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MÍDIA FALIDA<br />
DEPENDENTE DE<br />
VERBAS PUBLICITÁRIAS<br />
E CHEIA DE DÍVIDAS,<br />
A IMPRENSA PÕE A<br />
VERDADE À VENDA<br />
DOR NO BOLSO<br />
EMPRESAS CAUSADORAS<br />
DE AFASTAMENTO POR<br />
DOENÇA TÊM DE PAGAR<br />
MAIS AO INSS<br />
DOM QUIXOTE<br />
CLÁSSICO DE CERVANTES<br />
TEM EXEMPLARES RAROS<br />
EM SÃO PAULO<br />
CONSUMA<br />
SEM SER<br />
CONSUMIDO<br />
Responsabili<strong>da</strong>de na hora de<br />
comprar faz bem para a saúde<br />
ambiental e social do planeta<br />
nº 104 | junho de 2005<br />
Eliana Tiezzi,<br />
do Projeto Papel<br />
de Gente
Publicação mensal do Sindicato dos<br />
Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e<br />
Região – Rua São Bento, 413, Centro, São Paulo,<br />
CEP 01011-100, ☎ (11) 3188-5200.<br />
www.spbancarios.com.br<br />
Telefones<br />
Sede: 3188-5200. Oeste: 3814-2583. Norte: 6979-7720.<br />
Leste: 6191-0494. Sul: 5641-6733. Paulista: 3284-7873.<br />
Osasco: 3682-3060. Centro: 3188-5295<br />
Presidente<br />
Luiz Cláudio Marcolino<br />
Diretor de Imprensa<br />
Walcir Previtale Bruno<br />
Diretoria<br />
Adriana Oliveira Magalhães, Aladim Takeyoshi Iastani,<br />
Ana Maria Érnica, Ana Paula <strong>da</strong> Silva, Ana Tércia<br />
Sanches, André Luis Rodrigues, Antônio Inácio Pereira<br />
Junior, Antonio Romano Ferrari, Antonio Saboia Barros<br />
Junior, Antonio Sérgio Ferreira Godinho, Camilo<br />
Fernandes dos Santos, Carlos Miguel Barreto<br />
Damarindo, Clarice Torquato Gomes <strong>da</strong> Silva, Cláudio<br />
Gerstner, Cleuza Rosa <strong>da</strong> Silva, Daniel Santos Reis,<br />
Deise Teixeira Lessa, Deyvid Leite, Dirceu Travesso,<br />
Edison José de Oliveira, Edria Neves Barbieri, Edson<br />
Carneiro <strong>da</strong> Silva, Edvaldo Rodrigues <strong>da</strong> Silva, Elaine<br />
Cutis Gonçalves, Elias Cardoso de Morais, Ezequiel<br />
Bigato, Flávio Monteiro Moraes, Genésio dos Santos<br />
Ferreira, Ivone Maria <strong>da</strong> Silva, Jackeline Machado,<br />
Jackson José Ramos de Lima, Jair Alves dos Santos,<br />
João de Oliveira, João Paulo <strong>da</strong> Silva, José Carlos<br />
Alonso Gonçalves, João Vaccari Neto, José Fernando<br />
Dias Parreira, José Osmar Boldo, José Ricardo<br />
Sasseron, Jozivaldo <strong>da</strong> Costa Ximenes, Juarez<br />
Aparecido <strong>da</strong> Silva, Juvandia Moreira Leite, Luiz<br />
Campestrin, Manoel Castaño Blanco, Marcelo Defani,<br />
Marcelo Gonçalves, Marcelo Peixoto de Araújo,<br />
Marcelo Pereira de Sá, Marcio Benedito Monzane,<br />
Marco Antonio dos Santos, Marcos Antonio do Amaral,<br />
Marcos Benedito <strong>da</strong> Silva, Marcos Roberto Leal Braga,<br />
Maria Apareci<strong>da</strong> Antero Correia, Maria Cristina Castro,<br />
Maria Cristina Corral, Maria do Carmo Ferreira Lellis,<br />
Maria Helena Francisco dos Santos, Neiva Maria<br />
Ribeiro dos Santos, Nelson Ezidio Bião <strong>da</strong> Silva,<br />
Nelson Luis <strong>da</strong> Silva Nascimento, Onísio Paulo<br />
Machado, Paulo Rogério Cavalcante Alves, Plínio<br />
José Pavão de Carvalho, Rafael Vieira de Matos,<br />
Raimundo Nonato Dantas de Oliveira, Reginaldo<br />
Batista <strong>da</strong> Silva, Reginaldo do Nascimento Filho,<br />
Ricardo Correa dos Santos, Rita de Cassia Berlofa,<br />
Rosana Rosa Pereira, Sandra Regina Vieira <strong>da</strong> Silva,<br />
Sérgio Francisco <strong>da</strong> Silva, Sérgio Koei Ikehara, Silvio<br />
Góis de Lima (in memorian), Tania Teixeira Balbino,<br />
Ubiratan Abon<strong>da</strong>nza Kuhlmann, Vagner Freitas de<br />
Moraes, Valdemar de Souza Pinheiro, Valdir Fernandes,<br />
Vera Lucia Marchioni, Washington Batista Farias,<br />
William Mendes de Oliveira, Wilson Aparecido Ribeiro.<br />
Honorários: Deli Soares Pereira, Maria <strong>da</strong> Glória Abdo,<br />
Sérgio Ricardo <strong>da</strong> Silva Rosa.<br />
Editores<br />
Maria Angélica Ferrasoli - MTb 17.299<br />
Vander Fornazieri - MTb 20.301<br />
Impressão<br />
Bangraf ☎ (11) 6947-0265<br />
Capa<br />
Foto de Paulo Pepe<br />
Tiragem<br />
100 mil exemplares. Distribuição domiciliar<br />
gratuita aos associados<br />
PAULO PEPE<br />
CARTAAOLEITOR<br />
NÃO HÁ<br />
PLANETA QUE<br />
AGÜENTE<br />
Mantidos os<br />
atuais níveis<br />
de consumo,<br />
a Terra terá<br />
seus recursos<br />
naturais<br />
exploráveis<br />
exauridos<br />
em 2050<br />
Há um novíssimo termo politicamente correto surgindo entre a turma<br />
que tem na ecologia sua principal bandeira de luta. Dessa vez,<br />
promete mexer com muita gente e interesses, já que o “consumo<br />
consciente” – ou responsável – pode fazer a diferença entre um<br />
planeta ain<strong>da</strong> cheio de vitali<strong>da</strong>de e recursos exploráveis a uma Terra sem<br />
chances de recuperação.<br />
Cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> Terra e de seus habitantes, em especial <strong>da</strong>queles mais desprovidos,<br />
também tem sido a missão de Dom Pedro Casaldáliga, por mais<br />
de três déca<strong>da</strong>s bispo de São Félix do Araguaia e que, se agora chega à<br />
aposentadoria, ain<strong>da</strong> parece ter muito a oferecer a seu povo. A rede de<br />
soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de sempre pode ir além: é o que mostram as Tricoteiras de Sampa,<br />
grupo plugado na internet que, embora tenha no lazer seu principal<br />
objetivo, move agulhas e lãs para tornar este inverno menos gelado a idosos<br />
carentes de São Paulo.<br />
A ci<strong>da</strong>de que tem o maior laboratório de criminalística do País, que produz<br />
na<strong>da</strong> menos que meio milhão de laudos por ano, também guar<strong>da</strong> relíquias<br />
como as edições ilustra<strong>da</strong>s de Dom Quixote, de Cervantes, clássico<br />
que <strong>completa</strong> 400 anos. Todos esses temas integram esta edição <strong>da</strong><br />
RdB, que traz ain<strong>da</strong> São Luiz do Paraitinga, a terra do Saci; as considerações<br />
<strong>da</strong> socióloga Maria Victoria Benevides e o alerta de profissionais <strong>da</strong><br />
mídia à socie<strong>da</strong>de, denunciando uma ver<strong>da</strong>de bem pouco conheci<strong>da</strong>: aquela<br />
que trata dos objetivos <strong>da</strong>queles que são donos dos canais de informação<br />
no País.<br />
A diretoria<br />
revista@spbancarios.com.br<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 3
DESTAQUE<br />
BANCOOP RESTAURA SALÃO VERDE DO MARTINELLI<br />
A Cooperativa Habitacional<br />
dos Bancários, Bancoop,<br />
em parceria com o Sindicato,trabalha<br />
na restauração de<br />
parte do edifício Martinelli,<br />
patrimônio histórico e cultural<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Dentro de<br />
poucos meses, todo o teto do<br />
novo Centro de Formação<br />
dos Bancários (veja mais sobre<br />
a inauguração nesta seção)<br />
estará exatamente igual<br />
ao que era quando o prédio<br />
foi inaugurado, na déca<strong>da</strong> de<br />
30. “A Bancoop acredita na<br />
importância <strong>da</strong> preservação<br />
<strong>da</strong> história do País. Com esta<br />
parceria para o restauro do<br />
Martinelli, está contribuindo<br />
com a preservação de um<br />
monumento que pertence a<br />
to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de de São Paulo<br />
e que faz parte <strong>da</strong> história<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, além de exercer<br />
sua função social”, avalia<br />
o presidente <strong>da</strong> cooperativa,<br />
João Vaccari Neto.<br />
CONQUISTA NO FGTS<br />
Foram doze anos de luta e persistência,<br />
mas valeu a pena. O<br />
Sindicato conquistou neste último<br />
mês de maio, na Justiça, o<br />
direito de os bancários reaverem<br />
integralmente suas per<strong>da</strong>s do<br />
FGTS ocasiona<strong>da</strong>s pelos planos<br />
Verão (47,72%) e Collor<br />
(44,8%), a primeira em janeiro<br />
de 1989 e a outra em abril do<br />
ano seguinte. A aplicação dos<br />
percentuais, para quem era bancário<br />
