> espectáculos são apenas a<br />
face visível <strong>de</strong> uma máquina<br />
que move milhões <strong>de</strong> libras e<br />
<strong>de</strong> profi ssionais. Por trás da<br />
espectacularida<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>-<strong>se</strong><br />
um exercício calculista que<br />
não perdoa falhanços e on<strong>de</strong> a<br />
máxima <strong>de</strong> que “o espectáculo<br />
<strong>de</strong>ve continuar” é substituída pela<br />
evi<strong>de</strong>nte “só po<strong>de</strong> continuar”.<br />
Dados que revelem custos<br />
<strong>de</strong> produção, o equilíbrio<br />
entre receitas e investimento,<br />
a percentagem <strong>de</strong>stinada ao<br />
“marketing” e a cobertura<br />
dos prejuízos ninguém dá. As<br />
respostas dos gabinetes <strong>de</strong><br />
relações públicas concentram-<strong>se</strong><br />
nos números <strong>de</strong> público (5 mil<br />
lugares vendidos na manhã após<br />
a estreia <strong>de</strong> “Les Misérables” a 8<br />
<strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1985), nas horas<br />
<strong>de</strong> trabalho (34 mil para fazer<br />
coor<strong>de</strong>nar os movimentos dos<br />
actores com as marionetas <strong>de</strong> “The<br />
Lion King”), no tempo consumido<br />
para encontrar o elenco perfeito<br />
(três anos para encontrar os<br />
protagonistas <strong>de</strong> “Billy Elliot”), na<br />
imensidão <strong>de</strong> a<strong>de</strong>reços e fi gurinos<br />
(514 fi gurinos, 55 perucas, 150<br />
pares <strong>de</strong> sapatos, 130 máscaras<br />
<strong>de</strong> caracterização, 1 quilo <strong>de</strong><br />
purpurinas gastas por mês –<br />
“Priscilla, Queen of the De<strong>se</strong>rt), ou<br />
no impacto dos espectáculos (“All<br />
that jazz”, o número <strong>de</strong> abertura<br />
<strong>de</strong> “Chicago”, já foi interpretado<br />
325 mil vezes em nove línguas<br />
diferentes, com orquestras<br />
sinfónicas, em programas <strong>de</strong> TV<br />
ou em coreografi as no gelo feitas<br />
por atletas olímpicos).<br />
Tudo isto obe<strong>de</strong>ce a uma<br />
máquina que<br />
<strong>se</strong>rve dois amos: s:<br />
a rentabilida<strong>de</strong><br />
fi nanceira e o<br />
interes<strong>se</strong> do<br />
Diz-me do<br />
que gostas, stas,<br />
dir-te-ei ei<br />
que musical usical<br />
vais ver r<br />
São muitas<br />
as propostas s<br />
oferecidas por<br />
Londres. Um m<br />
mapa por tributos, ributos,<br />
remontagens, ns,<br />
clássicos, infantis nfantis e<br />
adaptações <strong>de</strong> fi lmes<br />
po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r <strong>de</strong><strong>se</strong>nhado <strong>se</strong>nhado<br />
com estas propostas. ropostas.<br />
Chicago Chic<br />
Encenado Enc Encena ena por Walter Robbie.<br />
Letras <strong>de</strong> d Fred Ebb. Música <strong>de</strong> John<br />
Kan<strong>de</strong>r. Kan Kan<strong>de</strong> <strong>de</strong> Libreto Fred Ebb e Bob<br />
Fos<strong>se</strong>. Fos Fos<strong>se</strong>. <strong>se</strong>. Coreografi a original <strong>de</strong> Bob<br />
Fos<strong>se</strong> Fos Fos<strong>se</strong> <strong>se</strong><br />
Estreia: Estrei 18 Novembro 1997;<br />
Cambr Cambridge Theatre<br />
O “Daily “Da Telegraph”<br />
escreveu escr que “Chicago”<br />
era “entretenimento<br />
“<br />
perigosamente per<br />
<strong>se</strong>dutor”<br />
e a palavra-chave<br />
para par este musical é<br />
me mesmo essa: “<strong>se</strong>dução”.<br />
Sim Simples na sua dimensão<br />
cenográfi ca, c efi caz nos números,<br />
imediato nna<br />
relação com o<br />
espectado<br />
espectador, reduz ao es<strong>se</strong>ncial<br />
a teatralização teatraliza <strong>de</strong> uma história<br />
<strong>de</strong> crime e<br />
“chico-espertismo”.<br />
Sem Sem efeitos efeito <strong>de</strong> luz, cenográfi cos<br />
ou ilusórios, ilusório usa a dança, a voz,<br />
a interpretação interpret e a música como<br />
L
Londres: this is a Musical!<br />
s <strong>de</strong> um musical é um <strong>se</strong>m-fi m <strong>de</strong> lógicas que com o fi m proporcionar “a experiência completa”. Mas há mais num musical para lá <strong>de</strong> um fi nal espectacular.<br />
elementos catalisadores da<br />
acção – ao invés <strong>de</strong> fi car, como<br />
o fi lme, preso a “rodriguinhos”<br />
estilísticos.<br />
Mamma Mia!<br />
Encenado por Phyllida Lloyd. Músicas <strong>de</strong><br />
Benny An<strong>de</strong>rsson e Bjorn Ulvaeus. Libreto<br />
Catherine Johnson<br />
Estreia: 6 Abril 1999, The Prince of Wales<br />
Theatre<br />
Festa <strong>de</strong>lirante e ritual<br />
iniciático, a acção que <strong>de</strong>corre<br />
no palco <strong>de</strong>pressa <strong>se</strong> traduz em<br />
energia contagiante na sala.<br />
Conceptualmente simplista,<br />
preocupa-<strong>se</strong> pouco com o rigor<br />
da narrativa, o equilíbrio entre<br />
o registo musical e teatral ou<br />
o modo como as canções dos<br />
Abba po<strong>de</strong>m <strong>se</strong>r estímulos da<br />
acção em vez <strong>de</strong> “sing-a-longs”<br />
reducionistas. Mas já ninguém<br />
vai pela história.<br />
The Phantom of the Opera<br />
A partir da obra <strong>de</strong> Gaston Leroux. Música<br />
<strong>de</strong> Andrew Lloyd Webber. Letras <strong>de</strong><br />
Charles Hart. Encenação Harold Prince<br />
Estreia: 9 Outubro 1986, Her Majesty’s<br />
Theatre<br />
Pequena obra-prima da óperarock<br />
<strong>de</strong> Andrew Lloyd Weber,<br />
joga no terreno do teatro-noteatro<br />
e tornou-<strong>se</strong> um símbolo<br />
da efi cácia dos musicais do<br />
compositor inglês. É, a par <strong>de</strong><br />
“Les Mi<strong>se</strong>rables”, um objecto<br />
<strong>de</strong> outro tempo, quando a<br />
espectacularida<strong>de</strong> <strong>se</strong>rvia<br />
Cameron Mackintosh, o<br />
responsável pela produção <strong>de</strong><br />
qua<strong>se</strong> todos os principais<br />
momentos da história recente<br />
do teatro musical: foi pela mão<br />
<strong>de</strong>le que Andrew Lloyd Webber<br />
criou “The Phantom of the<br />
Opera” (na foto), “Cats” ou “Miss<br />
Saigon”<br />
público, variáveis relacionadas<br />
mas não previsíveis. No ano<br />
passado, o impacto dos musicais<br />
na economia londrina ascendia<br />
a 470 milhões <strong>de</strong> libras, <strong>se</strong>gundo<br />
o “Evening Standard” e, um ano<br />
antes, a contabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bilhetes<br />
vendidos chegou aos 13 milhões.<br />
O que não invalida que muitos<br />
teatros fechem portas pouco<br />
<strong>de</strong>pois da estreia.<br />
uma dramaturgia consistente.<br />
Pedra-<strong>de</strong>-toque da história da<br />
reinvenção dos musicais anglosaxónicos,<br />
resiste pelo modo<br />
como solidamente estrutura<br />
uma narrativa simbolista,<br />
fundamentando-a através <strong>de</strong><br />
personagens que são mais<br />
ricas do que os mo<strong>de</strong>los que<br />
repre<strong>se</strong>ntam. O momento da<br />
queda do can<strong>de</strong>labro é ainda<br />
motivo <strong>de</strong> susto e espanto, tal<br />
como há 23 anos.<br />
Versões <strong>de</strong> fi lmes<br />
O sucesso não está garantido.<br />
Benny An<strong>de</strong>rsson e Bjorn Ulvaeus,<br />
o duo dos Abba responsável<br />
por “Mamma Mia!”, fez, em 1986,<br />
uma tentativa prévia no musical<br />
mas, após oito <strong>se</strong>manas, “Chess”<br />
foi cancelado na Broadway,<br />
Nova Iorque. Não foi sufi ciente a<br />
promoção com concertos por toda<br />
a Europa com vozes como Elaine<br />
Page, nem que o libreto tives<strong>se</strong><br />
sido escrito por Tim Rice (um dos<br />
autores <strong>de</strong> “The Lion King”), ou<br />
que a encenação fos<strong>se</strong> <strong>de</strong> Trevor<br />
Nunn, que também fez “Les<br />
Misérables”, substituindo Michael<br />
Bennet, o encenador <strong>de</strong> “Chorus<br />
Line”. Escreve-<strong>se</strong> no programa<br />
<strong>de</strong> “Mamma Mia!” que a crítica<br />
esteve <strong>se</strong>mpre dividida e que<br />
classifi cou o espectáculo como um<br />
“trabalho em construção”. Apesar<br />
<strong>de</strong> tudo, em Londres aguentou-<strong>se</strong><br />
três anos. Pouco para os padrões<br />
tradicionais.<br />
Às vezes a ambição po<strong>de</strong> correr<br />
contra a própria i<strong>de</strong>ia. Se um<br />
musical <strong>de</strong> “O Senhor dos Anéis”<br />
po<strong>de</strong> parecer i<strong>de</strong>ia estranha,<br />
não o foi para a equipa que,<br />
tendo-o produzido em Toronto,<br />
quis apre<strong>se</strong>ntá-lo no West End<br />
londrino. Mais <strong>de</strong> 50 actores e<br />
qua<strong>se</strong> doze milhões <strong>de</strong> libras<br />
tornaram este num dos mais caros<br />
The Lion King<br />
Encenado por Julie Taymor. Música <strong>de</strong> Tim<br />
Rice e Elton John. Libreto Roger Allers e<br />
Irene Mecchi<br />
Estreia: 19 Outubro 1999, Lyceum Theatre<br />
A história do pequeno Simba<br />
que <strong>de</strong>scobre, a duras expensas,<br />
o que <strong>se</strong> pe<strong>de</strong> do rei dos<br />
animais não tem em palco a<br />
inventivida<strong>de</strong> dramatúrgica do<br />
fi lme, ainda que a estrutura –<br />
usando as músicas <strong>de</strong> Tim Rice<br />
e Elton John – <strong>se</strong>ja a mesma.<br />
espectáculos já produzidos na<br />
cida<strong>de</strong> ou, como dis<strong>se</strong> a imprensa<br />
na época, “em qualquer sítio fora<br />
<strong>de</strong> Las Vegas”. Estreado a 19 <strong>de</strong><br />
Junho <strong>de</strong> 2007, reduzia a trilogia<br />
<strong>de</strong> Tolkien a três horas e meia e<br />
não <strong>se</strong> aguentou mais <strong>de</strong> um mês.<br />
Os números do prejuízo ninguém<br />
revela mas tornou-<strong>se</strong> num mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> ambição que fez abrandar a<br />
febre das adaptações <strong>de</strong> fi lmes.<br />
Mas abertas as listas <strong>de</strong><br />
espectáculos, são ainda mais<br />
as adaptações <strong>de</strong> fi lmes do<br />
que as criações originais. Sem<br />
sair do Theatreland londrino é<br />
possível assistir a versões <strong>de</strong><br />
“Do Cabaré para o Convento”,<br />
“Os Con<strong>de</strong>nados <strong>de</strong> Shawshank”,<br />
“Hairspray”, “Legalmente Loura”,<br />
“As Raparigas do Calendário”,<br />
“Dirty Dancing”, “Billy Elliot”,<br />
“Grea<strong>se</strong>” ou “Priscilla, Rainha do<br />
De<strong>se</strong>rto”. Mas o ano passado uma<br />
versão <strong>de</strong> “Rain Man” afundou<strong>se</strong><br />
poucas <strong>se</strong>manas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
estrear. Na mesma altura, uma<br />
super-produção <strong>de</strong> “E tudo o Vento<br />
Levou” (4,75 milhões <strong>de</strong> libras),<br />
encenada por Trevor Nunn (“Les<br />
Misérables”... e “Chess”) e com<br />
cenários <strong>de</strong> John Napier (“Jesus<br />
Christ Superstar”) estreou a 22 <strong>de</strong><br />
Abril e encerrou a 14 Junho. Foi o<br />
quarto musical feito a partir <strong>de</strong> um<br />
livro que, no mesmo período, saiu<br />
<strong>de</strong> cena antes <strong>de</strong> tempo. Depois <strong>de</strong><br />
“O Senhor dos Anéis”, <strong>se</strong>guiram<strong>se</strong><br />
“Wil<strong>de</strong>”, a partir da vida <strong>de</strong><br />
Oscar Wil<strong>de</strong>, em cartaz apenas<br />
um dia, e “Por <strong>de</strong>trás da máscara<br />
<strong>de</strong> ferro”, a <strong>se</strong>quela <strong>de</strong> “Os Três<br />
Mosqueteiros”, que ainda fez três<br />
apre<strong>se</strong>ntações.<br />
A isto juntam-<strong>se</strong> os<br />
espectáculos-tributo aos Abba<br />
(“Mamma Mia!”), aos Queen (“We<br />
will rock you”) e a Michael Jackson<br />
(“Thriller – Live”), os dois últimos<br />
metaforizadas histórias sobre<br />
os percursos musicais da banda,<br />
o primeiro conhecido pesopesado,<br />
entretanto tornado fi lme.<br />
E, claro, as remontagens, como<br />
“Chicago”, “Hairspray”, “A Gaiola<br />
Dirigido por Julie Taymor,<br />
a realizadora <strong>de</strong> “Frida”, é<br />
simplista na coreografi a,<br />
explorando o excesso <strong>de</strong> zelo<br />
na conceptualização dos<br />
cenários e fi gurinos (todos<br />
os actores fazem <strong>de</strong> animais,<br />
antropormofi zando complexas<br />
marionetas e estruturas<br />
animadas), esvaziando-<strong>se</strong><br />
enquanto espectáculo completo.<br />
Les Mi<strong>se</strong>rables<br />
A partir <strong>de</strong> “Os Mi<strong>se</strong>ráveis”, <strong>de</strong> Victor<br />
Hugo. Libreto <strong>de</strong> Alain Boubil e Clau<strong>de</strong>-<br />
Michel Schonberg. Música <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong>-<br />
Michel Schonberg. Letras <strong>de</strong> Herbert<br />
Kretzmer. Encenação e adaptação <strong>de</strong><br />
Trevor Nunn e John Card<br />
Estreia: 8 Outubro 1985, Queen’s Theatre<br />
Clássico dos clássicos, não há<br />
quem não conheça as canções<br />
“Bring me home”, “I dreamed a<br />
dream”, “One day more” ou “Do<br />
you hear the people sing?”.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 33
das Loucas” ou “Breakfast at<br />
Tiff any’s”.<br />
“O West End teve <strong>se</strong>mpre uma<br />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> peças, musicais e<br />
outras formas <strong>de</strong> entretenimento.<br />
Mas tornou-<strong>se</strong> mais difícil<br />
produzir uma peça do que um<br />
musical por causa da televisão,<br />
que começou a prejudicar a<br />
formação <strong>de</strong> actores <strong>de</strong> teatro”, diz<br />
Nica Burns, directora executiva do<br />
Nymax Theatre ao qual pertencem<br />
o Apollo (on<strong>de</strong> está “Wicked”)<br />
e o Lyric (on<strong>de</strong> está “Thriller –<br />
Live”), citada pelo “Standard”.<br />
A “culpa” não <strong>se</strong>rá só da TV,<br />
<strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-<strong>se</strong>, mas a pressão do<br />
impacto mediático tem obrigado<br />
os teatros a recorrer a lógicas<br />
<strong>de</strong> rentabilida<strong>de</strong> mais efi cazes e<br />
imediatas.<br />
Se os custos <strong>de</strong> produção não<br />
são revelados ofi cialmente, são<br />
evi<strong>de</strong>ntes nos espectáculos. “Les<br />
Misérables” passou do Palace<br />
Theatre, com capacida<strong>de</strong> para<br />
1400 espectadores, para o Queen’s<br />
Theatre, umas portas abaixo,<br />
com menos 400 lugares e uma<br />
largura <strong>de</strong> palco menor, o que<br />
levou a um corte na orquestra,<br />
incapaz <strong>de</strong> fazer caber no poço<br />
um “en<strong>se</strong>mble” que no original<br />
ascendia a mais <strong>de</strong> 50 músicos.<br />
Hoje, a maior parte da música<br />
está gravada e a encenação teve<br />
que <strong>se</strong>r apertada para um palco<br />
on<strong>de</strong> os hidráulicos não garantem,<br />
dizem os actores, a superiorida<strong>de</strong><br />
e o impacto que a produção<br />
original tinha.<br />
A máquina como ela é<br />
São mais <strong>de</strong> 60 os teatros em<br />
Londres com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
apre<strong>se</strong>ntar musicais, mas a sua<br />
organização difere dos mo<strong>de</strong>los<br />
da Europa Continental. Pertencem<br />
a grupos, que po<strong>de</strong>m acolher<br />
outros espectáculos que não os<br />
produzidos por si, e têm directores<br />
diferentes cuja responsabilida<strong>de</strong><br />
<strong>se</strong> limita à gerência como <strong>se</strong><br />
fos<strong>se</strong> uma empresa, obe<strong>de</strong>cendo<br />
a diferentes sindicatos, lógicas<br />
<strong>de</strong> manutenção e regras cujo<br />
principal objectivo é cobrir as<br />
<strong>de</strong>spesas.<br />
Há tabelas para os intérpretes<br />
que são cumpridas à risca, e à<br />
hora: um actor po<strong>de</strong> ter vários<br />
papéis em várias fa<strong>se</strong>s, e os<br />
contratos são pensados para <strong>se</strong>is<br />
me<strong>se</strong>s, período ao fi m do qual <strong>se</strong><br />
Perfeito na sua construção<br />
musical e equilibrado na gestão<br />
dos tempos cénicos, sustenta<strong>se</strong><br />
num trabalho complexo<br />
e elegante: os diferentes<br />
elementos organizam-<strong>se</strong> para<br />
um espectáculo que prima pelo<br />
rigor que não é disfarçavel pelos<br />
efeitos visuais. Permanece<br />
um exemplo <strong>de</strong> verticalida<strong>de</strong><br />
teatral, movendo emoções <strong>se</strong>m<br />
<strong>se</strong>r <strong>se</strong>ntimentalista.<br />
Priscilla, Queen of the De<strong>se</strong>rt<br />
Encenado por Simon Phillips. Libreto <strong>de</strong><br />
Stephan Elliot e Allan Scott<br />
Estreia: 23 Março 2009, Palace Theatre<br />
34 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
proce<strong>de</strong> a renovação; um actor<br />
que pertença a um “en<strong>se</strong>mble”<br />
(normalmente capaz <strong>de</strong> fazer<br />
vários papéis) ganha, ao fi m do<br />
mês, 2500 libras, num somatório<br />
<strong>de</strong> diferentes funções – <strong>se</strong> for<br />
chamado a fazer mais do que<br />
um papel na mesma noite, vê<br />
acrescentada essa diferença<br />
salarial (não <strong>se</strong> incluem aqui os<br />
cabeças <strong>de</strong> cartaz que nunca<br />
ganham menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil libras).<br />
Aten<strong>de</strong>ndo a que um espectáculo<br />
faz uma gestão mínima <strong>de</strong> 20<br />
actores por um período nunca<br />
inferior a <strong>se</strong>is me<strong>se</strong>s, as contas<br />
justifi cam os preços altos dos<br />
bilhetes e o risco fi nanceiro que<br />
comporta um musical.<br />
No reino <strong>de</strong> Theatreland existe<br />
um Senhor, Cameron Mackintosh,<br />
o responsável pela produção<br />
<strong>de</strong> qua<strong>se</strong> todos os principais<br />
momentos da história recente<br />
do teatro musical. Foi pela mão<br />
<strong>de</strong>le que Andrew Lloyd Webber<br />
criou “The Phantom of the Opera”,<br />
“Cats” ou “Miss Saigon”. A famosa<br />
cena do can<strong>de</strong>labro que cai, e<br />
marca o fi m da primeira parte,<br />
em “Phantom of the Opera”<br />
continua a <strong>se</strong>r uma das razões<br />
para <strong>se</strong> ir ver o espectáculo.<br />
O helicóptero que entrava em<br />
palco em “Miss Saigon” era dos<br />
Mais não faz do que replicar<br />
o fi lme, sabendo aproveitar<br />
a <strong>se</strong>u favor, com recurso a<br />
uma engenhosa cenografi a, a<br />
impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recriação<br />
do <strong>de</strong><strong>se</strong>rto australiano no<br />
estreito palco. Para além <strong>de</strong><br />
um culto “camp” e “queer”<br />
que faz <strong>de</strong> cada espectáculo<br />
uma festa protagonizada por<br />
uma multidão ansiosa por<br />
uma noite numa discoteca<br />
revivalista. Mais espectáculo <strong>de</strong><br />
“vau<strong>de</strong>ville” do que musical, é<br />
momentos mais arrepiantes do<br />
teatro do último quarto <strong>de</strong> século.<br />
E “Cats” autonomizou a sua<br />
partitura, estando hoje a percorrer<br />
o mundo em diferentes versões<br />
nacionais. Dono <strong>de</strong> <strong>se</strong>te teatros,<br />
os principais, e com produções<br />
noutros tantos, Mackintosh é<br />
também o produtor original <strong>de</strong><br />
“Les Misérables”, on<strong>de</strong> <strong>se</strong> inclui<br />
a canção “I dreamed a dream”<br />
que recentemente <strong>se</strong>rviu para o<br />
fenómeno Susan Boyle.<br />
História pessoal,<br />
história colectiva<br />
Mackinstosh é alguém que há<br />
mais <strong>de</strong> 40 anos vive <strong>de</strong>ntro do<br />
teatro. Foi em 1965 que começou<br />
a trabalhar, então numa <strong>se</strong>gunda<br />
montagem da peça “Oliver!”,<br />
inspirada em “Oliver Twist”, <strong>de</strong><br />
Charles Dickens, e criada cinco<br />
anos antes. Tinha 14 anos. Fazia<br />
as mudanças <strong>de</strong> a<strong>de</strong>reços e<br />
arrumava o coro. Depois passou<br />
para a produção. A versão que<br />
estreou em Janeiro <strong>de</strong>ste ano,<br />
com Rowan Atkinson no papel<br />
<strong>de</strong> “Fagin”, é já a terceira que<br />
produz, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter feito uma<br />
na década <strong>de</strong> 70 e outra em 1994<br />
(estreia na encenação <strong>de</strong> musicais<br />
<strong>de</strong> Sam Men<strong>de</strong>s). Repre<strong>se</strong>nta um<br />
um sério concorrente ao megasucesso<br />
“Mamma Mia!”.<br />
Wicked – The Untold Story<br />
of the Witches of Oz<br />
Encenado por Joe Mantello. Música<br />
<strong>de</strong> Stephen Schwartz. Libreto Winnie<br />
Holzman<br />
Estreia: 27 Setembro 2006, Apollo Victoria<br />
Theatre<br />
Talvez o mais arriscado dos<br />
musicais, por partir <strong>de</strong><br />
uma referência como o “O<br />
Feiticeiro <strong>de</strong> Oz”, aposta osta<br />
numa cenografi a que e<br />
recria o mundo <strong>de</strong> Oz z em<br />
palco, numa composição ição<br />
pop, numa narrativa<br />
linear e num elenco<br />
jovem. Sem canções<br />
reconhecíveis mas<br />
interpretadas com<br />
qualida<strong>de</strong> superior,<br />
fez regressar ao<br />
West End uma<br />
Foram precisos três anos para<br />
encontrar os protagonistas <strong>de</strong><br />
“Billy Elliot”<br />
Por trás da<br />
espectacularida<strong>de</strong><br />
escon<strong>de</strong>-<strong>se</strong> um<br />
exercício calculista<br />
que não perdoa<br />
falhanços e on<strong>de</strong> a<br />
máxima <strong>de</strong> que “o<br />
espectáculo <strong>de</strong>ve<br />
continuar” é<br />
substituída pela<br />
evi<strong>de</strong>nte “só po<strong>de</strong><br />
continuar”<br />
investimento <strong>de</strong> 4,5 milhões <strong>de</strong><br />
libras.<br />
Estas histórias pessoais<br />
envolvem-<strong>se</strong> com a história<br />
colectiva da cida<strong>de</strong> e do teatro<br />
musical. Mackintosh recorda,<br />
no programa da peça, que “na<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> espectáculo com<br />
conceptualização global. Para<br />
a qual contribui o facto <strong>de</strong> ter<br />
como ba<strong>se</strong> um livro <strong>de</strong> Gregory<br />
Maguire escrito em 1990 90 que,<br />
tal como L. Frank Baum m na nna<br />
altura (90 anos antes), ,<br />
metaforiza e explora<br />
outras dimensões menos nos<br />
fantasiosas: há ecos da a<br />
guerra no Iraque, da<br />
reunifi ccação<br />
alemã e da<br />
<strong>de</strong>missão <strong>de</strong>miss <strong>de</strong> Margareth th<br />
Thatcher.<br />
Thatch<br />
Billy EElliot<br />
– The Musical usical<br />
Encenado Encena por Stephen Daldry. ldry.<br />
Música Música <strong>de</strong> Elton John. Libreto reto e<br />
letras d<strong>de</strong><br />
Lee Hall<br />
Estreia: 31 Março 2005, Victoria oria Palace<br />
Th Theatre<br />
Adaptado A<br />
pela equipa<br />
que produziu o fi lme,<br />
vai mais longe, , <strong>se</strong>ndo<br />
capaz <strong>de</strong> explorar rar<br />
manhã <strong>se</strong>guinte à estreia uma das<br />
críticas dizia que ‘Les Misérables’<br />
foi, infelizmente, reduzido a The<br />
Glums [os melancólicos]”. E que foi<br />
aí que apren<strong>de</strong>u o que era “o po<strong>de</strong>r<br />
do boca-a-boca”. Hoje ninguém<br />
questiona o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> atracção<br />
<strong>de</strong> um musical como este, mas<br />
a relação com a crítica não é a<br />
mais pacífi ca. Não faltam <strong>de</strong>bates<br />
sobre o impacto das adaptações<br />
<strong>de</strong> fi lmes numa história que não<br />
é tão superfi cial assim. “O Rei<br />
Leão comeu o Tchékov”, escrevia<br />
o “Standard”, como reacção à<br />
<strong>de</strong>sconfi ança qua<strong>se</strong> genética em<br />
relação ao género musical.<br />
Mas muitas vezes é a própria<br />
crítica a <strong>se</strong>r explorada apenas<br />
na sua dimensão promocional.<br />
A cida<strong>de</strong> está cheia <strong>de</strong> fra<strong>se</strong>s<br />
retiradas dos textos, à laia<br />
<strong>de</strong> “marketing”. Quando uma<br />
data <strong>de</strong> estreia é anunciada,<br />
estão previstas, pelo menos,<br />
duas <strong>se</strong>manas <strong>de</strong> ante-estreias,<br />
on<strong>de</strong> o espectáculo é testado e<br />
melhorado. Os críticos, “proibidos”<br />
<strong>de</strong> ir a essas ante-estreias, acorrem<br />
à primeira data e entregam os<br />
<strong>se</strong>us textos já com as rotativas a<br />
imprimir o jornal.<br />
Os produtores atiram com<br />
os números <strong>de</strong> público e as<br />
reacções entusiastas e imediatas,<br />
legitimando-as com tiradas<br />
<strong>se</strong>nsacionalistas que ajudam a<br />
alimentar a máquina. Máquina<br />
essa que é activada, ou justifi cada,<br />
pela pre<strong>se</strong>nça do público que<br />
não precisa saber nenhuma<br />
<strong>de</strong>stas mecânicas para <strong>se</strong>ntir “a<br />
experiência completa”.<br />
Ouvidos intrometidos por entre<br />
as ca<strong>de</strong>iras escutaram, numa das<br />
<strong>se</strong>ssões <strong>de</strong> “Chicago”, a conversa<br />
entre três amigos, em que uma<br />
das raparigas dis<strong>se</strong> ao rapaz<br />
que o ouviu cantar durante o<br />
espectáculo; ele respon<strong>de</strong>u que<br />
a culpa era da irmã, que “viu o<br />
musical <strong>se</strong>is vezes”. “A tua irmã,<br />
claro!”, e riram-<strong>se</strong>. “Nunca vão<br />
acreditar em mim, pois não?”<br />
– ele tentou. Não. Mas tal como<br />
nos gran<strong>de</strong>s fi nais, qualquer<br />
preconceito cai por terra perante<br />
o modo como esta máquina <strong>se</strong><br />
escon<strong>de</strong> dia após dia. T.B.C,<br />
em Londres<br />
Tiago Bartolomeu Costa viajou ao abrigo<br />
do Programa Cultural Lea<strong>de</strong>rship<br />
International do British Council<br />
um realismo social que data<br />
dos anos 80 mas encontra ecos<br />
hoje. As greves que opõem<br />
os mineiros ao Governo <strong>de</strong><br />
Thatcher, Thatch cher, a par da histó história tória do<br />
pequeno pe p qu q en eno Bi Bill Billy, lly, y, tor ttornado<br />
orna nado do bai bbailarino<br />
aila lari rin<br />
contra as suas expectativas,<br />
revelam re reve vela lam um quadro qua quadr<br />
dro que qu que evolui ev evol olui ui<br />
cenicamente através <strong>de</strong> cançõe canções<br />
<strong>de</strong> intervenção que prolongam a<br />
história, através <strong>de</strong> um fabuloso<br />
fabulos<br />
cenário que <strong>se</strong> transforma em<br />
ringue ringue <strong>de</strong> boxe, salão <strong>de</strong><br />
festas, interior da mina<br />
e<br />
casa <strong>de</strong> família e, claro, claro<br />
palco palco <strong>de</strong> teatro. Faz da<br />
experiência teatral um uma<br />
refl exão sobre o papel<br />
do teatro enquanto<br />
formador formador <strong>de</strong><br />
consciência e<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> memória.
