11.04.2013 Views

moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...

moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...

moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

123<br />

meio da mentira – em reconhecimento do fato <strong>de</strong> que ele não é possuído<br />

nem física nem militarmente... a mentira como suplemento do po<strong>de</strong>r (VP<br />

§142).<br />

Ao ensinar a odiar e <strong>de</strong>sprezar o mais profundamente o caráter <strong>de</strong> quem domina em<br />

conjunto com o caráter da própria existência, o sacerdote ascético restaurou no homem<br />

subalterno a sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência. Mas notemos que esse ódio e <strong>de</strong>sprezo foram postos<br />

sob a perspectiva da mentira, mentira que é perniciosa porque se mascara como verda<strong>de</strong> 76 .<br />

Pois se o homem subalterno <strong>de</strong>sconfiasse que a sua “vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> moral” fosse tão-somente<br />

a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência por ele odiada, disfarçada, ruiria no mesmo instante a sua crença na<br />

moral e ele voltaria ao estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero correspon<strong>de</strong>nte ao <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong><br />

uma interpretação. Pois ele “enten<strong>de</strong>ria que estava no mesmo solo do opressor e que não<br />

tinha nenhum privilégio, nenhuma dignida<strong>de</strong> superior diante <strong>de</strong>ste” (VP §55). Para que a<br />

crença na moral ascética, que é o mesmo que a crença na superiorida<strong>de</strong> do tipo ascético se<br />

tornasse possível foi necessário que o asceta encobrisse com a boa consciência toda<br />

mentira e todo ódio que configuravam seu tipo e sua moral:<br />

Os sacerdotes são os atores <strong>de</strong> uma qualquer sobre-humanida<strong>de</strong>, à qual<br />

eles <strong>de</strong>vem conferir evidência, quer se trate <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais, <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses ou <strong>de</strong><br />

salvadores: eles encontram nisso sua profissão, para isso têm o seu<br />

instinto; a fim <strong>de</strong> o tornarem tão crível quanto possível, precisam ir tão<br />

longe quanto possível na similitu<strong>de</strong>; sua inteligência <strong>de</strong> ator <strong>de</strong>ve adquirir<br />

junto <strong>de</strong>les a boa consciência, só com ajuda <strong>de</strong>sta última ela po<strong>de</strong> ser<br />

persuadida da verda<strong>de</strong>. (VP §138)<br />

Foi o sacerdote, o “revoltado entre os mal-sucedidos”, que incitou o povo a se insurgir<br />

contra os tipos bem estabelecidos, ao conce<strong>de</strong>r ao povo uma “vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência” que<br />

encontrava a sua legitimida<strong>de</strong> justamente quando contra a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> potência dos mais<br />

fortes – “Não é a fome que provoca as revoluções, mas antes o fato <strong>de</strong> que o povo recebeu,<br />

en mangeant [ao comer], um apetite” (VP §209). A história da moral ascética – e aqui nos<br />

<strong>de</strong>temos exclusivamente ao Oci<strong>de</strong>nte – é, pois a história “das mentiras e arte <strong>de</strong> difamar a<br />

serviço <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> rebanho), que se subleva contra os<br />

homens mais fortes” (VP §134).<br />

Dito isso, aproximamo-nos <strong>de</strong>finitivamente do que Nietzsche compreen<strong>de</strong> por rebelião<br />

76 Tal como nos indica Frezzatti, “se nos lembrarmos <strong>de</strong> Sobre verda<strong>de</strong> e mentira no sentido extramoral<br />

(1873), talvez sintamos um certo estranhamento ao ver Nietzsche incomodado com o uso <strong>de</strong> mentiras”<br />

(FREZZATTI, 2008, p.269). Todavia, a mentira a que Nietzsche se opõe aqui é um tipo específico <strong>de</strong><br />

mentira, a mentira que o sacerdote ascético faz uso sob os nomes mais sagrados, para convencer a si e ao<br />

seu rebanho da sua supostamente divina e inquestionável superiorida<strong>de</strong>.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!