em 28 de janeiro de 1993<br />
e possuía contas ativas à época<br />
dos expurgos, foi conquista<strong>da</strong><br />
em 16 de maio, quando foram<br />
acertados os últimos detalhes<br />
junto à Caixa Federal, que administra<br />
o FGTS. Para o presidente<br />
do Sindicato, Luiz Cláudio<br />
Marcolino, a vitória mostra que<br />
quando os trabalhadores estão<br />
organizados e persistem sempre<br />
há possibili<strong>da</strong>de de sucesso, mesmo<br />
nas situações mais adversas.<br />
Ele lembra que em 2001 foi feito<br />
o “acordão” entre FHC e algumas<br />
centrais sindicais (a CUT<br />
não participou) em que o desá-<br />
4 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
Artista trabalha na reconstituição <strong>da</strong>s pinturas do antigo Salão Verde, onde hoje está o Centro de Formação<br />
gio chegava a 15% e havia um<br />
parcelamento muito longo para<br />
pagamento. “Não concor<strong>da</strong>mos<br />
com o ‘acórdão’ e não desistimos<br />
<strong>da</strong> luta. Alertamos que manteríamos<br />
a nossa ação e deixamos<br />
os bancários livres para decidir<br />
se iriam ou não aderir. Paralelamente,<br />
mantivemos a pressão e,<br />
depois de várias reuniões na Justiça<br />
e na Caixa, finalmente conseguimos<br />
o repasse integral, sem<br />
deságio, e em uma única parcela.<br />
Foi um caminho escolhido<br />
não apenas por nós, mas também<br />
por outras enti<strong>da</strong>des sindicais<br />
e que, felizmente, obteve sucesso”,<br />
aponta.<br />
LUCRO X CONTRATAÇÃO<br />
Os bancos divulgaram no<br />
começo de maio seus balanços<br />
do primeiro trimestre do ano.<br />
Os lucros de empresas como<br />
Itaú e Bradesco, por exemplo,<br />
continuam estratosféricos. O<br />
do primeiro, de R$ 1,14 bilhão,<br />
representa crescimento de<br />
30% em relação a igual período<br />
de 2004. No Bradesco a ci-<br />
fra também ultrapassou o bilhão<br />
– mais precisamente R$<br />
1,2 bi, contra os R$ 608 milhões<br />
do primeiro trimestre do<br />
ano passado. Os resultados<br />
evidenciam a capaci<strong>da</strong>de e necessi<strong>da</strong>de<br />
de novas contratações,<br />
que o Sindicato já reivindica<br />
há vários meses dentro <strong>da</strong><br />
campanha Contratações Já.<br />
Várias ativi<strong>da</strong>des nesse sentido<br />
já foram e continuarão a<br />
ser realiza<strong>da</strong>s pela enti<strong>da</strong>de.<br />
Pelo menos um banco já atendeu<br />
à reivindicação, caso do<br />
Grupo Santander Banespa,<br />
que anunciou no final de maio<br />
que deverá abrir mil novos<br />
postos de trabalho nos próximos<br />
quatro meses. No Grupo<br />
Santander Banespa, uma <strong>da</strong>s<br />
ativi<strong>da</strong>des do Sindicato foi a<br />
carta-aberta que denunciou à<br />
população problemas como a<br />
terceirização e utilização indevi<strong>da</strong><br />
do trabalho dos estagiários,<br />
além <strong>da</strong> coleta de assinaturas<br />
em abaixo-assinado<br />
para protestar contra tal situação.<br />
JAILTON GARCIA<br />
CAIXA READMITE<br />
A Caixa Federal aprovou as<br />
regras para readmissão dos<br />
atingidos pelo RH008 que estão<br />
reintegrados por liminar<br />
ou sentença em primeiro grau<br />
e aqueles que vierem a ser beneficiados<br />
pelas ações ingressa<strong>da</strong>s<br />
até 1º de dezembro do<br />
ano passado. A conquista, no<br />
último 18 de maio, atinge 110<br />
empregados dos cerca de 270<br />
que ingressaram com ação judicial.<br />
Para ser beneficiado o<br />
empregado deverá assinar termo<br />
de acordo individual concor<strong>da</strong>ndo<br />
com o arquivamento<br />
<strong>da</strong> ação e terá garantidos os<br />
direitos trabalhistas retroativos<br />
à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> demissão, inclusive<br />
a contagem de tempo. A<br />
Caixa não vai pagar somente<br />
os valores relativos a salários<br />
do período não trabalhado. A<br />
RH 008 foi cria<strong>da</strong> no governo<br />
FHC para permitir a demissão<br />
de empregados sem justa causa.<br />
Acabou revoga<strong>da</strong> em 2003,<br />
atendendo reivindicação <strong>da</strong><br />
categoria.
REFORMA SINDICAL<br />
A 11ª Plenária <strong>da</strong> CUT, realiza<strong>da</strong><br />
entre os dias 11 e 13 de<br />
maio, aprovou a Proposta de<br />
Emen<strong>da</strong> Constitucional (PEC)<br />
<strong>da</strong> reforma sindical. Esta foi a<br />
principal deliberação do encontro,<br />
que reuniu 570 sindicalistas,<br />
de mais de 3.200 enti<strong>da</strong>des<br />
filia<strong>da</strong>s à Central.<br />
Os debates concluíram pela<br />
apresentação de medi<strong>da</strong>s à socie<strong>da</strong>de<br />
em um amplo processo<br />
de debate, para tentar aprofun<strong>da</strong>r<br />
a compreensão sobre<br />
ca<strong>da</strong> um dos pontos <strong>da</strong> reforma.<br />
O objetivo é unificar os trabalhadores<br />
para avanço <strong>da</strong>s lutas<br />
pelos seus direitos, norteando<br />
a tramitação <strong>da</strong> reforma sindical<br />
no Congresso Nacional.<br />
Entre estas medi<strong>da</strong>s está o reconhecimento<br />
<strong>da</strong>s centrais sindicais<br />
com liber<strong>da</strong>de na estrutura<br />
vertical (federações, confederações<br />
e centrais), a organização<br />
sindical por setores e<br />
ramos de ativi<strong>da</strong>de, o fim do<br />
imposto sindical, a organização<br />
nos locais de trabalho e outras.<br />
“A proposta de reforma sindical<br />
defini<strong>da</strong> na plenária <strong>da</strong> CUT<br />
resultou do esforço <strong>da</strong> maioria<br />
<strong>da</strong>s correntes de pensamento<br />
que a Central abriga, num processo<br />
democrático e maduro de<br />
negociação e discussão para<br />
viabilizar a reforma. Não é a<br />
proposta ideal, nem é aquela<br />
que foi <strong>original</strong>mente defendi<strong>da</strong><br />
pela CUT, mas representa<br />
um avanço significativo em relação<br />
à atual situação em que<br />
se encontra o sindicalismo no<br />
País”, pondera a secretária-geral<br />
do Sindicato, Juvandia Moreira.<br />
MEMÓRIA E LUTA<br />
Uma manifestação na Praça<br />
do Patriarca marcou os protestos<br />
e denúncias do Dia Internacional<br />
em Memória <strong>da</strong>s<br />
Vítimas de Acidente de Traba-<br />
82 ANOS BEM VIVIDOS<br />
O Sindicato comemorou<br />
seus 82 anos em grande estilo,<br />
com o lançamento de um<br />
novo site (www.spbancarios.com.br)<br />
e a inauguração<br />
de cibercafé com acesso gratuito<br />
aos associados. No novo<br />
endereço eletrônico, o bancário<br />
poderá se atualizar sobre<br />
as principais notícias relativas<br />
à categoria e também utilizar<br />
os diversos serviços oferecidos<br />
pela enti<strong>da</strong>de, além <strong>da</strong> leitura<br />
DIA DO TRABALHADOR<br />
Luiz Cláudio Marcolino no 1º de Maio <strong>da</strong> CUT, na Aveni<strong>da</strong> Paulista<br />
O Sindicato participou de<br />
duas manifestações para comemorar<br />
o 1º de Maio, Dia<br />
do Trabalhador. Uma delas,<br />
em Osasco, ocorreu no dia 30<br />
de abril, sábado, com a presença<br />
de diretores <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de,<br />
parlamentares e shows<br />
com cantores populares. A outra,<br />
maior, que reuniu 1 milhão<br />
de pessoas, aconteceu na<br />
Aveni<strong>da</strong> Paulista, junto aos demais<br />
sindicatos filiados à Cen-<br />
de suas publicações, como Folha<br />
Bancária e Revista dos Bancários.<br />
A festa de parabéns<br />
aconteceu no dia 15 de abril<br />
(a <strong>da</strong>ta correta do aniversário<br />
é 16 de abril, mas a comemoração<br />
foi antecipa<strong>da</strong> por causa<br />
do final de semana) e contou<br />
ain<strong>da</strong> com show do Quinteto<br />
em Branco e Preto no Café<br />
dos Bancários, outro espaço<br />
recentemente remodelado<br />
pela enti<strong>da</strong>de.<br />
tral Única dos Trabalhadores<br />
(CUT) e também marca<strong>da</strong><br />
