11.04.2013 Views

DOWNLOAD Edição completa Baixe a versão original da

DOWNLOAD Edição completa Baixe a versão original da

DOWNLOAD Edição completa Baixe a versão original da

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

protesto, era um retrato do Brasil pisoteado pelas grandes<br />

fortunas e por seu próprio governo. “Não podemos<br />

aceitar a dicotomia entre evangelização e promoção<br />

humana”, escreveu. As pressões sobre os padres <strong>da</strong><br />

Prelazia, que já eram muitas – Dom Pedro e seus companheiros<br />

eram chamados de “subversivos”, “comunistas”<br />

e “estrangeiros” – aumentaram. Além <strong>da</strong>s ameaças<br />

de morte, vieram as de expulsão do País. Não<br />

conseguiram, porém, mu<strong>da</strong>r a rota do trabalho.<br />

Em 1975, Dom Pedro liderou o movimento pela<br />

criação <strong>da</strong> Comissão Pastoral <strong>da</strong> Terra (CPT), hoje um<br />

dos principais instrumentos <strong>da</strong> Igreja no Brasil para<br />

defesa <strong>da</strong> terra e seus trabalhadores. Três anos antes,<br />

participara <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção do Conselho Indigenista Missionário<br />

(CIMI), em resposta à intenção do Estado de<br />

tentar integrar indígenas à socie<strong>da</strong>de majoritária como<br />

única alternativa: na região vivem os Karajás, a nação<br />

Tapirapé e os Xavantes, compreendendo metade<br />

do Parque Indígena do Xingu. Em to<strong>da</strong>s essas déca<strong>da</strong>s,<br />

a região <strong>da</strong> Prelazia construiu uma história de coragem<br />

e obstinação. Além de denunciar desmandos locais<br />

e <strong>da</strong> ditadura no País, leigos e religiosos arregaçaram<br />

as mangas para criar uma infra-estrutura<br />

que simplesmente não existia para<br />

aqueles brasileiros. Foram feitas escolas,<br />

promovidos mutirões para construção<br />

de casas e propiciado o acesso à assistência<br />

médica.<br />

Poesia libertadora<br />

“Tenho menos paz que ira, tenho<br />

mais amor que paz”, diz um dos<br />

versos de Dom Pedro no poema<br />

Me chamaram Subversivo. É na<br />

poesia que o religioso encontra<br />

também caminho para cantar a esperança<br />

ou decantar sua santa ira<br />

em prol <strong>da</strong> justiça. Um dos mais<br />

belos trabalhos com sua participação<br />

é Missa dos Quilombos,<br />

disco gravado por Milton Nascimento<br />

em que Dom Pedro,<br />

Pedro Tierra e Dom Helder<br />

Câmara resgatam a cultura<br />

negra e seus líderes, culminando<br />

no belo Invocação à<br />

Mariama, deste último:<br />

“Basta de alguns tendo que<br />

vomitar para comer mais e<br />

50 milhões morrendo de fome<br />

num só ano/Basta de uns com<br />

empresas se derramando pelo mundo<br />

todo e milhões sem um canto onde<br />

ganhar o pão de ca<strong>da</strong> dia”, prega um dos<br />

trechos, lembrando ain<strong>da</strong> que não é suficiente à<br />

Igreja pedir perdão pelos erros passados: é preciso<br />

acertar o passo no presente.<br />

Por essas e outras, Dom Pedro Casaldáliga estava<br />

no time dos religiosos <strong>da</strong> Teologia <strong>da</strong> Libertação que<br />