EAMONN MCGOLDRICK<br />
Teatro<br />
Eles podiam ter feito uma adaptação<br />
clássica <strong>de</strong> “E Tudo o Vento Levou”,<br />
<strong>de</strong> tão obcecados que estavam com<br />
os cenários, as personagens, os medos<br />
e aspirações <strong>de</strong> um país que <strong>se</strong><br />
erguia <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma guerra absolutamente<br />
<strong>de</strong>vastadora, à procura <strong>de</strong><br />
uma re<strong>de</strong>finição.<br />
Eles podiam ter trabalhado o tema<br />
da reconstrução que atravessa o romance<br />
<strong>de</strong> Margaret Mitchell que o<br />
cinema celebrizou nos olhos <strong>de</strong> Vivien<br />
Leigh e na pronúncia exagerada <strong>de</strong><br />
Clark Gable a partir do dia-a-dia dos<br />
empresários oci<strong>de</strong>ntais, muitos <strong>de</strong>les<br />
americanos, que enriquecem em Bagdad<br />
à custa da <strong>de</strong>struição que a invasão<br />
causou, protegidos por mercenários-Blackwater.<br />
Eles podiam ter optado por uma<br />
peça sobre o feminismo – foi assim<br />
que começou, aliás – em que <strong>se</strong> evocas<strong>se</strong>m<br />
as mulheres fortes que atravessam<br />
o livro que valeu a Mitchell o<br />
Pulitzer em 1937.<br />
Mas os membros do colectivo The<br />
Team – Theater of the Emerging American<br />
Moment acabaram por <strong>se</strong>r levados<br />
noutras direcções. O espectáculo<br />
“Architecting”, que a Culturgest apre<strong>se</strong>nta<br />
em Lisboa entre 23 e 25 <strong>de</strong> Novembro,<br />
cruza diversas referências e<br />
meios – há dança, ví<strong>de</strong>o, música – para<br />
explorar o tema da reconstrução e<br />
da sobrevivência, <strong>se</strong>m que um <strong>se</strong> sobreponha<br />
ao outro.<br />
“Os dois estão ligados, não po<strong>de</strong>m<br />
<strong>se</strong>parar-<strong>se</strong>”, diz Rachel Chavkin, ao<br />
telefone <strong>de</strong> Nova Iorque e enquanto<br />
caminha apressadamente entre as<br />
aulas e o teatro. Chavkin partilha com<br />
Davey An<strong>de</strong>rson a encenação <strong>de</strong>sta<br />
peça que a companhia escreveu e que<br />
tem vindo a <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolver <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2006.<br />
“No fundo, a questão central <strong>de</strong>ste<br />
trabalho é como <strong>se</strong> reconstrói uma<br />
nação ou uma pessoa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma<br />
transformação maciça sobre a qual<br />
não tivemos qualquer controlo. Se<br />
respon<strong>de</strong>rmos a esta pergunta saberemos<br />
o que dizer a outra: como <strong>se</strong><br />
sobrevive a uma mudança radical que<br />
não pedimos, não previmos e não<br />
queremos? Esta é a questão que atravessa<br />
todo o romance <strong>de</strong> Mitchell e<br />
que andou <strong>se</strong>mpre às voltas nas nossas<br />
cabeças. E sobreviver é às vezes<br />
tão difícil... Mas mais para umas pessoas<br />
do que para outras.”<br />
Do romance e da vida real<br />
Num ritmo alucinante, criando por<br />
vezes cenas que parecem dominadas<br />
Num ritmo alucinante e tendo por referencial<br />
a América pós-Guerra Civil, com personagens saídas<br />
do “Gone with the Wind”, “Architecting” instala a acção<br />
num bar <strong>de</strong> Nova Orleães d.K. (<strong>de</strong>pois do Katrina)<br />
“A raça ainda<br />
é uma das questões<br />
fundamentais da vida<br />
americana. Mesmo<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todo o<br />
optimismo que<br />
vivemos o ano<br />
passado com a eleição<br />
do Presi<strong>de</strong>nte<br />
Obama...” Rachel<br />
Chavkin, encenadora<br />
pelo caos e tendo <strong>se</strong>mpre por referencial<br />
a América pós-Guerra Civil,<br />
“Architecting” instala fisicamente a<br />
acção num bar <strong>de</strong> Nova Orleães d.K.<br />
(<strong>de</strong>pois do Katrina, o furacão que <strong>de</strong>struiu<br />
a cida<strong>de</strong> em Agosto <strong>de</strong> 2005). É<br />
por lá que passa uma galeria <strong>de</strong> personagens<br />
saída do romance <strong>de</strong> Mitchell,<br />
mas também da vida real: um<br />
produtor <strong>de</strong> cinema branco que insiste<br />
num “remake” politicamente<br />
correcto do filme que Victor Fleming<br />
dirigiu em 1939, contratando para isso<br />
um realizador negro; uma mulher<br />
que quer vencer um concurso <strong>de</strong> beleza<br />
<strong>de</strong>stinado a escolher uma Scarlett<br />
O’Hara para um cortejo revivalista <strong>de</strong><br />
“E Tudo o Vento Levou”, uma jovem<br />
arquitecta que quer realizar o projecto<br />
do pai.<br />
Carrie Campbell, a arquitecta que<br />
Libby King interpreta <strong>de</strong> forma arrepiante,<br />
é uma <strong>de</strong>ssas mulheres fortes,<br />
e verda<strong>de</strong>iras, que marcam “Architecting”<br />
(Mitchell também lá está, com<br />
a flor branca que usa numa das suas<br />
fotografias mais conhecidas). Na peça<br />
ela tenta pôr <strong>de</strong> pé o projecto <strong>de</strong> Steve<br />
Campbell que, antes <strong>de</strong> morrer,<br />
planeara um complexo habitacional<br />
para “yuppies” on<strong>de</strong> antes <strong>se</strong> erguiam<br />
casas mo<strong>de</strong>stas, num bairro negro <strong>de</strong><br />
Nova Orleães totalmente <strong>de</strong>struído<br />
pelo Katrina. Na vida real é uma amiga<br />
<strong>de</strong> King, que <strong>se</strong> viu obrigada a regressar<br />
a casa, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitos anos<br />
em Chicago, para repre<strong>se</strong>ntar a família<br />
num negócio <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> terrenos<br />
no Nebraska.<br />
Foi este momento na vida da amiga<br />
<strong>de</strong> King que, com o livro <strong>de</strong> Mitchell<br />
que nenhum membro da companhia<br />
lera antes <strong>de</strong> começar a trabalhar nesta<br />
peça, <strong>se</strong>rviu <strong>de</strong> ba<strong>se</strong> ao primeiro<br />
embrião <strong>de</strong> “Architecting”, uma pequena<br />
peça apre<strong>se</strong>ntada num festival<br />
em Nova Iorque, no Outono <strong>de</strong> 2006.<br />
Chamava-<strong>se</strong> “Thanks For Coming Home,<br />
Carrie Campbell”.<br />
“O nosso processo é <strong>se</strong>mpre o mesmo<br />
– escolhemos um tema, lemos<br />
muitos dos livros que há para ler sobre<br />
o assunto, e começamos a trabalhar<br />
em estúdio, improvisando, escrevendo”,<br />
explica Chavkin. De início,<br />
“E Tudo o Vento Levou” foi uma “escolha<br />
pouco óbvia” e a contragosto,<br />
feita numa conversa com os funcionários<br />
da livraria que a encenadora<br />
mais frequenta. Mas resultou.<br />
A Team queria abordar a questão<br />
racial nos EUA, central em todo o “<strong>de</strong>sastre<br />
doméstico” em que o Katrina<br />
<strong>se</strong> transformou, central na oposição<br />
Norte-Sul da Guerra Civil.<br />
“A raça ainda é uma das questões<br />
fundamentais da vida americana.<br />
Mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> todo o optimismo<br />
que vivemos o ano passado com a<br />
eleição do Presi<strong>de</strong>nte Obama... Hoje<br />
o país está assustado. Olhamos para<br />
as livrarias e vemos todos aqueles títulos<br />
da ‘intelectualida<strong>de</strong>’ da direita<br />
radical, com o <strong>se</strong>u populismo violento.<br />
Agora acabam <strong>de</strong> <strong>se</strong>r lançadas as<br />
memórias <strong>de</strong> Sarah Palin [“Going Rouge”],<br />
ícone do racismo e da ignorância,<br />
uma mulher es<strong>se</strong>ncialmente antiimigração<br />
e anti-tudo que <strong>se</strong>ja ‘não<br />
branco’.”<br />
Rachel Chavkin espera que “Architecting”<br />
ponha as pessoas a pensar<br />
no que as ro<strong>de</strong>ia, em tudo o que gostariam<br />
<strong>de</strong> reconstruir, mas <strong>se</strong>m ingenuida<strong>de</strong>s<br />
nem optimismos. Para ela<br />
esta é uma peça negra e a fra<strong>se</strong> que<br />
Carrie Campbell diz no <strong>se</strong>u monólogo<br />
final resume-a, na sua essência: “As<br />
pessoas precisam <strong>de</strong> casas antes <strong>de</strong><br />
precisarem <strong>de</strong> monumentos comemorativos.”<br />
É nisso que Chavkin pensa<br />
quando olha para as ruínas das<br />
casas tradicionais <strong>de</strong> Nova Orleães,<br />
com os <strong>se</strong>us alpendres <strong>de</strong>struídos,<br />
ofuscadas pelas moradias que Brad<br />
Pitt está a construir. Ela acha o projecto<br />
do actor “maravilhoso”, mas<br />
gostava tanto dos velhos alpendres...<br />
Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos págs. 36 e<br />
<strong>se</strong>gs.<br />
E tudo o mundo levou<br />
O colectivo americano The Team apre<strong>se</strong>nta em Lisboa “Architecting”,<br />
proposta exigente que surpreen<strong>de</strong> e faz pensar na América e no mundo.<br />
Um “road-movie” <strong>se</strong>m optimismos. Lucinda Canelas<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 35
Teatro/Dança<br />
Pedro Tochas no Campo Alegre<br />
36 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Teatro<br />
Fechados<br />
<strong>de</strong>ntro da<br />
história<br />
<strong>de</strong> Deus<br />
Nuno Carinhas não<br />
combinou com José<br />
Saramago, mas parece-lhe<br />
“absolutamente pertinente”<br />
<strong>de</strong>bater a vida, a religião.<br />
Ana Cristina Pereira<br />
Breve Sumário<br />
da História <strong>de</strong> Deus<br />
De Gil Vicente. Encenação: Nuno<br />
Carinhas. Com Alberto Magas<strong>se</strong>la,<br />
Alexandra Gabriel, António Durães,<br />
Daniel Pinto, Joana Carvalho, João<br />
Cardoso, João Castro, João Pedro<br />
Vaz, Jorge Mota, Jorge Vasques, José<br />
Eduardo Silva, Lígia Roque, Mário<br />
Santos, Miguel Loureiro, Paulo<br />
Freixinho, Pedro Almendra, Pedro<br />
Frias.<br />
Porto. Teatro Nacional São João. Pç. Batalha. De<br />
20/11 a 20/12. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às<br />
16h. Tel.: 223401910. 7€ a 15€.<br />
As personagens não saem <strong>de</strong> cena.<br />
Po<strong>de</strong>mos vê-las, po<strong>de</strong>mos não vêlas,<br />
mas estão <strong>se</strong>mpre lá, como que<br />
presas naquele espaço. Há camas<br />
encavalitadas <strong>de</strong> um lado, camas<br />
encavalitadas do outro, <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira<br />
áspera, a remeter para os campos <strong>de</strong><br />
concentração <strong>de</strong> Auschwitz-<br />
Birkenau.<br />
O encenador e cenógrafo Nuno<br />
Carinhas tem queda para enfiar o<br />
teatro <strong>de</strong>ntro do teatro. Fez isto ao<br />
encenar as “Beiras” (2007), a partir<br />
<strong>de</strong> “Farsa <strong>de</strong> Inês Pereira”, “Farsa do<br />
Juiz da Beira” e “Tragicomédia<br />
Pastoril da Serra da Estrela”, <strong>de</strong> Gil<br />
Vicente. E fê-lo agora, neste “Breve<br />
Sumário da História <strong>de</strong> Deus”, do<br />
Agenda<br />
Teatro<br />
Estreiam<br />
O Vulcão<br />
De Abel Neves. Encenação: João<br />
Grosso. Com Custódia Gallego.<br />
Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II. Pç. D. Pedro IV.<br />
De 26/11 a 20/12. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h45. Dom. às<br />
16h15. Tel.: 213250835. 12€ (sujeitos a <strong>de</strong>scontos).<br />
Na Sala Estúdio.<br />
Ana<br />
De José Maria Vieira Men<strong>de</strong>s.<br />
Encenação: Jorge Silva Melo. Com<br />
António Simão, Pedro Lacerda, Rita<br />
Brütt, Sylvie Rocha.<br />
Almada. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Almada. Av. Professor<br />
Egas Moniz. Tel.: 212739360.<br />
Pequeno Auditório.<br />
Lado B<br />
“L’’Après-midi - Un solo pour<br />
Emmanuel Eggermont”<br />
no Materiais Diversos<br />
Diogo Infante, encenador <strong>de</strong><br />
“O Ano do Pensamento Mágico”<br />
“Po<strong>de</strong> a nossa socieda<strong>de</strong> estar arredada <strong>de</strong>s<strong>se</strong> livro fundamental,<br />
que é a Bíblia?”, pergunta Nuno Carinhas<br />
mesmo autor.<br />
Po<strong>de</strong>mos ver ali um campo <strong>de</strong><br />
concentração, como o que aparece n’<br />
“A Vida é Bela”, <strong>de</strong> Roberto Benigni.<br />
E po<strong>de</strong>mos não ter ida<strong>de</strong> para isso e<br />
ver “um colégio interno, um<br />
convento, um albergue nocturno”.<br />
Em qualquer caso, um espaço<br />
minado (gerido?) por figuras<br />
<strong>de</strong>moníacas.<br />
Carinhas quis “fazer nascer o auto<br />
como um ritual ou repre<strong>se</strong>ntação que<br />
po<strong>de</strong> advir da espera”. Os<br />
espectadores entram na sala do<br />
Teatro Nacional <strong>de</strong> São João e os<br />
actores já estão no palco. Há uma<br />
cortina <strong>de</strong> tule (quarta pare<strong>de</strong>).<br />
Através <strong>de</strong>la, po<strong>de</strong> ver-<strong>se</strong> como <strong>se</strong><br />
movem ou <strong>se</strong> <strong>de</strong>ixam estar. É como<br />
<strong>se</strong> redistribuís<strong>se</strong>m papéis <strong>de</strong> uma<br />
peça já tantas vezes feita.<br />
Um anjo criado à imagem da<br />
estátua Anjo <strong>de</strong> Portugal (Joana<br />
Carvalho), que Carinhas viu no<br />
Mu<strong>se</strong>u <strong>de</strong> Arte Antiga e que pertence<br />
De Pedro Tochas. Com Pedro Tochas.<br />
Porto. Teatro do Campo Alegre. R. das Estrelas s/n.<br />
Dia 26/11. 5ª às 22h. Tel.: 226063000. M/16.<br />
Eurovision<br />
De Pedro Penim, Martim Pedroso,<br />
André e.Teodósio. Com Pedro Penim,<br />
André e.Teodósio.<br />
Aveiro. Teatro Aveiren<strong>se</strong>. Pç. República. Dia 25/11. 4ª<br />
às 22h. Tel.: 234400922. 4€.<br />
Arquitectar<br />
Encenação: Rachel Chavkin. Com<br />
Frank Boyd, Jill Frutkin, Lana Lesley,<br />
Libby King, Jake Margolin, Kristen<br />
Sieh.<br />
Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. De 23/11 a 25/11. 2ª, 3ª e 4ª às 21h30. Tel.:<br />
217905155. 15€ (sujeitos a <strong>de</strong>scontos).<br />
Bleib Opus #3<br />
De Michel Schweizer. Encenação:<br />
Michel Schweizer. Com Philippe<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
ao Convento <strong>de</strong> Cristo, apre<strong>se</strong>nta o<br />
auto. Lúcifer (António Durães), o anjo<br />
caído, tem voz <strong>de</strong> trovão. Satanás<br />
(Paulo Freixinho) silva como o<br />
Gollum do “Senhor dos Anéis”,<br />
trilogia cinematográfica <strong>de</strong> Peter<br />
Jackson, a partir <strong>de</strong> J.R.R. Tolkien. É<br />
ele que faz pecar Eva (Lígia Roque),<br />
que logo arrasta Adão (João<br />
Cardoso), e com ele toda a<br />
humanida<strong>de</strong> até Jesus Cristo (Daniel<br />
Pinto) a vir redimir.<br />
Pelo palco, <strong>de</strong>sfila Abel (Pedro<br />
Frias), o justo pastor assassinado pelo<br />
irmão, Caim. E o inquebrável Job,<br />
atingido por sucessivas perdas. E<br />
Abraão ( Jorge Mota), Moisés (Alberto<br />
Magas<strong>se</strong>la), David ( José Eduardo<br />
Silva), Isaías (Mário Santos), a<br />
repre<strong>se</strong>ntar a Lei da Escritura. E,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>les, João Baptista (João<br />
Pedro Vaz), Jesus Cristo. E, entre eles,<br />
o Mundo (Pedro Almendra), o Tempo<br />
( João Castro), a Morte (Alexandra<br />
Gabriel). A Morte, neste espectáculo,<br />
Desamblanc, Titeuf <strong>de</strong> la Fontaine St<br />
Maurice, Jean Gallego, Ulster,<br />
François Vavas<strong>se</strong>ur, Robot du Vieux<br />
Marronnier, Frédéric Prulhière,<br />
Khéops, Hervé Guével, Bosco, Dany-<br />
Robert Dufour, Gérard Gourdot, Jean-<br />
Pierre Lebrun, Friedrich Lauterbach.<br />
Lisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos. Av. Frei<br />
Miguel Contreiras, 52. De 21/11 a 22/11. Sáb. e Dom. às<br />
21h30. Tel.: 218438801. 12€ (5€ para -30 anos).<br />
Alkantara Festival. Festival Temps<br />
D’Images. Em francês, com legendas<br />
em português.<br />
A Gaiola das Loucas<br />
De Jean Poiret. Encenação: Filipe La<br />
Féria. Com José Raposo, Carlos<br />
Quintas, Rita Ribeiro, Joel Branco,<br />
Hugo Rendas.<br />
Lisboa. Teatro Politeama. R. Portas <strong>de</strong> Santo Antão,<br />
109. De 20/11 a 31/12. 3ª, 4ª, 5ª e 6ª às 21h30. Sáb. às<br />
17h e 21h30. Dom. às 17h. Tel.: 213245500.<br />
“Arquitectar”, <strong>de</strong> Rachel Chavkin<br />
é pálida, frágil, andrógina. E Jesus<br />
Cristo transborda cor, calor,<br />
humanida<strong>de</strong>s.<br />
O encenador não combinou com<br />
José Saramago, que acaba <strong>de</strong> lançar o<br />
livro “Caim”. Parece-lhe<br />
“absolutamente pertinente” <strong>de</strong>bater<br />
a vida, a religião. “Po<strong>de</strong> a nossa<br />
socieda<strong>de</strong> estar arredada <strong>de</strong>s<strong>se</strong> livro<br />
fundamental, que é a Bíblia?”,<br />
pergunta. “Parece que há um luxo,<br />
mais entre os católicos do que entre<br />
os protestantes, <strong>de</strong> não querer saber,<br />
<strong>de</strong> não querer reflectir.”<br />
Carinhas encara “Breve Sumário<br />
da História <strong>de</strong> Deus” como “um<br />
poema sobre um poema”. E nele<br />
enxerta três poemas<br />
contemporâneos: o Salmo 139,<br />
traduzido por Herberto Hél<strong>de</strong>r,<br />
“Palavras <strong>de</strong> Jacob <strong>de</strong>pois do sonho”,<br />
<strong>de</strong> Ruy Belo, e “Reconciliação”, <strong>de</strong><br />
El<strong>se</strong> Lasker-Schuler.<br />
Não acha que falta qualquer coisa<br />
ao “Breve Sumário...” para viver<br />
Jardim Zoológico <strong>de</strong> Cristal<br />
De Tennes<strong>se</strong>e Williams. Encenação:<br />
Nuno Cardoso. Com Maria do Céu<br />
Ribeiro, Micaela Cardoso, Luís<br />
Araújo, Romeu Costa.<br />
Braga. Theatro Circo. Av. Liberda<strong>de</strong>, 697. De 20/11 a<br />
21/11. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.: 253203800. 8€. M/16.<br />
Continuam<br />
Ana<br />
De José Maria Vieira Men<strong>de</strong>s.<br />
Encenação: Jorge Silva Melo. Com<br />
António Simão, Pedro Lacerda, Rita<br />
Brütt, Sylvie Rocha.<br />
Lisboa. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do<br />
Império. Até 22/11. 2ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 19h00<br />
(nos dias 13, 14, 16, 18 e 19/11). 6ª, Sáb. e Dom. às<br />
21h00 (nos dias 15, 20, 21 e 22/11). Tel.: 213612400.<br />
10€.<br />
Na Sala <strong>de</strong> Ensaio.<br />
YI ZHAO<br />
FERNANDO VELUDO/ NFACTOS
enquanto narrativa: “Adoro este auto.<br />
Acho Gil Vicente um génio. Há<br />
bocados <strong>de</strong> Gil Vicente que me<br />
lembram Camões”. Julga até “um<br />
disparate” pensar em actualizar a sua<br />
linguagem. Parece-lhe, porém,<br />
“legítimo” fazer aqueles enxertos,<br />
produzir sobressaltos, “suspensões<br />
<strong>de</strong> <strong>se</strong>ntido” nos ouvidos os<br />
espectadores através <strong>de</strong> “linguagens<br />
diversas”. E assim <strong>de</strong>le “aproximar o<br />
texto”.<br />
Faltoulhes<br />
um<br />
bocadinho<br />
“assim”<br />
Nos primeiros momentos<br />
em que eles ainda estão<br />
vestidos, somos levados a<br />
pensar que o espectáculo e as<br />
calças escon<strong>de</strong>m surpresas.<br />
Percebemos que não.<br />
Tiago Bartolomeu Costa<br />
Rapazes Nus a Cantar<br />
Encenação <strong>de</strong> Henrique Feist<br />
Até 19 Dezembro, Auditório do Casino Estoril, 21h30<br />
mmnnn<br />
“A Gaiola das Loucas”<br />
Estreado na Off-Broadway, em Nova<br />
Iorque há <strong>de</strong>z anos, “Naked Boys<br />
Singing” revelou-<strong>se</strong> um fenómeno<br />
pelo modo como <strong>de</strong>sbaratava<br />
conceitos e regras num registo<br />
mordaz, irónico e, naturalmente,<br />
“queer”. Espalhou-<strong>se</strong> pelo mundo em<br />
diferentes adaptações e mais do<br />
espectáculo <strong>de</strong> cabaré que <strong>de</strong> teatro,<br />
“Rapazes Nus a Cantar” é (ou era no<br />
original) um punhado <strong>de</strong> canções<br />
bem esculpidas e irónicas,<br />
es<strong>se</strong>ncialmente breves e tipificadas,<br />
mas por on<strong>de</strong> passava não apenas o<br />
“fait-diver” do nu mas, através <strong>de</strong>le, e<br />
O Ano do Pensamento Mágico<br />
De Joan Didion. Encenação: Diogo<br />
Infante. Com Eunice Muñoz.<br />
Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II.<br />
Pç. D. Pedro IV. Até 20/12. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h30.<br />
Dom. às 16h00. Tel.: 213250835. 7,5€ a 16€ (sujeitos a<br />
<strong>de</strong>scontos).<br />
O Que <strong>se</strong> Leva Desta Vida<br />
De Gonçalo Waddington, João<br />
Canijo, Tiago Rodrigues. Com<br />
Gonçalo Waddington, Tiago<br />
Rodrigues.<br />
Lisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº Maria<br />
Cardoso, 38-58. Até 22/11. 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h00.<br />
Dom. às 17h30 (no dia 15/11, às 17h30, <strong>se</strong>ssão com<br />
interpretação em língua gestual portuguesa). Tel.:<br />
213257650.<br />
Máquina <strong>de</strong> Somar<br />
De Elmer Rice. Encenação: Fenanda<br />
Lapa. Com Henrique Feist, Luís<br />
Madureira, Joana Manuel, Luísa<br />
com o característico humor ju<strong>de</strong>u, o<br />
prazer <strong>de</strong> brincar com a <strong>se</strong>xualida<strong>de</strong>,<br />
as i<strong>de</strong>ias feitas e, naturalmente, a<br />
vertente “gay”. O talento dos rapazes<br />
(que por acaso estariam nus) ver-<strong>se</strong>-ia<br />
no modo como sobreviviam à eficácia<br />
das canções, à <strong>de</strong>sfaçatez das letras, à<br />
simplicida<strong>de</strong> da encenação e à subtil<br />
mas não por isso simplista<br />
interpretação.<br />
Ora, pouco disto existe no<br />
espectáculo agora produzido em<br />
Portugal, não obstante o trabalho <strong>de</strong><br />
composição e interpretação musical<br />
<strong>de</strong> Nuno Feist, e a encenação <strong>de</strong><br />
Henrique Feist. Há, <strong>de</strong> facto, uma<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar a evidência numa<br />
mais valia, rejeitando artificialismos<br />
cénicos, efeitos sonoros ou<br />
elaboradas construções<br />
dramatúrgicas. E existem mesmo três<br />
momentos em que isso <strong>se</strong> <strong>se</strong>nte <strong>de</strong><br />
forma mais evi<strong>de</strong>nte, um número<br />
sobre um empregado a dias que faz<br />
mais do que <strong>se</strong> lhe pe<strong>de</strong>, um outro<br />
sobre um actor porno da Coina,<br />
Margem Sul, e mais um sobre uma<br />
estrela (interpretado por um Pedro<br />
Pernas que gere bem a multifacetada<br />
experiência com Fernando Gomes,<br />
um mestre na criação <strong>de</strong> musicais e<br />
espectáculos apenas, e<br />
superficialmente, populares).<br />
Mas verda<strong>de</strong> é que, no geral, o<br />
esforço dos rapazes não compensa a<br />
falta <strong>de</strong> aptidão para o canto, dança e<br />
a interpretação, ficando por provar<br />
como é que a nu<strong>de</strong>z, e o que ela<br />
mostra, po<strong>de</strong> compensar tão fraca<br />
exibição.<br />
Será inevitável, e o título a isso<br />
obriga, que nos primeiríssimos<br />
momentos <strong>de</strong> “Rapazes Nus a<br />
Cantar”, os poucos e breves minutos<br />
em que ele ainda estão vestidos,<br />
<strong>se</strong>jamos levados a pensar que o<br />
espectáculo (e as calças) escon<strong>de</strong>m<br />
surpresas. Depressa somos<br />
surpreendidos pela sua ausência<br />
(evita-<strong>se</strong> aqui uma falta <strong>de</strong> chá na<br />
comparação dos <strong>se</strong>us outros talentos<br />
naturais e <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolvidos).<br />
O resto, <strong>se</strong> po<strong>de</strong>mos sorrir (como o<br />
da circuncisão e da ob<strong>se</strong>ssão judaica<br />
com o prepúcio), a maior parte das<br />
vezes não arranca da mediania ou do<br />
sofrível (todas as cenas que falam <strong>de</strong><br />
amor, <strong>de</strong> dúvida e <strong>de</strong> angústia com a<br />
<strong>se</strong>xualida<strong>de</strong>). Para este <strong>de</strong><strong>se</strong>quilíbrio<br />
concorre, afinal, a limitada<br />
capacida<strong>de</strong> dos intérpretes a <strong>se</strong>rem<br />
inventivos na ausência <strong>de</strong> artifícios, e<br />
a assumirem o espectáculo como<br />
aquilo que é: rapazes nus a cantar. Se<br />
não cantam, a nu<strong>de</strong>z <strong>de</strong>veria<br />
compensar. Nem uma nem outra<br />
coisa, ficando tão aquém do <strong>de</strong>leite<br />
“voyeurista” quanto a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
vermos a nu<strong>de</strong>z apenas e só como<br />
um <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong> figurino.<br />
O esforço dos rapazes não compensa a falta <strong>de</strong> aptidão<br />
Brandão, Luís Gaspar, Sérgio Lucas,<br />
Bruno Cochat, Andreia Ventura,<br />
Joana Campelo.<br />
Lisboa. Teatro da Trinda<strong>de</strong>. Largo da Trinda<strong>de</strong>, 7 A.<br />
Até 24/11. 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 20h30. Dom. às<br />
16h00. Tel.: 213420000.<br />
Dança<br />
Estreiam<br />
L’’Après-midi - Un solo pour<br />
Emmanuel Eggermont<br />
Coreografia: Raimund Hoghe.<br />
Bailarino:Raimund Hoghe.<br />
Torres Novas. Teatro Virgínia. Largo<br />
São José Lopes dos Santos. Dia 21/11. Sáb. às 21h30.<br />
Tel.: 249839309.<br />
5€ (c/ <strong>de</strong>scontos); 50€ (livre trânsito).<br />
M/12. Materiais Diversos - Festival <strong>de</strong><br />
Artes Performativas.<br />
Der Mann ist verrückt<br />
De Vera Suchánková<br />
(thereminista e co-criadora).<br />
Coreografia: Tânia Carvalho.<br />
Com Vera Suchánková, Tânia<br />
Carvalho.<br />
Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. De 20/11 a 21/11. 6ª às 21h30. Sáb. às 19h. Tel.:<br />
217905155. 5€.<br />
Pequeno Auditório. No âmbito do<br />
Festival Temps d’’Images.<br />
Magyar Tàncok<br />
Torres Novas. Torres Novas. . Dia 20/11. 6ª às 21h.<br />
5€ (c/ <strong>de</strong>scontos); 50€ (livre trânsito).<br />
Noite partilhada: bilhete único para<br />
Magyar Tàncok e Rancho Folclórico<br />
do Covão do Coelho. Materiais<br />
Diversos - Festival <strong>de</strong> Artes<br />
Performativas. No Blackbox Caorg<br />
(em Min<strong>de</strong>).<br />
ESTA IMAGEM NÃO FOI ALTERADA PELO ÍPSILON<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 37
Expos<br />
ENRIC VIVES-RUBIO<br />
“É Proibido Proibir!”: recusar uma<br />
relação óbvia entre forma e função<br />
38 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Político,<br />
plástico,<br />
peluche<br />
Objectos que pediam<br />
um utilizador novo.<br />
Mário Moura<br />
É Proibido Proibir!<br />
De Archizoom Associati, Studio 65,<br />
Grupo Sturm, Superstudio, Pierre<br />
Paulin, Verner Panton, Gaetano<br />
Pesce, Cesare Paolini, Roberto<br />
Matta, Marco Zanusso, Bill Gibb,<br />
Courrèges, Emilio Pucci, Mary<br />
Quant, Ossie Clark, Vivienne<br />
Westwood, Zandra Rho<strong>de</strong>s, entre<br />
outros.<br />
Lisboa. MUDE - Mu<strong>se</strong>u do Design e da Moda. Rua<br />
Augusta 24. T. 218886117. Até 31/1. 3ª a 5ª e dom. Das<br />
10h às 20h. 6ª e sáb. Das 10h às 22h.<br />
Design, Objectos, Outros.<br />
mmmnn<br />
Para muita gente é difícil associar o<br />
<strong>de</strong>sign à política, ao ponto <strong>de</strong> <strong>se</strong><br />
acreditar que a única relação possível<br />
