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moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...

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necessariamente doente, mas como um animal que, dada a sua complexida<strong>de</strong> e força, veio<br />

a tornar-se, ao longo da sua “saga”, o animal cuja condição normal é a doença. Os<br />

esclarecimentos acerca disso irão surgir ao longo do texto – caminhemos sem pressa.<br />

Po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r a contraditória compleição instintiva do homem como um<br />

indicador <strong>de</strong> que uma subjugação muito mais violenta se faz necessária. Isso significa que,<br />

no seu caso, uma gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> instintos, os contrários aos dominantes,<br />

simplesmente não po<strong>de</strong>m vir a realizar a sua propensão. No homem, o instinto (ou<br />

conjunto <strong>de</strong> instintos) que consegue impor-se como soberano tem <strong>de</strong> ter força suficiente<br />

para incessantemente <strong>de</strong>bilitar e refinar o a ele contrário <strong>de</strong> modo a que este possa lhe<br />

servir 3 . Decerto isso acarreta uma hierarquia instintual tensa e frágil, mas, também, um<br />

imenso exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r 4 . É graças a essa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> síntese, que o homem é, nas<br />

palavras <strong>de</strong> Nietzsche, “o senhor do mundo”.<br />

A relação entre valor e hierarquia instintiva é uma relação recíproca. Ao mesmo tempo<br />

em que os instintos dominantes criam um <strong>de</strong>terminado “sistema <strong>de</strong> valores” – isto é, uma<br />

hierarquia <strong>de</strong> valores –, esse sistema <strong>de</strong> valores é o que lhes permite, como já o dissemos,<br />

continuar como dominantes. Essa criação <strong>de</strong>ve ser entendida no sentido <strong>de</strong> uma<br />

transmutação instinto-valor. Para Nietzsche, as avaliações morais não se configuram como<br />

algo <strong>de</strong> estranho aos instintos, antes são a sua expressão em um plano mais elaborado – “os<br />

instintos governantes querem ser consi<strong>de</strong>rados como as mais altas instâncias <strong>de</strong> valor” (VP<br />

§677). A complexida<strong>de</strong> instintual do homem, ao lhe acarretar um imenso exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r, necessita <strong>de</strong> uma outra esfera, <strong>de</strong> um outro complexo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r mais elaborado para<br />

governá-lo: o avaliar é uma criação dos instintos que acaba por garantir a sua hierarquia.<br />

Não é, porém, como uma esfera imediatamente posta pelos instintos que os valores<br />

fixam a hierarquia <strong>de</strong>sses e se apresentam como o modo tipicamente humano <strong>de</strong><br />

assimilação da existência. Pois nesse sentido do imediatamente posto pelos instintos, o<br />

avaliar po<strong>de</strong> ser compreendido como algo <strong>de</strong> condizente a todos os animais. Afinal,<br />

po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r o dirigir-se instintivamente para essa e não para aquela presa como<br />

uma forma <strong>de</strong> avaliação. Dizer isso, porém, <strong>de</strong> modo algum explica como, no caso do<br />

bicho homem, os valores po<strong>de</strong>riam vir a fixar a hierarquia instintual. Para que os valores<br />

sejam efetivamente capazes <strong>de</strong> fixá-la, eles têm <strong>de</strong> constituir-se não só como um plano<br />

3 Certamente, nos outros animais também o instinto dominante tem <strong>de</strong> constantemente <strong>de</strong>bilitar e refinar os<br />

que preten<strong>de</strong> submeter. A diferença no caso do homem é que o instinto (ou conjunto <strong>de</strong> instintos)<br />

dominante muitas vezes tem <strong>de</strong> <strong>de</strong>bilitar e refinar um instinto a ele contrário, e daí a ser necessária uma<br />

subjugação muito mais violenta, opressiva.<br />

4 Essa relação aparentemente dual, “hierarquia tensa e frágil” versus imenso exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r será<br />

explicitada no item 4 do presente capítulo.<br />

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