pela presença de sindicalistas,<br />
políticos e artistas. Entre as<br />
principais bandeiras de luta <strong>da</strong><br />
categoria neste 1º de Maio, estava<br />
o respeito à jorna<strong>da</strong> de<br />
trabalho de seis horas. O direito,<br />
garantido na legislação,<br />
é ameaçado pela maioria <strong>da</strong>s<br />
instituições financeiras, que<br />
pressionam sempre para que<br />
o bancário trabalhe mais.<br />
lho e Doença Ocupacional (28<br />
de abril). Só em 2004 foram<br />
computados 2.558 novos casos<br />
de LER/Dort nos bancos Santander,<br />
Banespa, Bradesco,<br />
Caixa, HSBC, Itaú e Unibanco.<br />
O número representa um<br />
aumento de 65% dos casos se<br />
comparado ao ano 2000. Também<br />
no período subiu em<br />
69,91% o registro de doenças<br />
relaciona<strong>da</strong>s a transtornos<br />
mentais, segundo <strong>da</strong>dos do<br />
INSS. O final de abril marcou<br />
também uma importante vitória<br />
do Sindicato nessa área: o<br />
cancelamento <strong>da</strong> demissão de<br />
uma funcionária do Bradesco<br />
Ci<strong>da</strong>de de Deus que, em tratamento<br />
de transtornos mentais,<br />
havia sido demiti<strong>da</strong> pelo<br />
banco.<br />
NOVO CENTRO DE<br />
FORMAÇÃO<br />
O Sindicato inaugurou, no<br />
último dia 25 de abril, as novas<br />
instalações do Centro de<br />
Formação Profissional (CFP).<br />
Agora, o endereço do Centro,<br />
que oferece dezenas de opções<br />
em cursos com descontos para<br />
os sindicalizados e seus dependentes,<br />
é o mesmo <strong>da</strong> sede, no<br />
edifício Martinelli. Para adequação<br />
<strong>da</strong>s instalações foi realiza<strong>da</strong><br />
reforma que exigiu inclusive<br />
restauro, a cargo <strong>da</strong><br />
Bancoop (veja mais sobre o assunto<br />
em nota nesta seção). O<br />
CFP teve origem na déca<strong>da</strong> de<br />
90. Á época, o Sindicato era<br />
presidido por Ricardo Berzoini,<br />
tendo na secretaria de Formação<br />
o atual presidente, Luiz<br />
Cláudio Marcolino. Desde sua<br />
inauguração, em 11 de julho<br />
de1996, o CFP recebeu 11.604<br />
alunos em 37 cursos. Informações<br />
sobre os cursos em an<strong>da</strong>mento<br />
e formação de novas<br />
turmas, bem como horários e<br />
preços podem ser obti<strong>da</strong>s pelo<br />
telefone 3188-5200. ❚<br />
Cibercafé funciona de segun<strong>da</strong> a sexta no térreo do Martinelli<br />
JAILTON GARCIA<br />
JAILTON GARCIA<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 5
COMUNICACÃO ,<br />
QUANDO VERDADE<br />
TEM DONO<br />
Com a imprensa nas mãos de poucos,<br />
interesses financeiros se sobrepõem aos <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de; saí<strong>da</strong> aponta<strong>da</strong> é viabilizar veículos<br />
alternativos Por Renato Rovai<br />
Ao menos em tese há uma diferença fun<strong>da</strong>mental<br />
entre o dito “Quarto Poder”, a<br />
imprensa, e os outros três (Executivo, Legislativo,<br />
Judiciário) consagrados pelo filósofo<br />
iluminista Montesquieu em O Espírito<br />
<strong>da</strong>s Leis, de 1748. A lógica do poder<br />
midiático e o seu funcionamento estão atrelados<br />
a interesses privados, mesmo no caso dos veículos<br />
eletrônicos, cuja concessão é pública. Os proprietários<br />
dos meios de comunicação visam obter lucro e<br />
controle e, para alcançá-los, não têm hesitado em<br />
abrir mão de parte <strong>da</strong> credibili<strong>da</strong>de do seu produto.<br />
Exemplos dessa prática existem às pencas, e não são<br />
privilégios do Terceiro Mundo.<br />
No Brasil, o caso mais lembrado é o <strong>da</strong> edição feita<br />
pela Rede Globo do segundo debate entre os candi<strong>da</strong>tos<br />
à presidência Lula e Collor. Na Venezuela, recentemente<br />
os veículos de comunicação ignoraram o<br />
jornalismo para defender o golpe de Estado contra o<br />
presidente Hugo Chávez. E na terra que se auto-denomina<br />
como <strong>da</strong> “imprensa livre”, os Estados Unidos,<br />
um silêncio obsequioso <strong>da</strong> mídia sobre as falsas<br />
provas de armas químicas do Iraque garantiu a Bush<br />
apoio <strong>da</strong> opinião pública para atacar aquele país.<br />
Se o problema <strong>da</strong> promiscui<strong>da</strong>de midiática está no<br />
nascedouro, no fato de não se constituir em um espaço<br />
público, mas sim de defesa de interesses privados,<br />
qual seria então a solução para impedir que ela<br />
se fortaleça como instrumento autoritário? Atualmente<br />
é quase unanimi<strong>da</strong>de entre os estudiosos do<br />
tema (críticos ao atual modelo) que a saí<strong>da</strong> é a desconcentração<br />
de proprietários de veículos, garantindo<br />
parte desses canais comunicativos a enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de civil.<br />
Para que isso ocorra é importante <strong>da</strong>r concessões<br />
(no caso dos meios eletrônicos) a novos atores, mas<br />
não basta. É legítimo e necessário que o Estado apóie<br />
esses novos grupos, <strong>da</strong> mesma forma que faz com<br />
os grandes veículos comerciais. O raciocínio que vale<br />
é a mesmo que define a atual política do governo<br />
para a reforma agrária. Apenas assentar o semterra<br />
não garante sua sobrevivência. É preciso <strong>da</strong>r a<br />
ele condições para que possa produzir e sobreviver<br />
6 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
dela. Condições que os ruralistas têm, já que recebem<br />
diferentes linhas de crédito com juros subsidiados<br />
para financiar seus negócios.<br />
Na lógica <strong>da</strong> comunicação, entregar concessões a<br />
grupos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil ou a empresários de menor<br />
porte sem que lhes sejam <strong>da</strong><strong>da</strong>s condições de<br />
buscar recursos do Estado (que garantem boa parte<br />
<strong>da</strong> receita dos grandes veículos privados) é inviabilizá-los.<br />
Nem Rede Globo nem Editora Abril sobreviveriam<br />
sem qualquer publici<strong>da</strong>de do governo por<br />
mais de três meses, então como um veículo menor<br />
conseguiria? Para se ter idéia do que significa essa<br />
“forcinha” em cifras, é bom saber que os governos<br />
do Brasil são recordistas mundiais em investimentos<br />
de publici<strong>da</strong>de na mídia. Dos recursos obtidos pelos<br />
veículos para viabilizá-los, 7,13% do total vêm<br />
do setor público. Só do governo federal são 5,04%.<br />
E esses recursos são repassados, praticamente de forma<br />
integral, para os grandes veículos.<br />
Evidente que modificar essa situação encontra senões<br />
de diferentes segmentos e não só dos proprietários<br />
<strong>da</strong>s grandes mídias. João Cury, ex-diretor de<br />
conteúdo <strong>da</strong> América On Line no Brasil, sustenta<br />
que parte dos grupos alternativos “torcem os fatos<br />
porque são ideológicos demais”. E, de certa forma,<br />
por isso mesmo não têm credibili<strong>da</strong>de, não podendo<br />
ser considerados informativos. A editora <strong>da</strong> Agência<br />
Carta Maior (site de internet) e membro <strong>da</strong> coordenação<br />
executiva <strong>da</strong> associação civil Intervozes, Bia<br />
Barbosa, concor<strong>da</strong> em tese com a falta de quali<strong>da</strong>de<br />
de parte desses veículos, mas com ressalvas.<br />
Para Bia, a maioria deles tem “o papel de resistência<br />
ao que é oferecido na grande mídia” e, em muitos<br />
casos, são eles que garantem a divulgação de um<br />
conteúdo de maior quali<strong>da</strong>de do que o transmitido<br />
pelos veículos comerciais. Em sua análise, ela abor<strong>da</strong><br />
principalmente veículos impressos (jornais e revistas)<br />
e os sites de internet, mais consumidos pelos<br />
públicos A e B, minoria dentro do cenário nacional.<br />
Só a título de comparação do alcance dos veículos,<br />
se forem somados todos os jornais diários brasileiros<br />
não se chega a uma tiragem de 6 milhões de<br />
exemplares.