entre os dois é necessariamente <strong>de</strong><br />
oposição ou pelo menos <strong>de</strong> ironia.<br />
Por exemplo: como relacionar o<br />
<strong>de</strong>sign dos anos 60 e 70 com os<br />
movimentos inflamados <strong>de</strong>ssa época?<br />
A resposta não é fácil, porque ten<strong>de</strong> a<br />
procurar no <strong>de</strong>sign temas políticos –<br />
um poster anunciando uma<br />
manifestação, a roupa <strong>de</strong> um<br />
guerrilheiro urbano, equipamento<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>nhado para <strong>se</strong>r usado em paí<strong>se</strong>s<br />
do terceiro mundo. Contudo, reduzir<br />
a política a uma temática é o mesmo<br />
que dizer que o <strong>de</strong>sign só é político<br />
quando trata <strong>de</strong> assuntos políticos.<br />
Esta exposição assume uma<br />
posição mais subtil, que <strong>se</strong> torna<br />
evi<strong>de</strong>nte logo na primeira sala, um<br />
átrio sinuoso forrado a peluche,<br />
on<strong>de</strong> a voz <strong>de</strong> Caetano Veloso insiste<br />
que “É proibido proibir! É proibido<br />
proibir!” Dispersas pelas pare<strong>de</strong>s<br />
felpudas estão imagens datadas <strong>de</strong><br />
sofás com formas extravagantes,<br />
alguns <strong>de</strong>les i<strong>de</strong>ntificáveis apenas<br />
pela pre<strong>se</strong>nça refastelada e divertida<br />
<strong>de</strong> um corpo humano, cuja po<strong>se</strong><br />
parece <strong>de</strong>safiar a urgência repetitiva<br />
do refrão. Contudo, não <strong>se</strong> trata <strong>de</strong><br />
uma contradição: lembrem-<strong>se</strong> que<br />
estamos a falar do final da década <strong>de</strong><br />
60, um período on<strong>de</strong> a paz, o <strong>se</strong>xo<br />
mas também a indolência eram<br />
reivindicados como direito político.<br />
Lembrem-<strong>se</strong>, também, que esta foi<br />
uma época encurralada entre dois<br />
tipos <strong>de</strong> moralismo no que dizia<br />
respeito aos objectos: <strong>de</strong> um lado,<br />
um credo funcionalista que os via<br />
como máquinas (o mo<strong>de</strong>rnismo,<br />
com as suas habitações minimalistas<br />
e a sua mobília tubular em metal e<br />
couro); do outro, uma filosofia<br />
con<strong>se</strong>rvadora que os via como a<br />
repre<strong>se</strong>ntação <strong>de</strong> uma certa or<strong>de</strong>m<br />
social (a burguesia, com os <strong>se</strong>us<br />
naprons, os <strong>se</strong>us aparadores, as suas<br />
fotografias em caixilhos<br />
envernizados).<br />
Estas duas doutrinas não <strong>se</strong><br />
contrariavam totalmente, na medida<br />
em que ambas acreditavam que um<br />
objecto <strong>de</strong>veria cumprir uma função<br />
<strong>de</strong>finida, que <strong>de</strong>veria sobretudo <strong>se</strong>r<br />
útil e parecer útil – ou <strong>se</strong>ja: que a sua<br />
forma <strong>de</strong>veria reflectir a sua função.<br />
Qualquer uma <strong>de</strong>las entendia o<br />
<strong>de</strong>sign como reflexo <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m<br />
social pré-existente, mas havia uma<br />
terceira opção, mais radical: recusar<br />
uma relação óbvia entre forma e<br />
função, concebendo objectos<br />
polimórficos e multifuncionais em<br />
que estes dois termos <strong>se</strong> <strong>de</strong>sligavam<br />
propositadamente um do outro,<br />
tornando-<strong>se</strong> autónomos e<br />
arbitrários, pondo assim em causa<br />
não apenas as regras do bom <strong>de</strong>sign,<br />
mas as estruturas sociais aceites.<br />
As peças mostradas nesta<br />
exposição, sobretudo roupa e<br />
mobiliário, encaixam-<strong>se</strong> <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong>sta filosofia. Dispostas sobre<br />
colinas <strong>de</strong> peluche colorido ou<br />
escondidas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casas <strong>de</strong><br />
plástico translúcido, parecem-<strong>se</strong><br />
com os habitantes <strong>de</strong> um mundo<br />
psicadélico on<strong>de</strong> a escala e a<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Espaço<br />
Público<br />
Este espaço vai <strong>se</strong>r<br />
<strong>se</strong>u. Que fi lme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
utilida<strong>de</strong> não são valores <strong>de</strong> todo<br />
evi<strong>de</strong>ntes. Aqui, um sofá po<strong>de</strong><br />
assumir a forma <strong>de</strong> uma luva <strong>de</strong><br />
ba<strong>se</strong>ball gigante; ali, a <strong>de</strong> um ninho<br />
<strong>de</strong> pássaro com uma almofada em<br />
forma <strong>de</strong> ovo; acolá, a dos lábios <strong>de</strong><br />
Marilyn Monroe. Alguns objectos<br />
recusam mesmo toda a<br />
i<strong>de</strong>ntificação, assumindo formas<br />
novas, bolhas <strong>de</strong> plástico que <strong>se</strong><br />
abrem para revelar ca<strong>de</strong>iras,<br />
máquinas <strong>de</strong> escrever ou televisões.<br />
Uns poucos, parecendo-<strong>se</strong> com<br />
poltronas mo<strong>de</strong>rnistas, recusam a<br />
sua função original através <strong>de</strong><br />
espigões acerados que perfurariam<br />
<strong>se</strong>m dúvida quem neles <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntas<strong>se</strong>.<br />
Nenhuma <strong>de</strong>stas peças nega<br />
propriamente uma origem<br />
industrial. Na verda<strong>de</strong>, agarram nas<br />
características da reprodução em<br />
série e levam-nas até ao limite: um<br />
objecto po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r construído<br />
modularmente a partir <strong>de</strong> peças e<br />
funcionalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sproporcionadas<br />
ou antagónicas entre si; po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r<br />
reproduzido em várias escalas,<br />
mesmo que <strong>se</strong> torne numa coisa<br />
completamente diferente com o<br />
tamanho; po<strong>de</strong> concentrar em si<br />
funcionalida<strong>de</strong>s ao ponto <strong>de</strong> <strong>se</strong><br />
tornar pouco prático. Mesmo o<br />
vocabulário modular e utilitarista da<br />
indústria é usado <strong>de</strong> modo rigoroso<br />
mas sarcástico quando <strong>se</strong> chama a<br />
um sofá com um padrão <strong>de</strong> leopardo<br />
o “Safari Seating System” (bom<br />
nome para uma banda).<br />
Estes objectos pediam um<br />
utilizador novo, alguém que<br />
estives<strong>se</strong> disposto a <strong>de</strong>ixar para trás<br />
uma socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> cada objecto e<br />
cada pessoa tinham o <strong>se</strong>u lugar<br />
cativo, entrando numa socieda<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>se</strong>riam bastante<br />
mais movediças. De certo modo,<br />
uma socieda<strong>de</strong> como a nossa, on<strong>de</strong><br />
um objecto que <strong>se</strong> parece vagamente<br />
com um telefone po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r usado<br />
como um computador, um livro, um<br />
mapa, um tabuleiro <strong>de</strong> xadrez, uma<br />
televisão, um rádio ou uma máquina<br />
fotográfica – cada uma <strong>de</strong>stas<br />
funções distinta apenas em termos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sign.<br />
A partir <strong>de</strong> peças da colecção<br />
Francisco Capelo, Bárbara Coutinho<br />
concebeu uma exposição que nos<br />
permite revisitar uma época crucial<br />
na compreensão das políticas do<br />
<strong>de</strong>sign e que vive do carisma<br />
excêntrico dos objectos expostos,<br />
amplificado pela cenografia<br />
<strong>de</strong>lirante da sala. A narrativa que<br />
enquadra a exposição, centrando-<strong>se</strong><br />
na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> um corpo libertado,<br />
levanta questões importantes, mas<br />
cai por vezes em opções forçadas.<br />
Não <strong>se</strong> po<strong>de</strong>, por exemplo, falar<br />
verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong><br />
multiculturalismo a propósito <strong>de</strong><br />
uma exposição sobre o <strong>de</strong>sign inglês<br />
e italiano da década <strong>de</strong> 60 e 70 – a<br />
referência isolada ao Brasil no título<br />
não chega para o justificar. Do<br />
mesmo modo, <strong>se</strong> a apre<strong>se</strong>ntação da<br />
bibliografia sob a forma <strong>de</strong> sala on<strong>de</strong><br />
exemplares <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> Lacan,<br />
Barthes, Foucault ou Levi-Strauss<br />
estão pendurados do tecto por fios<br />
chama a atenção para eles enquanto<br />
objectos, a gran<strong>de</strong> maioria são<br />
edições recentes e em geral bastante<br />
<strong>de</strong>sastradas no que diz respeito ao<br />
<strong>de</strong>sign. Numa exposição ou<br />
instituição que não estives<strong>se</strong> tão<br />
ligada ao <strong>de</strong>sign esta falta da atenção<br />
– que <strong>se</strong> esten<strong>de</strong> ao mal con<strong>se</strong>guido<br />
<strong>de</strong>sign dos textos <strong>de</strong> apoio e <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificação das peças – <strong>se</strong>ria qua<strong>se</strong><br />
perdoável.<br />
A aresta<br />
trágica<br />
Fotografias e <strong>de</strong><strong>se</strong>nhos – a<br />
memória <strong>de</strong> uma ascensão.<br />
Óscar Faria<br />
Travessia. Evidência.<br />
O Monte Rosa<br />
De Pedro Tropa.<br />
Porto. Galeria Quadrado Azul Q1. R. Miguel<br />
Bombarda, 435. Tel.: 226097313. Até 18/12. 3ª a 6ª<br />
das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30.<br />
mmmmm<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
O Monte Rosa faz fronteira entre a<br />
Suíça e a Itália e é, em termos <strong>de</strong><br />
altitu<strong>de</strong>, o <strong>se</strong>gundo maciço mais<br />
relevante dos Alpes Peninos, <strong>se</strong>ndo o<br />
Dufour (Dufourspitze, em alemão) o<br />
<strong>se</strong>u ponto mais elevado, com cerca<br />
<strong>de</strong> 4635 metros. A primeira ascensão<br />
foi realizada em 1855 por uma equipa<br />
li<strong>de</strong>rada por Charles Hudson,<br />
enquanto a primeira escalada<br />
individual teve como protagonista<br />
John Tyndall, em 1858. Há também<br />
notícia que, no fim do século XV,<br />
Leonardo da Vinci terá explorado o<br />
lado italiano do monte, dando disso<br />
conta nos <strong>se</strong>us ca<strong>de</strong>rnos, on<strong>de</strong> <strong>se</strong><br />
po<strong>de</strong> ler o nome Mon Boso,<br />
<strong>de</strong>signação <strong>de</strong>rivada do dialecto<br />
franco-provençal – a palavra<br />
“roue<strong>se</strong>”, glaciar, <strong>de</strong>u origem, após<br />
sucessivas transformações, a rosa.<br />
A exposição <strong>de</strong> Pedro Tropa, que<br />
po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r vista na continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
“Cahier <strong>de</strong> Cent Dessins”<br />
apre<strong>se</strong>ntada recentemente em<br />
Lisboa, tem como origem uma<br />
travessia realizada no Monte Rosa em<br />
Julho e é composta por três<br />
fotografias a preto-e-branco<br />
realizadas no local, 25 <strong>de</strong><strong>se</strong>nhos<br />
executados, “a posteriori”, no atelier<br />
do artista e um livro <strong>de</strong> poemas,<br />
edição <strong>de</strong> autor. O percurso realizado<br />
durou três dias, procurando a mostra<br />
evocar es<strong>se</strong> período <strong>de</strong> tempo<br />
dividido entre caminhadas e abrigos<br />
– no lado italiano do maciço existe<br />
um com o nome Regina Margherita.<br />
“Travessia. Evidência. ‘O Monte<br />
Rosa’” surge ao fundo da galeria sob<br />
uma luz quente e suave. Há uma<br />
narrativa com momentos <strong>de</strong> pausa<br />
– uma espécie <strong>de</strong> intervalos, abrigos,
Pedro Tropa: registar a intensida<strong>de</strong> do percurso,<br />
as difi culda<strong>de</strong>s da escalada <strong>de</strong> uma montanha<br />
<strong>de</strong>finidos pelas fotografias. Os<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>nhos traduzem a experiência<br />
em altitu<strong>de</strong>, na vizinhança do<br />
Glaciar Gorner, em condições, por<br />
vezes, <strong>de</strong> reduzida visibilida<strong>de</strong>. A<br />
memória surge fragmentada, tal<br />
como a paisagem, registada quer em<br />
traços subtis, finos, através dos quais<br />
<strong>se</strong> pres<strong>se</strong>nte uma pre<strong>se</strong>nça, quer<br />
através <strong>de</strong> um riscar mais intenso,<br />
que, por vezes, <strong>se</strong>rve para apagar<br />
palavras. Olhando com atenção<br />
po<strong>de</strong>m apontar-<strong>se</strong> núcleos distintos:<br />
um mais subtil, sugerindo um clima<br />
<strong>se</strong>vero, qua<strong>se</strong> fantasmático; outro<br />
relacionado com a repre<strong>se</strong>ntação da<br />
natureza em condições atmosféricas<br />
favoráveis – aqui é possível distinguir<br />
com alguma clareza as figuras<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>nhadas; finalmente, um<br />
terceiro, no qual surgem pequenos<br />
textos, possíveis legendas para os<br />
papéis.<br />
A preparação para os <strong>de</strong><strong>se</strong>nhos é a<br />
escalada, ou <strong>se</strong>ja, o artista começa o<br />
<strong>se</strong>u trabalho na subida e no<br />
confronto físico com a montanha.<br />
No caso do trabalho agora<br />
apre<strong>se</strong>ntado, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> o realizar<br />
surgiu logo após o abandono da<br />
Agenda<br />
Inauguram<br />
The Hustler<br />
De João Louro.<br />
Coimbra. Centro <strong>de</strong> Artes Visuais - CAV. Pátio da<br />
Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 28/02. 3ª a<br />
Dom. das 14h às 19h. Inaugura 20/11 às 22h.<br />
Instalação.<br />
White Shirt<br />
De John Wood & Paul Harrison.<br />
Lisboa. Empty Cube. R. Acácio Paiva, 27 R/C -<br />
Appleton Square. Tel.: 919379652. Apre<strong>se</strong>ntação<br />
única dia 25/11 das 21h45 às 0h.<br />
Outros.<br />
Continuam<br />
“Emissores Reunidos - Episódio II:<br />
Senhor Fantasma, Vamos Falar”<br />
Arte Lisboa 09<br />
De vários autores.<br />
Lisboa. FIL - Feira Internacional <strong>de</strong> Lisboa. R. do<br />
Bojador, Parque das Nações. Tel.: 218921500. Até<br />
23/11. 2ª, 4ª, 5ª, 6ª, Sáb. e Dom. das 16h às 23h.<br />
Bilhetes: 8 euros; 4 euros (Estudantes, Jovem, +65).<br />
Emissores Reunidos - Episódio<br />
II: Senhor Fantasma, Vamos<br />
Falar<br />
De Marcelo Cida<strong>de</strong>, Renato Ferrão.<br />
Porto. Radiodifusão Portuguesa (Antiga RDP). R.<br />
Cândido dos<br />
Reis, 74. Até<br />
24/01. 3ª e 4ª<br />
das 17h às<br />
20h. 5ª e 6ª das 17h às 01h. Sáb. das 15h às 01h. Dom.<br />
das 15h às 20h.<br />
Brrrrain<br />
De António Olaio.<br />
Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. Tel.: 217905155. De 23/10 a 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª<br />
das 11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom.<br />
e Feriados das 14h às 20h(última admissão às 19h30).<br />
Jos De Gruyter e Harald Thys<br />
Lisboa. Culturgest. Rua Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. Tel.: 217905155. De 23/10 a 23/12. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª<br />
das 11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom.<br />
e Feriados das 14h00 às 20h (última admissão às<br />
19h30).<br />
Batia Suter<br />
Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 - Edifício<br />
da CGD. Tel.: 222098116. De 30/10 a 09/01. 2ª, 4ª, 5ª<br />
e 6ª das 11h às 19h. (última admissão às 18h30) Sáb.,<br />
Dom. e Feriados das 14h às 20h (última admissão às<br />
19h30).<br />
Sem Saída, Ensaio Sobre o<br />
Optimismo<br />
De Augusto Alves da Silva.<br />
Porto. Mu<strong>se</strong>u <strong>de</strong> Serralves. Rua Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />
210. Tel.: 226156500. De 23/10 a 31/01. 3ª a 6ª das 10h<br />
às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.<br />
Jesper Just<br />
Lisboa. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />
217823474. Até 18/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
A Interpretação dos Sonhos<br />
De Jorge Mol<strong>de</strong>r.<br />
Lisboa. Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna - José <strong>de</strong> Azeredo<br />
Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.:<br />
217823474. Até 27/12. 3ª a Dom. das 10h às 18h.<br />
Fotografia.<br />
Moby Dick<br />
De João Pedro Vale.<br />
Lisboa. Galeria Filomena Soares. Rua da<br />
Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 16/01. 3ª a<br />
Sáb. das 10h às 20h.<br />
Ask Me<br />
De Joana Bastos.<br />
Lisboa. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9.<br />
Tel.: 918156919. Até 20/12. 6ª, Sáb. e Dom. das 15h<br />
às 19h.<br />
O Sol Morre Cedo<br />
De Ana Manso, André Romão, Joana<br />
Escoval, Nuno da Luz.<br />
Lisboa. Mu<strong>se</strong>u da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa. Campo<br />
Gran<strong>de</strong>, 245. Tel.: 217513200 . Até 10/01. 3ª a Dom.<br />
das 10h às 18h. No Pavilhão Branco.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 39
40 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Exposições<br />
travessia. Era preciso registar<br />
aquele momento, a intensida<strong>de</strong> do<br />
percurso, as dificulda<strong>de</strong>s da<br />
ascensão. Se as fotografias <strong>de</strong>finem,<br />
ainda que vagamente, um lugar, os<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>nhos transformam-no e fixamno<br />
numa lembrança.<br />
Um livro constituído por oito<br />
poemas completa a exposição.<br />
Dedicado aos <strong>se</strong>us companheiros <strong>de</strong><br />
travessia, André Maranha e Helena<br />
Tavares, este pequeno opúsculo<br />
aproxima o leitor da experiência<br />
vivida por Pedro Tropa no Monte<br />
Rosa: “O que temos pela frente<br />
requer/preparativos que hão-<strong>de</strong><br />
completar/ infinitamente a aresta<br />
trágica. Eu/ próprio repetirei essa<br />
aresta maior/ entre uma ida<strong>de</strong> e<br />
outra.”<br />
Paciências<br />
e quebracabeças<br />
A eficácia da obra <strong>de</strong> Ana<br />
Vidigal vem da ligação<br />
permanente entre social e<br />
pessoal.<br />
Luísa Soares <strong>de</strong> Oliveira<br />
Matar o Tempo<br />
De Ana Vidigal.<br />
Lisboa. Galeria 111. Campo Gran<strong>de</strong>, 113 / Rua Doutor<br />
João Soares, 5B. T. 217977418. Até 31/12. 3ª a sáb. Das<br />
10h às 19h.<br />
mmmmn<br />
A história subjacente a estes<br />
trabalhos conta-<strong>se</strong> rapidamente. Ana<br />
Vidigal acompanhou há tempos a<br />
doença <strong>de</strong> uma pessoa próxima, e<br />
passava as horas <strong>de</strong> espera no<br />
hospital a realizar paciências nas<br />
folhas <strong>de</strong> jornais e revistas<br />
encontrados nas salas para<br />
acompanhantes <strong>de</strong> doentes. Es<strong>se</strong>s<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>nhos, frequentemente<br />
estereotipados e <strong>se</strong>m qualida<strong>de</strong><br />
artística notável, foram <strong>de</strong>pois<br />
trazidos para o atelier, ampliados,<br />
intervencionados e transformados<br />
enfim no conjunto <strong>de</strong> pinturas que<br />
agora po<strong>de</strong>mos ver na galeria 111 <strong>de</strong><br />
Lisboa. Algumas <strong>de</strong>stas peças<br />
estiveram já na repre<strong>se</strong>ntação<br />
portuguesa à Bienal <strong>de</strong> Sharjah, nos<br />
Emirados Árabes Unidos, ainda este<br />
ano. Mas esta é a primeira vez que o<br />
público po<strong>de</strong> vê-las em Portugal,<br />
juntamente com a contextualização<br />
que a série <strong>de</strong> que fazem parte lhes<br />
proporciona.<br />
Como suce<strong>de</strong> na obra <strong>de</strong>sta<br />
artista, todas as obras proce<strong>de</strong>m da<br />
apropriação <strong>de</strong> imagens e objectos<br />
pré-existentes e que, por uma razão<br />
pessoal, convocam memórias<br />
privadas ou sociais relativas à vida<br />
<strong>de</strong> Ana Vidigal. Em séries mais<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Ana Vidigal: os labirintos verda<strong>de</strong>iros são os da criação artística<br />
e os das relações humanas...<br />
antigas a artista realizou um<br />
inventário visual <strong>de</strong> imagens e<br />
mo<strong>de</strong>los que a socieda<strong>de</strong> portuguesa<br />
dos anos 60 (a época do <strong>se</strong>u<br />
nascimento) atribuía à mulher e à<br />
rapariga. Eram obras que,<br />
apropriando-<strong>se</strong> do colorido próprio<br />
da ilustração da época e<br />
sobrepondo-lhe pintura aplicada<br />
<strong>se</strong>gundo padrões geométricos,<br />
conjugavam a crítica <strong>de</strong>ssa mesma<br />
imagem com uma prática eufórica e<br />
corrosiva da pintura. Ana Vidigal<br />
nunca <strong>se</strong> coibiu, e bem, <strong>de</strong> conjugar<br />
esta abordagem sociológica dos<br />
papéis atribuídos ao género<br />
feminino com uma ironia mordaz e a<br />
reflexão sobre a sua própria<br />
biografia. Ao mesmo tempo, em<br />
momentos pontuais realizou<br />
instalações tridimensionais que<br />
obe<strong>de</strong>ciam ao mesmo processo <strong>de</strong><br />
trabalho: captação <strong>de</strong> objectos social<br />
e biograficamente significantes, e<br />
<strong>de</strong>svio da sua função primeira<br />
através da ironia e do jogo <strong>de</strong><br />
palavras. “O Véu da Noiva”, obra<br />
pertencente à Fundação Manuel <strong>de</strong><br />
Brito, é um bom exemplo do que<br />
acabámos <strong>de</strong> referir.<br />
Com o tempo, contudo, a sua<br />
obra <strong>de</strong>purou-<strong>se</strong> <strong>de</strong> uma certa<br />
exuberância <strong>de</strong>corativa e ganhou<br />
em profundida<strong>de</strong> e carga simbólica.<br />
Os processos mantêm-<strong>se</strong>. Mas – e<br />
um Project room na feira Arte<br />
Lisboa <strong>de</strong> 2007 foi um marco neste<br />
percurso <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> crescente<br />
– os temas tornaram-<strong>se</strong> mais<br />
incisivos, a liberda<strong>de</strong> com que<br />
matérias e suportes eram utilizados<br />
aumentou, e h<strong>ouve</strong> uma <strong>de</strong>puração<br />
cromática e formal que <strong>se</strong> tornou<br />
óbvia. Nes<strong>se</strong> projecto <strong>de</strong> há dois<br />
anos, a artista recriou o <strong>se</strong>u quarto<br />
<strong>de</strong> infância, e colocou-o em paralelo<br />
com o quarto on<strong>de</strong> o pai viveu<br />
durante parte da guerra colonial.<br />
No caso <strong>de</strong>sta exposição, as<br />
pinturas, ao invés <strong>de</strong> <strong>se</strong> construírem<br />
sobre tela e <strong>de</strong> <strong>se</strong> <strong>se</strong>rvirem da cor<br />
<strong>se</strong>m re<strong>se</strong>rvas, são feitas a partir <strong>de</strong><br />
ampliações <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> formato das<br />
imagens <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> jornal já<br />
mencionadas, das quais guardam a<br />
contenção cromática e formal.<br />
Notam-<strong>se</strong> todas as impurezas do<br />
papel <strong>de</strong> baixa qualida<strong>de</strong> e da tinta<br />
<strong>de</strong> impressão. Mas, por cima <strong>de</strong>stes<br />
labirintos e quebra-cabeças <strong>de</strong> fácil<br />
resolução, que nunca <strong>de</strong>moram<br />
mais do que uns minutos a resolver,<br />
Vidigal sobrepõe pintura, apaga<br />
linhas, cria novas formas, acentua<br />
ou retira fra<strong>se</strong>s <strong>de</strong> instruções,<br />
acrescentando-lhes <strong>se</strong>ntido on<strong>de</strong><br />
elas já o tinham perdido. Em<br />
“Pensas que o <strong>se</strong>xo terá<br />
importância?”, o título <strong>de</strong> uma das<br />
obras pre<strong>se</strong>ntes, por exemplo, o<br />
labirinto que permitiria a um<br />
esquilo alcançar as avelãs é apagado<br />
por pintura, sobre a qual <strong>se</strong><br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>nha a silhueta <strong>de</strong> um napperon<br />
<strong>de</strong> papel: como <strong>se</strong> a artista nos<br />
afirmas<strong>se</strong> que os labirintos<br />
verda<strong>de</strong>iros são os da criação<br />
artística e os das relações humanas,<br />
ficando por <strong>de</strong>monstrar que uns<br />
não são exactamente coinci<strong>de</strong>ntes<br />
com os outros.<br />
A eficácia da obra <strong>de</strong> Ana Vidigal<br />
vem <strong>de</strong>sta ligação permanente entre<br />
o social e o pessoal. Toda a sua obra<br />
proce<strong>de</strong> da sua vida, mas, no <strong>se</strong>u<br />
enten<strong>de</strong>r, a sua vida é também acção<br />
e intervenção. A galeria editou, para<br />
esta ocasião, um livro <strong>de</strong><br />
apre<strong>se</strong>ntação da obra da artista<br />
realizada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005, on<strong>de</strong> <strong>se</strong> inclui<br />
uma excelente entrevista<br />
contextualizadora feita por Susana<br />
Pomba.<br />
Imagens<br />
que <strong>se</strong> (<strong>de</strong>s)<br />
encontram<br />
Um artista fascinado pelo<br />
tempo das imagens.<br />
José Marmeleira<br />
David Claerbout<br />
Lisboa. MNAC - Mu<strong>se</strong>u do Chiado. Rua Serpa Pinto,<br />
4. Tel.: 213432148. Até 28/02. 3ª a Dom. das 10h às<br />
18h. Festival Temps d’Images 09.<br />
Instalação, Ví<strong>de</strong>o, Fotografia.<br />
mmmnn<br />
David Claerbout (Kortrijk, Bélgica,<br />
1969) não é um estreante no<br />
contexto expositivo português –
integrou no ano passado a colectiva<br />
“Ida e Volta: Ficção e Realida<strong>de</strong>”,<br />
no Centro <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna da<br />
Fundação Gulbenkian – mas é com<br />
a individual inaugurada no Mu<strong>se</strong>u<br />
do Chiado que efectivamente coloca<br />
a sua obra diante do público<br />
português.<br />
E coloca-a <strong>de</strong> uma forma não<br />
apenas silenciosa mas, também,<br />
autoritariamente generosa: sob a<br />
curadoria <strong>de</strong> Pedro Lapa (a última<br />
no Mu<strong>se</strong>u do Chiado, na condição<br />
<strong>de</strong> director), ocupa dois pisos com<br />
vi<strong>de</strong>oprojecções e projecções <strong>de</strong><br />
fotografias, num total <strong>de</strong> <strong>se</strong>te<br />
trabalhos. A montagem é feliz,<br />
aten<strong>de</strong>ndo à natureza do espaço, e<br />
transforma as principais salas <strong>de</strong><br />
exposições numa longa black box,<br />
apenas interrompida pelos átrios e<br />
as luzes que emanam das imagens –<br />
po<strong>de</strong>-<strong>se</strong> discutir esta “ocupação”,<br />
mas isso é tema para outro <strong>de</strong>bate.<br />
Artista formado em pintura,<br />
Claerbout rapidamente abraçou a<br />
fotografia e o ví<strong>de</strong>o, interessado em<br />
pesquisar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tempo nas duas<br />
linguagens. À fotografia foi<br />
acrescentando movimento,<br />
libertando-a da sua imobilida<strong>de</strong>, ao<br />
filme foi “impondo” uma<br />
suspensão, uma paragem. Tal<br />
prática – as<strong>se</strong>nte na tecnologia<br />
