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moralidade, civilização e decadência - Programa de Pós ...

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elação dos indivíduos entre si estavam postas, então, sob os parâmetros da relação<br />

credor/<strong>de</strong>vedor. Em se tratando da medida da pré-história, ao menos tal como Nietzsche a<br />

concebe, po<strong>de</strong>mos imaginar os graves castigos que advinham da não quitação da dívida.<br />

No que se refere à comunida<strong>de</strong>, como não é difícil supor, aquele que quebrasse o contrato<br />

com ela, o criminoso, tinha o castigo <strong>de</strong> voltar a ocupar o lugar do inimigo odiado:<br />

101<br />

A ira do credor prejudicado, a comunida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>volve ao estado selvagem<br />

e fora-da-lei do qual ele foi até então protegido: afasta-o <strong>de</strong> si – toda<br />

espécie <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá então se abater sobre ele. O “castigo”, nesse<br />

nível <strong>de</strong> costumes, é simplesmente a cópia, mimus [reprodução] do<br />

comportamento normal perante o inimigo odiado, <strong>de</strong>sarmado, prostrado,<br />

que per<strong>de</strong>u não só qualquer direito e proteção, mas também qualquer<br />

esperança <strong>de</strong> graça (GM II §9).<br />

No que se refere à relação entre indivíduos, a cruelda<strong>de</strong> mesma não era menor, apesar <strong>de</strong><br />

que nesse caso o inadimplente não era exatamente banido da comunida<strong>de</strong>. Tal como afirma<br />

Derek Hillard, na comunida<strong>de</strong> primitiva <strong>de</strong> Nietzsche, dizer “eu tenho um direito” significa<br />

o mesmo que “eu negocio, portanto eu tenho um direito” (HILLARD, 2002, p.44).<br />

O <strong>de</strong>vedor arcaico, “para infundir confiança em sua promessa <strong>de</strong> restituição”, bem<br />

como “para reforçar na sua consciência a restituição como <strong>de</strong>ver e obrigação [...] empenha<br />

ao credor, para o caso <strong>de</strong> não pagar, algo que ainda 'possua', sobre o qual ainda tenha<br />

po<strong>de</strong>r, como seu corpo, sua mulher, sua liberda<strong>de</strong> ou mesmo sua vida”. Nesse sentido, era<br />

possibilitado ao credor infligir sobre o corpo do <strong>de</strong>vedor inadimplente “toda sorte <strong>de</strong><br />

humilhações e torturas, como por exemplo, cortar tanto quanto parecesse proporcional ao<br />

tamanho da dívida” (GM II §5). Quando Nietzsche questiona <strong>de</strong> on<strong>de</strong> viria essa<br />

equivalência entre dano e dor, ele entra na seara do prazer da cruelda<strong>de</strong> como algo inerente<br />

ao homem:<br />

A equivalência está em substituir uma vantagem diretamente relacionada<br />

ao dano (uma compensação em dinheiro, terras, bens <strong>de</strong> algum tipo) por<br />

uma espécie <strong>de</strong> satisfação íntima, concedida ao credor como reparação da<br />

recompensa – a satisfação <strong>de</strong> quem po<strong>de</strong> livremente <strong>de</strong>scarregar seu<br />

po<strong>de</strong>r sobre um impotente, a volúpia em “faire le mal pour plaisir <strong>de</strong> le<br />

faire”, o prazer <strong>de</strong> ultrajar [...] A compensação consiste, portanto, em um<br />

convite e um direito á cruelda<strong>de</strong>. (i<strong>de</strong>m)<br />

De acordo com o filósofo, se o sofrimento veio a ser compensação para a “dívida”,<br />

isso se <strong>de</strong>u na medida em que fazer sofrer era altamente gratificante, na medida em que o<br />

prejudicado trocava o dano, e o <strong>de</strong>sprazer pelo dano, por um extraordinário contraprazer.

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