CUT INVESTE EM PROJETOS DE TV<br />
Desde 2003, quando Luiz Marinho<br />
assumiu a presidência <strong>da</strong> CUT, a central<br />
sindical colocou como uma de<br />
suas priori<strong>da</strong>des a comunicação. Foi<br />
esta priori<strong>da</strong>de que fez a Fun<strong>da</strong>ção<br />
Socie<strong>da</strong>de Comunicação Cultura e<br />
Trabalho retomar um pedido de concessão<br />
de canal de TV para a criação<br />
<strong>da</strong> TV CUT. Após aprovação do<br />
presidente Lula, a solicitação che-<br />
gou ao Ministério Público e depois<br />
ao <strong>da</strong>s Comunicações. Daí seguiu<br />
para o Senado. Porém, apesar de<br />
praticamente certa, a criação <strong>da</strong> TV<br />
CUT não é o principal objetivo <strong>da</strong><br />
central sindical em sua estratégia de<br />
comunicação. "A concessão do canal<br />
46 UHF de Mogi <strong>da</strong>s Cruzes é<br />
parte de nosso projeto. Mas temos<br />
priorizado a criação de programas<br />
Dos recursos obtidos pelos veículos<br />
para viabilizá-los, 7,13% do total vêm<br />
do setor público. Só do governo federal<br />
são 5,04%. E esses recursos são<br />
repassados, praticamente de forma<br />
integral, para os grandes veículos<br />
que possam ser exibidos tanto em<br />
nosso canal quanto em outros por<br />
todo o País, como já acontece com<br />
o Repercute, na TV Bandeirantes, e<br />
o TV CUT, na Rede TV", explica CelsoHorta,<br />
assessor de Luiz Marinho.<br />
Para viabilizar a produção deste conteúdo<br />
e sua comercialização, a CUT<br />
contratou a consultoria Canal Independente.<br />
"A empresa é responsá-<br />
vel pela formulação dos aspectos comerciais,<br />
administrativos e de conteúdo<br />
<strong>da</strong> CUT, que serão negociados<br />
com canais de TV paga e aberta em<br />
todo o Brasil. Trabalhamos com o<br />
conceito de que só atingiremos o<br />
grande público se tivermos nossos<br />
programas exibidos em rede nacional<br />
e não apenas pela TV CUT", afirma<br />
Horta.<br />
ILUSTRAÇÃO COM FOTOS DE PAULO PEPE E JAILTON GARCIA<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 7
Quanto mais<br />
espetacular<br />
melhor.<br />
Entre uma<br />
informação<br />
séria e<br />
importante<br />
para o<br />
ci<strong>da</strong>dão,<br />
sem imagem,<br />
e outra<br />
irrelevante<br />
socialmente,<br />
mas<br />
assustadora<br />
do ponto de<br />
vista visual<br />
e cultural,<br />
a TV escolhe<br />
a segun<strong>da</strong><br />
8 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
Rainha absoluta<br />
“A televisão é a única janela para o mundo <strong>da</strong><br />
maioria absoluta <strong>da</strong> população brasileira e deveria<br />
por isso ser muito mais responsável, contribuindo<br />
para a elevação do grau de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia existente no<br />
País. Não é isso que ela tem feito”, lamenta o professor<br />
<strong>da</strong> USP, Laurindo Leal Filho. Quando fala de<br />
televisão, Laurindo se refere à TV aberta, que atinge<br />
90% dos domicílios brasileiros, já que as TVs por<br />
assinatura, que possibilitam maior varie<strong>da</strong>de informativa,<br />
têm apenas 3,6 milhões de assinantes. “A televisão<br />
brasileira tem uma responsabili<strong>da</strong>de social<br />
imensa e não se dá conta disso, ou finge que não<br />
percebe. É uma televisão de elevado nível técnico,<br />
comparado aos melhores do mundo – e, portanto,<br />
altamente sedutor – falando para uma população que<br />
só tem a ela como fonte de informação e entretenimento”,<br />
analisa o professor.<br />
Os interesses comerciais e ideológicos <strong>da</strong> televisão<br />
brasileira transformam a notícia em um produto a<br />
mais, sempre objetivando a audiência. Quanto mais<br />
espetacular melhor. Entre uma informação séria e<br />
importante para o ci<strong>da</strong>dão, sem imagem, e outra irrelevante<br />
socialmente, mas assustadora do ponto de<br />
vista visual e cultural, a TV escolhe a segun<strong>da</strong>, em<br />
uma confusão entre notícia e entretenimento. “Há<br />
alguns anos, causou repercussão o assassinato <strong>da</strong> atriz<br />
Daniella Perez. Naquele dia a última notícia do Jornal<br />
Nacional era sobre o caso e foi <strong>da</strong><strong>da</strong> direto do<br />
estúdio <strong>da</strong> novela, no momento mais simbólico <strong>da</strong><br />
fusão reali<strong>da</strong>de-fantasia perpetrado pela televisão<br />
brasileira. Trata<strong>da</strong> assim, a notícia se subordina à linguagem<br />
do veículo e aos seus interesses comerciais”,<br />
exemplifica o professor.<br />
Porém, se o índice baixo de leitura de jornais e revistas<br />
faz com que esses veículos tenham menor público<br />
que a televisão, este fato não diminui o poder<br />
dos donos de grandes editoras, que chegam a formar<br />
oligopólios, conforme define Antonio Martins,<br />
editor <strong>da</strong> <strong>versão</strong> brasileira do jornal Le Monde Diplomatique<br />
e do site Planeta Porto Alegre. “O governo<br />
Lula deveria enfrentar esse oligopólio <strong>da</strong>s comunicações,<br />
mas optou por manter uma relação clientelista<br />
com estas empresas por ora endivi<strong>da</strong><strong>da</strong>s, caso<br />
<strong>da</strong>s Organizações Globo e <strong>da</strong> Editora Abril.”<br />
Mas se a informação é a razão <strong>da</strong> existência do jornal<br />
impresso, como se costuma dizer (já que os outros<br />
veículos até podem trabalhar somente com entretenimento),<br />
quem garante sua existência não é a<br />
ven<strong>da</strong> em banca ou as assinaturas, mas, fun<strong>da</strong>mentalmente,<br />
a publici<strong>da</strong>de. Daniel Barbará, diretor comercial<br />
<strong>da</strong> agência de publici<strong>da</strong>de DPZ, sustenta, como<br />
quase todos aqueles que atuam no setor, que jornalismo<br />
e publici<strong>da</strong>de “são campos bem distintos <strong>da</strong><br />
comunicação”. Porém, apesar <strong>da</strong> distinção, até que<br />
ponto um anunciante pode influenciar a pauta de um<br />
jornal ou revista? “Indiretamente, linhas editoriais<br />
agra<strong>da</strong>m pessoas que compram, ouvem ou assistem<br />
os meios de comunicação e, portanto, a partir <strong>da</strong>í<br />
formam o seu estoque de consumidores que a área<br />
comercial oferece para que possamos comunicar os<br />
produtos de nossos clientes”, argumenta o publicitário,<br />
que entende que na relação de interdependência<br />
entre anunciante e veículos de comunicação,<br />
“ca<strong>da</strong> um exerce seu papel<br />
de forma complementar” e esta interdependência<br />
é “uma forma de<br />
sobrevivência, pois afinal é uma<br />
ativi<strong>da</strong>de comercial”.<br />
A interdependência entre veículos<br />
e empresa é maior do que<br />
Barbará aponta, já que muitas<br />
empresas de diferentes segmentos<br />
tornaram-se acionistas de<br />
grupos de comunicação. O editor<br />
Antonio Martins não tem dúvi<strong>da</strong>s<br />
de que a associação dos fatores<br />
publici<strong>da</strong>de paga e participação<br />
do capital de empresas priva<strong>da</strong>s<br />
influencia a linha editorial dos veículos.<br />
“Apenas para exemplificar, cito<br />
que nunca houve uma matéria profun<strong>da</strong><br />
sobre a quali<strong>da</strong>de dos serviços públicos,<br />
como o <strong>da</strong> Telefônica, após a privatização.<br />
E todos sabemos que os custos desses<br />
serviços aumentaram e a quali<strong>da</strong>de caiu”.<br />
A baixa quali<strong>da</strong>de do jornalismo brasileiro<br />
incomo<strong>da</strong>. Kjeld Jakobsen, presidente do Instituto<br />
Observatório Social, comenta que a cobertura realiza<strong>da</strong><br />
na mídia brasileira sobre o tema “trabalho”, por<br />
exemplo, deixa a desejar por falta de serie<strong>da</strong>de. “Noticiam<br />
apenas fatos mais sensacionalistas como greves,<br />
piquetes e repressão ou situações que coloquem<br />
sindicatos contra o governo. Pouco se vê em termos<br />
de notícias sobre o que é discutido em congressos e<br />
eventos.”<br />
Economia ruim, jornalismo pior<br />
A dependência dos veículos com os anunciantes<br />
não é nenhuma novi<strong>da</strong>de, mas ganhou maior dimensão<br />
no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90. No princípio <strong>da</strong> metade<br />
<strong>da</strong> déca<strong>da</strong>, por acreditarem que o governo FHC<br />
tinha controle <strong>da</strong> situação econômica do País, muitos<br />
deles se endivi<strong>da</strong>ram em dólares. Logo após a<br />
reeleição <strong>da</strong>quele presidente, o Real sofreu brutal desvalorização<br />
e a dívi<strong>da</strong> dolariza<strong>da</strong> dessas empresas<br />
