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moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...

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gleba se adaptaram ao culto dos senhores, “seja através da coerção, seja por servilismo e<br />

mimicry [imitação]” (GM II §20), adotando os seus <strong>de</strong>uses – o que, notemos, é <strong>de</strong>cisivo<br />

para que o escravo se resigne ante a sua posição –, o mesmo não po<strong>de</strong>mos dizer sobre o<br />

tipo ascético, tendo em vista que esse, para afirmar a sua crença necessita justamente negar<br />

os <strong>de</strong>uses condizentes aos nobres. Diferentemente dos nobres, porém, não é a partir da<br />

afirmação das suas características que o asceta vem a construir a sua crença, conceber o<br />

seu <strong>de</strong>us. No asceta, a idéia <strong>de</strong> “<strong>de</strong>us” surge a partir da reinvenção e interpretação dos seus<br />

intrincados processos psicológicos (a má-consciência).<br />

A concepção ascética <strong>de</strong> <strong>de</strong>us não está relacionada à crença <strong>de</strong> uma dívida para com os<br />

antepassados, mas sim à internalização do binômio credor/<strong>de</strong>vedor. O credor do asceta não<br />

é um antepassado capaz <strong>de</strong> assegurar a comunida<strong>de</strong> – lembremo-nos que o seu tipo não<br />

está relacionado, ao menos não originalmente, há uma <strong>de</strong>terminada estirpe –, mas um <strong>de</strong>us<br />

habitante da consciência que exige a eliminação impossível dos seus instintos já<br />

reprimidos. Se havia sofrimento suficiente com a impossibilida<strong>de</strong> dos instintos<br />

<strong>de</strong>scarregarem-se para fora, o asceta, com sua automortificação inventiva, cria um <strong>de</strong>us<br />

para que esses instintos reprimidos transformem-se numa outra fonte <strong>de</strong> dor. O asceta, ao<br />

apreen<strong>de</strong>r em “<strong>de</strong>us” as últimas antíteses que chega a encontrar para seus “autênticos<br />

insuprimíveis instintos animais”, reinterpreta esses instintos como culpa <strong>de</strong>finitiva em<br />

relação a <strong>de</strong>us (GM II §22). Dessa maneira, notemos bem, a perspectiva <strong>de</strong> um resgate da<br />

dívida se encerra, uma vez que os instintos que con<strong>de</strong>nam o homem são “insuprimíveis”: o<br />

homem passa a ser <strong>de</strong>finitivamente culpado (GM II §21). E daí a Nietzsche afirmar que<br />

“esse homem da má-consciência se apo<strong>de</strong>rou da superstição religiosa para levar o seu<br />

martírio à mais horrenda culminância” (GM II §22) 72 – afinal, em si mesma a religião, tal<br />

como po<strong>de</strong>mos observar no caso dos nobres, nada tem a ver com a moral ascética (VP<br />

§146).<br />

Todavia, a criação ascética não termina no “Não” que ele diz à sua animalida<strong>de</strong> doente<br />

e com esta à sua corporeida<strong>de</strong>, à vida, enfim a tudo aquilo a que essa animalida<strong>de</strong> pertence,<br />

como a “natureza”, o “mundo”, e toda esfera do vir a ser e da transitorieda<strong>de</strong> (GM III §11).<br />

De acordo com o filósofo – e, assim, aproximamo-nos <strong>de</strong>finitivamente do i<strong>de</strong>al, da criação<br />

ascética –, esse Não que o asceta diz a si, “ele o projeta para fora <strong>de</strong> si, como um Sim,<br />

como algo existente, corpóreo, real, como Deus, como santida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus” (GM II §22). O<br />

72 Talvez, essas consi<strong>de</strong>rações sugiram que o asceta aí seja exclusivamente o sacerdote cristão. De fato, para<br />

o filósofo, o cristianismo seria a maior expressão do ascetismo, da doença que esse representa, mas, como<br />

ele mesmo, afirma, “[o] ascetismo não é especifico do cristianismo” (VP §174).<br />

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