digital – tem-lhe permitido<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>nvolver interrogações em torno<br />
da memória das imagens do<br />
mo<strong>de</strong>rnismo, das relações entre a<br />
arquitectura e a figura humana ou,<br />
tão-somente, da forma como<br />
experienciamos a imagem (da<br />
fotografia e do filme).<br />
Na primeira sala, encontram-<strong>se</strong><br />
trabalhos on<strong>de</strong> <strong>se</strong> reflectem alguns<br />
<strong>de</strong>stes tópicos. Em “Kin<strong>de</strong>rgarten<br />
Antonio Sant’Elia 1932” (1998) vemos<br />
uma fotografia <strong>de</strong> crianças num<br />
jardim-<strong>de</strong>-infância, projectado por<br />
Giu<strong>se</strong>ppe Terragni, arquitecto do<br />
racionalismo italiano. Não <strong>se</strong><br />
movem, como que presas num<br />
plano fixo. A imagem porém não<br />
está “morta”, pois vislumbra-<strong>se</strong> o<br />
baloiçar das folhas das árvores. O<br />
mesmo “corte” repete-<strong>se</strong> em<br />
“Shadow Piece” (2005): várias<br />
pessoas, movidas pela curiosida<strong>de</strong>,<br />
tentam entrar num edifício, mas não<br />
con<strong>se</strong>guem; apenas as suas sombras<br />
penetram no outro lado imagem (a<br />
da fotografia). Entretanto, o preto e<br />
o branco, a luz, os elementos<br />
arquitectónicos do lugar e o rigor da<br />
composição oferecem à cena um<br />
cariz melancólico e lembramo-nos<br />
<strong>de</strong> “Playtime”, <strong>de</strong> Jacques Tati: com<br />
efeito, em “Shadow Piece” o artista<br />
partilha com o cineasta o mesmo<br />
afecto pela relação dos indivíduos<br />
com os espaços da arquitectura<br />
mo<strong>de</strong>rnista.<br />
Olhar com <strong>de</strong>mora (com tempo)<br />
as imagens é uma das “exigências”<br />
implícitas na obra <strong>de</strong> Claerbout. E<br />
por vezes olhar significa também<br />
esperar, como em “Arena” (2007),<br />
uma projecção ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong><br />
diapositivos <strong>de</strong> um só momento: o<br />
instante antes da marcação <strong>de</strong> um<br />
cesto num jogo <strong>de</strong> basquetebol.<br />
Imagens fixas <strong>de</strong> várias figuras,<br />
planos e rostos parecem dirigidas à<br />
acção mas, em simultâneo,<br />
<strong>de</strong>volvem-nos um olhar diferido <strong>de</strong><br />
um momento que não é possível<br />
capturar na sua totalida<strong>de</strong>, que<br />
escapa (o próprio tempo).<br />
Esta espera resulta, por vezes,<br />
num <strong>de</strong><strong>se</strong>ncontro, como em<br />
“Rocking Chair” (2003), instalação<br />
interactiva num ecrã duplo que<br />
mostra uma mulher. De um lado,<br />
vemo-la <strong>se</strong>ntada na sua ca<strong>de</strong>ira, o<br />
rosto meio coberto pela sombra,<br />
nas suas costas uma paisagem. Ao<br />
passarmos pela instalação e quando<br />
estamos prestes a abandonar a sala,<br />
eis que reage ao nosso andar. Move<strong>se</strong>,<br />
mas <strong>se</strong>m qualquer gesto<br />
performativo ou teatral. Limita-<strong>se</strong><br />
notar a nossa pre<strong>se</strong>nça, <strong>se</strong>m nos<br />
ver. Ouve-nos apenas.<br />
Uma situação <strong>se</strong>melhante<br />
reaparece em “Riversi<strong>de</strong>” (2009), a<br />
peça mais forte da exposição. Um<br />
homem e uma mulher percorrem a<br />
mesma paisagem, mas nunca <strong>se</strong><br />
encontram, nunca <strong>se</strong> reúnem.<br />
Passam pelo mesmo lugar (um<br />
ribeiro), mas em tempos diferentes<br />
e só a banda sonora (o som do<br />
ribeiro) liga no fim as duas imagens.<br />
A expectativa <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sfecho é<br />
quebrada para questionar, como<br />
em “Arena”, a percepção enquanto<br />
fenómeno linear, unidireccional.<br />
David Claerbout: um artista fascinado pelo tempo das imagens<br />
PEDRO CUNHA<br />
PEDRO GUEDES<br />
direcção musical<br />
A Orquestra Jazz <strong>de</strong> Matosinhos associa-<strong>se</strong><br />
à voz pujante e versátil <strong>de</strong> Maria João num<br />
programa que inclui standards do universo<br />
jazzístico norte-americano e da música<br />
popular brasileira, obras emblemáticas<br />
da longa colaboração da cantora com<br />
o pianista Mário Laginha e uma canção<br />
inédita da autoria <strong>de</strong> Carlos Azevedo.<br />
RICARDO SILVEIRA <strong>guitarra</strong><br />
KIKO FREITAS bateria<br />
NEY CONCEIÇÃO baixo<br />
SÁB 22:00<br />
SALA SUGGIA<br />
€ 25<br />
JOÃO BOSCO voz e <strong>guitarra</strong><br />
RICARDO SILVEIRA <strong>guitarra</strong><br />
KIKO FREITAS bateria<br />
NEY CONCEIÇÃO baixo<br />
O mineiro João Bosco é um dos músicos<br />
mais originais do Brasil, com canções<br />
que são autênticos hinos da MPB. Ricardo<br />
Silveira, guitarrista <strong>de</strong> excepção com<br />
carreira internacional, transita por<br />
vários estilos, particularmente entre a<br />
música brasileira e o jazz.<br />
SÁB 22:00<br />
SALA SUGGIA<br />
€ 15<br />
SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE DUPLO<br />
PARA O CONCERTO DE DIA 12 DEZEMBRO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.<br />
www.casadamusica.com | T 220 120 220<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 41
Concertos<br />
42 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
AMY GIUNTA<br />
Pop<br />
Massive<br />
Attack ou os<br />
Clash versão<br />
LCD<br />
Concertos com o lado visual<br />
e performativo infl uenciados<br />
pelos Clash, diz-nos Daddy<br />
G. João Bonifácio<br />
Massive Attack<br />
Lisboa. Praça <strong>de</strong> Touros do Campo Pequeno. Campo<br />
Pequeno. Sáb. e Dom. às 21h00 (portas abrem às<br />
20h). Tel.: 217820575. 24€ a 35€.<br />
Ora vamos lá a olhar para os <strong>de</strong>dos<br />
das duas mãos e fazer contas: há<br />
quantos anos é que os Massive<br />
Attack não têm disco novo? Ora, dois<br />
mil e três é o mindinho esquerdo<br />
que é igual a um, portanto, um, dois,<br />
três, quatro, cinco, polegar direito.<br />
Há polegar direito que não temos<br />
direito a disco novo.<br />
Seis anos e tal à espera do quinto<br />
disco <strong>de</strong> originais que está “qua<strong>se</strong><br />
pronto”, <strong>se</strong>gundo Daddy G, vai<br />
chamar-<strong>se</strong> “LP5”, conta com a<br />
pre<strong>se</strong>nça <strong>de</strong> Damon Albarn, Martina<br />
Topley-Bird e Tun<strong>de</strong>, dos TV on the<br />
Radio, e vai sair este ano. Isto é<br />
certo. “Qua<strong>se</strong> certo”, diz Daddy G.<br />
“LP5” já teve uma data <strong>de</strong> nomes,<br />
várias datas <strong>de</strong> edição adiadas, mas<br />
não é como <strong>se</strong> eles tives<strong>se</strong>m estado<br />
<strong>de</strong> férias. Daddy G, ao telefone com<br />
o Ípsilon justifica os atrasos: “Des<strong>de</strong><br />
2003 editámos um ‘Best-of’, fizemos<br />
a respectiva digressão, fomos<br />
Concertos<br />
C<br />
Os Fiery Furnaces dos<br />
irmãos Matthew e Eleanor<br />
Friedberger são uma das<br />
bandas mais relevantes<br />
e criativamente<br />
estimulantes da última<br />
década, o que <strong>se</strong> comprova<br />
em álbuns tão distintos<br />
quanto “Blueberry Boat”,<br />
curadores do Festival Meltdwon,<br />
fizemos várias BSOs, voltámos a<br />
fazer uma digressões, e continuámos<br />
<strong>se</strong>mpre a fazer DJing”.<br />
Pelo meio atiraram para o lixo<br />
“duas versões anteriores” <strong>de</strong> “LP 5”,<br />
tudo por causa da última digressão.<br />
“Tínhamos o disco acabado,<br />
experimentámo-lo um pouco na<br />
estrada e quando acabámos <strong>de</strong> tocar<br />
ao vivo estávamos um bocado fartos<br />
<strong>de</strong>le. Tínhamos escrito o disco em<br />
<strong>se</strong>parado e achámos que lhe faltava<br />
alguma coisa que fos<strong>se</strong> comum a<br />
todos, por isso resolvemos começar<br />
<strong>de</strong> novo, <strong>de</strong>sconstruir as canções e<br />
voltar a construí-las”.<br />
Claro que, perante tanta <strong>de</strong>mora,<br />
o povo tuga que <strong>se</strong> <strong>de</strong>slocar amanhã<br />
e domingo à Praça <strong>de</strong> Touros do<br />
Campo Pequeno (Lisboa) para os ver<br />
ao vivo (com a voz <strong>de</strong> Martina<br />
Topley-Bird) vai ter direito a “mesmo<br />
muita coisa <strong>de</strong> ‘LP5’”. Aliás,<br />
preparem-<strong>se</strong> porque “as primeiras<br />
cinco ou <strong>se</strong>is canções são do novo<br />
disco”. Isto, diz Daddy G, até “po<strong>de</strong><br />
<strong>se</strong>r suicídio comercial” mas “isso é<br />
que torna tudo mais excitante, não<br />
é?”.<br />
Vai <strong>se</strong>r um disco distante do início<br />
da banda, quando eles diziam <strong>se</strong>r<br />
“um sound-system e não uma<br />
banda”, mas também vai <strong>se</strong>r um<br />
disco diferente <strong>de</strong> “100 th Window”:<br />
“Com ‘100th Window’ havia muitas<br />
camadas com coisas brilhantes, mas<br />
um pouco inacessíveis. Nes<strong>se</strong><br />
<strong>se</strong>ntido este disco é mais limpo, mais<br />
acessível. É como quando os Clash<br />
foram a Nova Iorque e viram o hiphop<br />
com beats uptempo e toda<br />
aquela onda disco. Conheces os PIL?<br />
Soa um pouco a essa era”.<br />
Essa era, <strong>se</strong>gundo Daddy G,<br />
influencia o lado visual e<br />
performativo que vamos assistir ao<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
“Bitter Tea” ou o recente<br />
“I’m Going Away”, pérola<br />
pop como nunca lhes<br />
tínhamos ouvido antes.<br />
Tudo verda<strong>de</strong>. Ponto<br />
fi nal. Acontece que,<br />
uma década <strong>de</strong>pois do<br />
nascimento da banda,<br />
ainda não os tínhamos<br />
Massive Attack: o novo disco, “LP5”, vai fazer-<strong>se</strong> ouvir no Campo Pequeno<br />
vivo: “Vai <strong>se</strong>r como a ‘White Riot<br />
Tour’ dos Clash. Vi-a quando era<br />
novo e só pensava ‘Um dia quero<br />
fazer parte <strong>de</strong> uma coisa assim’”.<br />
Bom, em abono do lado punk dos<br />
Clash (que Daddy G citou 134 vezes<br />
em 15 minutos <strong>de</strong> conversa) <strong>de</strong>clare<strong>se</strong><br />
que na “White Riot Tour” não<br />
havia LCDs gigantes. Mas nos<br />
concertos dos Massive Attack sim:<br />
“Temos um ecrã LCD que enchemos<br />
<strong>de</strong> informação, alguma política,<br />
outra mais non-<strong>se</strong>n<strong>se</strong>, tudo aquilo<br />
que faz parte do nosso mundo”.<br />
Portanto, amanhã e domingo já<br />
sabem: ali em palco estão os Clash<br />
do século XXI e aquela moça bonita<br />
é o Joe Strummer. E “LP5” ainda vai<br />
acabar por chamar-<strong>se</strong> “Combat triphop”.<br />
Num lugar<br />
<strong>se</strong>mpre novo<br />
O Ben Chasny que regressa<br />
a Portugal está, outra vez,<br />
diferente. Pedro Rios<br />
Six Organs Of Admittance<br />
Lisboa. Cinema Nimas. Av. 5 Outubro, 42B. 3ª às<br />
22h00. Tel.: 213574362. 10€.<br />
É um dos gran<strong>de</strong>s cultores dos<br />
cruzamentos entre canção folk e o<br />
fogo eléctrico do psica<strong>de</strong>lismo e do<br />
rock mais livre. Mas é um Ben<br />
Chasny diferente aquele que<br />
regressa a Portugal, terça-feira, no<br />
Nimas, em Lisboa, acompanhado <strong>de</strong><br />
Elisa Ambrogio (dos Magik Markers),<br />
Andrew Mitchell e Alex Nielson.<br />
Na verda<strong>de</strong>, nunca esteve parado<br />
num único lugar. No início <strong>de</strong><br />
visto em Portugal. A<br />
espera acabou. Aí está o<br />
anúncio: Fiery Furnaces<br />
no Santiago Alquimista,<br />
em Lisboa, dia 26 <strong>de</strong><br />
Fevereiro. Bilhetes a 20<br />
euros, concerto marcado<br />
para as 22h.<br />
carreira, gravava num gravador <strong>de</strong><br />
quatro pistas longas peças centradas<br />
na <strong>guitarra</strong> acústica e na sua voz,<br />
que amplificavam as aventuras pelo<br />
<strong>de</strong>sconhecido <strong>de</strong> guitarristas como<br />
John Fahey e Robbie Basho,<br />
transpondo-as para um contexto<br />
abertamente psicadélico e<br />
influenciado pelo avant rock. Fez um<br />
belo disco <strong>de</strong> canções simples,<br />
“Compathia” (2003), e clássicos do<br />
ressurgimento folk <strong>de</strong>sta década,<br />
como “For Octavio Paz” (também<br />
em 2003) e, sobretudo, “School of<br />
the Flower”, editado em 2005, com<br />
a inesquecível participação do<br />
baterista Chris Corsano a elevar a<br />
folk à estratosfera “free”. Em Agosto,<br />
lançou “Luminous Night” e, este<br />
mês, chegou a um terreno novo, as<br />
livrarias, ao assinar a banda sonora<br />
que acompanha o romance “Empty<br />
The Sun”, <strong>de</strong> Jo<strong>se</strong>ph Mattson.<br />
“Luminous Night” foge do<br />
domínio absoluto da <strong>guitarra</strong> dos<br />
discos anteriores. Ro<strong>de</strong>ou-<strong>se</strong> <strong>de</strong><br />
convidados como Hans Teuber<br />
(flautas), Tor Dietrichson (tablas) e o<br />
prestigiado Eyvind Kang (viola), que<br />
tocou com gente como os Mr.<br />
Ben Chasny: “Luminous Night”<br />
foge do domínio absoluto da<br />
<strong>guitarra</strong> dos discos anteriores
Bungle, Sunn 0))), John Zorn e Marc<br />
Ribot. E fez o <strong>se</strong>u disco mais cheio e<br />
límpido, e aquele em que parece<br />
mais confiante com as suas<br />
capacida<strong>de</strong>s: é capaz <strong>de</strong> ir da<br />
electrónica com pingos <strong>de</strong><br />
melancolia à Tim Hecker, à melodia<br />
oriental <strong>de</strong> “Bar-Nasha”, <strong>se</strong>m medo<br />
<strong>de</strong> trazer flautas <strong>se</strong>rpenteantes e<br />
tablas (para susto <strong>de</strong> alguns a<strong>de</strong>ptos<br />
da frugalida<strong>de</strong> dos Six Organs <strong>de</strong><br />
antigamente), e lembrar o tom<br />
apocalíptico dos Current 93 em<br />
“Enemies Before the Light”.<br />
O processo <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> “Cover<br />
Your Wounds With The Sky”, a<br />
canção que lembra Hecker, é<br />
revelador da ambição <strong>de</strong> Chasny.<br />
Gravou “drones” no computador,<br />
passou-os para cas<strong>se</strong>tes, que<br />
enterrou no <strong>se</strong>u quintal, em Seattle,<br />
durante dois me<strong>se</strong>s. Depois pô-las a<br />
tocar num amplificador num volume<br />
ensur<strong>de</strong>cedor e gravou o som daí<br />
resultante, a que acrescentou piano<br />
e outros elementos. Ben Chasny em<br />
2009 é isto: um músico <strong>de</strong> excepção,<br />
em qualquer domínio que <strong>se</strong> mova.<br />
Micachu & The<br />
Shapes: chocar<br />
com o pre<strong>se</strong>nte<br />
Popnoname + Trash Converters +<br />
Micachu & The Shapes +<br />
Aquaparque + Mr Mitsuhirato<br />
Porto. Plano B. R. Cândido dos Reis, 30. 6ª às<br />
22h30. Tel.: 222012500.14€. Pré-venda: 12€. Lisboa,<br />
sábado, 21, Loft<br />
“Jewellery”, afirmamo-lo com<br />
convicção, é um dos álbuns do ano.<br />
Um ovni pop saído da cabeça <strong>de</strong><br />
uma música, compositora e<br />
produtora, a londrina Mica Levi, que<br />
ignora, por temperamento e<br />
formação, fronteiras estéticas e<br />
paradigmas musicais.<br />
Em “Jewellery”, o álbum <strong>de</strong><br />
estreia, editado pela Acci<strong>de</strong>ntal<br />
Records <strong>de</strong> Matthew Herbert e<br />
elogiado por Björk, convivem ruído<br />
sónico e blips <strong>de</strong> artesã electrónica,<br />
melodias pop e arrojo <strong>de</strong><br />
experimentalista <strong>se</strong>m pachorra para<br />
“aca<strong>de</strong>mismos”. Nesta música, o<br />
pre<strong>se</strong>nte é reflectido <strong>de</strong> forma<br />
magistral: porque aos sinais dos<br />
tempos vem acoplada uma<br />
Micachu & The Shapes: autores<br />
<strong>de</strong> um dos discos do ano<br />
vincadíssima marca autoral.<br />
Ouve-<strong>se</strong> uma canção como<br />
“Gol<strong>de</strong>n phone” e temos um single<br />
disfuncional que encontrará espaço<br />
nas colectâneas <strong>de</strong> época que o<br />
futuro trará. Ouve-<strong>se</strong> “Lips” e a<br />
estética lo-fi <strong>de</strong> ontem transmuta-<strong>se</strong><br />
em urgência <strong>de</strong> hoje – e <strong>de</strong>pois,<br />
procuram-<strong>se</strong> canções, simplesmente<br />
canções, mas busca-<strong>se</strong> som a todo o<br />
lado: a <strong>guitarra</strong>s inventadas, a<br />
aspiradores em sucção feroz, a<br />
bancos <strong>de</strong> sons digitais ou a ruídos<br />
extraídos da rua.<br />
Acompanhada pelos Shapes<br />
(Raisa Khan nas teclas e Marc Pell<br />
na bateria), esta Micachu que tem<br />
formação erudita e idolatra o<br />
compositor vanguardista Harry<br />
Partch, que <strong>se</strong> mostrou primeiro<br />
como produtora e DJ da<br />
comunida<strong>de</strong> grime britânica,<br />
estreia-<strong>se</strong> em Portugal com dois<br />
concertos: esta noite no Porto, no<br />
Plano B, com primeira parte dos<br />
indispensáveis Aquaparque, e<br />
amanhã em Lisboa, no Loft – nesta,<br />
que é festa <strong>de</strong> aniversário (a <strong>de</strong><br />
Madame, da produtora Madame<br />
Management, que as organiza <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
há <strong>se</strong>is anos em diferentes locais <strong>de</strong><br />
Lisboa), os bilhetes apenas <strong>se</strong>rão<br />
vendidos no próprio dia, à porta do<br />
espaço e, para além <strong>de</strong> Micachu,<br />
haverá concertos <strong>de</strong> Jon Hopkins e<br />
Voltek e DJs <strong>se</strong>ts <strong>de</strong> Quayola,<br />
Twofold, Stereo Addiction e<br />
Heartbreakerz. M.L.<br />
Dead Combo:<br />
fim e recomeço<br />
Dead Combo<br />
Com Pedro Gonçalves (contrabaixo<br />
e baixo eléctrico), Tó Trips<br />
(<strong>guitarra</strong>s), Ana Araújo (piano), João<br />
Cabrita (saxofone), João Marques<br />
(trompete), Jorge Ribeiro<br />
(trombone), Alexandre Frazão<br />
(bateria).<br />
Lisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> S. Luiz. R. Antº Maria<br />
Cardoso, 38-58. 6ª e Sáb. às 23h30. Tel.: 213257650.<br />
15€.<br />
No Jardim <strong>de</strong> Inverno. Apre<strong>se</strong>ntação<br />
<strong>de</strong> “Lusitânia Playboys”. M/3.<br />
Quando os Dead Combo actuarem,<br />
hoje e amanhã, a partir das 23h30,<br />
no Teatro São Luiz, em Lisboa,<br />
assistiremos a um fim e a um<br />
recomeço. Fim, porque os dois<br />
concertos assinalarão o final da<br />
digressão <strong>de</strong> “Lusitânia Playboys”, o<br />
aclamado álbum <strong>de</strong> 2008 on<strong>de</strong> Tó<br />
Trips e Pedro Gonçalves<br />
aprimoraram como nunca antes a<br />
sua expressão musical – é álbum <strong>de</strong><br />
viagem e <strong>de</strong>ambulação, on<strong>de</strong> o<br />
“western vadio” parte mundo fora<br />
<strong>se</strong>m nunca abandonar<br />
verda<strong>de</strong>iramente o <strong>se</strong>u centro vital:<br />
Lisboa e os recantos <strong>de</strong> Lisboa. Mas<br />
é também um recomeço porque os<br />
concertos no São Luiz <strong>se</strong>rvirão para<br />
lançar o novo disco do duo. Chama<strong>se</strong><br />
“Live Hot Clube”, terá edição em<br />
CD e vinil, e, como o título indica,<br />
regista uma actuação na histórica<br />
sala lisboeta que lhe dá título.<br />
No disco, os Dead Combo são<br />
acompanhados pelo baterista<br />
Alexandre Frazão. No São Luiz, além<br />
<strong>de</strong> Frazão, contarão com os<br />
convidados Ana Araújo (piano), João<br />
Cabrita (saxofones), João Marques<br />
(trompete) e Jorge Ribeiro<br />
(trombone). Mário Lopes<br />
Teratron: dançar<br />
até fazer farelo<br />
Teratron + Exerci<strong>se</strong> One<br />
+ Expan<strong>de</strong>r + Leonaldo <strong>de</strong><br />
Almeida + Tiago<br />
Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique,<br />
Armazém A. 5ª às 23h00. Tel.: 218820890.<br />
Consumo mínimo.<br />
Dead Combo RITA CARMO<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 43
Concertos<br />
Orquestra <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong> Matosinhos em Estarreja<br />
Agenda<br />
Sexta 20<br />
O Irmão Enamorado (Lo Frate<br />
Nnamorato)<br />
Encenação: Luca Aprea. Direcção<br />
Musical: Marcos Magalhães. Com Os<br />
Músicos do Tejo, Joana Seara (voz),<br />
João Fernan<strong>de</strong>s (voz), Sara Amorim<br />
(voz), Luís Rodrigues (voz), Eduarda<br />
Melo (voz), Carlos Guilherme (voz),<br />
Carla Caramujo (voz). Compositor:<br />
G. B. Pergolesi.<br />
Lisboa. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do<br />
Império. 6ª, Sáb. e Dom. às 21h00. Tel.: 213612400.<br />
15€ a 18€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos).<br />
No Pequeno Auditório. M/12.<br />
Ver texto pag. 14 e <strong>se</strong>gs.<br />
Matteah Baim + Domingo No<br />
Quarto<br />
Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 -<br />
Bairro Alto, às 23h00. Tel.: 213430205.<br />
Hell & Pinkboy + Slight Delay<br />
Lisboa. Lux Frágil. Av. Infante D. Henrique,<br />
Armazém A, às 23h00. Tel.: 218820890.<br />
Consumo mínimo.<br />
Pedro Abrunhosa & Comité<br />
Caviar<br />
Sintra. Centro Cultural Olga Cadaval. Pç. Dr.<br />
Francisco Sá Carneiro, às 22h00. Tel.:<br />
219107110. 15€ a 30€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos).<br />
No Auditório Jorge Sampaio.<br />
M/6.<br />
Ana Moura<br />
Leiria. Teatro José Lúcio da Silva. R.<br />
Dr. Américo Cortez Pinto, às 21h30.<br />
Tel.: 244834117. 15€ a 20€.<br />
Apre<strong>se</strong>ntação <strong>de</strong><br />
“Leva-me aos Fados”.<br />
M/4.<br />
Quarteto <strong>de</strong> Cordas<br />
Com Eldar Nagiev<br />
(violino), Elena<br />
Norberto Lobo<br />
O que é que <strong>se</strong> faz quando já <strong>se</strong> é<br />
<strong>de</strong>masiado conhecido e as pessoas<br />
esperam <strong>de</strong> nós <strong>de</strong>terminado<br />
comportamento? Há várias hipóte<strong>se</strong>s:<br />
a) cirurgia plástica <strong>de</strong> reconstrução e<br />
ir viver para um paraíso fiscal; b)<br />
vestir uma gabardine, pôr uma<br />
peruca, sair <strong>de</strong> casa e evitar o Parque<br />
Eduardo VII; c) mudar <strong>de</strong> nome e <strong>de</strong><br />
trabalho. Meta<strong>de</strong> dos Da Wea<strong>se</strong>l<br />
optou pela última opção: João Nobre<br />
e Pedro Quaresma, que, no colectivo<br />
da doninha, são responsáveis pelo<br />
baixo e pela <strong>guitarra</strong>, formam uma<br />
dupla que dá pelo nome Teratron.<br />
Acabam <strong>de</strong> lançar o primeiro e<br />
homónimo disco e agora apre<strong>se</strong>ntam<strong>se</strong><br />
pela primeira vez no Lux, em<br />
Lisboa, quinta-feira.<br />
Ao contrário dos Da Wea<strong>se</strong>l não há<br />
aqui melting-pot sob fundo hip-hop<br />
com a pop como alvo: isto é<br />
electrónica pura e dura, feita para<br />
dançar à gran<strong>de</strong>, até os pés fazerem<br />
farelo. Para terem uma i<strong>de</strong>ia, a<br />
referência mais óbvia para os<br />
Teratron <strong>se</strong>rão os Justice ou os<br />
BoizNoi<strong>se</strong>: batidas pesadas em 4 por<br />
4, digitália ruidosa, linhas <strong>de</strong> baixo<br />
sintetizadas, umas vezes duras como<br />
chumbo outras dúcteis como a<br />
<strong>se</strong>xualida<strong>de</strong> dos pioneiros do discosound.<br />
O objectivo é a eficácia, <strong>se</strong>m<br />
rodriguinhos, o que é confirmável na<br />
44 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
FRED NS<br />
Komissarova (violino), Gerardo<br />
Gramajo (viola), Marco Pereira<br />
(violoncelo).<br />
Lisboa. Mu<strong>se</strong>u do Oriente. Av. Brasília - Edifício Pedro<br />
Álvares Cabral - Doca <strong>de</strong> Alcântara Norte, às 21h30.<br />
Tel.: 213585200.10€.<br />
No Auditório. Obras <strong>de</strong> Turina,<br />
Barber, Reger e Hin<strong>de</strong>mith. M/3.<br />
Cassandra Wilson<br />
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D.<br />
Afonso Henriques, 701, às 22h00. Tel.: 253424700.<br />
17,5€ a 20€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos). Pas<strong>se</strong> Festival: 90€.<br />
No Gran<strong>de</strong> Auditório. Guimarães Jazz<br />
2009. M/12.<br />
Zany Dislexic Band<br />
Lisboa. Cinema Nimas. Av. 5 Outubro, 42B, às 22h00.<br />
Tel.: 213574362. 4€.<br />
O’queStrada<br />
Com Marta Miranda (voz), João Lima<br />
(<strong>guitarra</strong> portuguesa), Zeto (<strong>guitarra</strong> e<br />
voz), Pablo (contrabaixo), Donatello<br />
(acor<strong>de</strong>ão).<br />
Barcelos. Auditório São Bento Menni. Av. Paulo<br />
Felisberto, às 22h00. Tel.: 253808210. 8€.<br />
Orquestra <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong> Matosinhos<br />
Estarreja. Cine-Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Estarreja. Rua<br />
do Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>mouro, às 21h30. Tel.:<br />
234811300. 5€. Pas<strong>se</strong> Festival: 7,5€ (sujeito a<br />
<strong>de</strong>scontos).<br />
Homenagem a Count Basie.<br />
Estarrejazz 2009 - Festival <strong>de</strong> Jazz<br />
<strong>de</strong> Estarreja. M/3.<br />
Sábado 21<br />
Quarteto Remix<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 12h00. Tel.:<br />
220120220.5€.<br />
Na Sala 2. Obras <strong>de</strong> Chagas<br />
Rosa, Andrikopoulos e<br />
Beethoven.<br />
Norberto Lobo<br />
Vila Real. Teatro <strong>de</strong> Vila Real.<br />
faixa <strong>de</strong> abertura, “Fanfiction”, em<br />
que a batida é rainha e vai direito à<br />
espinha. Há faixas cantadas, ligeiras<br />
influências lounge (“Swinging<br />
hammock”), a sombra dos Daft<br />
Punk, mas não haja dúvidas: isto é<br />
música para tomar drogas que<br />
<strong>se</strong>rvem para dançar ao som <strong>de</strong><br />
música (que <strong>se</strong>rve para tomar drogas<br />
que etcetcetc).<br />
Clássica<br />
Uma lenda<br />
do piano<br />
no Porto<br />
O pianista e pedagogo<br />
vienen<strong>se</strong> Paul Badura-<br />
Skoda interpreta Haydn,<br />
Beethoven, Brahms e Jeno<br />
Takács na Casa da Música.<br />
Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Paul Badura-Skoda<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, sáb., 21, às 18h00. Tel.: 220120220.<br />
25€.<br />
Alameda <strong>de</strong> Gras<strong>se</strong>, às 22h00. Tel.: 259320000.<br />
7€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos).<br />
No Pequeno Auditório. Apre<strong>se</strong>ntação<br />
<strong>de</strong> “Pata Lenta”. M/6.<br />
Sean Riley & The Slowri<strong>de</strong>rs<br />
Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Casa das Artes. Pq. <strong>de</strong><br />
Sinçães, às 23h00. Tel.: 252371297. 5€.<br />
Café-concerto. Ciclo Panorama:<br />
Mostra Cultural para 4 Estações.<br />
Apre<strong>se</strong>ntação <strong>de</strong> “Only Time Will<br />
Tell”. M/3.<br />
Ana Moura<br />
Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão. Casa das Artes <strong>de</strong> Vila Nova<br />
<strong>de</strong> Famalicão. Pq. <strong>de</strong> Sinçães, às 21h30. Tel.:<br />
252371297. 12€.<br />
No Gran<strong>de</strong> Auditório. Apre<strong>se</strong>ntação<br />
<strong>de</strong> “Leva-me aos Fados”. M/3.<br />
Dave Douglas & Blood Sweat<br />
Drum’n Bass Big Band<br />
Direcção Musical: Jim McNeely. Com<br />
Dave Douglas (trompete), Jim<br />
McNeely (piano).<br />
Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D.<br />
Afonso Henriques, 701, às 22h00. Tel.: 253424700.<br />