praticamente levou-as à bancarrota. Ao mesmo tempo,<br />
houve contração <strong>da</strong> economia como um todo e<br />
a fuga de anunciantes.<br />
A que<strong>da</strong> <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do jornalismo dessas empresas<br />
seguiu a linha <strong>da</strong> crise econômica. As re<strong>da</strong>ções<br />
tiveram enxugamentos brutais (leia-se demissões<br />
em massa) e profissionais com salários maiores<br />
foram substituídos por focas (termo usado para designar<br />
o recém-formado sem experiência), boa parte<br />
deles em condições bem piores do que determina<br />
a legislação. “Hoje a situação trabalhista do jornalista<br />
é de transformação, com a maioria dos profissionais<br />
passando de contratos CLT para pessoa jurídica”,<br />
reconhece João Cury.<br />
Mas o ex-diretor <strong>da</strong> AOL Brasil aponta outros fatores<br />
responsáveis pelo excesso de críticas negativas<br />
de profissionais, especialistas em comunicação e leitores,<br />
principalmente à chama<strong>da</strong> “grande imprensa”.<br />
“Temos praticado um jornalismo abaixo <strong>da</strong> média<br />
por pensarmos como o ci<strong>da</strong>dão médio. Isso não po-
de ocorrer, pois, se o contrário fosse ver<strong>da</strong>de, qualquer<br />
um poderia ser jornalista”. Para ele os profissionais<br />
<strong>da</strong> imprensa deveriam pensar a partir de pontos<br />
de vista diferentes e não focar em “uma visão de<br />
shopping center, de novela <strong>da</strong>s oito”.<br />
Bia Barbosa amplia a questão. Para ela os meios de<br />
comunicação são hoje o principal espaço de circulação<br />
de informação e cultura e um dos mais importantes<br />
para a referência de valores e formação <strong>da</strong> opinião pública.<br />
“Trata-se de uma arena de disputa e debate político<br />
e um espaço para que parte dos direitos humanos<br />
seja exerci<strong>da</strong>. Infelizmente, o jornalismo brasileiro<br />
(ou os donos desse jornalismo) se abstém dessa prerrogativa<br />
e segue informando a população de acordo<br />
com interesses privados e não públicos”, lamenta.<br />
O ponto fun<strong>da</strong>mental é esse: se a informação é um<br />
bem público, como prevê a Constituição, é necessário<br />
garantir recursos para que floresça o maior número<br />
possível de publicações, rádios, sites e TVs de<br />
grupos distintos. E ao mesmo tempo fazer com que<br />
haja instrumentos democráticos de regulamentação e<br />
acompanhamento <strong>da</strong> cobertura. A questão é que<br />
quando se fala em uma coisa ou outra, a reação dos<br />
que detêm esses meios é escan<strong>da</strong>losa. As acusações<br />
caminham para censura, estatização etc. E tudo fica<br />
no mesmo lugar, parecendo que está bom. ❚<br />
Com reportagem de Emerson Lopes Silva<br />
ILUSTRAÇÃO COM FOTOS DE PAULO PEPE E JAILTON GARCIA<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 9
E NTREVISTA MARIA VICTORIA BENEVIDES<br />
PAIXÃO<br />
MILITANTE<br />
Lula conhecia muito bem a pobreza, mas não sabia<br />
o que era efetivamente a riqueza. Observações como essa<br />
fazem <strong>da</strong> socióloga Maria Victoria Benevides, professora<br />
<strong>da</strong> USP, uma voz crítica dentro do seu partido, o PT<br />
Por Frédi Vasconcelos<br />
10 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
Ainspiração vem <strong>da</strong>s escritoras Rosa Luxemburgo<br />
e <strong>da</strong> francesa Simone Weil, nas<br />
quais diz ter buscado o engajamento na<br />
política e na luta por um socialismo democrático,<br />
mas a professora <strong>da</strong> USP e socióloga<br />
Maria Victoria Benevides tem opiniões<br />
fortes sobre tudo: o governo Lula, a democracia<br />
no Brasil, a participação popular, a mídia, seu<br />
partido (o PT), os direitos humanos. São opiniões<br />
não conforma<strong>da</strong>s, às vezes duras, vin<strong>da</strong>s de uma mulher<br />
que se declara militante e apaixona<strong>da</strong> pelas idéias<br />
que defende. Ela cita uma frase de Rosa, que afirmava<br />
que, apesar de tudo, <strong>da</strong>s lutas políticas, <strong>da</strong>s lutas<br />
intelectuais, de suas limitações físicas, sua solidão,<br />
nunca passou dia na vi<strong>da</strong> sem amor. “Acho isso absolutamente<br />
maravilhoso”, diz. Veja, abaixo, os principais<br />
trechos <strong>da</strong> entrevista exclusiva concedi<strong>da</strong> por<br />
Maria Victoria à RdB no final do mês de maio.<br />
Revista dos Bancários – Em vários textos, a senhora<br />
escreve sobre democracia, não a democracia<br />
formal, mas aquela com participação popular<br />
e democracia social...<br />
Maria Victoria Benevides – É preciso lembrar o<br />
que entendemos por democracia. Sob qualquer aspecto,<br />
democracia é sempre soberania popular. Em<br />
última instância, o poder é do povo. É claro que isso<br />
não significa baderna, bagunça, ausência de instituições<br />
e mecanismos de representação, na<strong>da</strong> disso.<br />
É uma soberania popular regra<strong>da</strong>. O primeiro aspecto<br />
é a questão <strong>da</strong> soberania popular como elemento<br />
indissociável do que se entende por um regime<br />
democrático. Outro ponto é o respeito integral<br />
aos direitos humanos, o que não é apenas respeito.<br />
É respeito, defesa e promoção.<br />
RdB – Em tese somos um país democrático, temos<br />
eleições, respeitamos os direitos humanos,<br />
é isso?<br />
Maria Victoria – Não concordo. Em primeiro lugar<br />
temos eleições, pluriparti<strong>da</strong>rismo, garantias <strong>da</strong><br />
magistratura, imprensa razoavelmente livre. O que<br />
falta no campo <strong>da</strong> democracia política é justamente<br />
uma participação popular efetiva e há vários mecanismos<br />
e instituições para isso. Igualmente importantes,<br />
mecanismos efetivos de controle sobre a ação<br />
dos governantes. Os cientistas políticos costumam<br />
muito falar em accountability, que é a prestação de
JAILTON GARCIA<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 11
Acho que<br />
o grupo que<br />
chegou ao<br />
governo<br />
realmente<br />
não chegou<br />
ao poder.<br />
Nesse ponto<br />
acho que o<br />
Frei Betto<br />
tem to<strong>da</strong> a<br />
razão. O PT<br />
chegou ao<br />
governo, mas<br />
não chegou<br />
ao poder<br />
12 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
contas; digo mais, é uma prestação de contas de todos<br />
que exercem o poder e meios efetivos para eventuais<br />
sanções ou punições para aqueles que desvirtuaram<br />
ou abusaram do poder concedido pelo povo.<br />
Não podemos dizer que temos isso hoje, pois há<br />
enormes dificul<strong>da</strong>des de estabelecer mecanismos efetivos<br />
para tais prestações de contas e eventuais sanções<br />
e não temos mecanismos de participação popular<br />
efetiva.<br />
RdB – Há momentos de mais ou menos liber<strong>da</strong>de<br />
política na história do Brasil, mas parece<br />
que o País não consegue sair do fosso social. O<br />
que acontece?<br />
Maria Victoria – A liber<strong>da</strong>de sozinha não ameaça<br />
necessariamente interesses poderosos numa socie<strong>da</strong>de,<br />
a não ser em períodos ditatoriais. Em períodos<br />
de democracia formal (que é muito importante), em<br />
que todos somos livres, temos liber<strong>da</strong>de de expressão,<br />
de ir e vir, de associação, mas isso pode não<br />
ameaçar privilégios. O que ameaça é a idéia de igual<strong>da</strong>de,<br />
porque como os bens são escassos, as diferenças<br />
de origens socioeconômicas num país como o<br />
nosso são abissais, o Estado tem de prover a garantia<br />
desses direitos econômicos, sociais e culturais. Como<br />
o Estado não é criador de recursos, esses recursos<br />
têm de vir <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, tem de haver desconcentração<br />
de ren<strong>da</strong>, repartição, distribuição para que<br />
esses direitos sejam minimamente garantidos. Isso é<br />
uma ver<strong>da</strong>deira revolução num país em que aqueles<br />
que estão no topo <strong>da</strong> pirâmide não querem abrir<br />
mão de privilégios.<br />
RdB – É mais fácil o Estado brasileiro conseguir<br />
enfrentar esses interesses ou esses interesses<br />
derrubarem o governo antes?<br />
Maria Victoria – Esse é o grande problema que se<br />
discute hoje quando pela primeira vez conseguimos<br />
eleger um candi<strong>da</strong>to que vem de um partido de esquer<strong>da</strong>,<br />
com história de lutas operárias, sindicais. E<br />
que a meu ver se revela tímido em relação a enfrentar<br />
justamente esses poderes do grande capital. Mas<br />
quando então vamos fazer isso? Como diz o aforismo<br />
do keynesianismo, a longo prazo estaremos todos<br />
