moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
momento” (VP §634).<br />
De acordo com o que foi dito, po<strong>de</strong>mos perceber que Nietzsche concebe todos os entes<br />
como unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fachada, tendo em vista que eles são sempre uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
vonta<strong>de</strong>s: “Toda unida<strong>de</strong> só é unida<strong>de</strong> como organização e combinação” (VP §561). Além<br />
disso, tenhamos em mente que, sendo a dynamis da existência um jogo e contrajogo <strong>de</strong><br />
forças, “essas aglomerações <strong>de</strong> quanta <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ininterruptamente aumentam e diminuem”,<br />
e daí essas “unida<strong>de</strong>s” serem continuamente mutáveis. Como diz Müller-Lauter,<br />
“[u]nida<strong>de</strong> é sempre apenas organização, sob ascendência, a curto prazo, <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r dominantes” (MÜLLER-LAUTER, 1997, p.75).<br />
Curiosamente, porém, também a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência no sentido mais elementar é<br />
entendida pelo filósofo como multiplicida<strong>de</strong>, isto é, como algo que só enquanto palavra<br />
constitui uma unida<strong>de</strong>. Para Nietzsche, em todo querer existe tanto uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sensações, quanto um pensamento que comanda. Caso nos <strong>de</strong>tenhamos no que foi até<br />
agora explicitado acerca da vonta<strong>de</strong> – ela anseia por domínio, lança-se sobre as <strong>de</strong>mais e,<br />
quando bem sucedida, comanda com o intuito <strong>de</strong> preservar e ampliar o seu domínio –, não<br />
parecerá estranho atribuir-lhe um sentir e um pensar. Vonta<strong>de</strong>, pensamento e sentimento<br />
são, <strong>de</strong> maneira geral, indissociáveis, e, nesse plano do mais elementar, são mesmo<br />
indiscerníveis: “A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência é a forma <strong>de</strong> afeto primitiva, todos os outros afetos<br />
são configurações suas” (VP §688) 16 .<br />
O pensamento está, portanto, longe <strong>de</strong> ser uma proprieda<strong>de</strong> do intelecto, ou uma<br />
faculda<strong>de</strong> restrita ao gênero humano 17 . Pensar e sentir acham-se disseminados por todo o<br />
corpo: todas as organizações <strong>de</strong> domínio são em Nietzsche, como bem afirma Abraham<br />
Olivier, inteligentes (OLIVIER, 2003, p. 131). Se, no bicho homem, eles se apresentam<br />
como instâncias diferentes, é porque no homem, tais potencialida<strong>de</strong>s se especializaram –<br />
nele, <strong>de</strong>terminados complexos <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> ao se conformarem fizeram ora essa, ora aquela<br />
característica impor-se como dominante. Parece-nos bastante plausível que, para a<br />
exemplo, pretendam que seja a lei <strong>de</strong> causa e efeito –, e não que não há leis <strong>de</strong> qualquer espécie.<br />
Certamente, toda conformação, na medida em que é hierarquia, tem leis próprias, mas essas possuem<br />
duração finita e pertinência finita e pontual, já que só existem e valem para o ente que possibilitam.<br />
16 Embora o pensamento, o sentimento e a vonta<strong>de</strong> sejam indissociáveis, eles não são equivalentes. Afinal,<br />
no caso <strong>de</strong> organismos complexos, como o homem, po<strong>de</strong>mos conceber o pensamento, o sentimento e a<br />
vonta<strong>de</strong> como especializações, como diferentes potencialida<strong>de</strong>s. De todo modo, Nietzsche, parece levar<br />
essa indissociabilida<strong>de</strong>, e mesmo indiscernibilida<strong>de</strong> referente aos planos mais elementares, bastante a<br />
sério. Como afirma Marton, Nietzsche concebia que os pensamentos e os sentimentos estavam<br />
disseminados, por todo corpo, achando-se, portanto, presentes nas células, tecidos e órgãos (MARTON,<br />
1990, pp.32-33).<br />
17 Aqui, temos uma contraposição <strong>de</strong> Nietzsche ao modo pelo qual comumente se distinguia os homens dos<br />
<strong>de</strong>mais animais e mesmo dos outros entes.<br />
32