17,5€ a 20€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos). Pas<strong>se</strong> Festival: 90€.<br />
No Gran<strong>de</strong> Auditório. Guimarães Jazz<br />
2009. M/12.<br />
Mário Laginha<br />
Lourinhã. Auditório Maestro Manuel Maria Baltazar.<br />
Praça José Máximo da Costa, 7, às 21h30. Tel.:<br />
261410100. 8€.<br />
David Fon<strong>se</strong>ca<br />
Beja. Teatro Pax-Júlia. Largo São João, às 21h30. Tel.:<br />
284315090. 12,5€.<br />
JP Simões + Mr. Mitsuhirato<br />
Lisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 23h30. Tel.:<br />
213467090. 12€.<br />
Apre<strong>se</strong>ntação <strong>de</strong> “Boato”.<br />
Trio<br />
Com João Paulo Santos (piano), Maria<br />
do Anjo Albuquerque (soprano), Ana<br />
Serôdio (mezzo-soprano).<br />
Na Sala Suggia. Obras <strong>de</strong> Haydn,<br />
Beethoven, Takács e Brahms.<br />
O Ciclo <strong>de</strong> Piano da Casa da Música<br />
recebe no sábado um convidado<br />
ilustre. Trata-<strong>se</strong> do pianista austríaco<br />
Paul Badura-Skoda, com 82 anos,<br />
uma intensa carreira atrás <strong>de</strong> si e<br />
como uma discografia monumental<br />
que conta com mais <strong>de</strong> 200 títulos e<br />
inclui as integrais das Sonatas <strong>de</strong><br />
Mozart, Haydn e Schubert. Po<strong>de</strong><br />
dizer-<strong>se</strong> que Badura-Skoda é uma<br />
autêntica lenda viva do piano, tanto<br />
no plano da interpretação como da<br />
pedagogia, da edição musical e da<br />
investigação no domínio da<br />
performance e dos instrumentos<br />
antigos. Apaixonado pelo repertório<br />
do classicismo vienen<strong>se</strong> e dos<br />
alvores do romantismo, foi um dos<br />
pioneiros na utilização <strong>de</strong><br />
pianofortes da época dos<br />
compositores, mas manteve <strong>se</strong>mpre<br />
em paralelo a prática do piano<br />
mo<strong>de</strong>rno.<br />
Depois <strong>de</strong> <strong>se</strong> ter formado no<br />
Con<strong>se</strong>rvatório <strong>de</strong> Viena nos anos 40,<br />
fez estudos <strong>de</strong> aperfeiçoamento com<br />
Edwin Fischer em Lucerna e<br />
começou a apre<strong>se</strong>ntar-<strong>se</strong> com<br />
maestros da estatura <strong>de</strong> Wilhelm<br />
Furtwängler e Herbert von Karajan.<br />
Foram colaborações <strong>de</strong>cisivas para o<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Évora. Igreja e Convento <strong>de</strong> Nossa Senhora dos<br />
Remédios. Av. São Sebastião, às 21h30. Tel.: 266777100.<br />
Música Francesa. V Ciclo <strong>de</strong><br />
Concertos “Música no Inverno”.<br />
Carlos Bica + João Paulo<br />
Estarreja. Cine-Teatro <strong>Municipal</strong> <strong>de</strong> Estarreja. Rua<br />
do Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>mouro, às 21h30. Tel.:<br />
234811300. 5€. Pas<strong>se</strong> Festival: 7,5€ (sujeito a<br />
<strong>de</strong>scontos).<br />
Estarrejazz 2009 - Festival <strong>de</strong> Jazz <strong>de</strong><br />
Estarreja. M/3.<br />
Solistas da Metropolitana<br />
Com Adrian Florescu (violino),<br />
Fernando Llopis (percussão), Savka<br />
Konjikusic (piano).<br />
Lisboa. Palácio Nacional da Ajuda. Largo da Ajuda,<br />
às 16h00. Tel.: 213637095. Entrada livre.<br />
Ciclo <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Câmara. Obras <strong>de</strong><br />
Martinu, Cowell e Hersh.<br />
Domingo 22<br />
Os Violinhos<br />
Queluz. Palácio Nacional <strong>de</strong> Queluz. Largo do<br />
Palácio, às 17h00. Tel.: 214343860. 5€. Entrada livre<br />
para -14 anos.<br />
Na Sala do Trono. Concerto <strong>de</strong> Santa<br />
Cecília.<br />
Terça 24<br />
Carlos Bica<br />
+ João Paulo em Estarreja<br />
Sean Riley & The Slowri<strong>de</strong>rs<br />
em Vila Nova <strong>de</strong> Famalicão<br />
Remix En<strong>se</strong>mble: Metropolis<br />
Direcção Musical: Rolf Gupta.<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 10€.<br />
Na Sala Suggia. Filme-concerto:<br />
Metropolis, <strong>de</strong> Fritz Lang.<br />
“Metropolis”, filme <strong>de</strong> culto que Fritz<br />
Lang realizou em 1926, foi um dos<br />
últimos objectos do mudo. Foi<br />
musicado mais <strong>de</strong> vinte vezes. Uma<br />
<strong>de</strong>ssas bandas sonoras foi composta<br />
por Martin Matalon, em 1995. É essa<br />
obra que o agrupamento portuen<strong>se</strong><br />
interpreta ao vivo, enquanto o filme é<br />
início <strong>de</strong> uma importante carreira<br />
internacional. Em conjunto com a<br />
musicóloga Eva Halfar (com quem<br />
casou em 1951) publicou duas<br />
importantes obras sobre as práticas<br />
<strong>de</strong> execução e os problemas<br />
interpretativos das obras <strong>de</strong> Mozart<br />
(“Mozart-Interpretation”, 1957) e<br />
Bach (“Bach-Interpretation”, 1990) e<br />
é também co-autor <strong>de</strong> um estudo<br />
sobre “As Sonatas para Piano <strong>de</strong><br />
Beethoven” (1970) em colaboração<br />
com o pianista Jorg Demus, com<br />
projectado.<br />
Quarta 25<br />
Bruno Monteiro<br />
Lisboa. Centro Cultural <strong>de</strong> Belém. Praça do<br />
Império, às 19h00. Tel.: 213612400.7€.<br />
No Pequeno Auditório. Obras <strong>de</strong> Bach,<br />
Prokofiev, Ysaÿe e Kreisler. M/6.<br />
Moritz von Oswald Trio<br />
Com Moritz von Oswald<br />
(electrónica), Max Lo<strong>de</strong>rbauer<br />
(electrónica), Vladislav Delay<br />
(percussão).<br />
Lisboa. Teatro <strong>Municipal</strong> Maria Matos. Av. Frei<br />
Miguel Contreiras, 52, às 22h00. Tel.: 218438801.<br />
12€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos).<br />
Na Sala Principal. Vertical Ascent.<br />
Naughty Nights (Manuel João<br />
Vieira)<br />
Lisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 23h30. Tel.:<br />
213467090. Consumo mínimo.<br />
Quinta 26<br />
Nancy Lee Harper<br />
Aveiro. Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Aveiro. Campus<br />
Universitário <strong>de</strong> Santiago, às 18h00. Tel.:<br />
234370200. Entrada livre.<br />
Moritz von Oswald Trio<br />
Coimbra. Teatro Académico <strong>de</strong> Gil Vicente. Pç.<br />
República, às 21h30. Tel.: 239855636.<br />
Axe En<strong>se</strong>mble + Carlos Zíngaro<br />
Lisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar,<br />
91, às 21h30. Tel.: 213111400. 10€.<br />
Cão Solteiro & Vasco Araújo: A<br />
Portugueza<br />
Com Banda Filarmónica da<br />
Socieda<strong>de</strong> Musical Min<strong>de</strong>n<strong>se</strong>.<br />
Maestro: João Carlos Gameiro.<br />
Alcanena. Cine-Teatro São Pedro. Avenida 25 <strong>de</strong><br />
Abril, às 21h00. Tel.: 249889115.<br />
5€ (sujeito a <strong>de</strong>scontos). Pas<strong>se</strong> Festival: 50€. Pas<strong>se</strong><br />
5: 20€ (acesso a 5 espectáculos).<br />
Paul Badura-Skoda no Ciclo <strong>de</strong> Piano da Casa da Música<br />
quem <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>ntou em duo.<br />
Orientou ainda a edição <strong>de</strong><br />
numerosas partituras, com <strong>de</strong>staque<br />
para as obras <strong>de</strong> Mozart, Beethoven,<br />
Schubert e Chopin.<br />
O programa que apre<strong>se</strong>nta na<br />
Casa da Música inclui a Sonata em Mi<br />
bemol Maior Hob.XVI:52, <strong>de</strong> Haydn;<br />
a Sonata op. 53 “Waldstein”, <strong>de</strong><br />
Beethoven; a Partita op.58, <strong>de</strong> Jenö<br />
Takács (escrita em 1954 com Badura-<br />
Skoda como <strong>de</strong>dicatário); e a Sonata<br />
em Fá menor, op.5. <strong>de</strong> Brahms.
Discos<br />
Martha domina<br />
<strong>de</strong> olhos fechados o universo<br />
romântico <strong>de</strong> Piaf<br />
46 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Pop<br />
Para além<br />
da nostalgia<br />
Martha Wainwright<br />
ressuscita Piaf bem melhor<br />
do que era <strong>de</strong> esperar. O<br />
disco <strong>de</strong> tributo do ano?<br />
Luís Maio<br />
Martha Wainwright<br />
Sans Fusils, Ni Souliers, A Paris<br />
Coop, distri. PopStock<br />
mmmmn<br />
Martha é irmã <strong>de</strong><br />
Rufus Wainwright<br />
e tem sobretudo<br />
feito carreira à<br />
sombra do êxito<br />
<strong>de</strong>le. Edith Piaf,<br />
<strong>se</strong>rá qua<strong>se</strong><br />
escusado lembrar, foi a maior<br />
cantora francesa <strong>de</strong> todos os<br />
tempos. De maneira que um disco<br />
<strong>de</strong> canções <strong>de</strong> Edith na voz <strong>de</strong><br />
Martha soa à partida com projecto<br />
votado ao fracasso. Talvez por as<br />
expectativas <strong>se</strong>rem tão baixas, “Sans<br />
Fusils, Ni Souliers, A Paris” é o tipo<br />
<strong>de</strong> disco que começa por<br />
surpreen<strong>de</strong>r e acaba por fascinar.<br />
Primeiro, coisa rara para uma<br />
americana, Martha tem um francês<br />
perfeito ou qua<strong>se</strong>, con<strong>se</strong>quência <strong>de</strong><br />
uma juventu<strong>de</strong> passada em<br />
Montreal, cida<strong>de</strong> do Quebec. Depois<br />
ela e Rufus cresceram a cantar Piaf,<br />
<strong>de</strong> tal modo que Martha domina <strong>de</strong><br />
olhos fechados o universo ultra<br />
romântico da francesa, fazendo <strong>de</strong><br />
“Sans Fusils, Ni Souliers, A Paris”<br />
um caso exemplar <strong>de</strong> teatro <strong>de</strong><br />
pos<strong>se</strong>ssão por uma voz imortal.<br />
Se a <strong>se</strong>nsação <strong>de</strong> ouvir a alma <strong>de</strong><br />
Piaf reencarnar noutra voz domina a<br />
primeira audição, <strong>de</strong>pois vai-<strong>se</strong><br />
percebendo o trabalho <strong>de</strong> <strong>se</strong>lecção e<br />
remontagem <strong>de</strong> Martha. As<br />
comparações com a homenagem a<br />
Judy Garland rubricada pelo irmão<br />
Rufus há dois anos são inevitáveis,<br />
quando aqui também <strong>se</strong> trata <strong>de</strong><br />
celebrar a face excessiva <strong>de</strong> uma<br />
diva trágica. A coisa não resvala,<br />
porém, para a orgia barroca, comum<br />
nos discos do mano, o que em boa<br />
parte <strong>se</strong> <strong>de</strong>ve à supervisão <strong>de</strong>s<strong>se</strong><br />
especialista em discos <strong>de</strong> tributo que<br />
é Hal Willner e do excelente<br />
“en<strong>se</strong>mble” <strong>de</strong> nove músicos que<br />
acompanharam a cantora ao longo<br />
<strong>de</strong> três dias <strong>de</strong> gravações no Verão<br />
passado, frente a plateias cheias no<br />
Dixon Place, pequeno teatro da<br />
baixa <strong>de</strong> Nova Iorque.<br />
Uma <strong>de</strong>cisão criteriosa foi evitar<br />
êxitos tipo “La vie en ro<strong>se</strong>” ou<br />
“Milord” em favor <strong>de</strong> reportório<br />
menos popular. Isto permitiu a<br />
Martha não apenas uma maior<br />
liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentos, mas<br />
também escolher temas que têm a<br />
ver com a faceta mais retorcida ou<br />
mesmo patológica <strong>de</strong> Piaf. Não <strong>de</strong>ve<br />
<strong>se</strong>r por acaso que este álbum abre<br />
com o sufoco da multidão <strong>de</strong> “La<br />
foule” e a acaba na re<strong>de</strong>nção da<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
camisa-<strong>de</strong>-forças <strong>de</strong> “Blou<strong>se</strong>s<br />
blanches”. É esta Piaf à beira da<br />
perdição ou da loucura, que a maior<br />
parte dos <strong>se</strong>us fãs nunca ouviu, que<br />
Martha ressuscita superiormente. O<br />
contributo dos músicos, sobretudo<br />
do pianista Brag Albetta e do<br />
guitarrista Doug Wie<strong>se</strong>lman, é<br />
<strong>de</strong>cisivo, na medida em que vão<br />
criando um crescendo <strong>de</strong> abstracção<br />
e <strong>de</strong> estranheza através do<br />
alinhamento, que o subtrai por<br />
completo à estrita nostalgia. No final<br />
“Sans Fusils, Ni Souliers, A Paris”<br />
con<strong>se</strong>gue <strong>se</strong>r Piaf para além <strong>de</strong> Piaf<br />
– talvez o melhor elogia que <strong>se</strong> po<strong>de</strong><br />
fazer a um disco <strong>de</strong> tributo.<br />
À volta <strong>de</strong><br />
Robert Wyatt<br />
Um dos músicos maiores do<br />
nosso tempo recriado pela<br />
ONJ, com participações do<br />
próprio e <strong>de</strong> Camille, Rokia<br />
Traoré ou Yael Naim.<br />
Vítor Belanciano<br />
Orchestre National <strong>de</strong> Jazz<br />
Daniel Yvinec<br />
Around Robert Wyatt<br />
BeeJazz, distri. Massala<br />
mmmmn<br />
A arte da versão<br />
não é um simples<br />
exercício <strong>de</strong><br />
reinterpretação. A<br />
reprodução literal<br />
ou, no extremo<br />
oposto, o<br />
processo iconoclasta normalmente<br />
dão maus resultados. Apropriar-<strong>se</strong><br />
<strong>de</strong> uma peça musical é saber ler nas<br />
entrelinhas, partir do princípio que<br />
não foi tudo dito, procurar as<br />
arestas, os subentendidos. É isso que<br />
faz a francesa Orchestre National <strong>de</strong><br />
Jazz, com direcção do contrabaixista<br />
e produtor Daniel Yvinec, num<br />
projecto ambicioso à volta do<br />
repertório <strong>de</strong> um dos músicos<br />
maiores do nosso tempo: o inglês<br />
Robert Wyatt.<br />
Robert Wyatt, um dos músicos<br />
maiores do nosso tempo<br />
As canções <strong>de</strong> Wyatt não <strong>se</strong> fixam<br />
numa tipologia (jazz, rock, pop,<br />
folk), nem procuram a perfeição,<br />
<strong>de</strong>ixando qua<strong>se</strong> <strong>se</strong>mpre pontas<br />
soltas, po<strong>de</strong>ndo <strong>se</strong>r alvo <strong>de</strong> muitas<br />
leituras. Foi essa maleabilida<strong>de</strong> que<br />
fascinou Yvinec, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>se</strong>mpre<br />
admirador da obra <strong>de</strong> Wyatt. Mas<br />
este não é um projecto <strong>de</strong><br />
homenagem. É uma visão do <strong>se</strong>u<br />
universo através <strong>de</strong> diferentes<br />
prismas. É essa a sua mais-valia. O<br />
visado canta em quatro temas,<br />
canções registadas <strong>se</strong>gundo o<br />
mo<strong>de</strong>lo piano-voz, com arranjos <strong>de</strong><br />
Vincent Artaud, sugerindo outro<br />
cromatismo, <strong>se</strong>m <strong>de</strong>svios excessivos<br />
das harmonias originais.<br />
O mesmo mo<strong>de</strong>lo foi adoptado<br />
nas canções on<strong>de</strong> participam<br />
convidados como Camille, Rokia<br />
Traoré, Yael Naim, Irene Jacob, Arno<br />
ou Daniel Darc. O resultado é sóbrio<br />
e consistente, <strong>de</strong>volvendo-nos o<br />
fascinante universo íntimo <strong>de</strong> Wyatt,<br />
exposto numa mão cheia <strong>de</strong> canções<br />
que fazem parte do património da<br />
música popular, como “Just as you<br />
are”, “Shipbuilding”, “O Caroline”<br />
ou “Te recuerdo Amanda.” Depois<br />
da passagem pelos grupos Soft<br />
Machine e Matching Hole, a meio<br />
dos anos 70, Wyatt enveredou por<br />
um percurso a solo, transformando<strong>se</strong><br />
num dos mais fascinantes<br />
criadores musicais do nosso tempo.<br />
Alguém que, a cada novo disco, nos<br />
lança à cara o tipo <strong>de</strong> obras capazes<br />
<strong>de</strong> sublimar a nostalgia do passado e<br />
projectar o futuro <strong>se</strong>m gran<strong>de</strong>s<br />
ro<strong>de</strong>ios.<br />
É verda<strong>de</strong> que passou tempos<br />
difíceis na década <strong>de</strong> 80 e parte dos<br />
anos 90. Mas neste século tem visto,<br />
finalmente, a sua obra reconhecida.<br />
Há dois anos, em entrevista, dizia-nos<br />
com a habitual autenticida<strong>de</strong>, que era<br />
um solitário, alguém que trabalhava<br />
longe do ruído contemporâneo, e<br />
aspirava a continuar assim. De vez<br />
em quando é resgatado <strong>de</strong>s<strong>se</strong> retiro.<br />
Foi isso que fez a Orchestre National<br />
<strong>de</strong> Jazz. <strong>Ainda</strong> bem.<br />
O pingaamor<br />
erudito<br />
Gran<strong>de</strong> disco <strong>de</strong> pop<br />
enciclopédica.<br />
João Bonifácio<br />
Vincent Delerm<br />
Quinze Chansons<br />
Tôt Ou Tard; distri. Massala<br />
mmmmn<br />
Vincent Delerm<br />
ocupa, com<br />
Benjamin Biolay,<br />
o lugar <strong>de</strong><br />
transportador da<br />
tocha da<br />
“n<strong>ouve</strong>lle
chanson françai<strong>se</strong>”. Mas enquanto<br />
Biolay é todo sombras, lixo e luxo,<br />
Delerm é o burguês, limpo e erudito.<br />
Parece um pinga-amor trapalhão e<br />
<strong>de</strong>masiado lido, o tipo <strong>de</strong> homem a<br />
quem uma mãe confiaria a filha,<br />
enquanto Biolay é o tipo <strong>de</strong> homem<br />
que não só papava a filha como<br />
também a mãe. E para acentuar as<br />
diferenças, Biolay é o her<strong>de</strong>iro<br />
legítimo do toque <strong>de</strong> Midas <strong>de</strong><br />
Gainsbourg e um conhecedor<br />
profundo da canção francesa,<br />
enquanto Delerm é mais americano:<br />
nas fotos do libreto do <strong>se</strong>u novo<br />
disco, “Quinze Chansons”, ele<br />
aparece a ler um livro chamado<br />
“J’aime Le Music-Hall” e a ler a<br />
biografia <strong>de</strong> Johnny Carson. Es<strong>se</strong> é o<br />
<strong>se</strong>gredo <strong>de</strong> Delerm: o cruzamento<br />
dos ritmos e harmonias do musichall<br />
com a simplicida<strong>de</strong> das<br />
melodias da “chanson”, a aplicação<br />
<strong>de</strong> arranjos <strong>de</strong>rivados da Broadway<br />
em melodias eivadas da falsa<br />
ingenuida<strong>de</strong> que Sylvie Vartan<br />
imortalizou.<br />
“Quinze Chansons” abre com as<br />
magníficas cordas <strong>de</strong> “Tous les<br />
acteurs s’appelllent Terence”, olhar<br />
cínico sobre a imagem pública das<br />
estrelas <strong>de</strong> cinema. As cordas abrem<br />
espaço para o piano (imagem <strong>de</strong><br />
marca), há flautas, coros e metais<br />
numa extraordinária canção que<br />
<strong>de</strong>ve muito às bandas-sonoras dos<br />
anos 40. O jazz <strong>de</strong> Nova Orleães é a<br />
inspiração da perfeita “Je pen<strong>se</strong> à<br />
toi”, cujo refrão com cravo<br />
<strong>de</strong>bruado a fio <strong>de</strong> ouro <strong>de</strong> cordas<br />
nos <strong>de</strong>ixa com rebuçado a escorrer<br />
pelas orelhas. “Le coeur <strong>de</strong>s<br />
volleyeu<strong>se</strong>s” é todo música <strong>de</strong><br />
saloon e o western inva<strong>de</strong> “From a<br />
romm”. Sempre pluri-referencial (o<br />
rapaz adora referências) escreve<br />
ainda uma gran<strong>de</strong> canção, toda<br />
engalanada <strong>de</strong> metais estrepitosos,<br />
sobre o jogador <strong>de</strong> futebol Patrick<br />
Vieira. Amores falhados, vau<strong>de</strong>ville<br />
e pianada, órgãos prenhes <strong>de</strong><br />
nostalgia (Delerm adora a nostalgia)<br />
a adornar melodias-chai<strong>se</strong>-long-commartini,<br />
erudição e mundanida<strong>de</strong><br />
(que inclui referências aos<br />
Tin<strong>de</strong>rsticks, aos Peugeuots e a<br />
Godart e a Wayne Rooney) e coros<br />
femininos, doces como uma carícia<br />
<strong>de</strong> uma amante sabida. Um gran<strong>de</strong><br />
disco <strong>de</strong> pop enciclopédica.<br />
Há vida para além<br />
dos Strokes<br />
Julian Casablancas<br />
Phrazes For The Young<br />
Sony Music<br />
mmmnn<br />
No início <strong>de</strong>sta<br />
década, os<br />
Strokes foram um<br />
felicíssimo<br />
sobressalto. As<br />
canções e a<br />
atitu<strong>de</strong> certas,<br />
Vincent Delerm: este rapaz adora referências...<br />
uma precisão pop vestida <strong>de</strong> cabedal<br />
rock’n’roll e o peso da história <strong>de</strong><br />
Nova Iorque, dos Velvets aos<br />
Television, a libertar-<strong>se</strong> como nova<br />
euforia. Com “Is This It?”, fizeram<br />
um álbum maior que eles mesmos, o<br />
que, <strong>de</strong> resto, a carreira posterior<br />
viria confirmar.<br />
Em pousio <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “First<br />
Impressions of Earth”, o terceiro<br />
álbum, editado em 2006, a banda é<br />
formada por gente que ainda mal<br />
chegou aos 30 anos mas que tem<br />
sobre si uma aura <strong>de</strong><br />
veteranos <strong>de</strong> um<br />
tempo distante. O<br />
mundo da pop corre<br />
rápido como nunca e,<br />
<strong>se</strong> não <strong>se</strong>rão novos<br />
álbuns dos Strokes a<br />
transformá-los em<br />
luminárias <strong>de</strong> uma<br />
nova era (como<br />
pareciam em 2000), muito menos o<br />
<strong>se</strong>rão os trabalhos a solo em que os<br />
<strong>se</strong>us membros <strong>se</strong> têm ocupado. Ora,<br />
Julian Casablancas: o álbum mais interessante<br />
criado por um Strokes a solo<br />
isso <strong>se</strong>rá tremendamente<br />
aborrecido para este<br />
“Phrazes For The Young”,<br />
o primeiro álbum a<br />
solo do mais<br />
importante dos<br />
Strokes – afinal, foi<br />
ele que compôs<br />
tudo o que<br />
ouvimos em “Is<br />
This It?”.<br />
Se tudo<br />
continuar como até<br />
aqui, <strong>se</strong>r-lhe-á votado o<br />
mesmo <strong>de</strong>sinteres<strong>se</strong> geral<br />
que ro<strong>de</strong>ou os discos <strong>de</strong><br />
Albert Hammond Jr ou os<br />
Little Joy <strong>de</strong> Fabrizio<br />
Moretti. Acontece que este<br />
intrigante, estranho e<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>quilibrado “Phrazes<br />
For The Young” merecia um<br />
pouco mais. Nele,<br />
Casablancas prova que “Is<br />
This It?” não foi<br />
simplesmente golpe <strong>de</strong> sorte.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 47
Discos<br />
Há realmente aqui um compositor<br />
interessante, com uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
vincada. Não por reproduzir aquilo<br />
que são os Strokes, a banda <strong>de</strong><br />
<strong>guitarra</strong>s. Precisamente o contrário:<br />
por <strong>se</strong> ro<strong>de</strong>ar <strong>de</strong> sintetizadores e<br />
“drum machines”, por inventar<br />
cyborgues-country como “River of<br />
bravelights” e <strong>se</strong> atirar à soul como<br />
existencialista apocalíptico da ida<strong>de</strong><br />
digital – “we’re going nowhere / and<br />
we’re going fast”, fra<strong>se</strong> chave <strong>de</strong> “4<br />
chords to the apocalyp<strong>se</strong>”. Ou <strong>se</strong>ja,<br />
por fazer tudo isso <strong>se</strong>m <strong>se</strong> anular no<br />
processo.<br />
É Casablancas, indiscutivelmente,<br />
que está nestas oito longas canções.<br />
É ele o betinho “bad boy” que atira<br />
as palavras em tom blasé, que<br />
encontra porto <strong>se</strong>guro nos refrães<br />
iluminados a néon, que troca os riffs<br />
<strong>de</strong> <strong>guitarra</strong> <strong>de</strong> ontem por sonoros<br />
riffs <strong>de</strong> teclas – i<strong>de</strong>ia bizarra, esta <strong>de</strong><br />
querer <strong>se</strong>r, à uma, o Michael Jackson<br />
<strong>de</strong> “Thriller” e os Van Halen <strong>de</strong><br />
“Jump” (“11th dimension”).<br />
Claro que há exageros. Claro que<br />
algumas canções <strong>se</strong> prolongam por<br />
tempo <strong>de</strong>mais, <strong>se</strong> recheiam <strong>de</strong><br />
48 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Espaço<br />
Público<br />
<strong>de</strong>masiados elementos. Claro que<br />
nem toda a intrigante bizarria <strong>de</strong>ste<br />
Casablancas que agora ouvimos<br />
acerta na mouche - “Glass” é balada<br />
que volteja incessantemente <strong>se</strong>m<br />
chegar a lado nenhum. Mas isso não<br />
apaga o facto <strong>de</strong> <strong>se</strong>r o álbum mais<br />
interessante criado por um Strokes a<br />
solo e <strong>de</strong>, nele, Casablancas <strong>se</strong><br />
revelar o único da banda a po<strong>de</strong>r<br />
aspirar sobreviver-lhe<br />
verda<strong>de</strong>iramente. Mário Lopes<br />
Kimi Djabaté<br />
Karam<br />
Cumbancha; distri. Leve Music<br />
mmmmn<br />
Mazzy Star é o primeiro<br />
nome que vem à cabeça<br />
quando <strong>se</strong> <strong>ouve</strong> a voz doce<br />
<strong>de</strong> Marissa Nadler. Mas<br />
fora o reducionismo das<br />
comparações, Marissa<br />
tem um mundo muito<br />
próprio. Em “Little Hells”<br />
é a melancolia elevada<br />
ao <strong>se</strong>u expoente máximo.<br />
Mas uma melancolia<br />
“Karam”, estreia<br />
<strong>de</strong> Kimi Djabaté, é<br />
trabalho <strong>de</strong><br />
compositor já<br />
feito, <strong>se</strong>guro da<br />
sua voz quente e<br />
gran<strong>de</strong> construtor <strong>de</strong> ritmos e<br />
harmonias. Djabaté toca <strong>guitarra</strong> e<br />
balafón (espécie <strong>de</strong> xilofone) e todas<br />
as canções são dominadas pelas<br />
melodias <strong>de</strong>s<strong>se</strong>s dois instrumentos:<br />
por norma a <strong>guitarra</strong> enleia um<br />
entraçado complexo enquanto o<br />
balafón pontua uma melodia mais<br />
imediata. “Karam” abre com a<br />
óptima “Kodé”, lenta canção com<br />
belos arranjos <strong>de</strong> metais, e à<br />
<strong>se</strong>gunda faixa (homónima ao disco)<br />
<strong>de</strong>ixa-<strong>se</strong> levar por um ritmo<br />
irresistível. A canção, lamento pelo<br />
gran<strong>de</strong> continente, tem cuíca e<br />
percussões várias a levarem balanço<br />
ao rendilhado da kora – a melodia<br />
principal funciona em regime<br />
incitação-resposta e canta-<strong>se</strong> “I love<br />
Africa”. Ao terceiro tema, “Djombé”,<br />
estamos, graças a um extraordinário<br />
trabalho <strong>de</strong> <strong>guitarra</strong>, em pleno<br />
território <strong>de</strong> abanar o rabo, o que <strong>se</strong><br />
repete na estupenda “Mussolu”,<br />
com <strong>de</strong>liciosa melodia <strong>de</strong> balafón. E<br />
até ao fim <strong>se</strong>rá assim, com Djabaté a<br />
explorar as mais variadas formas <strong>de</strong><br />
música mandinga munido apenas <strong>de</strong><br />
umas percussões, coros, kora, voz<br />
quente e um exímio talento à<br />
<strong>guitarra</strong>. Uma gran<strong>de</strong>, gran<strong>de</strong><br />
estreia. J. B.<br />
Adriana Partimpim<br />
Partimpim 2<br />
Sony Music<br />
mmmmn<br />
reconfortante, com a qual<br />
nos envolvemos e fi camos<br />
<strong>se</strong>guros, a experienciar<br />
um hedonismo <strong>se</strong>m igual.<br />
Durante as 10 faixas<br />
não há mudanças <strong>de</strong><br />
velocida<strong>de</strong>, apenas um<br />
constante caminhar em<br />
direcção à perfeição,<br />
mas que nunca chega a<br />
<strong>se</strong>r atingida. Há ainda<br />
Adriana<br />
Calcanhotto<br />
voltou ao<br />
heterónimo<br />
Partimpim<br />
(herdado <strong>de</strong><br />
infância), cinco anos <strong>de</strong>pois do<br />
primeiro e bem sucedido passo, com<br />
resultados encorajadores. Se no disco<br />
original todos os temas vinham do<br />
baú ou <strong>de</strong> terceiros (Edu e Chico,<br />
Arnaldo Antunes, Paula Toller,<br />
até Amália e Alain Oulman),<br />
neste Adriana assina três temas, a<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
uma cereja para pôr em<br />
cima do bolo que são os<br />
telediscos <strong>de</strong> Joana Linda,<br />
gravados cá em Portugal.<br />
António Pedro Reis,<br />
Estudante <strong>de</strong> Eng. Civil, 23<br />
anos.<br />
Blog: http://<br />
barulhoesquisito.blogspot.<br />
com/.<br />
começar logo no frenético e<br />