mortos, então vamos sacrificar quantas gerações<br />
ain<strong>da</strong> para que possamos ter um sistema minimamente<br />
social-democrata? Não falo nem em socialismo,<br />
mas em algo que realmente enfrente a brutal<br />
concentração de ren<strong>da</strong>, a grande chaga de um país<br />
como o nosso.<br />
RdB – A que a senhora atribui essa “timidez”?<br />
Maria Victoria – Acho que o grupo que chegou ao<br />
governo realmente não chegou ao poder. Nesse ponto<br />
acho que o Frei Betto tem to<strong>da</strong> a razão. O PT<br />
chegou ao governo, mas não chegou ao poder. Havia<br />
uma expectativa muito diferente do que é o sistema<br />
de poder real no Brasil. Havia uma crença de<br />
que como o presidente eleito vinha legitimado com<br />
milhões de votos e apoio de importantes organizações<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil teria mais condições de enfrentar<br />
essa elite oligárquica e superpoderosa. Mas<br />
não foi o que ocorreu. O que eles encontraram foi<br />
muito maior e difícil que qualquer análise pessimista<br />
previa antes. E veja bem que o Lula sempre se<br />
vangloriou de conhecer muito bem o Brasil. Ele podia<br />
conhecer muito bem o lado <strong>da</strong> pobreza, o que é<br />
muito importante, mas ele não conhecia bem o que<br />
é efetivamente o lado <strong>da</strong> riqueza.<br />
RdB – A senhora consegue fazer alguma distinção<br />
entre o governo FHC e o de Lula?<br />
Maria Victoria – Sim. Acho que sem dúvi<strong>da</strong> alguma<br />
este governo (Lula) é superior em vários aspectos.<br />
Por exemplo, acho que as relações com o MST,<br />
na reforma agrária, a atuação do ministro Rosseto,<br />
são muito mais volta<strong>da</strong>s para nossas aspirações democráticas.<br />
O relacionamento, em geral, deste governo<br />
com os movimentos sociais, a mesma coisa.<br />
Vale lembrar que Fernando Henrique logo no começo<br />
quebrou a espinha dorsal do movimento sindical<br />
com a greve dos petroleiros. E outra coisa também,<br />
que acho muito difícil avaliar, porque o governo<br />
FHC foi muito protegido por to<strong>da</strong> a mídia. Então<br />
não sabemos nem metade <strong>da</strong> missa. Sobre o governo<br />
Lula, a mídia não dá um segundo de descanso,<br />
tudo está absolutamente escancarado. Então, sob<br />
certos aspectos, como a corrupção, aumenta a visibili<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> corrupção, não necessariamente o tamanho<br />
<strong>da</strong> corrupção.<br />
Esse governo, sem dúvi<strong>da</strong> é melhor. E digo mais,<br />
ele é melhor mais pelo que promete <strong>da</strong>qui para frente<br />
do que pelo que foi feito até agora. Eu, pelo menos,<br />
quero me agarrar a essa esperança. O que temos<br />
ouvido é que até agora foi o momento de tomar<br />
conhecimento, de arrumação, de resolver problemas<br />
complicadíssimos na parte econômica, os<br />
contratos internacionais... Fico muito aflita quando<br />
dizem: “vocês não sabem o tipo de contrato que o<br />
Fernando Henrique nos deixou”... Pois é, mas dois<br />
anos se passaram, então quero acreditar que o acúmulo<br />
desses dois anos signifique uma melhora substancial<br />
do governo.<br />
RdB – Falando <strong>da</strong> imprensa, a senhora há pouco<br />
sofreu ataques de uma revista liga<strong>da</strong> ao PSDB<br />
(Primeira Leitura), porque como membro de uma<br />
comissão de ética do governo federal teria dito à<br />
época em que se denunciou a utilização do Palácio<br />
do Planalto por amigos do filho do presidente<br />
que isso não era atinente à comissão?<br />
Maria Victoria – Essa comissão tem um código de<br />
ética para a alta administração federal, isso abrange<br />
cerca de 800 pessoas, a começar pelos ministros. Todos<br />
os ministros, todos os presidentes de autarquias,<br />
direções que seriam considera<strong>da</strong>s de primeiro escalão<br />
em vários Estados. Nós não nos ocupamos do<br />
Legislativo, que tem sua comissão de ética própria,<br />
nem do Judiciário. Essa comissão é estritamente do<br />
Poder Executivo, de ministro para baixo. Essa matéria<br />
<strong>da</strong> Primeira Leitura, que não vi porque não leio<br />
essa revista, mas quem viu me mandou, ela saiu apenas<br />
on-line e era uma matéria muito desinforma<strong>da</strong><br />
e maldosa. Quanto a ser maldosa, estou pouco ligando,<br />
mas ser desinforma<strong>da</strong> é que acho grave. Porque<br />
interpretava o que eu falei sobre a instância própria
de julgamento do presidente como se eu estivesse dizendo<br />
que ele pairava acima <strong>da</strong> lei e <strong>da</strong> ética. Não<br />
foi o que eu disse. Disse que tudo que envolve o<br />
comportamento do presidente <strong>da</strong> República não é<br />
objeto <strong>da</strong> Comissão de Ética. Porque o presidente<br />
tem foro próprio, que é o Supremo Tribunal Federal,<br />
ou a avaliação popular por meio de ação por crime<br />
de responsabili<strong>da</strong>de previsto na Constituição, mas<br />
isso não passa pela comissão, isso é dos estatutos <strong>da</strong><br />
comissão.<br />
RdB – Há uma posição leviana <strong>da</strong> grande imprensa<br />
em relação a diversos assuntos; como se<br />
faz para ela ser mais democrática?<br />
Maria Victoria – É bom lembrar que os leitores de<br />
jornal representam uma parcela muito pequena do<br />
nosso povo, e não só do povão. To<strong>da</strong>s as vezes que<br />
entro no primeiro dia de aula na USP pergunto quem<br />
tem hábito de ler jornal. Não chega a 5% dos alunos.<br />
Se nem os alunos <strong>da</strong> USP estão lendo, a situação<br />
é complica<strong>da</strong>. Mas os jornais atuam como pauta<br />
para a televisão e a TV, sim, atinge muita gente.<br />
Em relação à imprensa, propriamente, o que eu acho<br />
de pior é a dificul<strong>da</strong>de que temos para corrigir alguma<br />
coisa que sai equivoca<strong>da</strong>. A notícia sai com o<br />
maior destaque e depois a correção é um “erramos”<br />
pequenininho. Outro problema é uma quanti<strong>da</strong>de de<br />
jovens que no jornalismo tem reais possibili<strong>da</strong>des de<br />
ascensão social e em termos salariais, quali<strong>da</strong>de de<br />
vi<strong>da</strong>, o que os torna, muito jovens, muito arrogantes,<br />
muito prepotentes e bajuladores de quem tem<br />
poder, a começar pelos chefes dentro do veículo de<br />
imprensa.<br />
Mas meu principal ponto são os vínculos <strong>da</strong> chama<strong>da</strong><br />
grande imprensa de hoje com o poder econômico.<br />
O que vemos é que os meios de comunicação<br />
estão em situação financeira difícil e se aliam a grupos<br />
internacionais ou de banqueiros e acabam servindo<br />
politicamente a esses interesses. Há jornais que<br />
defendem, por exemplo, o ministro Palocci, a política<br />
do Banco Central, a política do ministro Rodrigues<br />
para a Agricultura, o agronegócio, mas têm uma<br />
radicali<strong>da</strong>de tremen<strong>da</strong> com tudo que possa ser social<br />
e em defesa dos setores mais pobres. Aquela velha<br />
questão <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong>de de se implantar realmente<br />
um regime democrático com um mínimo de igual<strong>da</strong>de.<br />
Essa dependência <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> grande imprensa<br />
com os interesses do capital comprometem muito<br />
uma informação correta.<br />
RdB – Há pouco tempo li uma entrevista em que<br />
a senhora afirma que quer seu PT de volta, o que<br />
é isso?<br />
Maria Victoria – Essa foi uma entrevista que dei,<br />
muito cansativa, e chegou uma hora estava cansa<strong>da</strong><br />
e disse à jornalista “Sabe Laura (Greenhalg, repórter<br />
de O Estado de S.Paulo), o que eu queria mesmo era<br />
meu partido de volta”. Até falei brincando. Na hora<br />
me acendeu uma luzinha e disse: isso vai ser a manchete.<br />
Depois, brincando, meu filho (também jornalista)<br />
disse, “mas mãe, se ela não pusesse isso como<br />
manchete seria despedi<strong>da</strong> por péssimo jornalismo,<br />
porque qualquer jornalista poria isso como manche-<br />
te.” Mas eu quero meu partido de volta porque acho<br />
que o que tem aparecido, veja bem não é o que existe<br />
na reali<strong>da</strong>de, mas o que tem aparecido para a militância,<br />
para os simpatizantes, é algo muito diferente<br />
do partido antes dessa vitória. Em outros casos eu<br />
diria até que não só nessa vitória, mas também em<br />
outras, em estados e municípios.<br />
Acho que o partido precisa retomar seu papel pe<strong>da</strong>gógico,<br />
que é de formação política, seu papel de ser<br />
realmente interlocutor dos movimentos sociais, o partido<br />
não os substitui, mas é um interlocutor, porque<br />
o meu PT é o quê? É fruto <strong>da</strong> união de amplíssimos<br />
