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Acho que<br />
o grupo que<br />
chegou ao<br />
governo<br />
realmente<br />
não chegou<br />
ao poder.<br />
Nesse ponto<br />
acho que o<br />
Frei Betto<br />
tem to<strong>da</strong> a<br />
razão. O PT<br />
chegou ao<br />
governo, mas<br />
não chegou<br />
ao poder<br />
12 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
contas; digo mais, é uma prestação de contas de todos<br />
que exercem o poder e meios efetivos para eventuais<br />
sanções ou punições para aqueles que desvirtuaram<br />
ou abusaram do poder concedido pelo povo.<br />
Não podemos dizer que temos isso hoje, pois há<br />
enormes dificul<strong>da</strong>des de estabelecer mecanismos efetivos<br />
para tais prestações de contas e eventuais sanções<br />
e não temos mecanismos de participação popular<br />
efetiva.<br />
RdB – Há momentos de mais ou menos liber<strong>da</strong>de<br />
política na história do Brasil, mas parece<br />
que o País não consegue sair do fosso social. O<br />
que acontece?<br />
Maria Victoria – A liber<strong>da</strong>de sozinha não ameaça<br />
necessariamente interesses poderosos numa socie<strong>da</strong>de,<br />
a não ser em períodos ditatoriais. Em períodos<br />
de democracia formal (que é muito importante), em<br />
que todos somos livres, temos liber<strong>da</strong>de de expressão,<br />
de ir e vir, de associação, mas isso pode não<br />
ameaçar privilégios. O que ameaça é a idéia de igual<strong>da</strong>de,<br />
porque como os bens são escassos, as diferenças<br />
de origens socioeconômicas num país como o<br />
nosso são abissais, o Estado tem de prover a garantia<br />
desses direitos econômicos, sociais e culturais. Como<br />
o Estado não é criador de recursos, esses recursos<br />
têm de vir <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, tem de haver desconcentração<br />
de ren<strong>da</strong>, repartição, distribuição para que<br />
esses direitos sejam minimamente garantidos. Isso é<br />
uma ver<strong>da</strong>deira revolução num país em que aqueles<br />
que estão no topo <strong>da</strong> pirâmide não querem abrir<br />
mão de privilégios.<br />
RdB – É mais fácil o Estado brasileiro conseguir<br />
enfrentar esses interesses ou esses interesses<br />
derrubarem o governo antes?<br />
Maria Victoria – Esse é o grande problema que se<br />
discute hoje quando pela primeira vez conseguimos<br />
eleger um candi<strong>da</strong>to que vem de um partido de esquer<strong>da</strong>,<br />
com história de lutas operárias, sindicais. E<br />
que a meu ver se revela tímido em relação a enfrentar<br />
justamente esses poderes do grande capital. Mas<br />
quando então vamos fazer isso? Como diz o aforismo<br />
do keynesianismo, a longo prazo estaremos todos<br />
mortos, então vamos sacrificar quantas gerações<br />
ain<strong>da</strong> para que possamos ter um sistema minimamente<br />
social-democrata? Não falo nem em socialismo,<br />
mas em algo que realmente enfrente a brutal<br />
concentração de ren<strong>da</strong>, a grande chaga de um país<br />
como o nosso.<br />
RdB – A que a senhora atribui essa “timidez”?<br />
Maria Victoria – Acho que o grupo que chegou ao<br />
governo realmente não chegou ao poder. Nesse ponto<br />
acho que o Frei Betto tem to<strong>da</strong> a razão. O PT<br />
chegou ao governo, mas não chegou ao poder. Havia<br />
uma expectativa muito diferente do que é o sistema<br />
de poder real no Brasil. Havia uma crença de<br />
que como o presidente eleito vinha legitimado com<br />
milhões de votos e apoio de importantes organizações<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil teria mais condições de enfrentar<br />
