moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
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grupos diferentes criaram diferentes leis, constituindo-se, portanto, ao fim <strong>de</strong> uma longa<br />
jornada, em homens com diferentes hierarquias instintuais, isto é, em homens<br />
tipologicamente diferentes.<br />
Nietzsche não discorre <strong>de</strong> maneira minuciosa sobre quais seriam os fatores que<br />
influenciariam na formação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> homem. O papel do meio é algo<br />
que, por exemplo, fica um tanto dúbio. Pois ao mesmo tempo em que Nietzsche, como já o<br />
vimos, concebe que tudo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da interiorida<strong>de</strong> do homem, ou seja, da força e<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação e coesão dos seus instintos, ele em <strong>de</strong>terminados argumentos dá a<br />
enten<strong>de</strong>r, ainda que não diretamente, que o meio 34 possui, sim, papel fundamental na<br />
conformação <strong>de</strong> um tipo. E isso a ponto <strong>de</strong> alguns intérpretes <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rem essa perspectiva.<br />
Gerd Schank, por exemplo, no seu artigo sobre as noções <strong>de</strong> raça (race) e educação<br />
(breeding) em Nietzsche, afirma, sem maiores pon<strong>de</strong>rações, que os povos <strong>de</strong>senvolvem o<br />
seu caráter <strong>de</strong> acordo com o meio em que habitam durante extensos períodos <strong>de</strong> tempo.<br />
Isso não indica, porém, que o intérprete conceba, <strong>de</strong> maneira tosca, que para Nietzsche o<br />
meio molda os povos. Plausivelmente – embora nem por isso concor<strong>de</strong>mos com ele –,<br />
Schank afirma que as condições externas (o meio) influenciam na constituição fisiológica<br />
<strong>de</strong> um povo enquanto esta se expressa como fenômeno cultural, isto é, como moral,<br />
religião et cetera (SCHANK, 2003, p. 239). Em posse <strong>de</strong>ssas duas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
interpretação acerca da influência do meio, perguntamo-nos se seria possível encontrar<br />
alguma espécie <strong>de</strong> equilíbrio entre elas. Para que uma resposta se faça possível, temos <strong>de</strong><br />
examiná-las mais <strong>de</strong> perto.<br />
Como dissemos anteriormente, para o filósofo, os rumos que a formação instintual<br />
tomará são imprevisíveis, dada a imensa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação advinda do exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
força que é o homem. Nessa perspectiva é que ele chega a afirmar que a força interior é<br />
infinitamente superior à das causas exteriores: os mesmos meios, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da<br />
compleição instintiva do homem, po<strong>de</strong>m ser interpretados e utilizados <strong>de</strong> maneiras opostas,<br />
não havendo, portanto, como a partir do conhecimento do meio, prever <strong>de</strong> que modo se<br />
estabelecerá a hierarquização entre os instintos e, por conseguinte, a moral <strong>de</strong> um homem.<br />
Para o filósofo, então, “muito do que parece ser influência externa é somente a<strong>de</strong>quação a<br />
partir do interior” (VP §70). De maneira ainda mais direta, Nietzsche chega a afirmar que<br />
salienta Siemens, <strong>de</strong> que “indivíduos” nem sequer existiam nesses tempos remotos. A socieda<strong>de</strong> não é<br />
formada por indivíduos preexistentes: os indivíduos é que são produtos da socieda<strong>de</strong> (SIEMENS, 2006,<br />
p.440).<br />
34 O termo “meio” não <strong>de</strong>ve ser entendido aqui apenas no sentido geofísico, mas como todo o conjunto <strong>de</strong><br />
elementos materiais e circunstanciais que po<strong>de</strong>m vir a influenciar na formação <strong>de</strong> um tipo.<br />
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