movimentos sociais, de uma esquer<strong>da</strong> que tinha uma<br />
longa história de luta, de intelectuais comprometidos<br />
com a mu<strong>da</strong>nça social, de setores <strong>da</strong> Igreja com compromisso<br />
de organização pela base e o movimento<br />
sindical. Acontece que o partido acabou tomando muitas<br />
vezes a fisionomia de um partido do ABC paulista,<br />
do movimento social paulista, e foi muito mais que<br />
isso na sua criação e na sua história.<br />
Eu, por exemplo, sou uma militante desde antes<br />
<strong>da</strong> formação do partido, e não venho de movimento<br />
sindical nem tenho história de luta operária. O<br />
partido é um conjunto de tudo isso. É natural que<br />
tenha grupos que pensem diferente, que tenha disputas,<br />
mas o que tem de ser preservado é essa característica<br />
ética do partido, que <strong>da</strong>va uma cara muito<br />
respeitável, em que se dizia que era o único partido<br />
do sistema partidário brasileiro, porque tinha<br />
programa, militância, vi<strong>da</strong> fora <strong>da</strong>s eleições, compromisso<br />
com uma determina<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />
a maioria, os pobres, os movimentos populares.<br />
E que tinha fideli<strong>da</strong>de partidária. Acho que, infelizmente,<br />
a disputa pelo poder tem aspectos perversos,<br />
demoníacos e que comprometem muito a<br />
ética do partido. Já avisei aos meus amigos que gostaria<br />
que o PT vencesse as eleições para o governo<br />
de São Paulo, mas se houver baixaria, falta de ética<br />
na disputa entre os candi<strong>da</strong>tos, eu simplesmente<br />
não vou votar.<br />
RdB – Há alternativa se o projeto do PT for derrotado?<br />
Volta quem, a direita, o PSDB, o PFL?<br />
Maria Victoria – Não. Concordo muito com o<br />
que disse o Carlos Lessa (ex-presidente do BNDES)<br />
numa entrevista à Caros Amigos, quando dizia: “estou<br />
insatisfeito com muita coisa, mas quero que o<br />
Lula ganhe porque se os tucanos voltarem eles voltarão<br />
com uma voraci<strong>da</strong>de tremen<strong>da</strong>.” Voraci<strong>da</strong>de<br />
para assumir tudo do poder e para avançar num<br />
projeto neoliberal, cujo eixo mais <strong>da</strong>noso é a alienação<br />
do patrimônio nacional. Não me conformo<br />
com as privatizações que foram feitas. E agora estou<br />
vendo que aqui em São Paulo (Estado) estamos<br />
indo pelo mesmo caminho, com as perspectivas de<br />
privatização, de capital aberto para o que ain<strong>da</strong> restava.<br />
Vejo que há possibili<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> de melhorarmos<br />
nossas perspectivas em relação ao governo porque<br />
não tivemos ain<strong>da</strong> a reforma tributária, a trabalhista,<br />
nem a sindical. ❚<br />
Veja íntegra <strong>da</strong> entrevista com a socióloga<br />
no www.spbancarios.com.br<br />
Quero o meu<br />
partido de<br />
volta. Acho<br />
que o PT<br />
precisa<br />
retomar<br />
seu papel<br />
pe<strong>da</strong>gógico,<br />
de formação<br />
política, seu<br />
papel de ser<br />
realmente<br />
interlocutor<br />
dos<br />
movimentos<br />
sociais<br />
FOTOS: JAILTON GARCIA<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 13
CAPA ,<br />
FORA DA ORDEM<br />
O consumo compulsivo e sem<br />
critério acelerou a exploração<br />
dos recursos naturais do planeta<br />
a níveis impraticáveis<br />
Um dos principais comportamentos<br />
que expressa a relação<br />
do homem moderno com o<br />
mundo é o consumo. Pouca<br />
gente, porém, tem a noção<br />
exata de que absolutamente<br />
tudo que se consome – dos tijolos para<br />
construção de casas às peças de carros e<br />
microchips dos computadores – é fabricado<br />
a partir de elementos vegetais, minerais<br />
14 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
ou animais extraídos do planeta. Até os<br />
anos 50, a Terra ain<strong>da</strong> conseguia repor razoavelmente<br />
os recursos que cedia gentilmente<br />
à humani<strong>da</strong>de. Mas, a partir de então,<br />
o desenvolvimento tecnológico, largamente<br />
confundido com progresso, levou<br />
países desenvolvidos e em desenvolvimento<br />
a uma expansão consumista generaliza<strong>da</strong>.<br />
E, alertam os defensores do consumo<br />
consciente – termo ain<strong>da</strong> novo para um<br />
problema nem tanto – passou <strong>da</strong> hora de<br />
botar o pé no freio.<br />
Dados <strong>da</strong> Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s<br />
denunciam que o mundo já utiliza 20%<br />
a mais do que o planeta pode produzir em<br />
recursos exploráveis para suprir as necessi<strong>da</strong>des<br />
de consumo de seus habitantes (e<br />
isso considerando que há mais de um bilhão<br />
deles excluídos desse processo). A<br />
mesma ONU calcula que se todos os paí-
CONSUMO<br />
CONSCIENTE:<br />
COMPRE ESSA IDÉIA<br />
Como consumir com<br />
responsabili<strong>da</strong>de pode gerar<br />
desenvolvimento e quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong><br />
para o planeta Por Fábio Michel<br />
ses chegassem ao padrão de consumo dos<br />
Estados Unidos seriam necessárias quatro<br />
Terras para fornecer as matérias-primas.<br />
Mantendo-se o atual ritmo de crescimento,<br />
e principalmente a maneira como as<br />
pessoas adquirem produtos e serviços, no<br />
ano de 2050 teremos tirado do planeta,<br />
sem <strong>da</strong>rmos condição a que este se regenere,<br />
a metade de seus recursos naturais.<br />
Este panorama, afirmam especialistas, já<br />
tornará a vi<strong>da</strong> de nossos filhos e netos uma<br />
luta diária contra a morte por envenenamento.<br />
A questão <strong>da</strong> água é emblemática: a<br />
quanti<strong>da</strong>de do líquido disponível para consumo<br />
não se alterou desde os tempos bíblicos,<br />
porém o número de seres deman<strong>da</strong>ndo<br />
ca<strong>da</strong> vez mais água para se manterem<br />
vivos e consumindo sim, e muito. Ain<strong>da</strong><br />
segundo a ONU, em 1950, quando o<br />
PAULO PEPE<br />
mundo contabilizava uma população de<br />
2,5 bilhões de pessoas, o uso médio de água<br />
por habitante era de 20 litros/mês. Hoje,<br />
além de a população mundial ter praticamente<br />
triplicado (bateu nos 6 bilhões em<br />
1999), o consumo planetário médio subiu<br />
para 250 litros ao mês por habitante.<br />
O aumento deste número se explica pelas<br />
melhores tecnologias de distribuição do<br />
líquido, o que por outro lado ain<strong>da</strong> não<br />
resolveu o problema de grande parte <strong>da</strong><br />
população não ter acesso à água em condições<br />
de uso. E também porque, com o<br />
progresso, cresceram as ativi<strong>da</strong>des industrial<br />
e agropecuária, puxa<strong>da</strong>s justamente<br />
pelo consumo. Neste mesmo período de<br />
pouco mais de 50 anos, o mundo conheceu<br />
uma gama inimaginável de novos produtos,<br />
alguns realmente necessários, outros<br />
nem tanto. E do plantio de um pé de alface<br />
à produção dos componentes de um<br />
computador, tudo requer água.<br />
Um outro exemplo está na indústria<br />
plástica, que calcula a utilização média nas<br />
empresas de 10 copinhos descartáveis por<br />
dia por pessoa. Uma empresa com 500 funcionários,<br />
portanto, produz uma grande<br />
quanti<strong>da</strong>de de lixo representa<strong>da</strong> por 5 mil<br />
copinhos diários. Descartado em aterros e<br />
lixões, o plástico pode levar até 400 anos<br />
para se degra<strong>da</strong>r <strong>completa</strong>mente.<br />
Saí<strong>da</strong><br />
É por essas e outras que o ato de consumir,<br />
<strong>da</strong> maneira como vem sendo praticado<br />
pela maioria <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de em<br />
condições de fazê-lo, também é diretamente<br />
responsável pelos alarmantes níveis de<br />
poluição <strong>da</strong> atmosfera, do efeito estufa fazendo<br />
subir a temperatura global, do perigoso<br />
acúmulo de lixo que ameaça as pequenas,<br />
médias e grandes ci<strong>da</strong>des e, em última<br />
análise, de todos os problemas e desastres<br />
ambientais de que se tem notícia.<br />
A Agen<strong>da</strong> 21, um programa de ações para<br />
fazer do planeta um lugar ecologicamente<br />
aprazível a seus habitantes de forma<br />
permanente, elabora<strong>da</strong> durante a Conferência<br />
<strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s Sobre o Meio<br />
Ambiente e Desenvolvimento (a Rio 92),<br />
classifica como insustentáveis os atuais padrões<br />
de consumo e produção industrial.<br />
O programa estabelece, em mais de um capítulo,<br />
diretrizes para diminuir o impacto<br />
sobre o meio ambiente.<br />
