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Cada um com a sua língua

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Entre dois tempos<br />

Um pequeno lugarejo no interior gaúcho assiste à desaparição do dialeto<br />

de seus antepassados.<br />

Por Fábio Prikladnicki | Fotos Cristiano Santana<br />

reportagem<br />

No sábado que antecede o feriado de Carnaval, os moradores de Vale Vêneto têm <strong>sua</strong> rotina consideravelmente<br />

alterada. O clube onde os idosos cost<strong>um</strong>am se reunir para jogar baralho e conversar, depois da missa<br />

das 20 horas, é fechado para <strong>um</strong>a festa pré-carnavalesca que reúne de 700 a 800 jovens da região. Até a<br />

madrugada que anuncia o dia seguinte, a população local, de 530 habitantes, a<strong>um</strong>enta temporariamente<br />

em mais de 100%. Embora seja <strong>um</strong> lugar de colonização tipicamente italiana, o repertório que se ouve, em<br />

vol<strong>um</strong>e máximo, dos carros dos jovens estacionados na rua não é nada folclórico. Funk carioca e Macarena<br />

dão o tom. Vale Vêneto, hoje, vive desses paradoxos. Distrito do não menos desconhecido município de<br />

São João do Polêsine, no coração da “quarta colônia”, região na qual se instalou <strong>um</strong>a das principais ondas<br />

de imigração italiana no Rio Grande do Sul, o pacato vilarejo está a 40 quilômetros de Santa Maria, <strong>um</strong>a das<br />

maiores cidades gaúchas, e a 250 quilômetros da capital. Se alguém colocar o dedo no centro do mapa do<br />

estado – desde que seja <strong>um</strong> mapa rico em detalhes –, lá estará Vale Vêneto.<br />

Pela posição geográfica distante dos centros urbanos, acredita-se que as coisas tenham mudado menos do<br />

que em outras localidades que datam aproximadamente da mesma época (os primeiros imigrantes chegaram<br />

em 1878). Os moradores ainda cultivam a lavoura <strong>com</strong> poucas máquinas e muito gado, fazem <strong>com</strong>idas<br />

e bebidas caseiras e, principalmente, conservam <strong>um</strong>a maneira bastante particular de se <strong>com</strong>unicar. É <strong>um</strong><br />

dos únicos lugares do mundo onde ainda se fala o dialeto vêneto. O nome é referência à região do Norte<br />

da Itália de onde levas de pessoas saíram para diversas partes do mundo em busca de <strong>um</strong>a vida melhor.<br />

Em cada lugar, o vêneto sofreu pequenas modificações e ganhou cores locais. Em <strong>um</strong>a definição simples,<br />

dialeto é <strong>um</strong>a variação linguística que se desenvolve em certo território. Já <strong>um</strong>a <strong>língua</strong> é a elevação de <strong>um</strong>a<br />

das variações existentes ao status de idioma oficial, em geral escolhida em função de prestígio (econômico,<br />

cultural etc.).<br />

Há <strong>um</strong> debate entre estudiosos que defendem o italiano dos descendentes de imigrantes <strong>com</strong>o dialeto e outros<br />

que dizem se tratar de <strong>um</strong>a <strong>língua</strong> propriamente dita. Mas os moradores de Vale Vêneto estão mais preocupados<br />

<strong>com</strong> outra coisa: o lugar se tornou <strong>um</strong>a terra de idosos e, <strong>com</strong> isso, o “italiano gaúcho” é cada vez menos falado.<br />

Metade dos cerca de 100 alunos da única escola que resta vem das redondezas, e o ensino contempla apenas o<br />

ciclo fundamental. Os jovens <strong>com</strong>pletam <strong>sua</strong> formação fora, entram na faculdade, <strong>com</strong>eçam a trabalhar e vol-<br />

A família Venturini, que fala o dialeto friulano<br />

46 Continu<strong>um</strong> Itaú Cultural Participe <strong>com</strong> <strong>sua</strong>s ideias 47

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