moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
estrição 22 – daí a Nietzsche admitir dois tipos <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>: “Útil em relação ao aumento<br />
da velocida<strong>de</strong> do compasso do <strong>de</strong>senvolvimento é um outro 'útil' diferente daquele que se<br />
refere às maiores fixação e durabilida<strong>de</strong> do que foi <strong>de</strong>senvolvido” (VP §648). Como<br />
exemplo <strong>de</strong>ssa “fusão”, pensemos no imenso trabalho pré-histórico do homem sobre si<br />
mesmo (<strong>moralida<strong>de</strong></strong> dos costumes): <strong>de</strong> fato esse ampliou a potência do homem, mas<br />
através <strong>de</strong> coerção e restrição violentas – <strong>de</strong> modo, inclusive a exigir um “estreitamento<br />
das suas perspectivas, e em <strong>de</strong>terminado sentido também a estupi<strong>de</strong>z, como condição <strong>de</strong><br />
vida e crescimento (BM §188).<br />
Deleuze tenta resolver essa questão atribuindo às forças reativas as tarefas referentes à<br />
conservação e às ativas, as tarefas referentes ao crescimento ou aumento da potência<br />
(DELEUZE, 1976, p.33-4). Ora, essa distribuição <strong>de</strong> tarefas se apresenta como uma<br />
solução realmente prática, já que elimina qualquer tensão entre conservação e crescimento<br />
– afinal, torna coerente a opção nietzschiana pela ampliação do domínio como impulso<br />
cardinal, sem ter <strong>de</strong>, com isso, abrir mão da conservação como um impulso relevante,<br />
ainda que secundário. Apesar da praticida<strong>de</strong>, essa solução coloca-se fora dos limites da<br />
filosofia nietzschiana. Não há tal <strong>de</strong> divisão das ativida<strong>de</strong>s, a ampliação e manutenção da<br />
hierarquia se dão simultaneamente. Para que as vonta<strong>de</strong>s dominantes possam estabelecer<br />
uma <strong>de</strong>terminada direção, um <strong>de</strong>terminado modo <strong>de</strong> apropriação do que é exterior, é<br />
necessário que elas fixem esse modo <strong>de</strong> apropriação no seu “interior”. De qualquer sorte,<br />
esta contraposição à interpretação <strong>de</strong>leuziana já era algo esperado – na medida em que não<br />
concordamos com a concepção <strong>de</strong> ativo e reativo como qualida<strong>de</strong>s originais das relações<br />
entre as forças, a discordância agora assinalada segue necessariamente 23 .<br />
Sob a ótica da natureza como laboratório experimental, dá-se que a coerção imposta<br />
pelas vonta<strong>de</strong>s dominantes é algo construído na relação com as vonta<strong>de</strong>s subordinadas, no<br />
momento da subordinação – e daí a espontaneida<strong>de</strong> e não premeditação <strong>de</strong>sses “arranjos”.<br />
22 Estamos cientes da estranheza que a concepção <strong>de</strong> um “<strong>de</strong>senfreamento que ten<strong>de</strong> à disciplina e restrição”<br />
po<strong>de</strong> causar. Todavia, acreditamos que a noção <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência se caracteriza por essa tensão, já<br />
que ela na sua ampliação incessante por domínio – o que associamos ao “<strong>de</strong>senfreamento” – ten<strong>de</strong>,<br />
necessariamente, a formar hierarquias – o que associamos à disciplina e à restrição. Esten<strong>de</strong>ndo um pouco<br />
mais essas consi<strong>de</strong>rações, po<strong>de</strong>mos perceber que na filosofia nietzschiana não há oposição entre<br />
espontaneida<strong>de</strong> e coerção, uma vez que a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência é naquilo que lhe é mais espontâneo,<br />
coercitiva.<br />
23 Diante <strong>de</strong> tal contraposição, bem como <strong>de</strong> toda ênfase por nós dada à noção <strong>de</strong> hierarquia, ousamos<br />
afirmar que embora Nietzsche se <strong>de</strong>signe como um discípulo <strong>de</strong> Dioniso, as noções “apolíneas” <strong>de</strong><br />
organização, disciplina, obediência e comando são igualmente cruciais na sua cosmovisão. Nesse ponto<br />
específico, parece que nos aproximamos <strong>de</strong> Walter Kaufmann, já que segundo ele: “a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência<br />
não é apenas uma pulsão impetuosa dionisíaca, semelhante à irracional vonta<strong>de</strong> schopenhaueriana, mas é<br />
também apolínea e possui uma capacida<strong>de</strong> inerente <strong>de</strong> dar a si mesma uma forma. A vitória do dionisíaco<br />
não é, <strong>de</strong>ste modo, completa, sendo a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência, a síntese dos dois antigos princípios <strong>de</strong><br />
Nietzsche” (KAUFFMAN, 1986, pp. 235-36).<br />
40