moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
(GM I §4).<br />
Para que compreendamos a explicação dada por Nietzsche a esse fenômeno, o da<br />
mesma transformação conceitual pela qual passou a noção <strong>de</strong> bom, <strong>de</strong>vemos nos remeter à<br />
noção <strong>de</strong> pathos da distância, na qual essa explicação encontra-se resumida. Analisemos,<br />
portanto, o seguinte trecho:<br />
“Sem o pathos da distância, tal como nasce da entranhada diferença entre<br />
as classes, do olhar constante e altivo da casta dominante sobre os seus<br />
súditos e instrumentos, e do seu igualmente e constante exercício em<br />
obe<strong>de</strong>cer e comandar, manter abaixo e longe, não po<strong>de</strong>ria nascer aquele<br />
outro pathos ainda mais misterioso, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> aumentar a distância no<br />
interior da própria alma, a elaboração <strong>de</strong> estados abrangentes, em suma, a<br />
elevação do tipo 'homem', a contínua 'auto-superação do homem', para<br />
usar uma fórmula num sentido supramoral” (BM §257).<br />
A partir do trecho citado, po<strong>de</strong>mos perceber que foi o convívio distante com as<br />
estirpes dominadas o que possibilitou às estirpes nobres a elevação do seu valor, isto é, a<br />
concepção e recriação do seu valor como algo que ultrapassava os âmbitos da<br />
superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> força material e política, para expressar-se também e sobretudo no seu<br />
caráter e comportamento. Se essa transformação foi dada gradativamente, isso se <strong>de</strong>ve ao<br />
fato <strong>de</strong> a superiorida<strong>de</strong> dos nobres com relação aos escravos ser algo crescente. Afinal,<br />
uma vez que as posições nobre/escravo sejam propagadas ao longo <strong>de</strong> diversas gerações,<br />
ocorrerão, inevitavelmente, e <strong>de</strong> maneira cada vez mais marcada, mudanças na constituição<br />
física, psíquica e moral do homem em questão; enquanto um passa a ser explorado, tendo<br />
as suas perspectivas próprias minadas, o outro passa a servir-se <strong>de</strong> um exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,<br />
o que lhe permite recriar e potencializar as suas perspectivas. Disso se segue que foi <strong>de</strong>sse<br />
“dominante sentimento global <strong>de</strong> uma elevada estirpe senhorial, em relação com uma<br />
estirpe mais baixa com um 'sob'”, enfim do pathos da nobreza e da distância que os<br />
dominantes tomaram para si o direito <strong>de</strong> criar valores e, conseqüentemente, <strong>de</strong> cunhar<br />
nomes para valores – o que se revela como a origem da oposição entre “bom” (o nobre) e<br />
“ruim” (o plebeu).<br />
É importante atentarmos para o fato <strong>de</strong> que, para Nietzsche, é a partir das estirpes<br />
nobres que teríamos a formação da moral no senso estrito, qual seja: como tentativa <strong>de</strong><br />
autoconhecimento. Decerto, o legislador, da época da <strong>moralida<strong>de</strong></strong> dos costumes, era um<br />
criador, mas esse criava costumes, que apesar <strong>de</strong> expressarem um modo rudimentar <strong>de</strong><br />
valoração, não se configuravam propriamente como valores. Como bem o sabemos, a<br />
questão na época da <strong>moralida<strong>de</strong></strong> dos costumes era a obediência aos costumes – ao menos<br />
80