moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...

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quando ele afirma que “Nietzsche nunca destacou nenhum grupo étnico como tendo um direito nato a uma posição superior: em diferentes períodos da história, os gregos, os romanos, os vikings, os japoneses, os árabes, os incas, etc., foram raças superiores” (BORNEDAL, 2004, p. 130). Não acreditamos, porém, que essa temporária posição de superioridade seja, em Nietzsche, algo possível a todas as raças. Tal possibilidade de superioridade, como podemos observar nos exemplos oferecidos por Bornedal, diz respeito apenas às raças que em algum momento demarcaram a sua posição de domínio perante outras raças e isso de modo a conformar grandes impérios – o que faz de Nietzsche, como já mencionamos, um racista pouco vulgar. De todo modo, tanto os homens fortes, quanto os fracos são naturalmente expressões da vontade de potência. Todavia os mais fortes, por possuírem uma hierarquia mais coesa – como expusemos no item 6, eles são as “bestas mais inteiras” –, expressariam de modo mais integral o caráter da vontade de potência, sendo portanto a essa mais facilmente identificável. Essa identificação entre homem forte e vontade de potência se revela, de maneira bastante clara, na descrição nietzschiana acerca da “audácia” das raças dominadoras: “Essa 'audácia' das raças nobres, a maneira louca, absurda, repentina como se manifesta, o elemento incalculável, improvável, de suas empresas [...], sua indiferença e seu desprezo por segurança, corpo, vida, bem-estar, sua terrível jovialidade e intensidade no prazer de destruir, nas volúpias da vitória e crueldade – para aqueles que sofriam com isso, tudo se juntava na imagem do 'bárbaro', do 'inimigo mau', como o 'godo', o 'vândalo'” (GM I §11). Ao lado dessa volúpia em destruir e dessa impiedade em sacrificar, Nietzsche atribui às raças dominantes – à medida em que as raças dominadas vão se lhes acoplando, mais propriamente, servindo-lhes de base – o “poder da forma, a vontade de formar-se” (VP §95). Essa “vontade de formar-se” é o elemento novo nesse mais complexo e mais potente poder, expresso nas raças nobres. Elemento novo, no sentido de ser uma nova especialização da vontade de potência, propiciada justamente pela maior complexidade – que, nesse caso, está relacionada à massa incorporada de escravos. Assim, temos em relevo duas características que embora pareçam contraditórias são ambas indispensáveis para a auto-elevação do tipo: a violenta ânsia por domínio e a vontade de formação de si. Ora, observemos que essas duas potencialidades se relacionam diretamente à questão do estabelecimento de hierarquias: a ânsia por domínio garante a ampliação da potência (a 78

massa) e a vontade de formar-se garante a assimilação dessa potência e, conseqüente, aprimoramento, redirecionamento, recriação, especialização das novas e antigas forças. A nobreza deve, então, ser entendida sempre sob o viés da hierarquia, esteja esta relacionada a uma superioridade de poder “(‘os poderosos’, ‘os senhores’, ‘os comandantes’)” ou a um “traço típico do caráter” (GM I §5). Frente a essas considerações, podemos perceber que a filosofia nietzschiana põe-se distante das interpretações que a concebem como uma filosofia do individualismo, ao menos do individualismo generalizável. Discordamos, pois, de Kaufmann, quando ele afirma que o “leitmotiv da vida e pensamento de Nietzsche” seria “o indivíduo antipolítico que procura a autoperfeição no mundo moderno” (KAUFMANN, 1986, p. 418). Ora, por mais que não estejamos tratando das questões referentes à modernidade, já podemos perceber que a filosofia de Nietzsche e em especial o caminho para o cultivo de um tipo superior não prescinde da hierarquia entre os homens, o que significa o mesmo que não prescindir da escravização da maioria dos homens. Como o próprio filósofo deixa claro: “Minha filosofia está dirigida à hierarquia: não a uma moral individualista” (VP §287). Assim, ainda que na modernidade já não se faça mais possível falar de povos, ou de uma aristocracia como organização sociopolítica, é imprescindível conceber a aristocracia mesmo que no plano individual. Atenuando, então, a nossa contraposição à possibilidade de individualismo na filosofia nietzschiana, podemos afirmar que se ele há, não é válido para todos, apenas para as exceções – o que nos conduziria, na tentativa de sintetizar, ao termo “individualismo aristocrático”. As concepções esboçadas acima são o resultado da reconstrução da origem dos valores morais empreendida por Nietzsche – reconstrução que, como sabemos, configura-se apenas como o meio para a avaliação dos valores da moral ascética. Essa sua “empreitada genealógica” iniciou-se através de uma questão que, de acordo com ele, foi o que lhe propiciou estar no caminho certo, sendo ela: “que significam exatamente do ponto de vista etimológico, as designações para 'bom' cunhadas pelas mais diversas línguas?”. Partindo dessa questão inicial, Nietzsche “descobriu”, como já rapidamente mencionamos, que as designações para “bom” remetiam a uma mesma transformação conceitual: independentemente da língua em questão, o conceito de “'bom', no sentido de 'espiritualmente nobre', de 'espiritualmente bem nascido', 'espiritualmente privilegiado'” desenvolveu-se através do conceito básico de “'nobre', 'aristocrático', no sentido social” 79

