moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
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partir dos parâmetros da ciência da época – o que concordamos. Contudo, para nós, o fato da biologia e da fisiologia estarem, na filosofia nietzschiana, relacionadas à doutrina da vontade de potência não implica que a relação entre biologia e raça esteja em um segundo plano. Até mesmo porque, como o próprio Tongeren acredita, também a noção de sociedade e cultura estão em Nietzsche relacionadas à doutrina da vontade de potência. Na filosofia nietzschiana, esses diferentes âmbitos não estão dispostos, como pudemos testemunhar, em diferentes graus de importância, mas em diferentes graus de complexidade e assim, confundem-se uns com os outros, permeiam-se. De acordo com o que vimos, o corpo, nos seus aspectos fisiológicos, e a moral não conformam instâncias essencialmente distintas, mas antes instâncias derivadas que se afetam mutuamente. Daí à noção de raça ser, para Nietzsche, similar à de povo: “quando as pessoas viveram juntas por muito tempo, em condições semelhantes (clima, solo, perigos, necessidade, trabalho), nasce algo que 'se entende' um povo” (BM §268). Uma raça, um povo se conforma não só pelas semelhanças fisiológicas entre os seus representantes, mas pela vivência em condições de conservação e crescimento semelhantes, que, por sua vez, fazem com que essas semelhanças fisiológicas se acentuem ainda mais e, assim, viceversa. Moral, cultura, corpo e comportamento são igualmente importantes para a compreensão de uma raça: são indissociáveis – não havendo, portanto, qualquer dualidade entre eles. Uma vez que um homem pertence, necessariamente, a um determinado tipo, ele não pode ser compreendido como um caso isolado – cujos pais seriam apenas uma “causa acidental” –, e nem como o “resultado” de todo o trabalho dos seus antepassados (VP §379). Para Nietzsche, o homem não é um individuum, mas um todo orgânico que continua a viver em uma única linha determinada. Isso significa que a hierarquia instintiva do homem pré-histórico sobrevive nos seus descendentes, ainda que esses conformem um complexo de poder muito maior. Lembremo-nos que toda hierarquia entre instintos pressupõe que alguns estejam no comando e outros na subordinação. O domínio daqueles sobre esses irá imprimir uma direção específica, um modo determinado de assimilação e interpretação (que se dão sob a forma “valor”) da existência. Essa hierarquia instintiva e sua conseguinte forma de moralidade – que, como afirma Schatzki, é solidificada pela hereditariedade (SCHATZKI, 1994, p. 149) – irão permanecer por toda a linhagem, já que configuram justamente aquilo que mais propriamente a caracteriza: “Que ele [um homem] exista prova que uma espécie de interpretação (mesmo que acréscimos lhe sejam ainda adicionados) teve sucesso, que um sistema de interpretação não mudou” (VP §678). 50
Com o que foi dito, podemos perceber a singularidade com a qual Nietzsche compreende a noção de hereditariedade – e isso a ponto de ele afirmar que a hereditariedade, como é ordinariamente compreendida, é um falso conceito. Sua postura é tão radical que, para ele, as capacidades de um indivíduo não são proporcionais ao que este fez, sacrificou ou sofreu por elas. Devem ser consideradas a partir da sua história familiar, na qual iremos achar a história de um tremendo estoque e acumulação capital de força possibilitados através de todos os tipos de renúncia, luta e trabalho. Para o filósofo, todas as grandes potencialidades e capacidades de um homem não surgiram simplesmente, como um milagre ou presente dos céus, antes foram minuciosamente pagas pelos seus antepassados: “Os antepassados de um homem pagaram o preço pelo que ele é” (VP §969). Na posse dessas informações, fica bastante claro porque para Nietzsche é impossível que um homem “não tenha no corpo as características e predileções de seus pais e ancestrais: mesmo que as evidências provem o contrário”. Em geral, como podemos presumir a partir do parágrafo anterior, ele concebe essas características como indeléveis: “Não se pode extinguir da alma de um homem aquilo que seus ancestrais fizeram com maior prazer e constância [...] e com a ajuda da melhor educação e cultura não se consegue mais que enganar a respeito dessa herança” (BM §264). Todavia como em se tratando de Nietzsche as posturas dificilmente são definitivas, ele admite, em não tão raros momentos, que as características de um tipo sejam