carnavalesco samba <strong>de</strong> “Baile<br />
partimcundum”, <strong>se</strong>guido do achado<br />
que é “Ringtone <strong>de</strong> amor” (com<br />
produção, subtil mas notável, <strong>de</strong> Arto<br />
Lindsay) e, mais adiante, <strong>de</strong> “Menina,<br />
menino”, feliz numa ambiência <strong>de</strong><br />
baião electro-transcen<strong>de</strong>ntal. Para<br />
começo da “brinca<strong>de</strong>ira” já <strong>se</strong>ria um<br />
bom sinal. Mas Adriana vai mais<br />
longe e traz para o <strong>se</strong>u terreiro <strong>de</strong><br />
faz-<strong>de</strong>-conta o “Trenzinho do caipira”<br />
<strong>de</strong> Villa-Lobos, trocando-lhe a<br />
melancolia por uma atmosfera <strong>de</strong><br />
encantamento qua<strong>se</strong> infantil; ou o<br />
“Alexandre” do genial “Livro” <strong>de</strong><br />
Caetano Veloso, fazendo da saga do<br />
cruel imperador a aventura <strong>de</strong> um<br />
menino, adulto antes do tempo; e,<br />
por fim, Bob Dylan, com “Man gave<br />
names to all the animals” traduzido<br />
livremente pelo dylaniano Zé<br />
Ramalho. Arnaldo Antunes voltou,<br />
com “Na massa” (parceria com Davi<br />
Moraes), Cid Campos também<br />
(adaptando um pequeno poema<br />
surreal do novecentista Edward Lear,<br />
“Alface”) e para a festa foram ainda<br />
convocados Roberto e Erasmo<br />
Carlos, com “Gatinha manhosa” (que<br />
Kimi Djabaté: uma gran<strong>de</strong>, gran<strong>de</strong> estreia<br />
LEO AVERSA<br />
Adriana <strong>de</strong>dica a outra das suas<br />
gatas, Ming Lé), João Gilberto (“Bim<br />
bom”, claro) e Vinicius <strong>de</strong> Moraes,<br />
com Cid Campos a musicar um<br />
poemas da sua “Arca <strong>de</strong> Noé”,<br />
“Borboletas”, sucessor da<br />
“Borboleta” encomendada a<br />
Domenico no “Partimpim” inicial.<br />
Com Dé Palmeira <strong>de</strong> novo como<br />
parceiro musical, Adriana volta a<br />
mostrar que “Partimpim” po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r<br />
receita inesgotável. Des<strong>de</strong> que, como<br />
agora, mantenha o nível bem alto.<br />
Nuno Pacheco<br />
Nirvana<br />
Bleach<br />
Sub Pop; distri. Warner<br />
mmmmn<br />
Estes eram os<br />
Nirvana <strong>se</strong>m Dave<br />
Grohl (Chad<br />
Channing era o<br />
baterista), eram<br />
os Nirvana que<br />
canalizavam<br />
numa canção <strong>de</strong> dois versos e riff<br />
impressionante, “School”, um<br />
quadro mental <strong>de</strong> neuro<strong>se</strong> e<br />
alienação que repre<strong>se</strong>ntava na<br />
perfeição o espírito dos tempos –<br />
não era só aquele “no recess”, era<br />
também a forma como <strong>Kurt</strong> <strong>Cobain</strong><br />
o berrava, com a voz, rouca e<br />
cortante, e ameaçar quebrar a<br />
qualquer momento.<br />
Mas “Bleach”, agora reeditado<br />
em versão remasterizada,<br />
supervisionada pelo produtor<br />
original, Jack Endino, e acrescido<br />
<strong>de</strong> um concerto <strong>de</strong> 1990 (tem<br />
“Dive”, “Sappy” ou a versão <strong>de</strong><br />
“Molly’s lips”, dos Va<strong>se</strong>lines, mas<br />
não oferece epifanias), mostra<br />
Adriana Partimpim: uma receita<br />
inesgotável e <strong>de</strong> nível alto<br />
RITA CARMO
mais. Porque há “About a girl” e um<br />
apreço por harmonias pop que<br />
<strong>de</strong>sabrocharia em “Nevermind” e<br />
porque <strong>se</strong> <strong>de</strong>monstra o apreço pelas<br />
pérolas excêntricas do rock’n’roll na<br />
excelente “Love buzz”, versão dos<br />
holan<strong>de</strong><strong>se</strong>s Shocking Blue que<br />
transforma psica<strong>de</strong>lismo 60s em<br />
matéria ameaçadora.<br />
“Bleach” é um um álbum<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>quilibrado – a primeira meta<strong>de</strong>,<br />
que encerra com “Negative creep”, é<br />
tudo o que dis<strong>se</strong>mos acima, a<br />
<strong>se</strong>gunda é um indistinto prolongar<br />
do grito “grunge” (antes <strong>de</strong> <strong>se</strong> saber<br />
o que o grunge era). Mas tem uma<br />
vivacida<strong>de</strong>, um <strong>se</strong>ntido <strong>de</strong> urgência<br />
e uma negra perversida<strong>de</strong> que, além<br />
<strong>de</strong> o erguer acima do contexto<br />
específico que o viu nascer, o<br />
transforma em peça imprescindível<br />
do mosaico Nirvana. Em estado<br />
bruto, já encontramos nele tudo o<br />
que <strong>se</strong>riam <strong>de</strong>pois. M.L.<br />
Ben Frost<br />
By The Throat<br />
Bedroom Community, distri. Flur<br />
mmmmn<br />
O australiano, a<br />
residir na<br />
Islândia, Ben<br />
Frost esteve há<br />
duas <strong>se</strong>manas no<br />
teatro Maria<br />
Matos, em Lisboa,<br />
on<strong>de</strong> actuou ao lado <strong>de</strong> Nico Muhly,<br />
Sam Amidon e Valgeir Sigurosson,<br />
todos da editora Bedroom<br />
Community, num concerto<br />
magnífico, autêntica dança <strong>de</strong> estilos<br />
– da folk alternativa à electrónica<br />
progressiva, da música clássica ao<br />
ambientalismo saturado. Se existe<br />
algo que os liga é a curiosida<strong>de</strong><br />
extrema em relação a todos os tipos<br />
<strong>de</strong> música e uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir<br />
<strong>se</strong>mpre mais além. O novo álbum <strong>de</strong><br />
Ben Frost confirma-o.<br />
Aparentemente é um disco <strong>de</strong><br />
electrónica ambiental. Mas ficar por<br />
aí é não perceber qua<strong>se</strong> nada. Sim,<br />
claro, há electrónica, qua<strong>se</strong> <strong>se</strong>mpre<br />
estática e imponente. E ambientes,<br />
Ben Frost: tensão<br />
nunca resolvida entre opostos,<br />
claro e escuro, placi<strong>de</strong>z e ruído,<br />
gelo e calor, tranquilida<strong>de</strong><br />
e convulsão...<br />
49 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Nobuyasu Furuya Trio<br />
medo, neve, lobos, carros. Mas o<br />
que há acima <strong>de</strong> tudo é uma tensão<br />
nunca resolvida entre opostos, claro<br />
e escuro, placi<strong>de</strong>z e ruído, gelo e<br />
calor, tranquilida<strong>de</strong> e convulsão,<br />
natureza e cida<strong>de</strong>, aquilo que une<br />
Lynch a Cronenberg, Brian Eno a<br />
Wolf Eyes, o tiquetaque <strong>de</strong> um<br />
relógio com o <strong>de</strong>tonador <strong>de</strong> uma<br />
bomba, e é tanta coisa. Não é disco<br />
para todas as horas. Exige que <strong>se</strong><br />
mergulhe nele como quem olha um<br />
filme, não com esperança <strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r uma história que<br />
nunca chegará, mas <strong>de</strong> o <strong>se</strong>ntir,<br />
absolutamente. Vítor Belanciano<br />
Jazz<br />
Fúria Zen<br />
Fúria controlada com o<br />
apoio <strong>de</strong> uma boa <strong>se</strong>cção<br />
rítmica portuguesa.<br />
Nuno Catarino<br />
Nobuyasu Furuya Trio<br />
Bendowa<br />
Clean Feed / distr. Trem Azul<br />
mmmmn<br />
O japonês<br />
Nobuyasu Furuya,<br />
actualmente a<br />
viver entre Berlim<br />
e Lisboa, tem feito<br />
furor nos<br />
concertos pela<br />
chama incendiária do <strong>se</strong>u saxofone<br />
tenor: ao vivo é capaz <strong>de</strong> rugidos<br />
intensíssimos, capazes <strong>de</strong> assustar<br />
fãs <strong>de</strong> noi<strong>se</strong>. Mas a arte do palhetista<br />
– Furuya toca saxofone tenor,<br />
clarinete baixo e flautas - não <strong>se</strong><br />
resume à ferocida<strong>de</strong>; além <strong>de</strong><br />
dominar diferentes instrumentos, o<br />
japonês utiliza uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
diferentes técnicas. Acompanhado<br />
por uma dupla rítmica portuguesa,<br />
Hernâni Faustino no contrabaixo e<br />
Gabriel Ferrandini na bateria, tem<br />
neste trio uma plataforma <strong>se</strong>gura<br />
para explorar um jazz aberto com<br />
ascendência no “free” e ligação<br />
directa a Peter Brötzmann – e que<br />
nos momentos extremos <strong>se</strong><br />
aproxima da fúria <strong>de</strong> um Kaoru Abe.<br />
Mas é simultaneamente capaz <strong>de</strong><br />
uma irrepreensível contenção “zen”,<br />
especialmente quando <strong>se</strong> aplica na<br />
flauta em <strong>de</strong>licados murmúrios.<br />
Neste álbum, “Bendowa”,<br />
homenagem a um monge do século<br />
XIII, o japonês tem o apoio<br />
inteligente <strong>de</strong> uma dupla lusa que<br />
não <strong>se</strong> limita a um papel <strong>de</strong><br />
background: complementa e<br />
interage, reage e provoca. Ferrandini<br />
é talento bruto em ascensão (aqui<br />
está vibrante e atento) e Faustino<br />
tem uma performance<br />
especialmente rica, <strong>se</strong>rvindo-<strong>se</strong> do<br />
contrabaixo com criativida<strong>de</strong>.<br />
Nuno Catarino<br />
Marc-André Hamelin apre<strong>se</strong>nta-<strong>se</strong> hoje<br />
pela primeira vez em Portugal no âmbito do Festival<br />
“À volta do Barroco” na Casa da Música<br />
Clássica<br />
O Haydn<br />
clarivi<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> Marc-<br />
André<br />
Hamelin<br />
Este álbum duplo <strong>de</strong>dicado<br />
às Sonatas <strong>de</strong> Haydn é um<br />
sério candidato aos lugares<br />
cimeiros da discografia do<br />
compositor austríaco.<br />
Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Piano Sonatas II<br />
Marc-André Hamelin<br />
Hypérion CDA 67710 (2 CD)<br />
mmmmn<br />
O pianista<br />
canadiano Marc-<br />
André Hamelin,<br />
que <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>nta<br />
hoje pela primeira<br />
vez em Portugal<br />
no âmbito do<br />
Festival “À volta do Barroco” na Casa<br />
da Música, é conhecido pelo <strong>se</strong>u<br />
brilhante virtuosismo, mas é também<br />
capaz da maior subtileza<br />
interpretativa. A inteligência e a<br />
imaginação que coloca na abordagem<br />
CARLOS PAES<br />
das Sonatas <strong>de</strong> Haydn são<br />
surpreen<strong>de</strong>ntes, como <strong>de</strong>monstra<br />
este álbum duplo da Hypérion, que<br />
constitui já um <strong>se</strong>gundo volume <strong>de</strong><br />
uma série <strong>de</strong>dicada ao gran<strong>de</strong><br />
compositor austríaco. Uma “toucher”<br />
cristalina, uma técnica rigorosa, um<br />
eloquente recorte <strong>de</strong> fra<strong>se</strong>ados e um<br />
<strong>se</strong>ntido rítmico <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> precisão<br />
são colocados ao <strong>se</strong>rviço <strong>de</strong> uma<br />
penetrante compreensão do universo<br />
haydniano. Hamelin tira partido das<br />
cores e dinâmicas do piano mo<strong>de</strong>rno<br />
mas nunca per<strong>de</strong> a noção <strong>de</strong> que este<br />
é um repertório <strong>de</strong> matriz clássica,<br />
que amiú<strong>de</strong> <strong>de</strong>nuncia raízes barrocas<br />
e noutros casos possui rasgos que<br />
apontam para a futura linguagem<br />
romântica ou para a Empfindsamkeit<br />
(estilo da <strong>se</strong>nsibilida<strong>de</strong>).<br />
Se algumas das primeiras obras<br />
para instrumento <strong>de</strong> teclas <strong>de</strong> Haydn<br />
foram ainda concebidas <strong>de</strong> modo a<br />
permitir a execução no cravo ou no<br />
pianoforte, outras foram claramente<br />
inspiradas pelas novas<br />
possibilida<strong>de</strong>s dinâmicas do piano.<br />
Por exemplo as Sonatas nºs 48 e 49,<br />
também incluídas na gravação,<br />
<strong>de</strong>correm a <strong>de</strong>scoberta, em Londres,<br />
dos po<strong>de</strong>rosos pianos Broadwood. A<br />
elegância, o humor, os efeitos <strong>de</strong><br />
surpresa e uma energia que pren<strong>de</strong><br />
constantemente o ouvinte<br />
percorrem a interpretação <strong>de</strong><br />
Hamelin <strong>de</strong> uma <strong>se</strong>lecção <strong>de</strong> Sonatas<br />
variada que compreen<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
peças relativamente simples<br />
<strong>de</strong>dicadas aos executantes amadores<br />
a obras <strong>de</strong> maior fôlego. Foram<br />
gravadas as Sonatas nºs 6, 26, 31, 33,<br />
34, 35, 39, 42, 48 e 49 e a Fantasia<br />
em Dó Maior (Hob XVII:4), uma<br />
página brilhante, <strong>de</strong> um virtuosismo<br />
qua<strong>se</strong> orquestral, que <strong>se</strong> ba<strong>se</strong>ia<br />
numa canção popular austríaca.<br />
Usufruindo <strong>de</strong> menos divulgação<br />
junto do público e dos intérpretes do<br />
que as Sonatas <strong>de</strong> Mozart e<br />
Beethoven, as Sonatas <strong>de</strong> Haydn na<br />
versão <strong>de</strong> Hamelin constituem um<br />
excelente cartão <strong>de</strong> visita para os<br />
ouvintes menos familiarizados com<br />
este repertório e uma referência<br />
obrigatória para os conhecedores.
Livros<br />
Top Bulhosa<br />
Livreiros<br />
Nacional<br />
Ficção<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
O Símbolo Perdido<br />
Dan Brown<br />
Bertrand<br />
Fúria Divina<br />
José Rodrigues<br />
dos Santos<br />
Gradiva<br />
Caim<br />
José Saramago<br />
Caminho<br />
Novas Crónicas<br />
da Boca do Inferno<br />
Ricardo Araújo Pereira<br />
e João Fazenda<br />
Tinta da China<br />
O Aniversário <strong>de</strong> Asterix e<br />
Obélix – O Livro <strong>de</strong> Ouro<br />
R. Goscinny e A. U<strong>de</strong>rzo<br />
Asa<br />
Não-Ficção<br />
Mal-entendidos<br />
1 Nuno Lobo Antunes<br />
Verso da Kapa<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
Fontes Pereira <strong>de</strong> Mello<br />
– Uma Biografia<br />
Maria Filomena Mónica<br />
Alêtheia Editores<br />
As Extraordinárias<br />
Aventuras da Justiça<br />
Portuguesa<br />
Sofia Pinto Coelho<br />
A Esfera dos Livros<br />
Portugal Que Futuro<br />
Medina Carreira e Eduardo<br />
Dâmaso<br />
Objectiva<br />
1 Km <strong>de</strong> Cada Vez<br />
Gonçalo Cadilhe<br />
Oficina do Livro<br />
DANIEL ROCHA<br />
50 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Memórias<br />
Do “kilt”<br />
ao “quilt”<br />
Contos, memórias,<br />
<strong>se</strong>nsações que <strong>se</strong> entrelaçam<br />
ao sabor da memória – a<br />
extraordinária arte <strong>de</strong> contar<br />
<strong>de</strong> Alice Munro.<br />
Helena Vasconcelos<br />
A Vista <strong>de</strong> Castle Rock<br />
Alice Munro<br />
(trad. José Miguel Silva)<br />
Relógio d’Água<br />
mmmmm<br />
Andrew Laidlaw<br />
tinha <strong>de</strong>z anos<br />
quando foi pela<br />
primeira vez a<br />
Edimburgo. O pai<br />
levou-o a subir à<br />
torre do castelo e<br />
obrigou-o a fixar<br />
um ponto distante<br />
e brilhante.<br />
Depois, dis<strong>se</strong>-lhe: “Tivemos sorte<br />
com o dia... pronto, rapaz, já viste a<br />
América. Queira Deus que um dia a<br />
possas ver mais <strong>de</strong> perto”.<br />
Desta forma fantasmagórica as<br />
terras para além do mar surgiramlhe<br />
como uma miragem e também<br />
como um objectivo, uma porta para<br />
um mundo novo, intocado e fértil.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, Andrew atravessará<br />
realmente o Atlântico com a família,<br />
numa longa, aventurosa e pitoresca<br />
viagem que está <strong>de</strong>scrita no capítulo<br />
que dá o título a este livro. A<br />
reconstituição <strong>de</strong>s<strong>se</strong>s tempos em<br />
que na Escócia toda a gente sabia ler<br />
e escrever – graças aos bons ofícios<br />
do Reformista John Knox – mas on<strong>de</strong><br />
<strong>se</strong> morria <strong>de</strong> fome, faz parte da<br />
intricada saga da família da autora<br />
canadiana Alice Munro, a vencedora<br />
do Booker International <strong>de</strong>ste ano,<br />
cujo nome <strong>de</strong> solteira é exactamente<br />
Laidlaw, os mesmos <strong>de</strong> Ettrick,<br />
condado <strong>de</strong> Selkirk, uma “paróquia<br />
<strong>se</strong>m vantagens” como ficou<br />
registado numa <strong>de</strong>scrição estatística<br />
da região, datada <strong>de</strong> 1799.<br />
A primeira parte <strong>de</strong> “A Vista <strong>de</strong><br />
Castle Rock” é es<strong>se</strong>ncialmente<br />
<strong>de</strong>dicada aos antepassados da<br />
autora, aos avós que, mesmo longe,<br />
adoptavam o sotaque das terras altas<br />
da Escócia, e aos pais que fizeram<br />
parte <strong>de</strong> gerações <strong>de</strong> colonos que<br />
<strong>de</strong>sbravaram cerradas florestas <strong>de</strong><br />
carvalhos para o cultivo das terras e<br />
<strong>se</strong> estabeleceram em quintas<br />
construídas do zero. O pai começou<br />
por <strong>se</strong>r caçador e criador <strong>de</strong> animais<br />
– raposas douradas, visons,<br />
zibelinas, ratos almiscarados – para<br />
o comércio das peles que a mãe<br />
levava para hotéis nas cida<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong><br />
Design<br />
A obra “Sena da Silva”,<br />
lançada na Fundação<br />
Gulbenkian, apre<strong>se</strong>nta o<br />
retrato <strong>de</strong> um dos maiores<br />
<strong>de</strong>signers portugue<strong>se</strong>s<br />
do século XX, António<br />
Sena da Silva (1926-<br />
2001), arquitecto <strong>de</strong><br />
formação, <strong>de</strong>signer, mas<br />
também fotógrafo, pintor,<br />
fundador e primeiro<br />
presi<strong>de</strong>nte do Centro<br />
Português <strong>de</strong> Design.<br />
Esta obra, comissariada<br />
Es<strong>se</strong>ncial para a compreensão da obra <strong>de</strong> Munro,<br />
este livro <strong>de</strong>svenda um dos <strong>se</strong>us <strong>se</strong>gredos...<br />
paravam turistas. O negócio durou<br />
pouco, sucessivamente afectado<br />
pela Depressão, pela Guerra e pela<br />
doença <strong>de</strong>generativa da mãe. Estes e<br />
outros episódios, simultaneamente<br />
violentos e líricos, intensos e<br />
dramáticos, compõem estas<br />
“memórias autobiográficas” e<br />
possuem o po<strong>de</strong>r, pela dinâmica da<br />
escrita e pela mestria da autora, <strong>de</strong><br />
convocarem com a mesma<br />
intensida<strong>de</strong>, tanto os antepassados<br />
que a escritora não conheceu, como<br />
os elementos da família mais<br />
próxima, assim como os vizinhos e<br />
conhecidos, as amigas <strong>de</strong> escola e os<br />
namorados, uns, no centro da acção,<br />
outros, meros figurantes, na vasta e<br />
gloriosa “tapeçaria”, laboriosa e<br />
genialmente tecida por Munro. Da<br />
Escócia do século XVII ao Canadá<br />
rural dos anos 40 do século XX, as<br />
personagens – incluindo a própria<br />
autora – ganham uma estranha vida,<br />
iri<strong>de</strong>scente e vibrante, e os ciclos <strong>de</strong><br />
esperança, <strong>de</strong> falhanço e <strong>de</strong><br />
resignação suce<strong>de</strong>m-<strong>se</strong> numa<br />
cadência branda que afectam a<br />
jovem Alice no que diz respeito à sua<br />
adaptação às circunstâncias e à sua<br />
<strong>se</strong>mpre mutável visão do universo.<br />
A <strong>se</strong>gunda parte do livro,<br />
intitulada “Casa”, abrange o tempo<br />
do crescimento da autora, enquanto<br />
ela corre as estradas rurais numa<br />
velha bicicleta <strong>de</strong> rapaz, veste roupa<br />
feita em casa, <strong>se</strong>nte os primeiros<br />
arroubos eróticos e cresce na quinta<br />
– on<strong>de</strong> só são introduzidos alguns<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
por Bárbara Coutinho,<br />
directora do MUDE,<br />
“sublinha a actualida<strong>de</strong>”<br />
do pensamento <strong>de</strong><br />
Sena da Silva, e mostra<br />
a sua importância<br />
para “a afi rmação,<br />
consciencialização e<br />
consolidação do <strong>de</strong>sign<br />
em Portugal”, escreve<br />
Coutinho. Com belíssima<br />
edição da Gulbenkian,<br />
o livro exibe projectos<br />
e objectos criados pelo<br />
melhoramentos <strong>de</strong>pois da morte da<br />
mãe, pela madrasta –, enquanto<br />
ob<strong>se</strong>rva a natureza ainda <strong>se</strong>lvagem,<br />
a socieda<strong>de</strong> provinciana da vila e os<br />
hábitos das pessoas que assumem<br />
um papel mais ou menos<br />
prepon<strong>de</strong>rante na sua vida. Como<br />
qualquer adolescente, tenta <strong>se</strong>r<br />
popular, adora revistas <strong>de</strong> cinema e<br />
presta pouca atenção ao que <strong>se</strong><br />
passa à sua volta: os irmãos são<br />
mencionados <strong>de</strong> passagem e a<br />
doença incapacitante da mãe, o<br />
alcoolismo <strong>de</strong> um vizinho ou os<br />
estranhos hábitos dos pais <strong>de</strong> uma<br />
colega <strong>de</strong> escola são tratados como<br />
meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta entre os<br />
afazeres rotineiros.<br />
Munro nunca é <strong>se</strong>ntimental ou<br />
hipócrita e as suas evocações<br />
mostram com acutilante clareza um<br />
universo em que o citadino e o rural<br />
<strong>se</strong> entrechocam, em que as clas<strong>se</strong>s<br />
sociais são rigidamente <strong>se</strong>paradas e<br />
em que a vida flui numa<br />
simplicida<strong>de</strong> espartana que aguça,<br />
ainda mais, a imaginação e o <strong>se</strong>ntido<br />
<strong>de</strong> ob<strong>se</strong>rvação.<br />
A “montagem” <strong>de</strong>stes relatos,<br />
<strong>se</strong>melhante à construção <strong>de</strong> um<br />
“quilt” – estas míticas mantas <strong>de</strong><br />
retalhos são feitas a partir <strong>de</strong> contos,<br />
memórias, imagens, <strong>se</strong>nsações que<br />
pacientemente <strong>se</strong> entrelaçam ao<br />
sabor da memória – constitui um<br />
exemplo da extraordinária arte <strong>de</strong><br />
contar da autora. Da Escócia para a<br />
Nova Scotia, do Velho Mundo para o<br />
Novo, da vida dos clãs para as<br />
autor ligados à fotografi a,<br />
à pintura e à arquitectura,<br />
provando que para Sena<br />
da Silva o <strong>de</strong>sign era<br />
“o sonho tornado útil”.<br />
Retrato traçado por<br />
investigadores e amigos<br />
do autor, como Christian<br />
Brändle, José Brandão,<br />
Henrique Cayatte ou<br />
Sérgio Mah, que <strong>se</strong> unem<br />
“para tirar as aspas ao<br />
<strong>de</strong>sign”.<br />
povoações enterradas na vastidão<br />
canadiana com as suas rígidas leis,<br />
dos “kilts” aos “quilts”, toda a<br />
história <strong>se</strong> <strong>de</strong><strong>se</strong>nvolve<br />
acompanhando os tempos,<br />
impulsionada primeiro por homens<br />
<strong>de</strong>stemidos, com uma larga visão do<br />
futuro e posteriormente ancorada e<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>nvolvida por mulheres<br />
diligentes, resistentes e dadas ao<br />
trabalho árduo.<br />
“A Vista <strong>de</strong> Castle Rock”, já <strong>se</strong><br />
dis<strong>se</strong>, não é ficção, como a autora<br />
explica, logo no início. No entanto, o<br />
<strong>se</strong>u po<strong>de</strong>r narrativo é tão forte que o<br />
leitor po<strong>de</strong>rá <strong>se</strong>ntir-<strong>se</strong> em pleno<br />
universo ficcionado. As <strong>de</strong>scrições<br />
da paisagem mítica – pensa-<strong>se</strong><br />
imediatamente em Willa Cather –, o<br />
choque entre o banal e o<br />
transcen<strong>de</strong>nte, o olhar “directo ao<br />
coração” e as <strong>de</strong>scrição das tarefas<br />
mais simples e inglórias são<br />
revelados como epifanias, súbitos<br />
clarões que iluminam os mais<br />
preciosos e minúsculos <strong>de</strong>talhes.<br />
Não falta ironia a esta mulher que<br />
continua a explorar a memória, o<br />
tempo e a gloriosa capacida<strong>de</strong> das<br />
pessoas para o insucesso e para a<br />
<strong>de</strong>rrota, enquanto o amor e as<br />
“afinida<strong>de</strong>s electivas” resistem às<br />
intempéries. Es<strong>se</strong>ncial para a<br />
compreensão da obra <strong>de</strong> Munro este<br />
livro <strong>de</strong>svenda um dos <strong>se</strong>us<br />
<strong>se</strong>gredos: o <strong>se</strong>u ímpeto para <strong>se</strong><br />
afastar da sua infância e da<br />
brutalida<strong>de</strong> humilhante da vida no<br />
campo e a força que a atrai<br />
constantemente <strong>de</strong> volta, como um<br />
sonho mau.<br />
Ficção<br />
A angústia<br />
do analista<br />
fi nanceiro<br />
Uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />
amor a Nova Iorque, um<br />
tratado sobre críquete,<br />
uma meditação acerca do<br />
“american dream”.<br />
José Riço Direitinho<br />
Netherland – Terra <strong>de</strong> Sombras<br />
Jo<strong>se</strong>ph O’Neill<br />
(tradução <strong>de</strong> Patrícia Xavier)<br />
Bertrand, € 17, 00<br />
mmmmn<br />
A meio do ano <strong>de</strong><br />
2008, um<br />
romance –<br />
“Netherland” –<br />
conquistou os<br />
leitores<br />
americanos<br />
(Presi<strong>de</strong>nte<br />
Obama incluído) e<br />
qua<strong>se</strong> <strong>de</strong>ixou em
Jo<strong>se</strong>ph O’Neill, uma encarnação<br />
do “sonho americano”<br />
êxta<strong>se</strong> alguns críticos, sobretudo os<br />
das publicações nova-iorquinas – o<br />
livro é um apaixonado hino à<br />
“cida<strong>de</strong> que nunca dorme”. (Do<br />
outro lado do Atlântico, os ingle<strong>se</strong>s<br />
não <strong>se</strong> entusiasmaram tanto e o<br />
romance nem tão-pouco foi um dos<br />
eleitos para a “short list” do Booker<br />
Prize, imerecidamente.) Um crítico<br />
nova-iorquino chegou mesmo a<br />
comparar “Netherland” à obraprima<br />
<strong>de</strong> Scott Fitzgerald, “O Gran<strong>de</strong><br />
Gatsby”, agora em versão mo<strong>de</strong>rna e<br />
actualizada para a era da<br />
globalização, um romance “póscolonial”<br />
(e pós ataques ao World<br />
Tra<strong>de</strong> Center) com personagens <strong>de</strong><br />
todos os tons <strong>de</strong> cor da pele e credos<br />
religiosos. O autor, Jo<strong>se</strong>ph O’Neill (n.<br />
1964), é ele próprio uma encarnação<br />
do “sonho americano”: filho <strong>de</strong> pai<br />
irlandês e <strong>de</strong> mãe turca, nasceu na<br />
Irlanda, viveu em Moçambique, no<br />
Irão e na Turquia, e passou a<br />
adolescência na Holanda, on<strong>de</strong><br />
chegou a <strong>se</strong>r ardina nos arredores <strong>de</strong><br />
Haia; estudou Direito em<br />
Cambridge, exerceu advocacia em<br />
Londres, e nos anos 90 mudou-<strong>se</strong><br />
para Nova Iorque para <strong>se</strong> <strong>de</strong>dicar à<br />
escrita; adquiriu recentemente a<br />
nacionalida<strong>de</strong> americana.<br />
Neste <strong>se</strong>u terceiro romance criou<br />
um alter-ego: Hans van <strong>de</strong>n Broek é<br />
um holandês que vive em Nova<br />
Iorque e que trabalha como analista<br />
<strong>de</strong> acções <strong>de</strong> multinacionais do<br />
<strong>se</strong>ctor petrolífero. Em 1998, Hans<br />
mudara-<strong>se</strong> <strong>de</strong> Londres para Nova<br />
Iorque com a mulher, Rachel, uma<br />
bem sucedida advogada inglesa, e<br />
foram viver para um “loft” em<br />
Manhattan. Mas após os<br />
acontecimentos <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Setembro<br />
<strong>de</strong> 2001, mudam-<strong>se</strong><br />
“temporariamente” para um<br />
apartamento no lendário Chel<strong>se</strong>a<br />
Hotel. Nasce-lhes um filho. Como<br />
que tomados pela inércia, vão <strong>se</strong>ndo<br />
incapazes <strong>de</strong> voltar ao “loft”, o<br />
