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moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...

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até que tal matéria-prima humana e semi-animal ficou não só amassada e maleável, mas<br />

também dotada <strong>de</strong> uma forma” (GM II §17). Diante disso, po<strong>de</strong>mos perceber que nesses<br />

tempos remotos, os valores (<strong>moralida<strong>de</strong></strong>) não se apresentavam, ao menos não <strong>de</strong> início,<br />

através <strong>de</strong> conceitos sublimes acerca do bem e do mal – como nos diz Nietzsche, “os<br />

conceitos da humanida<strong>de</strong> antiga foram inicialmente compreendidos, numa medida para nós<br />

impensável, <strong>de</strong> modo grosseiro, tosco, improfundo, estreito, sobretudo e francamente<br />

assimbólico” (GM I §6) –, mas como regras, como leis ligadas à prática social. Através da<br />

imposição <strong>de</strong> leis terríveis foi possível criar no homem uma memória – “a dureza das leis<br />

penais nos dá uma medida do esforço que lhe custou vencer o esquecimento” – e com essa<br />

a tão almejada constância e auto-domínio: “A razão, a serieda<strong>de</strong>, o domínio sobre os<br />

afetos, toda essa coisa sombria que se chama reflexão, todos os privilégios e a<strong>de</strong>reços do<br />

homem: como foi alto o seu preço! (GM II §3).<br />

Esse imenso trabalho pré-histórico, através do qual o homem moldou, criou a si<br />

mesmo, é <strong>de</strong>nominado por Nietzsche <strong>de</strong> <strong>moralida<strong>de</strong></strong> dos costumes (Sittlichkeit <strong>de</strong>r Sitte).<br />

Observemos que quando <strong>de</strong>terminadas leis e práticas <strong>de</strong> conduta se propagam ao longo <strong>de</strong><br />

gerações, elas se tornam, inevitavelmente, costumes. Isso indica que essas leis passam a ser<br />

internalizadas como algo pertencente ao indivíduo que nasce nessa comunida<strong>de</strong>, já que se<br />

configuram como a sua tradição. A tradição nas socieda<strong>de</strong>s arcaicas não era concebida<br />

como algo ultrapassado ou como um conjunto <strong>de</strong> práticas separadas do dia-a-dia – como<br />

práticas folclóricas. A tradição, os <strong>de</strong>sígnios indicados pela tradição, apresentavam-se<br />

como or<strong>de</strong>m suprema, como o único caminho a ser seguido: “O que é tradição? Uma<br />

autorida<strong>de</strong> superior, a que se obe<strong>de</strong>ce não porque or<strong>de</strong>na o que nos é útil, mas porque<br />

or<strong>de</strong>na” (A §9). O po<strong>de</strong>r da tradição torna a geração atuante como que <strong>de</strong>vedora dos<br />

antepassados, em especial da geração fundadora da estirpe. Assim, sacrifícios e rituais<br />

como modos <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento passam a ser criados. Com isso vemos surgir junto à<br />

opressão civilizatória, a cultura, o início do plano simbólico e abstrato.<br />

Tendo ao seu lado o po<strong>de</strong>r da tradição, a obediência aos costumes torna-se um <strong>de</strong>ver<br />

do homem para com a comunida<strong>de</strong>, revelando-se como <strong>moralida<strong>de</strong></strong> – e daí o termo<br />

“<strong>moralida<strong>de</strong></strong> dos costumes”. Nesse sentido, Jaspers afirma que: “Nós aplicamos o termo<br />

'moral' àquelas leis sob as quais a conduta e atitu<strong>de</strong>s humanas foram subjugadas para que o<br />

homem se tornasse aquilo que ele é”. (JASPERS, 1997, pp. 139-140). Embora toda<br />

<strong>moralida<strong>de</strong></strong>, mesmo as mais espiritualizadas, ainda conservem, para Nietzsche, algo da<br />

<strong>moralida<strong>de</strong></strong> dos costumes – “a <strong>moralida<strong>de</strong></strong> não é outra coisa (e, portanto, não mais!) do que<br />

obediência a costumes, não importa quais sejam; [...] Em coisas nas quais nenhuma<br />

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