moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
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– pois a primeira se estabelece para a ampliação da potência e a segunda, como veremos,<br />
para o asseguramento <strong>de</strong> uma vida em <strong>de</strong>clínio.<br />
De acordo com Nietzsche, é somente através da formação e estabilização das<br />
hierarquias humanas que os valores se alçam a instância superior aos homens,<br />
estabelecendo-se enquanto moral, e tornando-se por fim capazes <strong>de</strong> fixar no homem a sua<br />
hierarquia instintual. Naturalmente esse “alçar-se” dos valores a uma instância superior não<br />
é algo que ocorre do “dia para noite”. Bem verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo com Nietzsche, esse<br />
trabalho do homem sobre si mesmo configura-se como o seu período “pré-histórico”, o<br />
mais longo da existência humana: “o autêntico trabalho do homem sobre si próprio,<br />
durante o período mais longo da sua existência, todo o trabalho pré-histórico encontra<br />
nisto [uniformização do homem] seu sentido, sua justificação” (GM II §2) 8 . Sendo o<br />
homem uma profusão <strong>de</strong> instintos contraditórios, não po<strong>de</strong>ria ser-lhe fácil ou rápido tornar-<br />
se confiável: a violência e a constância na violência empregada para a besta homem tornar-<br />
se constante, teve <strong>de</strong> ser muita.<br />
Uma vez que os homens passam a conformar um todo, uma socieda<strong>de</strong>, há,<br />
necessariamente, a formação e a imposição tirânica <strong>de</strong> regras e leis; afinal, somente através<br />
<strong>de</strong>ssas é possível o convívio social: “A lei: formulação fundamentalmente realista <strong>de</strong> certas<br />
condições <strong>de</strong> auto-preservação <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>” (VP §204). Observemos que são as<br />
leis, os instrumentos para o tolhimento das possibilida<strong>de</strong>s e potencialida<strong>de</strong>s do homem. Ao<br />
tolherem o homem, negando essa e afirmando aquela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conduta, as<br />
implacáveis leis antigas – para as quais qualquer mínimo <strong>de</strong>slize era punido com torturas e<br />
morte – acabaram por moldar o homem: “O mais antigo 'Estado' 9 [...] apareceu como uma<br />
terrível tirania, uma maquinaria esmagadora e implacável, e assim prosseguiu seu trabalho,<br />
8 No aforismo citado, Nietzsche fala sobre a origem da responsabilida<strong>de</strong> e, assim do homem soberano, já<br />
que este seria, como <strong>de</strong>senvolveremos no item 2 do capítulo a seguir, o homem dotado <strong>de</strong><br />
responsabilida<strong>de</strong>. Este homem se configura, para o filósofo, como o fruto maduro e tardio do período préhistórico,<br />
contudo não a sua razão. No presente item, veremos que todo o trabalho da moral na sua fase<br />
inicial se dispõe no sentido <strong>de</strong> promover a hierarquização dos instintos, o que não é o mesmo, embora<br />
seja fundamental, para a formação do homem soberano. No mencionado aforismo, é importante que<br />
salientemos, Nietzsche não relaciona o trabalho pré-histórico à hierarquização dos instintos, mas ao fato<br />
<strong>de</strong> tornar o homem constante, confiável. Como na nossa interpretação, que nesse momento baseia-se<br />
sobretudo nos fragmentos publicados postumamente, o “tornar constante” está diretamente relacionado à<br />
questão da hierarquização dos instintos, permitimo-nos utilizar a referida citação para confirmar a relação<br />
entre pré-história e hierarquização dos instintos.<br />
9 O fato <strong>de</strong> Estado estar aí entre aspas, <strong>de</strong>ve ser levado em consi<strong>de</strong>ração. Naturalmente, não po<strong>de</strong>mos<br />
enten<strong>de</strong>r esse 'Estado' dos tempos remotos como um po<strong>de</strong>r em alguma medida institucionalizado ou<br />
formulado por leis gerais razoavelmente postas, elaboradas. Tenhamos sempre em mente que, aqui,<br />
estamos tratando da pré-história do homem, e, portanto, <strong>de</strong> um período não regido pelo “mundo das<br />
abstrações”. Nesse sentido, <strong>de</strong>vemos enten<strong>de</strong>r o “Estado” arcaico como uma forma <strong>de</strong> vigilância mútua,<br />
como um mecanismo absolutamente rudimentar e violento (se comparado com o nosso) <strong>de</strong> contenção das<br />
partes para a garantia do todo.<br />
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