temporário transforma-<strong>se</strong> em<br />
permanente e um estranho cansaço<br />
doméstico apo<strong>de</strong>ra-<strong>se</strong> das suas<br />
vidas. “No trabalho, éramos<br />
incansáveis; em casa, o menor gesto<br />
<strong>de</strong> vivacida<strong>de</strong> estava para além das<br />
nossas forças.”<br />
Rachel não <strong>se</strong> <strong>se</strong>nte <strong>se</strong>gura na<br />
cida<strong>de</strong> e teme que o próximo<br />
atentado tenha lugar na Times<br />
Square, on<strong>de</strong> ela trabalha. Quer<br />
voltar a Inglaterra com o filho mas<br />
<strong>se</strong>m Hans, o choque dos atentados<br />
parece ter abalado os alicerces do<br />
casamento, ela “nunca <strong>se</strong> <strong>se</strong>ntira tão<br />
sozinha, tão <strong>de</strong>sconsolada, tão longe<br />
<strong>de</strong> casa”. Instala-<strong>se</strong> um constante<br />
mal-estar existencial. Em Wall Street<br />
ele continua a <strong>se</strong>r uma estrela em<br />
ascensão, um narcisista que fala <strong>de</strong><br />
si próprio na condição <strong>de</strong><br />
ob<strong>se</strong>rvador privilegiado. Mas não há<br />
respostas para as perguntas sobre o<br />
que lhes aconteceu, às suas vidas <strong>de</strong><br />
liberais da clas<strong>se</strong> média angloamericana,<br />
como <strong>se</strong> atravessas<strong>se</strong>m<br />
um longo período <strong>de</strong> <strong>de</strong>feso póstraumático<br />
em que a racionalida<strong>de</strong><br />
normal <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> fazer <strong>se</strong>ntido,<br />
numa espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contra um<br />
medo avassalador, contra o<br />
inevitável caminho dos<br />
acontecimentos.<br />
A enigmática Rachel parte com o<br />
filho para Londres. Hans fica<br />
durante dias no Chel<strong>se</strong>a Hotel num<br />
estado <strong>de</strong> astenia que o leva a pedir<br />
que as pizas lhe <strong>se</strong>jam entregues no<br />
quarto. De vez em quando move-<strong>se</strong><br />
até à recepção e ao átrio <strong>de</strong> entrada,<br />
e as únicas visitas que recebe no<br />
apartamento são os empregados e o<br />
turco do 6º andar que lhe aparece<br />
travestido <strong>de</strong> anjo e enfeitado com<br />
umas mi<strong>se</strong>ráveis asas nas costas.<br />
Sente-<strong>se</strong> “infeliz pela primeira vez”<br />
na vida. Tudo é frágil e melancólico.<br />
Tenta um psiquiatra, mas faz apenas<br />
três <strong>se</strong>ssões. Depois <strong>de</strong>dica-<strong>se</strong> ao<br />
ioga no YMCA do outro lado da rua,<br />
o que lhe traz algum alívio. Volta ao<br />
trabalho e duas vezes por mês voa<br />
para Londres para visitar o filho.<br />
Hans é uma espécie <strong>de</strong> náufrago<br />
que não quer <strong>se</strong>r mais pequeno do<br />
que a soma das suas experiências<br />
vivenciais. Ele é o homem comum<br />
da pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, cheio <strong>de</strong> si, <strong>de</strong><br />
memórias, <strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>se</strong>jos e <strong>de</strong> medos,<br />
<strong>se</strong>mpre em busca da sua própria<br />
autenticida<strong>de</strong>. Deambula por vários<br />
recantos da cida<strong>de</strong> e re<strong>de</strong>scobre o<br />
críquete (o que acaba por o salvar),<br />
<strong>de</strong>sporto que jogara na sua<br />
adolescência na Holanda e que volta<br />
a praticar em Nova Iorque, on<strong>de</strong> é o<br />
único jogador branco da equipa.<br />
Conhece Chuck Ramkisson, um<br />
emigrante <strong>de</strong> Trinida<strong>de</strong> e Tobago,<br />
um encantador oportunista (no<br />
<strong>se</strong>ntido literal), e estabelece com ele<br />
uma amiza<strong>de</strong> improvável: o<br />
bancário e o imigrante, o<br />
melancólico e o optimista, a Europa<br />
e o Novo Mundo.<br />
Ramkisson<br />
– que é a<br />
Avessa<br />
aos fl oreados<br />
da retórica,<br />
Clarice <strong>de</strong>ixa os<br />
interstícios da intriga à vista<br />
verda<strong>de</strong>ira personagem principal do<br />
romance – é o “Gatsby” mo<strong>de</strong>rno, o<br />
que quer cumprir – pois ainda<br />
acredita – o “sonho americano”.<br />
Chuck Ramkisson tem um<br />
restaurante <strong>de</strong> sushi kosher (que<br />
gere com um ju<strong>de</strong>u que é amigo <strong>de</strong><br />
um rabino), e tem negócios <strong>de</strong> jogo<br />
ilegal; além disso, tem um <strong>de</strong><strong>se</strong>jo:<br />
construir em Brooklyn um estádio<br />
<strong>de</strong> críquete. Este <strong>de</strong>sporto –<br />
originalmente praticado pela clas<strong>se</strong><br />
alta inglesa, e que agora tem as suas<br />
maiores estrelas nos paí<strong>se</strong>s asiáticos<br />
colonizados – surge no romance<br />
como uma promessa <strong>de</strong> civilização<br />
universal, <strong>de</strong> símbolo <strong>de</strong> luta contra<br />
a barbárie, como o <strong>de</strong>sporto i<strong>de</strong>al<br />
para suportar o “choque <strong>de</strong><br />
civilizações” num mundo póscolonial<br />
e pós-nacionalista; mas por<br />
outro lado, também num mundo<br />
“pós-América”, pois os atentados e a<br />
cri<strong>se</strong> do crédito mostraram que os<br />
EUA são afinal um país vulnerável, o<br />
que em parte acaba por <strong>de</strong>sfazer a<br />
i<strong>de</strong>ia do “sonho americano”, que<br />
as<strong>se</strong>ntava nessa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
invulnerabilida<strong>de</strong>.<br />
Jo<strong>se</strong>ph O’Neill quis escrever um<br />
romance <strong>de</strong>masiado ambicioso. Mais<br />
do que o tema ou a cuidada<br />
estrutura narrativa, é a sua prosa<br />
elegante (que <strong>se</strong> <strong>de</strong>ixa levar em<br />
<strong>de</strong>scrições poéticas pelos recantos<br />
<strong>de</strong> Nova Iorque) e o fascínio do<br />
estilo, que dão força ao livro. Para<br />
fazer o mo<strong>de</strong>rno “gran<strong>de</strong> romance<br />
americano” é preciso algo mais,<br />
aquela centelha <strong>de</strong> génio que só<br />
alguns têm.<br />
Inventário<br />
do tédio<br />
Monotonia, fra<strong>se</strong>s curtas,<br />
respiração do<strong>de</strong>cafónica. Só<br />
po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r Clarice do outro<br />
lado do espelho.<br />
Eduardo Pitta<br />
A Cida<strong>de</strong> Sitiada<br />
Clarice Lispector<br />
Relógio d’Água<br />
mmmmm<br />
Haia Lispector<br />
nasceu em<br />
Tchetchelnik, na<br />
Ucrânia, em 1920,<br />
no <strong>se</strong>io <strong>de</strong> uma<br />
família judaica,<br />
mas foi ainda<br />
bebé para o<br />
Brasil. Em Maceió,<br />
o pai muda-lhe o<br />
nome para Clarice. Em<br />
1943 acaba o curso <strong>de</strong><br />
Direito, obtém a carteira<br />
profissional <strong>de</strong> jornalista e<br />
a nacionalida<strong>de</strong> brasileira,<br />
casa com um diplomata, e<br />
publica o primeiro livro,<br />
ESTÚDIO<br />
Nuno Ramalho & Renato Ferrão<br />
Exposição <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Novembro até 22 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2010<br />
Horário: <strong>de</strong> quarta-feira a sábado, das 15h às 20h<br />
Visita guiada com os Artistas e com Bruno Marchand<br />
(autor do texto do catálogo)<br />
11 <strong>de</strong> Dezembro, <strong>se</strong>xta-feira, às 18h30<br />
fundação carmona e costa<br />
Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova <strong>de</strong> Lisboa)<br />
Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.º D<br />
1600-196 Lisboa<br />
(Bairro do Rego / Bairro Santos)<br />
Tel. 217 803 003 / 4<br />
www.fundacaocarmonaecosta.pt<br />
Autocarro: 31<br />
Metro: Sete Rios / Praça <strong>de</strong> Espanha /<br />
/ Cida<strong>de</strong> Universitária<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 51
Livros<br />
“Perto do Coração Selvagem”,<br />
provocando um abalo na ficção<br />
escrita em português.<br />
As ondas <strong>de</strong> choque ainda<br />
percutem. Des<strong>de</strong> então, Lispector é<br />
sinónimo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> literatura. E um<br />
maná para os estudiosos da<br />
alterida<strong>de</strong>. Um cancro fulminante<br />
matou-a na véspera <strong>de</strong> completar 57<br />
anos.<br />
“A Cida<strong>de</strong> Sitiada” (1949) foi o<br />
terceiro romance que escreveu, e o<br />
mais difícil <strong>de</strong> todos, dis<strong>se</strong> um dia. À<br />
época, vivia na Suíça, factor que<br />
atrasou a saída do livro, como<br />
aconteceria com todos os que<br />
publicou antes do regresso <strong>de</strong>finitivo<br />
ao Brasil, em 1959. Embora gran<strong>de</strong><br />
parte da obra (romances, contos e<br />
crónicas) esteja publicada em<br />
Portugal, só agora chegou a vez da<br />
história <strong>de</strong> Lucrécia Neves.<br />
“A Cida<strong>de</strong> Sitiada” é isso: a história<br />
<strong>de</strong> Lucrécia, moça <strong>de</strong> S. Geraldo que<br />
não cabia no subúrbio. Lucrécia não<br />
tem vida interior. Vê, simplesmente:<br />
os cavalos, o morro, o armazém, o<br />
sol, o vento. Por isso, “A realida<strong>de</strong><br />
precisava da mocinha para ter uma<br />
52 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
forma. [...] E a cida<strong>de</strong> ia tomando a<br />
forma que o <strong>se</strong>u olhar revelava.”<br />
Quem leu “A Hora da Estrela” (1977)<br />
sabe que Macabéa é uma replicante<br />
<strong>de</strong> Lucrécia, embora Macabéa<br />
pertença à <strong>se</strong>gunda fa<strong>se</strong> da obra,<br />
posterior ao <strong>de</strong>sastre <strong>de</strong> 1966,<br />
quando Clarice adormeceu a fumar,<br />
provocando o incêndio que lhe<br />
inutilizou a mão direita, obrigando-a<br />
a reapren<strong>de</strong>r a escrever. A título <strong>de</strong><br />
exemplo, as crónicas e os livros para<br />
a infância são géneros <strong>de</strong>s<strong>se</strong><br />
período.<br />
Clarice é a “déracinée” típica: <strong>se</strong>ca<br />
e <strong>de</strong> voz enxuta. De Tchetchelnik<br />
para Maceió, dali para o Recife, o Rio<br />
e o vasto mundo (Nápoles, Berna,<br />
Torquay, Londres, Washington,<br />
qua<strong>se</strong> <strong>de</strong>zas<strong>se</strong>is anos <strong>de</strong> diáspora),<br />
construiu um universo <strong>de</strong> fra<strong>se</strong>s<br />
curtas e respiração do<strong>de</strong>cafónica,<br />
porém <strong>de</strong>scritiva: “Um baile em S.<br />
Geraldo: a noite estiolada pela chuva<br />
e ela pisando com os cascos na<br />
pedra escorregadia, e os grupos <strong>de</strong><br />
guarda-chuva chegando. Grupos <strong>de</strong><br />
cavalheiros anónimos, os<br />
cavalheiros <strong>de</strong> pau ao redor dos<br />
quais <strong>se</strong> dançava.” A coreografia<br />
exacta, o “pau” rodopiando nos<br />
órgãos <strong>de</strong> Lucrécia: “ela dançara,<br />
chovia, as gotas escorrendo sob a<br />
luz, ela dançando, e a cida<strong>de</strong> erguida<br />
em torno.” O espelho <strong>de</strong>volve-lhe<br />
uma imagem “dourada e gros<strong>se</strong>ira”.<br />
Apesar da sombra.<br />
Hélène Cixous, justamente ela, a<br />
feminista <strong>de</strong> Orão, diz que Clarice<br />
inventou a “economia da<br />
feminilida<strong>de</strong>”. É bem verda<strong>de</strong>.<br />
Lucrécia vê, e <strong>se</strong>nte, mas falta-lhe o<br />
nome das coisas. Avessa aos<br />
floreados da retórica, Clarice <strong>de</strong>ixa<br />
os interstícios da intriga à vista: “Ele<br />
era masculino e <strong>se</strong>rvil. Servil <strong>se</strong>m<br />
humilhação como um gladiador que<br />
<strong>se</strong> alugas<strong>se</strong>. E ela, <strong>se</strong>ndo mulher, o<br />
<strong>se</strong>rvia. Enxugava-lhe o suor, alisavalhe<br />
os músculos. Aviltava-a viver às<br />
custas das idas e vindas e dos treinos<br />
<strong>de</strong> Mateus, esten<strong>de</strong>ndo camisas que<br />
a poeira da cida<strong>de</strong> logo sujava, ou<br />
alimentando-o com carnes e<br />
vinhos.” Do lado <strong>de</strong> cá do Atlântico,<br />
quando chegou a sua hora, Agustina<br />
Bessa Luís acrescentou um grão <strong>de</strong><br />
sal e um halo barroco ao imaginário<br />
tenso e <strong>de</strong>spojado <strong>de</strong> Clarice.<br />
Lucrécia vive “emparedada”,<br />
literalmente sitiada na periferia da<br />
cida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>. Tem uma “graça<br />
equestre”, e ama Lucas: “Foi entre a<br />
boca e o nariz - não nes<strong>se</strong> espaço,<br />
mas numa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
movimento egoísta e <strong>se</strong>m culpa que<br />
ali <strong>se</strong> pres<strong>se</strong>ntia, nes<strong>se</strong> trecho que<br />
não tinha <strong>se</strong>quer um nome–que<br />
<strong>de</strong>scobriu por on<strong>de</strong> o amava e por<br />
on<strong>de</strong> Lucas podia <strong>se</strong>r ferido.” Seu<br />
Correia foi apenas um pretexto. Ela<br />
<strong>se</strong>mpre o olhou <strong>de</strong> viés.<br />
Outra<br />
Olivença<br />
Fantasias e farsas<br />
historiográficas sobre a<br />
História ibérica.<br />
Pedro Mexia<br />
Los Moros<br />
José Viale Moutinho<br />
Afrontamento<br />
mmmmn<br />
Mário <strong>de</strong> Carvalho<br />
imaginou o<br />
exército<br />
português <strong>de</strong> 1984<br />
a dar <strong>de</strong> caras<br />
com a cavalaria<br />
moura<br />
<strong>de</strong><br />
1148,<br />
com o<br />
cafarnaum que daí<br />
resultava (“A Inaudita<br />
Guerra da Avenida Gago<br />
Coutinho”, 1983). “Los<br />
Moros”, o <strong>se</strong>gundo<br />
romance <strong>de</strong> José Viale<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Moutinho, editado em 2000 e agora<br />
revisto, tem uma estratégia afim;<br />
aqui não é a <strong>de</strong>usa da História que<br />
adormece, é a História pátria que <strong>se</strong><br />
repete e confun<strong>de</strong>. Não temos uma<br />
componente “fantástica” como no<br />
conto <strong>de</strong> Carvalho, mas o esquema é<br />
<strong>se</strong>melhante, pois a narrativa cruza<br />
as épocas históricas nos <strong>se</strong>us curtos<br />
capítulos. Tal como na “Inaudita<br />
Guerra” o efeito é inaudito e<br />
profundamente irónico.<br />
San Felice <strong>de</strong> los Moros é uma<br />
localida<strong>de</strong> imaginária que po<strong>de</strong> <strong>se</strong>r<br />
<strong>de</strong>scrita como uma outra Olivença.<br />
Fica perto <strong>de</strong> Castelo Rodrigo e é<br />
território português por lei, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
Tratado <strong>de</strong> Alcanizes, e pos<strong>se</strong>ssão<br />
espanhola <strong>de</strong> facto. Es<strong>se</strong> povoado<br />
<strong>se</strong>rve a Viale Moutinho para<br />
fantasias e farsas historiográficas<br />
que abrangem sobretudo dois<br />
períodos: a Guerra Civil <strong>de</strong> Espanha<br />
e a actualida<strong>de</strong> (década <strong>de</strong> 1980). Há<br />
muito que Viale tem escrito sobre a<br />
Guerra espanhola, e é um dos<br />
portugue<strong>se</strong>s que melhor conhece<br />
es<strong>se</strong> período (embora consiga ver<br />
apenas as cruelda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um dos<br />
lados). Os episódios mais vívidos <strong>de</strong><br />
“Los Moros” são os da Guerra Civil,<br />
com um batalhão franquista<br />
varrendo um território fronteiriço. O<br />
que tem graça é que estes homens,<br />
que incluem requetés com pendões<br />
e crucifixos, <strong>se</strong> fazem acompanhar<br />
da tropa moura, os mais insólitos<br />
aliados dos nacionalistas: “‘Meu<br />
comandante, concretamente, o que<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>ja? Há aqui um problema a<br />
resolver. Estes soldados mouros não<br />
enten<strong>de</strong>m espanhol. Sabem que<br />
pertencem ao exército <strong>de</strong> libertação<br />
<strong>de</strong> Espanha, que estão às or<strong>de</strong>ns do<br />
nosso Generalíssimo Franco e que o<br />
meu tenente é quem manda aqui. A<br />
questão é que não fazem a mínima<br />
i<strong>de</strong>ia do que é que manda. Olhe, não<br />
lhe enten<strong>de</strong>m as or<strong>de</strong>ns, está a ver?<br />
Depois da morte do sargento<br />
Hamed, fiquei eu a comandá-los,<br />
mas saiba o meu tenente que<br />
também não me consigo enten<strong>de</strong>r<br />
com eles…’” (pág. 43). Embora o<br />
Alzamiento <strong>se</strong> veja como uma<br />
espécie <strong>de</strong> Reconquista cristã, usa<br />
tropas marroquinas para espalhar o<br />
terror. E então os mouros,<br />
apropriadamente, chegam a Los<br />
Moros.<br />
Já o episódio<br />
contemporâneo é<br />
uma paródia às<br />
incursões<br />
monárquicas, à<br />
causa oliventina<br />
e a outros<br />
FERNANDO VELUDO / PÚBLICO<br />
saudosismos. Baltazar Negrões,<br />
historiador monárquico, <strong>de</strong>scobre<br />
um paiol <strong>de</strong> munições do tempo <strong>de</strong><br />
Paiva Couceiro, e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> fazer um<br />
acto <strong>de</strong> propaganda tomando Los<br />
Moros a Castela. Engran<strong>de</strong>cer a<br />
República em nome da Monarquia,<br />
eis um belo golpe. Mas estas novas<br />
incursões são tão ineptas e mal<br />
preparadas como as dos anos 1911-19,<br />
uma cambada <strong>de</strong> reaças <strong>se</strong>m<br />
quaisquer condições <strong>de</strong> número,<br />
armamento ou estratégia para levar<br />
a cabo a sua empreitada: “O<br />
comandante da coluna não contara<br />
aos <strong>se</strong>us homens que passara todo o<br />
tempo <strong>de</strong> tropa no Mu<strong>se</strong>u Militar, a<br />
catalogar as colecções <strong>de</strong> miniaturas<br />
em chumbo dos exércitos dos paí<strong>se</strong>s<br />
da Europa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o tempo dos<br />
romanos até ao final da II Guerra<br />
Mundial. Que lhes po<strong>de</strong>ria<br />
interessar? O ajudante Braz fora<br />
mobilizado em 1969 para S. Tomé,<br />
era <strong>de</strong> transmissões, mas nunca<br />
chegara a embarcar porque meteu,<br />
com sucesso, a alegação <strong>de</strong> <strong>se</strong>r o<br />
único amparo da mãe. (…) Aliás,<br />
pareciam preferir as navalhas às<br />
espingardas. Um dis<strong>se</strong>ra-lhe que <strong>se</strong><br />
fos<strong>se</strong> ao menos uma G.3 ainda <strong>se</strong><br />
po<strong>de</strong>ria esperar algum sucesso,<br />
agora com aqueles canhangulos<br />
nada <strong>se</strong> po<strong>de</strong>ria dar como certo”<br />
(pág. 89-90). Baltazar fez uma te<strong>se</strong><br />
sobre Estáquio <strong>de</strong> Sessé, que no<br />
século XVI tentou reconquistar a<br />
al<strong>de</strong>ia, e na sua cabeça confusa<br />
revive vários actos patrióticos <strong>de</strong><br />
séculos diferentes.<br />
Viale Moutinho usa com<br />
perspicácia uma característica<br />
estruturante do pensamento<br />
ultramontano: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que todos<br />
os episódios históricos ocorreram<br />
ontem, pelo que ainda são tema<br />
hoje, ainda estão vivos e latejantes,<br />
mesmo que muitos os <strong>de</strong>clarem<br />
esquecidos. Que eles estão na<br />
verda<strong>de</strong> esquecidos prova-<strong>se</strong> pela<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provas documentais,<br />
provas essas que inundam<br />
textualmente este romance:<br />
cronicões, investigações<br />
académicas, <strong>de</strong>scobertas<br />
arqueológicas. A História parece<br />
enterrada e é a cada momento<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>nterrada por quem acha isso<br />
benéfico ou útil. Daí que todos estes<br />
combates peninsulares revivam<br />
memórias apagadas, <strong>se</strong>ndo a maior<br />
<strong>de</strong> todas (do nosso lado) a batalha <strong>de</strong><br />
Aljubarrota.<br />
“Los Moros” é pois uma novela<br />
ibérica, com amor evi<strong>de</strong>nte pela<br />
cultura <strong>de</strong> Espanha, empréstimos à<br />
literatura picaresca, e uma prosa<br />
imitativa e garbosa. Viale Moutinho<br />
vê a História como uma história da<br />
violência, mas também como uma<br />
teia <strong>de</strong> enganos. Surge como<br />
tragédia e repete-<strong>se</strong> como<br />
comédia.<br />
Viale Moutinho vê a História<br />
como uma história da violência, mas também<br />
como uma teia <strong>de</strong> enganos
Cinema<br />
“O Milagre Sant’Anna”:<br />
um fi lme feito em resposta<br />
à sub-repre<strong>se</strong>ntação dos negros<br />
americanos nas efabulações<br />
cinematográfi cas em torno<br />
da II Guerra<br />
Estreiam<br />
Pop song<br />
das trevas<br />
Um gran<strong>de</strong> filme sobre o<br />
trabalho artístico como<br />
processo repetitivo.<br />
Luís Miguel Oliveira<br />
Ne Change Rien<br />
De Pedro Costa,<br />
com Jeanne Balibar. M/12<br />
MMMMM<br />
Lisboa: UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 16h45, 19h, 21h45, 00h05<br />
Domingo 11h30, 14h30, 16h45, 19h, 21h45, 00h05<br />
Que “não mu<strong>de</strong> nada”, pe<strong>de</strong> o título,<br />
<strong>se</strong>m explicar quem faz es<strong>se</strong> pedido a<br />
quem. O título vem <strong>de</strong> uma canção<br />
<strong>de</strong> Jeanne Balibar, que por sua vez<br />
“samplou” a voz <strong>de</strong> Jean-Luc Godard<br />
a dizer isto, “ne change rien”, numa<br />
passagem das “Histoire(s) du<br />
Cinéma” (e é espantoso o momento<br />
em que, por via <strong>de</strong>s<strong>se</strong> “sample” e da<br />
“puissance <strong>de</strong> la parole”, Godard<br />
vem assombrar o filme). Mas<br />
portanto, ainda não passámos do<br />
título e já aqui há uma corrente (<strong>de</strong><br />
pedidos?), uma “veia <strong>de</strong><br />
transmissão” que dava vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
per<strong>se</strong>guir.<br />
Pedro Costa, evi<strong>de</strong>ntemente, não<br />
é nada alheio ao efeito provocado<br />
pelos títulos dos <strong>se</strong>us filmes, do que<br />
é um bom exemplo o caso <strong>de</strong><br />
“Juventu<strong>de</strong> em Marcha” e do <strong>se</strong>u<br />
título internacional “oficial”, que na<br />
prática era um título diferente,<br />
“Colossal Youth”. Usa os títulos<br />
como os pintores. Mas, como<br />
alguns pintores, gosta <strong>de</strong> os<br />
usar como pista, <strong>se</strong> não<br />
falsa, incerta. Não muda<br />
nada ou muda tudo? E é<br />
melhor que mu<strong>de</strong> ou<br />
que não mu<strong>de</strong>?<br />
O filme não<br />
respon<strong>de</strong>, com clareza<br />
As estrelas do público<br />
Balibar ora é Nico, ora é Marlene,<br />
ora é Nina Simone, ora é aluna <strong>de</strong> canto clássico...<br />
pelo menos. Mas é curioso reparar<br />
no que vai mudando ao longo <strong>de</strong> “Ne<br />
Change Rien”. Nas metamorfo<strong>se</strong>s <strong>de</strong><br />
Balibar, que ora é Nico, ora é<br />
Marlene, ora é Nina Simone, ora é<br />
aluna <strong>de</strong> canto clássico com o<br />
empenho <strong>de</strong> uma liceal aplicada, ora<br />
é, mesmo (e é o “chiaroscuro” que o<br />
permite), Vanda, voltando <strong>se</strong>mpre a<br />
<strong>se</strong>r, <strong>se</strong> é que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> <strong>se</strong>r, Balibar. Há<br />
muitos ecrãs no filme, muitas telas<br />
brancas que Costa plantou no<br />
“décor” para cortar a profundida<strong>de</strong><br />
ou para compor o <strong>de</strong>licado<br />
equilíbrio da iluminação. Mas os<br />
ecrãs e as telas existem para além<br />
<strong>de</strong>ssa função, e ficam ali, a dar um ar<br />
<strong>de</strong> sala <strong>de</strong> cinema improvisada, à<br />
espera do arcaísmo <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong><br />
sombras. Numa cena, contra um<br />
ecrã <strong>de</strong>s<strong>se</strong>s sobre o qual projecta<br />
uma sombra que faz lembrar as do<br />
“Nosferatu” (a “sinfonia das trevas”),<br />
Balibar ensaia uma canção (“Ton<br />
Diable”) que fala do “teu diabo, o teu<br />
duplo ridículo”. A reverberação não<br />
faz só um <strong>se</strong>ntidos, faz imensos<br />
<strong>se</strong>ntidos, para mais no contexto da<br />
cena: parece que fala da maneira<br />
como Balibar <strong>se</strong> oferece à câmara, à<br />
câmara que a apanha durante todo o<br />
filme numa espécie <strong>de</strong> fronteira<br />
entre a “comédia” e a “vida”. Mas<br />
parece que fala também da maneira<br />
como o cinema “entra” naquele<br />
espaço, neste filme: como uma coisa<br />
que “dobra” a vida, que <strong>se</strong> lhe<br />
sobrepõe, por vezes <strong>de</strong> maneira um<br />
pouco “ridícula” porque é só o que<br />
po<strong>de</strong>. E é o cinema que transforma<br />
Balibar em Nico ou em Marlene,<br />
como <strong>se</strong> Costa, filmando Balibar<br />
enquanto cantora, a filmas<strong>se</strong><br />
sobretudo como actriz - o que<br />
também assinala o regresso <strong>de</strong> Pedro<br />
Costa, ainda que <strong>de</strong>sta maneira<br />
propositadamente ambígua, ao<br />
cinema “com actores”, com actores<br />
profissionais. Uma actriz, neste caso,<br />
a quem Costa po<strong>de</strong> pedir - como um<br />
mestre bonecreiro - aquilo que não<br />
podia pedir a Vanda, ao Ventura ou<br />
aos Straubs: que mu<strong>de</strong>, que vá<br />
mudando para ele.<br />
<strong>Ainda</strong> a propósito da maneira<br />
como o cinema “entra” no filme é<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
Luís M.<br />
Oliveira<br />
impossível não reparar que a cena<br />
com o plano mais aberto, com a luz<br />
mais clara, com o enquadramento<br />
mais distante e mais parecido com o<br />
que <strong>se</strong> veria num típico “filmeconcerto”,<br />
é a da canção do “Johnny<br />
Guitar”. E é assim por uma razão<br />
simples: o cinema “entra” pela<br />
canção, não é preciso mais nada.<br />
E o trabalho, evi<strong>de</strong>ntemente. “Ne<br />
Change Rien” é um gran<strong>de</strong> filme<br />
sobre o trabalho (traço que mais<br />
salientemente o liga a “On<strong>de</strong> Jaz o<br />
Teu Sorriso?”, o filme com Straub e<br />
Huillet), sobre a paciência e a<br />
exasperação, sobre o cansaço e o<br />
erro, sobre a aprendizagem, sobre o<br />
trabalho artístico como processo<br />
repetitivo mas on<strong>de</strong> a repetição é a<br />
medida da disciplina que permite<br />
que a obra vá nascendo por<br />
<strong>de</strong>cantação (e nisto estará o traço<br />
que mais salientemente liga “Ne<br />
Change Rien” a “One Plus One”, o<br />
filme <strong>de</strong> Godard com os Stones).<br />
Balibar é a heroína <strong>de</strong>ste processo.<br />
Há os outros músicos, com certeza<br />
(como o excelente Rodolphe<br />
Burger), mas a heroína é ela.<br />
Criatura das sombras, ora as domina<br />
ora é dominada por elas. Tanto <strong>se</strong><br />
entrega ao ponto <strong>de</strong> <strong>se</strong> “zombificar”<br />
(a cena em que tenta interiorizar o<br />
compasso da melodia, repetindo-a<br />
infinitamente), como resiste, por<br />
exemplo na aula <strong>de</strong> canto com que<br />
<strong>se</strong> prepara para interpretar as<br />
canções <strong>de</strong> Offenbach. O anti-climax<br />
