JAILTON GARCIA REVISTA DOS BANCÁRIOS | 11
Acho que o grupo que chegou ao governo realmente não chegou ao poder. Nesse ponto acho que o Frei Betto tem to<strong>da</strong> a razão. O PT chegou ao governo, mas não chegou ao poder 12 | REVISTA DOS BANCÁRIOS contas; digo mais, é uma prestação de contas de todos que exercem o poder e meios efetivos para eventuais sanções ou punições para aqueles que desvirtuaram ou abusaram do poder concedido pelo povo. Não podemos dizer que temos isso hoje, pois há enormes dificul<strong>da</strong>des de estabelecer mecanismos efetivos para tais prestações de contas e eventuais sanções e não temos mecanismos de participação popular efetiva. RdB – Há momentos de mais ou menos liber<strong>da</strong>de política na história do Brasil, mas parece que o País não consegue sair do fosso social. O que acontece? Maria Victoria – A liber<strong>da</strong>de sozinha não ameaça necessariamente interesses poderosos numa socie<strong>da</strong>de, a não ser em períodos ditatoriais. Em períodos de democracia formal (que é muito importante), em que todos somos livres, temos liber<strong>da</strong>de de expressão, de ir e vir, de associação, mas isso pode não ameaçar privilégios. O que ameaça é a idéia de igual<strong>da</strong>de, porque como os bens são escassos, as diferenças de origens socioeconômicas num país como o nosso são abissais, o Estado tem de prover a garantia desses direitos econômicos, sociais e culturais. Como o Estado não é criador de recursos, esses recursos têm de vir <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, tem de haver desconcentração de ren<strong>da</strong>, repartição, distribuição para que esses direitos sejam minimamente garantidos. Isso é uma ver<strong>da</strong>deira revolução num país em que aqueles que estão no topo <strong>da</strong> pirâmide não querem abrir mão de privilégios. RdB – É mais fácil o Estado brasileiro conseguir enfrentar esses interesses ou esses interesses derrubarem o governo antes? Maria Victoria – Esse é o grande problema que se discute hoje quando pela primeira vez conseguimos eleger um candi<strong>da</strong>to que vem de um partido de esquer<strong>da</strong>, com história de lutas operárias, sindicais. E que a meu ver se revela tímido em relação a enfrentar justamente esses poderes do grande capital. Mas quando então vamos fazer isso? Como diz o aforismo do keynesianismo, a longo prazo estaremos todos mortos, então vamos sacrificar quantas gerações ain<strong>da</strong> para que possamos ter um sistema minimamente social-democrata? Não falo nem em socialismo, mas em algo que realmente enfrente a brutal concentração de ren<strong>da</strong>, a grande chaga de um país como o nosso. RdB – A que a senhora atribui essa “timidez”? Maria Victoria – Acho que o grupo que chegou ao governo realmente não chegou ao poder. Nesse ponto acho que o Frei Betto tem to<strong>da</strong> a razão. O PT chegou ao governo, mas não chegou ao poder. Havia uma expectativa muito diferente do que é o sistema de poder real no Brasil. Havia uma crença de que como o presidente eleito vinha legitimado com milhões de votos e apoio de importantes organizações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil teria mais condições de enfrentar essa elite oligárquica e superpoderosa. Mas não foi o que ocorreu. O que eles encontraram foi muito maior e difícil que qualquer análise pessimista previa antes. E veja bem que o Lula sempre se vangloriou de conhecer muito bem o Brasil. Ele podia conhecer muito bem o lado <strong>da</strong> pobreza, o que é muito importante, mas ele não conhecia bem o que é efetivamente o lado <strong>da</strong> riqueza. RdB – A senhora consegue fazer alguma distinção entre o governo FHC e o de Lula? Maria Victoria – Sim. Acho que sem dúvi<strong>da</strong> alguma este governo (Lula) é superior em vários aspectos. Por exemplo, acho que as relações com o MST, na reforma agrária, a atuação do ministro Rosseto, são muito mais volta<strong>da</strong>s para nossas aspirações democráticas. O relacionamento, em geral, deste governo com os movimentos sociais, a mesma coisa. Vale lembrar que Fernando Henrique logo no começo quebrou a espinha dorsal do movimento sindical com a greve dos petroleiros. E outra coisa também, que acho muito difícil avaliar, porque o governo FHC foi muito protegido por to<strong>da</strong> a mídia. Então não sabemos nem metade <strong>da</strong> missa. Sobre o governo Lula, a mídia não dá um segundo de descanso, tudo está absolutamente escancarado. Então, sob certos aspectos, como a corrupção, aumenta a visibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> corrupção, não necessariamente o tamanho <strong>da</strong> corrupção. Esse governo, sem dúvi<strong>da</strong> é melhor. E digo mais, ele é melhor mais pelo que promete <strong>da</strong>qui para frente do que pelo que foi feito até agora. Eu, pelo menos, quero me agarrar a essa esperança. O que temos ouvido é que até agora foi o momento de tomar conhecimento, de arrumação, de resolver problemas complicadíssimos na parte econômica, os contratos internacionais... Fico muito aflita quando dizem: “vocês não sabem o tipo de contrato que o Fernando Henrique nos deixou”... Pois é, mas dois anos se passaram, então quero acreditar que o acúmulo desses dois anos signifique uma melhora substancial do governo. RdB – Falando <strong>da</strong> imprensa, a senhora há pouco sofreu ataques de uma revista liga<strong>da</strong> ao PSDB (Primeira Leitura), porque como membro de uma comissão de ética do governo federal teria dito à época em que se denunciou a utilização do Palácio do Planalto por amigos do filho do presidente que isso não era atinente à comissão? Maria Victoria – Essa comissão tem um código de ética para a alta administração federal, isso abrange cerca de 800 pessoas, a começar pelos ministros. Todos os ministros, todos os presidentes de autarquias, direções que seriam considera<strong>da</strong>s de primeiro escalão em vários Estados. Nós não nos ocupamos do Legislativo, que tem sua comissão de ética própria, nem do Judiciário. Essa comissão é estritamente do Poder Executivo, de ministro para baixo. Essa matéria <strong>da</strong> Primeira Leitura, que não vi porque não leio essa revista, mas quem viu me mandou, ela saiu apenas on-line e era uma matéria muito desinforma<strong>da</strong> e maldosa. Quanto a ser maldosa, estou pouco ligando, mas ser desinforma<strong>da</strong> é que acho grave. Porque interpretava o que eu falei sobre a instância própria