acabou criticado e até punido pela Igreja: um de seus<br />

interrogadores foi o atual papa, então cardeal Joseph<br />

Ratzinger, que o inquiriu sobre sua atuação, a própria<br />

Missa dos Quilombos, suas visitas à Nicarágua....<br />

“Eu me negava a fazer a visita a Roma que os bispos<br />

devem fazer a ca<strong>da</strong> cinco anos (...). Não ia porque<br />

não concor<strong>da</strong>va com o modo como os bispos<br />

eram recebidos. Não havia diálogo. Nós escutávamos,<br />

fazíamos uma foto e ficava por isso. O que a<br />

gente pede é a comunicação. Eles reclamaram. Eu escrevi<br />

uma carta ao papa, explicando, e com muitas<br />

reivindicações, a respeito do sacerdócio, <strong>da</strong> participação<br />

<strong>da</strong> mulher... Passei por longo interrogatório”,<br />

relatou. Recentemente, ao ser questionado sobre suas<br />

esperanças com a escolha de Ratzinger como Papa,<br />

Dom Pedro não se abalou: lembrou que passa bispo,<br />

passa papa, passa príncipe, passa rei e a luta pelos<br />

mais humildes prossegue. “Devemos continuar<br />

com muita esperança, relativizando o que é relativo.<br />

E não desanimar por na<strong>da</strong>”.<br />

Na última missa de Finados que celebrou, ano passado,<br />

Dom Pedro disse que quer ser enterrado no<br />

velho cemitério de São Félix do Araguaia, ao lado do<br />

rio, na terra de tantos conflitos que o recebeu (ain<strong>da</strong><br />

hoje a CPT denuncia ali casos de trabalho escravo)<br />

e cujo povo soube conquistar. Quando anunciou<br />

a aposentadoria, aos 75 anos, sonhava seguir para a<br />

África, mas a saúde é frágil: Dom Pedro já pegou<br />

malária oito vezes, tem pressão alta e doença de Parkinson.<br />

Além disso, sua sucessão deixou apreensiva<br />

a população local – ele só ficaria se o novo bispo seguisse<br />

apoiando posseiros, peões e índios, e as informações<br />

que chegaram à Prelazia era de que Roma<br />

queria que ele se afastasse para não criar constrangimentos.<br />

Frei Leonardo Ulrich Steiner, que assumiu<br />

no último 1º de maio, pôs fim ao impasse ao declarar<br />

que Dom Pedro é bem-vindo.<br />

O novo bispo de São Félix é primo-irmão do cardeal<br />

emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns<br />

que, para ordená-lo, em abril passado, obteve licença<br />

especial de seu médico para viajar (está se recuperando<br />

de um infarto). Na avaliação de Dom Paulo,<br />

“Dom Pedro Casaldáliga, muito admirado pelo<br />

povo pobre e pelos indígenas, foi muitas vezes mal<br />

compreendido pela imprensa e até por alguns bispos,<br />

seus colegas. Admiro-o como homem corajoso<br />

e defensor dos oprimidos, atitudes que sempre desenvolveu<br />

de forma ao mesmo tempo muito humana,<br />

eficiente e até por vezes poética”, afirmou o cardeal<br />

à RdB. Essas mesmas quali<strong>da</strong>des são exalta<strong>da</strong>s<br />

por Frei Betto. “Há no Brasil um santo e herói: Pedro<br />

María Casaldáliga. Santo por sua fideli<strong>da</strong>de radical<br />

(no sentido etimológico de ir às raízes) ao Evangelho,<br />

e herói pelos riscos de vi<strong>da</strong> enfrentados e as<br />

adversi<strong>da</strong>des sofri<strong>da</strong>s”, aponta.<br />

O que Pedro deve fazer agora que a sucessão se<br />

consumou talvez seja incógnita também para ele.<br />

Procurado pela RdB, declinou <strong>da</strong> entrevista alegando<br />

os vários compromissos do período, não sem antes<br />

man<strong>da</strong>r seu “abraço a todos os bancários/as” e<br />

celebrar a categoria: “Vocês são a profecia no meio<br />

<strong>da</strong> estrutura econômica do pecado...”, destacou, via<br />

e-mail. Duvi<strong>da</strong>-se, porém, que Dom Pedro tenha em<br />

mente a possibili<strong>da</strong>de de enfim, mereci<strong>da</strong>mente, descansar:<br />

“Me chamaram subversivo, e lhes direi: eu<br />

sou. Por meu povo em luta, vivo; Com meu povo,<br />

em marcha, vou”, atesta em seu belo poema. ❚<br />

REAÇÃO<br />

POPULAR<br />

ORIGINOU<br />

TEMPLO<br />

Foi nos anos 70 que<br />

Dom Pedro presenciou<br />

o assassinato do padre<br />

João Bosco Penido Burnier,<br />

que com ele fora à<br />

delegacia socorrer duas<br />

sertanejas que estavam<br />

sendo tortura<strong>da</strong>s. Quatro<br />

policiais militares interpelaram<br />

os religiosos,<br />

o padre acabou<br />

agredido e levou um tiro<br />

na cabeça. Após a<br />

missa de sétimo dia, a<br />

população caminhou<br />

até a cadeia e destruiu<br />

o prédio. No lugar fincaram<br />

uma cruz, que<br />

mais tarde deu origem<br />

ao belo santuário dos<br />

mártires. “Era a cruz <strong>da</strong><br />

libertação no lugar <strong>da</strong><br />

cadeia do cativeiro”,<br />

afirmou Dom Pedro na<br />

celebração <strong>da</strong> Romaria<br />

dos Mártires <strong>da</strong> Caminha<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> América Latina,<br />

em 2001, ao lembrar<br />

os 25 anos <strong>da</strong> morte do<br />

amigo.<br />

REVISTA DOS BANCÁRIOS | 25

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!