moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...
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constantemente deles em meio aos perigos do todo, contra os inimigos deste), são sentidos bem mais intensamente na sua periculosidade”, pois com a estabilidade “faltam os canais de escoamento” (BM §201). Ora, uma vez que os nobres, enquanto descendentes de povos bárbaros, não estavam familiarizados com o “poder conter-se”, eles voltaram-se uns contra os outros, contra os subalternos, contra si mesmos – o que nos remete ao panorama traçado no item 3 do capítulo anterior. E daí ao filósofo afirmar que: “[a] degeneração dos soberanos e das classes dominantes provocou a maior desordem na História!” (VP §874). Modificada as condições de existência, rompem-se os laços que mantinham a antiga disciplina, a “segurança do instinto”. O perigo – que, nesse caso, nada mais é do que a caotização social, a violência desbragada – passa a estar situado “no indivíduo, no próximo, no amigo nas ruas, no próprio filho, no próprio coração” (BM §262); as paixões corrompidas “levam para baixo suas vítimas com o peso da sua estupidez” (CI V §1). Notemos que, com a corrupção feita soberana, o único que se apresenta como exceção à toda degenerescência é o animal de rebanho 79 conduzido pelo asceta, animal que já havia encontrado a sua terapêutica degenerada. Apesar de, sob o ponto de vista fisiológico e psicológico, este tipo estar, para Nietzsche, ainda mais corrompido, já que negava a vida e seus instintos fundamentais, ele não se apresentava como um perigo, ao menos aparente, para si ou para os outros: havia sido “melhorado”, isto é, enfraquecido pelo asceta. Com a décadence tornada soberana, apenas os medíocres tinham a perspectiva de prosseguir e procriar – eles, que haviam entrado em estado de degenerescência muito antes, sob o domínio do sacerdote ascético, revelavam-se como sobreviventes: 126 eles são os homens do futuro, os únicos sobreviventes; ‘seja como eles! tornem-se como os medíocres!’, diz a única moral que agora tem sentido, que ainda encontra ouvidos. – Mas é difícil de se pregar, essa moral da mediocridade! – ela não pode jamais admitir o que é e o que quer! tem de falar de medida, dignidade, dever e amor ao próximo – terá necessidade de ocultar a ironia! (BM §262) O sacerdote ascético, por sua vez, utilizou-se do fato de os instintos estarem corrompidos, para afirmar os instintos em si como vícios, como corruptores. Com essa estratégia, ele encontrou argumentos suficientes para empreender a tarefa de aniquilar as paixões e os desejos (expressões da vontade de potência) – conceberam esse empreendimento como meio de evitar a estupidez! (CI V §1). Sendo inerente a esse tipo o 79 Observemos que o homem subordinado, o escravo, uma vez que passe a ser conduzido pelo asceta e a comungar dos valores por ele prescritos, torna-se o por Nietzsche denominado “animal de rebanho”.
antagonismo ao solo no qual cresceu (VP §204), é-lhe também inerente responsabilizar tudo o que se refere ao seu “solo” como culpado pela degenerescência, uma vez que essa entre em ascensão. Tanto no que se refere aos cristãos frente aos romanos, quanto no que se refere à Platão e Sócrates diante dos “autênticos helenos”, podemos encontrar, de acordo com Nietzsche, essa atitude de caluniar os instintos e moral nobres, como culpados pela degenerescência. A utilização do corpo que degenerava, da moral que degenerava como argumento para a condenação do corpo e dos valores que antes tão bem imperavam resultou em que o corpo e os valores fortes passaram a ser tidos, junto com a vida e a natureza, como degenerados “em si” – e aqui, temos a confusão das conseqüências com as causas da décadence, contra a qual adverte Nietzsche (vide página 79). Assim, os próprios nobres que, antes da sua derrocada, já reconheciam no asceta um novo tipo de poder (BM §51), assumiram, como meio de sobrevivência, os valores ascéticos, passando a se acusar pela presença das suas características mais elevadas: “É que os homens superiores terminaram por medir-se, eles mesmos, pelo padrão de virtudes dos escravos – acusaram a si mesmos de ‘soberbos’ etc. e censuraram todas as suas características mais elevadas!” (VP §874). Através das suas inversões e calúnias “astuciosas”, os ascetas impuseram uma terapêutica que ao invés de fornecer um sistema fortificante, relacionado ao corpo, à disciplina, à alimentação, ofereceram uma moral, que ao preço de livrar o homem da morte, do auto-assassínio, promoveu “o lento auto-assassínio; pouco a pouco uma pequena, pobre, mas duradoura vida” (VP §247). 127
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os outros, contra os subalternos, contra si mesmos – o que nos remete ao panorama traçado<br />
no item 3 do capítulo anterior. E daí ao filósofo afirmar que: “[a] <strong>de</strong>generação dos<br />
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Modificada as condições <strong>de</strong> existência, rompem-se os laços que mantinham a antiga<br />
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Notemos que, com a corrupção feita soberana, o único que se apresenta como exceção à<br />
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psicológico, este tipo estar, para Nietzsche, ainda mais corrompido, já que negava a vida e<br />
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eles são os homens do futuro, os únicos sobreviventes; ‘seja como eles!<br />
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O sacerdote ascético, por sua vez, utilizou-se do fato <strong>de</strong> os instintos estarem<br />
corrompidos, para afirmar os instintos em si como vícios, como corruptores. Com essa<br />
estratégia, ele encontrou argumentos suficientes para empreen<strong>de</strong>r a tarefa <strong>de</strong> aniquilar as<br />
paixões e os <strong>de</strong>sejos (expressões da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência) – conceberam esse<br />
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79 Observemos que o homem subordinado, o escravo, uma vez que passe a ser conduzido pelo asceta e a<br />
comungar dos valores por ele prescritos, torna-se o por Nietzsche <strong>de</strong>nominado “animal <strong>de</strong> rebanho”.