massa) e a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar-se garante a assimilação <strong>de</strong>ssa potência e, conseqüente,<br />

aprimoramento, redirecionamento, recriação, especialização das novas e antigas forças. A<br />

nobreza <strong>de</strong>ve, então, ser entendida sempre sob o viés da hierarquia, esteja esta relacionada<br />

a uma superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r “(‘os po<strong>de</strong>rosos’, ‘os senhores’, ‘os comandantes’)” ou a um<br />

“traço típico do caráter” (GM I §5).<br />

Frente a essas consi<strong>de</strong>rações, po<strong>de</strong>mos perceber que a filosofia nietzschiana põe-se<br />

distante das interpretações que a concebem como uma filosofia do individualismo, ao<br />

menos do individualismo generalizável. Discordamos, pois, <strong>de</strong> Kaufmann, quando ele<br />

afirma que o “leitmotiv da vida e pensamento <strong>de</strong> Nietzsche” seria “o indivíduo antipolítico<br />

que procura a autoperfeição no mundo mo<strong>de</strong>rno” (KAUFMANN, 1986, p. 418). Ora, por<br />

mais que não estejamos tratando das questões referentes à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, já po<strong>de</strong>mos<br />

perceber que a filosofia <strong>de</strong> Nietzsche e em especial o caminho para o cultivo <strong>de</strong> um tipo<br />

superior não prescin<strong>de</strong> da hierarquia entre os homens, o que significa o mesmo que não<br />

prescindir da escravização da maioria dos homens. Como o próprio filósofo <strong>de</strong>ixa claro:<br />

“Minha filosofia está dirigida à hierarquia: não a uma moral individualista” (VP §287).<br />

Assim, ainda que na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> já não se faça mais possível falar <strong>de</strong> povos, ou <strong>de</strong> uma<br />

aristocracia como organização sociopolítica, é imprescindível conceber a aristocracia<br />

mesmo que no plano individual. Atenuando, então, a nossa contraposição à possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> individualismo na filosofia nietzschiana, po<strong>de</strong>mos afirmar que se ele há, não é válido<br />

para todos, apenas para as exceções – o que nos conduziria, na tentativa <strong>de</strong> sintetizar, ao<br />

termo “individualismo aristocrático”.<br />

As concepções esboçadas acima são o resultado da reconstrução da origem dos valores<br />

morais empreendida por Nietzsche – reconstrução que, como sabemos, configura-se apenas<br />

como o meio para a avaliação dos valores da moral ascética. Essa sua “empreitada<br />

genealógica” iniciou-se através <strong>de</strong> uma questão que, <strong>de</strong> acordo com ele, foi o que lhe<br />

propiciou estar no caminho certo, sendo ela: “que significam exatamente do ponto <strong>de</strong> vista<br />

etimológico, as <strong>de</strong>signações para 'bom' cunhadas pelas mais diversas línguas?”. Partindo<br />

<strong>de</strong>ssa questão inicial, Nietzsche “<strong>de</strong>scobriu”, como já rapidamente mencionamos, que as<br />

<strong>de</strong>signações para “bom” remetiam a uma mesma transformação conceitual:<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da língua em questão, o conceito <strong>de</strong> “'bom', no sentido <strong>de</strong><br />

'espiritualmente nobre', <strong>de</strong> 'espiritualmente bem nascido', 'espiritualmente privilegiado'”<br />

<strong>de</strong>senvolveu-se através do conceito básico <strong>de</strong> “'nobre', 'aristocrático', no sentido social”<br />

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