essa elite oligárquica e superpoderosa. Mas<br />
não foi o que ocorreu. O que eles encontraram foi<br />
muito maior e difícil que qualquer análise pessimista<br />
previa antes. E veja bem que o Lula sempre se<br />
vangloriou de conhecer muito bem o Brasil. Ele podia<br />
conhecer muito bem o lado <strong>da</strong> pobreza, o que é<br />
muito importante, mas ele não conhecia bem o que<br />
é efetivamente o lado <strong>da</strong> riqueza.<br />
RdB – A senhora consegue fazer alguma distinção<br />
entre o governo FHC e o de Lula?<br />
Maria Victoria – Sim. Acho que sem dúvi<strong>da</strong> alguma<br />
este governo (Lula) é superior em vários aspectos.<br />
Por exemplo, acho que as relações com o MST,<br />
na reforma agrária, a atuação do ministro Rosseto,<br />
são muito mais volta<strong>da</strong>s para nossas aspirações democráticas.<br />
O relacionamento, em geral, deste governo<br />
com os movimentos sociais, a mesma coisa.<br />
Vale lembrar que Fernando Henrique logo no começo<br />
quebrou a espinha dorsal do movimento sindical<br />
com a greve dos petroleiros. E outra coisa também,<br />
que acho muito difícil avaliar, porque o governo<br />
FHC foi muito protegido por to<strong>da</strong> a mídia. Então<br />
não sabemos nem metade <strong>da</strong> missa. Sobre o governo<br />
Lula, a mídia não dá um segundo de descanso,<br />
tudo está absolutamente escancarado. Então, sob<br />
certos aspectos, como a corrupção, aumenta a visibili<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> corrupção, não necessariamente o tamanho<br />
<strong>da</strong> corrupção.<br />
Esse governo, sem dúvi<strong>da</strong> é melhor. E digo mais,<br />
ele é melhor mais pelo que promete <strong>da</strong>qui para frente<br />
do que pelo que foi feito até agora. Eu, pelo menos,<br />
quero me agarrar a essa esperança. O que temos<br />
ouvido é que até agora foi o momento de tomar<br />
conhecimento, de arrumação, de resolver problemas<br />
complicadíssimos na parte econômica, os<br />
contratos internacionais... Fico muito aflita quando<br />
dizem: “vocês não sabem o tipo de contrato que o<br />
Fernando Henrique nos deixou”... Pois é, mas dois<br />
anos se passaram, então quero acreditar que o acúmulo<br />
desses dois anos signifique uma melhora substancial<br />
do governo.<br />
RdB – Falando <strong>da</strong> imprensa, a senhora há pouco<br />
sofreu ataques de uma revista liga<strong>da</strong> ao PSDB<br />
(Primeira Leitura), porque como membro de uma<br />
comissão de ética do governo federal teria dito à<br />
época em que se denunciou a utilização do Palácio<br />
do Planalto por amigos do filho do presidente<br />
que isso não era atinente à comissão?<br />
Maria Victoria – Essa comissão tem um código de<br />
ética para a alta administração federal, isso abrange<br />
cerca de 800 pessoas, a começar pelos ministros. Todos<br />
os ministros, todos os presidentes de autarquias,<br />
direções que seriam considera<strong>da</strong>s de primeiro escalão<br />
em vários Estados. Nós não nos ocupamos do<br />
Legislativo, que tem sua comissão de ética própria,<br />
nem do Judiciário. Essa comissão é estritamente do<br />
Poder Executivo, de ministro para baixo. Essa matéria<br />
<strong>da</strong> Primeira Leitura, que não vi porque não leio<br />
essa revista, mas quem viu me mandou, ela saiu apenas<br />
on-line e era uma matéria muito desinforma<strong>da</strong><br />
e maldosa. Quanto a ser maldosa, estou pouco ligando,<br />
mas ser desinforma<strong>da</strong> é que acho grave. Porque<br />
interpretava o que eu falei sobre a instância própria