<strong>de</strong>ssa cena é fortíssimo, com a<br />
distância (a “resistência”) expressa<br />
na “nonchalance”, ao mesmo tempo<br />
fria e doméstica, com que Balibar<br />
fala do frigorífico e do que <strong>se</strong><br />
esqueceram <strong>de</strong> comprar para o<br />
almoço. Por outro lado, falando uma<br />
das canções <strong>de</strong> Offenbach (que<br />
ouvimos mais tar<strong>de</strong>) <strong>de</strong> miséria e<br />
fome, essa ob<strong>se</strong>rvação <strong>de</strong> Balibar<br />
torna-<strong>se</strong> um gag “diferido”. Há outro<br />
mais directo: no fim da actuação,<br />
pela porta à esquerda do<br />
enquadramento (presumivelmente<br />
já uma porta <strong>de</strong> bastidores), mal<br />
Balibar acabou <strong>de</strong> cantar sobre a<br />
impossibilida<strong>de</strong> da felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
barriga vazia, sai um tipo a mastigar<br />
uma san<strong>de</strong>s. Pedro Costa justificou<br />
es<strong>se</strong> enquadramento com a vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> ter nele o pianista, que era “um<br />
pianista <strong>de</strong> John Ford”. <strong>Ainda</strong> uma<br />
pista incerta, diríamos: o que ele<br />
quis foi ter a porta, uma porta <strong>de</strong><br />
ripas como nas casas do Bairro das<br />
Fontaínhas, e as pare<strong>de</strong>s a brilharem<br />
com alguma coisa que parece<br />
humida<strong>de</strong> (e <strong>se</strong> con<strong>se</strong>guiu ter isto e o<br />
tipo com a san<strong>de</strong>s e ao mesmo<br />
tempo ter Ford, tanto melhor).<br />
Portas e pare<strong>de</strong>s que, <strong>se</strong>ndo<br />
ingredientes fundamentais dos<br />
filmes <strong>de</strong> Costa, são aqui menos<br />
ostensivas. Ou não as há - o estúdio<br />
foi improvisado numa espécie <strong>de</strong><br />
“loft” - ou estão escondidas pelas<br />
sombras, porque é <strong>se</strong>mpre noite ou<br />
recriação da noite. Há um plano<br />
fabuloso como uma janela (<strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
vem a luz do dia) e uma Balibar<br />
Mário<br />
J. Torres<br />
entre a concentração e a prostração<br />
(como <strong>se</strong> o dia não a tocas<strong>se</strong>). Por<br />
outro lado, nas cenas em que ela<br />
parece mais cansada ou dominada<br />
não con<strong>se</strong>guimos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar<br />
que a ausência <strong>de</strong> portas e pare<strong>de</strong>s<br />
tem alguma coisa a ver com o<br />
assunto: as heroínas <strong>de</strong> Pedro Costa<br />
gostam do <strong>se</strong>u espaço bem <strong>de</strong>finido,<br />
bem marcado.<br />
É claro que, feitas as contas, quem<br />
pe<strong>de</strong> que “não mu<strong>de</strong> nada” somos<br />
nós, espectadores. Durante a hora e<br />
três quartos que dura a projecção <strong>de</strong><br />
“Ne Change Rien”, não queremos<br />
que mu<strong>de</strong> coisa alguma. Pedro Costa<br />
“did it again”.<br />
The big black one<br />
O Milagre em Sant’Anna<br />
Miracle at St. Anna<br />
De Spike Lee,<br />
com Derek Luke, Michael Ealy, Laz<br />
Alonso. M/12<br />
MMnnn<br />
Vasco<br />
Câmara<br />
Andando mmmmn mmmnn nnnnn mmmmn<br />
2012 mnnnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
O Delator mmmnn mmnnn mmmnn mmmnn<br />
Julie e Julia mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Os Irmãos Bloom mmmmn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
O Milagre em Sant’Anna nnnnn mmnnn nnnnn nnnnn<br />
Moon - O Outro Lado da Lua mmmnn mmnnn nnnnn mmmnn<br />
Ne Change Rien mmmmn mmmmm nnnnn mmmmn<br />
Os Sorrisos do Destino nnnnn nnnnn mmmnn mnnnn<br />
Tetro mmnnn nnnnn nnnnn mnnnn<br />
Lisboa: Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 16h, 19h, 22h; UCI Cinemas<br />
- El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />
15h15, 18h30, 22h Domingo 11h30, 15h15, 18h30, 22h;<br />
ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 17h10, 21h10, 00h25; ZON<br />
Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 14h, 17h30, 21h, 00h10; ZON Lusomundo<br />
Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h30, 17h, 21h05, 00h30<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 14h10, 17h40, 21h15, 00h35 3ª 4ª<br />
17h40, 21h15, 00h35<br />
O défice <strong>de</strong> repre<strong>se</strong>ntação da<br />
população negra na iconografia<br />
americana, especialmente no<br />
cinema, é uma preocupação antiga<br />
<strong>de</strong> Spike Lee. Já a exprimiu em<br />
diversas ocasiões – recor<strong>de</strong>m-<strong>se</strong> as<br />
picardias com Woody Allen e Clint<br />
Eastwood – e é um assunto que<br />
cruza os <strong>se</strong>us filmes, e nalguns casos<br />
os explica. Isso talvez nunca tenha<br />
sido tão verda<strong>de</strong> como com “O<br />
Milagre em Sant’Anna”, filme feito<br />
em resposta à sub-repre<strong>se</strong>ntação (ou<br />
à omissão) dos negros americanos<br />
nas efabulações cinematográficas<br />
em torno da II Guerra. Um filme <strong>de</strong><br />
guerra “reivindicativo”, <strong>se</strong><br />
qui<strong>se</strong>rmos, “blaxploitation” <strong>se</strong>m<br />
“xploitation” porque Spike Lee não<br />
aponta à margem, aponta ao centro.<br />
E o centro é o cinema clássico, e é,<br />
quem mais podia <strong>se</strong>r?, John Wayne.<br />
Se vemos John Wayne a visitar um<br />
filme <strong>de</strong> Spike Lee po<strong>de</strong>mos estar<br />
certos que é uma visita política e que<br />
Wayne aparece como símbolo<br />
i<strong>de</strong>ológico. É o prólogo <strong>de</strong> “O<br />
Milagre em Sant’Anna”: um homem<br />
negro, que viremos <strong>de</strong>pois a<br />
reconhecer como um ex-soldado<br />
protagonista <strong>de</strong>sta história, <strong>se</strong>ntado<br />
em casa a ver John Wayne a ganhar a<br />
guerra no “Dia Mais Longo”, e<br />
<strong>de</strong>pois um berro <strong>de</strong> indignação,<br />
qualquer coisa como “esta guerra foi<br />
nossa também!”.<br />
Ao filme não faltam, portanto,<br />
nem clareza <strong>de</strong> propósitos<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 53
Cinema<br />
(reparar uma usurpação) nem<br />
ambição (filmar heróis negros que<br />
<strong>de</strong>safiem o estatuto mítico <strong>de</strong><br />
Wayne). Propósitos e ambições tão<br />
nobres como outros quaisquer. O<br />
que falta ao filme é estar à altura<br />
<strong>de</strong>les. Para um filme que tão<br />
agressivamente <strong>se</strong> começa por<br />
<strong>de</strong>finir, <strong>de</strong>saponta a singular<br />
ausência <strong>de</strong> ferocida<strong>de</strong> com que Lee<br />
conta esta história sobre uma<br />
companhia <strong>de</strong> soldados negros na<br />
Toscana, em 1944, durante a<br />
reconquista aliada da Itália. Essa<br />
ferocida<strong>de</strong> dá lugar a uma moleza<br />
narrativa (facto a confirmar com<br />
“Malcolm X”: Spike Lee e o “épico”<br />
não jogam lá muito bem), enredada<br />
num complicado flash-back que,<br />
acabamos por perceber, só <strong>se</strong><br />
justifica pelas piores razões (o<br />
<strong>se</strong>ntimentalismo choramingas da<br />
cena final, o pior fecho <strong>de</strong> filme da<br />
obra <strong>de</strong> Spike Lee). Os combates e os<br />
“horrores da guerra” são filmados<br />
naquele realismo maquinal que faz<br />
da irrepreensibilida<strong>de</strong> técnica uma<br />
medida <strong>de</strong> indiferença – da<br />
indiferença <strong>de</strong> quem filma e da<br />
indiferença <strong>de</strong> quem assiste.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente há um fundo<br />
romântico na guerra vista por Spike<br />
Lee. O que ele quer é extrair <strong>de</strong> lá<br />
outros “heróis”, mas “heróis” na<br />
mesma. A crítica da mitologia volve<strong>se</strong><br />
em reprodução da mitologia com<br />
uma cor <strong>de</strong> pele diferente. Melhor<br />
ou pior, essa tarefa certamente <strong>se</strong><br />
cumpre. Mas é uma tarefa que <strong>de</strong>ixa<br />
lastro na construção <strong>de</strong> um olhar<br />
cinematográfico sobre a guerra – um<br />
lastro que <strong>se</strong> traduz numa candura,<br />
numa crença inquestionada, e qua<strong>se</strong><br />
paternalista, na bonda<strong>de</strong> das suas<br />
personagens. O que é um drama, <strong>se</strong><br />
cotejarmos o filme <strong>de</strong> Spike Lee com<br />
muitos dos filmes <strong>de</strong> guerra (Ford,<br />
Walsh, Fuller...) que ele<br />
implicitamente critica: a razão que<br />
lhe sobra em termos <strong>de</strong><br />
repre<strong>se</strong>ntação política e sociológica<br />
falta-lhe em profundida<strong>de</strong> poética e<br />
filosófica. Não espanta que os planos<br />
finais pareçam saídos <strong>de</strong> um filme <strong>de</strong><br />
Tornatore. Ao pé dos “Nus e os<br />
Mortos” <strong>de</strong> Walsh ou do “Big Red<br />
One” <strong>de</strong> Fuller, “O Milagre <strong>de</strong><br />
Sant’Anna” é apenas um simpático e<br />
rudimentar filme bem intencionado.<br />
L.M.O.<br />
O pai tirano<br />
Tetro<br />
De Francis Ford Coppola,<br />
com Vincent Gallo, Maribel Verdú,<br />
Al<strong>de</strong>n Ehrenreich. M/12<br />
MMnnn<br />
Lisboa: Me<strong>de</strong>ia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª<br />
14h30, 17h, 19h30, 22h 6ª Sábado 2ª 14h30, 17h,<br />
19h30, 22h, 00h30; Me<strong>de</strong>ia Monumental: Sala 4 -<br />
Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h15, 16h45, 19h15, 21h45, 00h30<br />
Porto: Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong> do Porto: Sala 1: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h40, 19h10,<br />
21h40<br />
54 • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • Ípsilon<br />
Não faltaram as leituras autobiográfi cas <strong>de</strong> “Tetro”, e Coppola,<br />
sábio gestor da curiosida<strong>de</strong> alheia, não <strong>de</strong>smente nem confi rma<br />
Não, “Uma Segunda Juventu<strong>de</strong>” não<br />
foi “uma vez <strong>se</strong>m exemplo”. A obra<br />
que marcou o regresso ao cinema <strong>de</strong><br />
Coppola após <strong>de</strong>z anos <strong>se</strong>m filmar<br />
foi uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> intenções:<br />
liberto das dívidas e das constrições<br />
hollywoodianas, o cineasta ia agora<br />
fazer os filmes que queria, como<br />
queria, fora <strong>de</strong> qualquer lógica<br />
industrial e com a sua musa como<br />
único Norte. Recriando o sonho<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte que a sua geração quis<br />
trazer à Hollywood que, em finais<br />
dos anos 1960, estava atolada no<br />
mínimo <strong>de</strong>nominador comum em<br />
nome da maior abrangência<br />
possível, “Tetro” confirma a vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> mergulhar no passado da arte (e<br />
não apenas do cinema) para melhor<br />
lhe preparar o futuro.<br />
On<strong>de</strong> “Uma Segunda Juventu<strong>de</strong>”<br />
retomava as fantasias sobrenaturais<br />
dos anos 1940 e 1950, “Tetro”<br />
coloca-<strong>se</strong> à sombra do gran<strong>de</strong><br />
melodrama familiar. (Em comum a<br />
ambos, encontramos a asa<br />
protectora da dupla Michael Powell/<br />
Emeric Pressburger – on<strong>de</strong> “Uma<br />
Segunda Juventu<strong>de</strong>” podia remeter<br />
para “Uma Questão <strong>de</strong> Vida ou <strong>de</strong><br />
Morte”, 1946, “Tetro” cita<br />
directamente “Os Contos <strong>de</strong><br />
Hoffmann”, 1951, e “Os Sapatos<br />
Vermelhos”, 1948.) Mas <strong>se</strong> é verda<strong>de</strong><br />
que dificilmente nos po<strong>de</strong>mos<br />
esquecer do “Padrinho”, é talvez<br />
mais da literatura que “Tetro” <strong>se</strong><br />
reivindica, ao repescar o velho lugarcomum<br />
do escritor boémio que <strong>se</strong><br />
alimenta da sua própria vida. Aqui,<br />
es<strong>se</strong> escritor é Angie Tetrocini, filho<br />
<strong>de</strong> um “pai tirano” maestro <strong>de</strong><br />
renome, que corta relações com a<br />
família e foge a escon<strong>de</strong>r-<strong>se</strong> nos<br />
bairros boémios <strong>de</strong> Buenos Aires,<br />
on<strong>de</strong> é “<strong>de</strong>scoberto” pelo irmão<br />
mais novo, Bennie, também ele em<br />
ruptura com a família mas<br />
procurando reencetar a relação <strong>de</strong><br />
proximida<strong>de</strong> cortada com a fuga <strong>de</strong><br />
Angie, que agora <strong>se</strong> chama Tetro e<br />
abandonou a escrita.<br />
Não faltaram as leituras<br />
autobiográficas da história <strong>de</strong><br />
“Tetro”, e Coppola, sábio gestor da<br />
curiosida<strong>de</strong> alheia, não <strong>de</strong>smente<br />
nem confirma, esclarecendo apenas<br />
que é o mais pessoal dos <strong>se</strong>us filmes.<br />
Fazendo tangentes à tragédia grega e<br />
ao “gótico Americano” <strong>de</strong> Tennes<strong>se</strong>e<br />
Williams, “Tetro” prefere instalar-<strong>se</strong><br />
num meio-termo em constante<br />
<strong>de</strong><strong>se</strong>quilíbrio entre o realismo<br />
mágico latino-americano e o<br />
melodrama barroco e garrido da<br />
ópera clássica – e é no do<strong>se</strong>amento<br />
<strong>de</strong>ssas características que Coppola<br />
<strong>se</strong> per<strong>de</strong>, tornando o novo filme<br />
num passo atrás em relação a “Uma<br />
Segunda Juventu<strong>de</strong>”. No <strong>se</strong>u pior,<br />
<strong>se</strong>ntimos que Coppola está a tentar<br />
invocar os gran<strong>de</strong>s mestres do<br />
cinema europeu como Fellini e <strong>se</strong><br />
estampa espectacularmente (a “cor<br />
local” dos amigos boémios <strong>de</strong> Tetro<br />
é tão excêntrica que chega a <strong>se</strong>r<br />
risível, os “buracos” narrativos são<br />
óbvios). No <strong>se</strong>u melhor, contudo<br />
(como os vinte minutos finais e<br />
qua<strong>se</strong> todas as cenas que envolvem<br />
Bennie, Tetro e Miranda), Coppola<br />
toca a espaços essa condição<br />
operática que procura, con<strong>se</strong>gue<br />
fazer ressoar a corda da família que<br />
<strong>se</strong> ama mas não con<strong>se</strong>gue coexistir<br />
pacatamente. Não chega lá mais<br />
porque está mal <strong>se</strong>rvido por Vincent<br />
Gallo, incapaz <strong>de</strong> emprestar<br />
qualquer espessura a Tetro para lá<br />
do <strong>se</strong>u número habitual do artista<br />
torturado, chutado para canto pela<br />
ternura quente <strong>de</strong> Maribel Verdú e<br />
pela revelação <strong>de</strong> Al<strong>de</strong>n Ehrenreich.<br />
“Tetro” é o filme <strong>de</strong> um cineasta<br />
que trabalha agora em inteira<br />
liberda<strong>de</strong> e <strong>se</strong> marimba para o que<br />
os outros pensam – e isso é bonito <strong>de</strong><br />
<strong>se</strong> ver num veterano como Coppola,<br />
ainda disposto a correr os riscos que<br />
os <strong>se</strong>us colegas <strong>de</strong> geração já há<br />
muito <strong>de</strong>ixaram para trás. E,<br />
francamente, preferimos um<br />
veterano que <strong>se</strong> estampa em busca<br />
<strong>de</strong> outra coisa do que um que <strong>se</strong><br />
limita a <strong>de</strong>spachar mais do mesmo.<br />
Jorge Mourinha<br />
O girl power<br />
do fogão<br />
Julie e Julia<br />
Julie & Julia<br />
De Nora Ephron,<br />
com Meryl Streep, Amy Adams,<br />
Stanley Tucci. M/12<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito Bommmmm mm mmMuito BommmmmmExcelente<br />
Bommm mm mmmm mm m mEx Ex Excelente<br />
MMMnn<br />
Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 5: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h20, 21h30 6ª Sábado<br />
15h30, 18h20, 21h30, 00h15; Castello Lopes -<br />
Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,<br />
19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h;<br />
Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 1: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h50, 18h30,<br />
21h30, 24h; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h35, 16h10, 18h30, 21h40, 00h05; CinemaCity<br />
Classic Alvala<strong>de</strong>: Sala 3: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h45, 16h05, 18h50, 21h30 6ª Sábado 13h45,<br />
16h05, 18h50, 21h30, 24h; Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />
Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 14h20, 16h50, 19h20, 21h50, 00h30; UCI Cinemas<br />
- El Corte Inglés: Sala 12: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />
14h05, 16h35, 19h05, 21h35, 00h05 Domingo 11h30,<br />
14h05, 16h35, 19h05, 21h35, 00h05; ZON<br />
Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h30, 16h20, 19h, 21h50, 00h20; ZON<br />
Lusomundo CascaiShopping: 5ª 13h, 15h40, 18h20<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 13h, 15h40, 18h20,<br />
21h20, 24h 4ª 13h, 15h40, 18h20, 21h20; ZON<br />
Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 13h, 15h50, 18h35, 21h30, 00h15; ZON<br />
Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05, 15h50, 18h40, 21h30,<br />
00h15; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 13h05,<br />
15h45, 18h20, 00h15 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h05, 15h45, 18h20, 21h40, 00h15; Castello Lopes -<br />
Rio Sul Shopping: Sala 3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />
18h30, 21h30, 00h10 Sábado Domingo 12h50,<br />
15h30, 18h30, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo<br />
Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h55, 15h55, 18h40, 21h25, 00h15<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 20: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 13h55, 16h30, 19h10, 21h50, 00h30 3ª<br />
4ª 16h30, 19h10, 21h50, 00h30; ZON Lusomundo<br />
Dolce Vita Porto: 5ª 12h50, 15h30, 18h20, 21h 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h20,<br />
21h20, 00h05; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h50, 18h40,<br />
21h40, 00h30; ZON Lusomundo Parque Nascente:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 16h10,<br />
19h, 21h50, 00h35<br />
Como <strong>se</strong> não chegas<strong>se</strong> uma, “Julie e<br />
Julia” ba<strong>se</strong>ia-<strong>se</strong> em duas histórias<br />
verídicas e isso <strong>de</strong>ixa logo a pulga<br />
atrás da orelha. Uma é a história <strong>de</strong><br />
Julia Child, espécie <strong>de</strong> Maria <strong>de</strong><br />
Lour<strong>de</strong>s Mo<strong>de</strong>sto que revelou à<br />
América, nas décadas <strong>de</strong> 1950 e<br />
1960, a riqueza da cozinha francesa<br />
pela qual <strong>se</strong> apaixonara em Paris<br />
após a II Guerra. A outra é a história<br />
<strong>de</strong> Julie Powell, uma trintona novaiorquina<br />
que, em 2002, frustrada<br />
com o modo como a sua vida não<br />
<strong>se</strong>guira o curso que esperava,<br />
embarca no projecto meio insane <strong>de</strong><br />
cozinhar, ao longo <strong>de</strong> um ano, as<br />
500 receitas que Child incluira no<br />
<strong>se</strong>u livro <strong>de</strong> culinária francesa.<br />
Improvavelmente, do cruzamento<br />
entre as duas histórias Nora Ephron<br />
tira uma elegantíssima alta comédia<br />
sobre duas mulheres que nunca <strong>se</strong><br />
conheceram nem nunca <strong>se</strong> cruzaram<br />
mas que <strong>se</strong> encontraram a si<br />
próprias do mesmo modo – através<br />
da culinária. O truque é o <strong>de</strong> usar a<br />
divisão da casa à qual as mulheres<br />
foram relegadas durante anos como<br />
ba<strong>se</strong> do <strong>se</strong>u triunfo e da sua<br />
realização pessoal – <strong>de</strong> “escrava do<br />
fogão” a “girl power” através do<br />
po<strong>de</strong>r da manteiga e do refogado.<br />
Melhor ainda: não estamos a falar <strong>de</strong><br />
mulheres <strong>de</strong>sfavorecidas (Child era<br />
casada com um diplomata, Powell<br />
tinha uma vida <strong>de</strong> clas<strong>se</strong> média,<br />
ambas estão apaixonadas pelos<br />
maridos) e isso é também<br />
refrescante. O filme explora essa<br />
“normalida<strong>de</strong>” tantas vezes<br />
maltratada pelo cinema como banal.<br />
“Julie e Julia”: o po<strong>de</strong>r da manteiga e do refogado<br />
Como quem diz: sim, as pessoas<br />
normais não têm nada <strong>de</strong><br />
excepcional, e qual é o problema?<br />
“Julie e Julia” torna-<strong>se</strong>, assim,<br />
numa <strong>de</strong>liciosa subversão dos<br />
cânones feministas ao usar a cozinha<br />
como fonte da realização pessoal da<br />
mulher mo<strong>de</strong>rna, mas <strong>se</strong>m reduzir<br />
as personagens a meras fachadas<br />
que apenas existem para a cozinha.<br />
É óbvio que ajuda, e muito, ter duas<br />
actrizes do calibre <strong>de</strong> Amy Adams e,<br />
sobretudo, Meryl Streep, a quem a<br />
comédia está a ficar cada vez<br />
melhor. E também é verda<strong>de</strong> que<br />
ninguém pensaria em consi<strong>de</strong>rar<br />
“Julie e Julia” uma obra-prima. Mas é<br />
tão raro ver uma boa alta comédia<br />
hoje, ainda por cima divertida,<br />
inteligente, impecavelmente<br />
interpretada, que esta qua<strong>se</strong> faz<br />
figura <strong>de</strong> obra-prima. J.M.<br />
Continuam<br />
Os Sorrisos do Destino<br />
De Fernando Lopes,<br />
com Ana Padrão, Rui Morrison,<br />
Milton Lopes. M/12<br />
Mnnnn<br />
Lisboa: Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h40, 17h40,<br />
19h40, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo Alvaláxia:<br />
5ª 19h10, 22h 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 19h10,<br />
22h, 00h20 4ª 00h20; ZON Lusomundo Amoreiras:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 18h,<br />
23h40; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h25, 18h40, 00h20<br />
Porto: Me<strong>de</strong>ia Cine Estúdio do Teatro Campo Alegre:<br />
Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
18h30, 22h; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª<br />
13h40, 19h10 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40,<br />
19h10, 23h55<br />
É uma “screwball comedy”<br />
impossível. Porque não há guerra <strong>de</strong><br />
<strong>se</strong>xos (nem actores à altura), é um<br />
solo, um irremediável solo – <strong>de</strong> Rui<br />
Morrison e da sua personagem, um<br />
homem apaixonado por boleros que<br />
<strong>se</strong> <strong>de</strong>scobre traído pela mulher, fã <strong>de</strong><br />
Wagner e da “alta cultura”. Mas que<br />
filme teria sido <strong>se</strong> Fernando Lopes<br />
<strong>se</strong> tives<strong>se</strong> entregue totalmente ao<br />
<strong>se</strong>u “duplo”, ao <strong>se</strong>u <strong>de</strong><strong>se</strong>spero <strong>de</strong><br />
“kamikaze”, tives<strong>se</strong> rebentado com<br />
as convenções muito convencionais<br />
que ainda costuram este filme?<br />
Imagine-<strong>se</strong>: <strong>se</strong> tives<strong>se</strong> rebentado<br />
com a mulher, o amante <strong>de</strong>la e os<br />
automatismos <strong>de</strong> narrativa à volta<br />
<strong>de</strong>les, <strong>se</strong> tives<strong>se</strong> ficado com a<br />
gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> Morrison, a ficção <strong>de</strong><br />
uma guerra <strong>de</strong> <strong>se</strong>xos (acto falhado,<br />
aqui) nem <strong>se</strong> colocaria. Teríamos um<br />
filme <strong>se</strong>m género e mais do que um<br />
filme-solo; teríamos um filme-só.<br />
Vasco Câmara
DVD<br />
<strong>Cobain</strong> e a sua bata hospitalar<br />
Música<br />
No fi o da<br />
navalha<br />
Os Nirvana estavam no topo<br />
do mundo, mas escolhiam<br />
caminhar no fi o da navalha.<br />
Mário Lopes<br />
Nirvana<br />
Live At Reading<br />
Universal Music<br />
mmmmn<br />
Sem extras<br />
Cabeças <strong>de</strong> cartaz<br />
em Reading, no<br />
topo do mundo. A<br />
30 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong><br />
1992, os Nirvana<br />
tocavam para<br />
aquela que era,<br />
até então, a sua<br />
maior audiência<br />
<strong>de</strong> <strong>se</strong>mpre. A culpa, naturalmente,<br />
era <strong>de</strong> “Nevermind”, álbum que<br />
transformou o mundo à sua volta,<br />
mas que não os transformou a eles.<br />
Ou melhor, não os fez jogar o jogo<br />
do estrelato, o “dar ao povo o que o<br />
povo quer”. No concerto que ganha<br />
agora edição oficial, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma<br />
existência pirata <strong>de</strong> década e meia,<br />
vemos o palco <strong>de</strong>spido <strong>de</strong> a<strong>de</strong>reços<br />
(o único visível chama-<strong>se</strong> Tony,<br />
dançarino anárquico, personagem<br />
enigmática com maquilhagem <strong>de</strong><br />
Joker) e ouvimos uma banda que<br />
oferece às centenas <strong>de</strong> milhar num<br />
gran<strong>de</strong> festival aquilo que ofereceria<br />
às centenas numa pequena sala.<br />
Tudo começa com o humor negro<br />
habitual: <strong>Cobain</strong>, com longa<br />
cabeleira loura e bata hospitalar, a<br />
<strong>se</strong>r empurrado até palco numa<br />
ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> rodas e a erguer-<strong>se</strong><br />
lentamente até ao microfone para<br />
cantar como bala<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>safinado.<br />
Tudo acaba como em “happening”:<br />
Dave Grohl a jogar “prato ao alvo”<br />
com a bateria, Kris Novo<strong>se</strong>lic a<br />
batucar o que resta <strong>de</strong>la e <strong>Kurt</strong><br />
<strong>Cobain</strong>, imerso em “feedback”, tal<br />
como Hendrix, a extrair um<br />
iconoclasta hino americano da<br />
<strong>guitarra</strong> pintalgada <strong>de</strong> sangue.<br />
Entre o princípio e o fim, o<br />
rock’n’roll visceral, ora tortuoso, ora<br />
catártico, misto <strong>de</strong> angústia e<br />
libertação, <strong>de</strong> uma banda que<br />
transformava <strong>de</strong>scalabro sónico em<br />
corrosão pop. Estão lá as inevitáveis<br />
<strong>de</strong> “Nevermind” (“In bloom”, “Come<br />
as you are” ou “Smells like teen<br />
spirit”), está lá o passado convulsivo<br />
<strong>de</strong> “Bleach” (“Negative creep” ou a<br />
enorme “School”) e o futuro que<br />
chegaria em “In Utero” (primeiras<br />
versões <strong>de</strong> “Dumb”, “Tourette’s” ou<br />
“All apologies”). Tudo perfeito, como<br />
no twist infernal <strong>de</strong> “Aneurysm”.<br />
Tudo perfeito quando tudo corre<br />
mal, como na versão recheada <strong>de</strong><br />
pregos, <strong>de</strong>safinações e notas ao lado<br />
<strong>de</strong> “Sliver” – “ensaiámos ontem à<br />
noite”, ri-<strong>se</strong> Novo<strong>se</strong>lic.<br />
A realização, a convencional <strong>de</strong><br />
um concerto rock, não tem<br />
quaisquer rasgos. Os Nirvana são<br />
tudo menos convencionais: estão no<br />
topo do mundo, mas escolhem<br />
caminhar no fio da navalha.<br />
© Agathe Poupeney / PhotoScene.fr<br />
27 e 28 Novembro 21h30<br />
12€ M/12<br />
www.teatromariamatos.pt<br />
Bilhetes à venda:<br />
Teatro Maria Matos 218 438 801<br />
dança<br />
(Kisangani)<br />
Faustin Linyekula<br />
More more more... future<br />
apre<strong>se</strong>ntação em Lisboa<br />
apoiada por<br />
menores<br />
30 anos<br />
5€<br />
Ípsilon • Sexta-feira 20 Novembro 2009 • 55