passíveis de serem transformadas e fortalecidas – desde que seja proposta, e imposta, ao longo de algumas gerações, uma rígida e renovada disciplina: “ascetismo e puritanismo são meios de educação e enobrecimento quase indispensáveis, quando uma raça pretende triunfar de sua origem plebéia e ascender ao domínio no futuro” 40 (BM §61). Independentemente dessas considerações mais flexíveis, a inegável questão é que o filósofo, atribui, sim, grande importância à genealogia de um homem, e, portanto, à raça da qual um homem provém. Afinal, para Nietzsche, as raças são valorativamente desiguais, já que há raças mais fortes e mais fracas, o que, dito de uma maneira mais direta, significa que há raças superiores e inferiores – e aqui poderíamos afirmar a presença de posturas com tonalidades racistas no pensamento nietzschiano. Sob essa perspectiva é que Nietzsche, ao depreciar os alemães, aqueles seus contemporâneos, reivindica para si uma ascendência que de acordo com pesquisas genealógicas mais recentes é absolutamente improcedente (EC, nota de Paulo César de Souza, p.122): “meus antepassados eram nobres 40 Não intentemos compreender essa citação para além do propósito pelo qual ela foi citada, já que há neste trecho termos que ainda não foram explicitados por nós. 51
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socieda<strong>de</strong> e cultura estão em Nietzsche relacionadas à doutrina da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência. Na<br />
filosofia nietzschiana, esses diferentes âmbitos não estão dispostos, como pu<strong>de</strong>mos<br />
testemunhar, em diferentes graus <strong>de</strong> importância, mas em diferentes graus <strong>de</strong><br />
complexida<strong>de</strong> e assim, confun<strong>de</strong>m-se uns com os outros, permeiam-se.<br />
De acordo com o que vimos, o corpo, nos seus aspectos fisiológicos, e a moral não<br />
conformam instâncias essencialmente distintas, mas antes instâncias <strong>de</strong>rivadas que se<br />
afetam mutuamente. Daí à noção <strong>de</strong> raça ser, para Nietzsche, similar à <strong>de</strong> povo: “quando as<br />
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necessida<strong>de</strong>, trabalho), nasce algo que 'se enten<strong>de</strong>' um povo” (BM §268). Uma raça, um<br />
povo se conforma não só pelas semelhanças fisiológicas entre os seus representantes, mas<br />
pela vivência em condições <strong>de</strong> conservação e crescimento semelhantes, que, por sua vez,<br />
fazem com que essas semelhanças fisiológicas se acentuem ainda mais e, assim, viceversa.<br />
Moral, cultura, corpo e comportamento são igualmente importantes para a<br />
compreensão <strong>de</strong> uma raça: são indissociáveis – não havendo, portanto, qualquer dualida<strong>de</strong><br />
entre eles.<br />
Uma vez que um homem pertence, necessariamente, a um <strong>de</strong>terminado tipo, ele não<br />
po<strong>de</strong> ser compreendido como um caso isolado – cujos pais seriam apenas uma “causa<br />
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§379). Para Nietzsche, o homem não é um individuum, mas um todo orgânico que continua<br />
a viver em uma única linha <strong>de</strong>terminada. Isso significa que a hierarquia instintiva do<br />
homem pré-histórico sobrevive nos seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, ainda que esses conformem um<br />
complexo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r muito maior. Lembremo-nos que toda hierarquia entre instintos<br />
pressupõe que alguns estejam no comando e outros na subordinação. O domínio daqueles<br />
sobre esses irá imprimir uma direção específica, um modo <strong>de</strong>terminado <strong>de</strong> assimilação e<br />
interpretação (que se dão sob a forma “valor”) da existência. Essa hierarquia instintiva e<br />
sua conseguinte forma <strong>de</strong> <strong>moralida<strong>de</strong></strong> – que, como afirma Schatzki, é solidificada pela<br />
hereditarieda<strong>de</strong> (SCHATZKI, 1994, p. 149) – irão permanecer por toda a linhagem, já que<br />
configuram justamente aquilo que mais propriamente a caracteriza: “Que ele [um homem]<br />
exista prova que uma espécie <strong>de</strong> interpretação (mesmo que acréscimos lhe sejam ainda<br />
adicionados) teve sucesso, que um sistema <strong>de</strong> interpretação não mudou” (VP §678).<br />
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