Mas antes que se instale a descrença geral<br />
no futuro <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de é importante<br />
que se diga: há muita luz no fim do túnel.<br />
E ela já começa a brilhar por aqui.<br />
Apesar de o ímpeto consumista ter baixado<br />
sobre os brasileiros desde os árduos<br />
tempos de inflação galopante, o País fornece<br />
exemplos louváveis de formação e es-<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 15
LONGO CAMINHO Ricardo Venerito é dono de uma fábrica de embalagens: “Acredito que os empresários ain<strong>da</strong> têm um longo caminho a trilhar<br />
para entender que é preciso pensar em produtos mais harmoniosos com a natureza, mas tenho certeza de que esse processo já começou”<br />
clarecimento do que vem sendo chamado<br />
de prática de consumo consciente, ou responsável.<br />
“Consumo responsável é a capaci<strong>da</strong>de<br />
de ca<strong>da</strong> pessoa ou instituição, pública<br />
ou priva<strong>da</strong>, escolher e/ou produzir<br />
serviços e produtos que contribuam, de<br />
forma ética e de fato, para a melhoria de<br />
vi<strong>da</strong> de ca<strong>da</strong> um, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e do ambiente”,<br />
define a advoga<strong>da</strong> Fabíola Zerbini,<br />
que preside o Instituto Kairós de Ética<br />
e Atuação Responsável, de São Paulo. O<br />
Kairós promove uma série de iniciativas<br />
para promover a idéia. Entre elas, projetos<br />
educacionais voltados a professores <strong>da</strong>s redes<br />
pública e priva<strong>da</strong> e cursos dirigidos a<br />
consumidores, empresários e prestadores<br />
de serviços.<br />
Helio Mattar, presidente do Instituto<br />
Akatu pelo Consumo Consciente, expande<br />
o conceito: “Consumir com consciência<br />
não tem a intenção de desestimular a<br />
produção. É promover ações efetivas que<br />
visem o desenvolvimento sem perder de<br />
vista que os recursos naturais são finitos.<br />
Repensar o modo como adquirimos produtos<br />
e serviços é imprescindível para a<br />
sobrevivência do planeta e <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de”.<br />
Helio acaba de lançar, também em São<br />
16 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
Paulo, um centro de referência, uma ampla<br />
biblioteca virtual com informações e<br />
serviços acerca do tema. “Foi uma <strong>da</strong>s formas<br />
que encontramos para divulgar a idéia,<br />
fun<strong>da</strong>mental a nosso ver, de transformar<br />
ci<strong>da</strong>dãos consumidores em consumidores<br />
ci<strong>da</strong>dãos. E todos são ci<strong>da</strong>dãos, independentemente<br />
de qualquer condição social ou<br />
econômica”, <strong>completa</strong>.<br />
Navegando-se pelo centro de referência<br />
do Akatu (www.akatu.org.br) é possível saber,<br />
por exemplo, que o Brasil começa a<br />
mostrar sinais de que, apesar do muito ain<strong>da</strong><br />
a ser feito, já há uma mu<strong>da</strong>nça em curso<br />
nas relações de consumo. Numa pesquisa<br />
em parceria com a IndicatorGfK Pesquisa<br />
de Mercado, o instituto lista uma série<br />
de comportamentos para concluir o<br />
grau de esclarecimento sobre o consumo<br />
responsável <strong>da</strong> população. Nos resultados,<br />
verifica-se que a maioria (54%) dos brasileiros<br />
ain<strong>da</strong> está se iniciando no assunto.<br />
No entanto, outros 37% já indicam uma<br />
evolução <strong>da</strong> consciência enquanto consumidores,<br />
adotando comportamentos simples<br />
porém eficazes, como planejar a compra<br />
de alimentos e de roupas, usar o verso<br />
de folhas de papel já utiliza<strong>da</strong>s, separar<br />
o lixo para reciclagem, fechar a torneira<br />
enquanto escova os dentes, ler rótulos e<br />
embalagens antes de decidir pela compra,<br />
comprar produtos orgânicos etc.<br />
Uma parcela ain<strong>da</strong> pequena, de 6% dos<br />
consumidores brasileiros, mostra-se plenamente<br />
esclareci<strong>da</strong> sobre o tema. Isso implica<br />
em escolher produtos e serviços cujas<br />
embalagens tenham alguma vi<strong>da</strong> útil<br />
após o seu uso (seja na forma <strong>original</strong> ou<br />
recicla<strong>da</strong>), que o fornecedor não se aproveite<br />
de mão-de-obra irregular (infantil,<br />
escrava, com direitos rebaixados etc), que<br />
o produto tenha sido fabricado com recursos<br />
de reservas naturais renováveis e tantos<br />
outros procedimentos, ain<strong>da</strong> longe de<br />
se tornarem regra, justamente o objetivo<br />
maior dos praticantes do consumo consciente.<br />
Futuro<br />
É o caso <strong>da</strong> psicóloga Eliana Tiezzi, que<br />
estendeu sua responsabili<strong>da</strong>de para além<br />
<strong>da</strong>s relações de consumo e montou o Projeto<br />
Papel de Gente, que alia a reciclagem<br />
de papel à terapia de pessoas com transtornos<br />
psíquicos. Ela se diz criteriosa na<br />
hora de escolher os alimentos que con-
GERAÇÃO FUTURA Eliana: “Tenho uma filha de 13 anos e percebo que ela e seus amigos têm<br />
posturas muito críticas em relação aos problemas ambientais gerados pelas nossas escolhas.<br />
Mas eles pertencem a um grupo muito privilegiado”<br />
some (“É tudo orgânico”) e os produtos<br />
que compra (“O menos possível, não sou<br />
compulsiva”). Na Papel de Gente, Eliana<br />
mantém ain<strong>da</strong> um centro de difusão cultural<br />
que elabora ativi<strong>da</strong>des volta<strong>da</strong>s ao<br />
público em geral – e às crianças em i<strong>da</strong>de<br />
escolar em especial – para ampliar e<br />
aprofun<strong>da</strong>r os conhecimentos sobre reciclagem<br />
e os demais temas desenvolvidos<br />
pelo projeto. É sobre as futuras gerações<br />
que repousa uma de suas maiores preocupações.<br />
“Tenho uma filha de 13 anos e percebo<br />
que ela e seus amigos têm posturas muito<br />
críticas em relação aos problemas ambientais<br />
gerados pelas nossas escolhas. Mas<br />
eles pertencem a um grupo muito privilegiado,<br />
que tem acesso às melhores escolas<br />
FOTOS: PAULO PEPE<br />
e, portanto, a uma boa formação. Temo<br />
pela imensa massa de crianças que nascem<br />
em condições muito precárias e não têm<br />
a mesma chance”, afirma. Os privilegiados,<br />
portanto, devem <strong>da</strong>r o exemplo. Da mesma<br />
forma pensa o empresário Ricardo Venerito,<br />
que tenta aliar as ativi<strong>da</strong>des de sua<br />
fábrica de embalagens plásticas – um dos<br />
grandes vilões ambientais, quando descartados<br />
sem os devidos cui<strong>da</strong>dos – com a<br />
atuação responsável que espera ver dissemina<strong>da</strong><br />
entre sua classe.<br />
“A ca<strong>da</strong> ano são despeja<strong>da</strong>s bilhões de<br />
tonela<strong>da</strong>s de todo tipo de plástico no meio<br />
ambiente, e sei que isso é extremamente<br />
prejudicial. Aqui na empresa estamos investindo<br />
grande parte dos recursos na pesquisa<br />
de embalagens menos agressivas, mas<br />
nem sempre conseguimos convencer nossos<br />
clientes a utilizar as alternativas que<br />
apresentamos. Acredito que os empresários<br />
ain<strong>da</strong> têm um longo caminho a trilhar para<br />
entender que é preciso pensar em produtos<br />
mais harmoniosos com a natureza,<br />
mas tenho certeza de que esse processo já<br />
começou”, acredita Ricardo. Ele afirma que,<br />
em muitos casos, as empresas não praticam<br />
a responsabili<strong>da</strong>de social como divulgam.<br />
“É um conceito ain<strong>da</strong> vago, mas os<br />
próprios consumidores saberão distinguir<br />
entre os que dizem fazer e os que realmente<br />
fazem”, <strong>completa</strong>.<br />
Aprender a escolher e aju<strong>da</strong>r as crianças<br />
de hoje a amadurecer uma atitude crítica<br />
e saudável em relação aos prazeres inerentes<br />
ao consumo parece ser o caminho para<br />
melhorar o comportamento <strong>da</strong>s pessoas<br />
nessa área e conseqüentemente ampliar o<br />
seu papel frente ao mundo. Ain<strong>da</strong> não se<br />
têm to<strong>da</strong>s as respostas, mas várias perguntas<br />
já estão sendo feitas e muita gente trabalha<br />
para eluci<strong>da</strong>r algumas delas. É um<br />
começo, já que o consumo é o grande propulsor<br />
do desenvolvimento e, portanto, do<br />
bem-estar que se quer desfrutar e proporcionar<br />
às gerações futuras.<br />
No entanto, muita coisa ruim tem sido<br />
feita para justificar o desenvolvimento em<br />
nome do consumo. Para citar alguns exemplos:<br />
devastação de terras e florestas, contaminação<br />
de rios e mananciais, desperdício<br />
de água, energia e alimentos, poluição<br />
do ar e do solo, extinção de animais. Como<br />
consumidoras, as pessoas têm enorme<br />
potencial para contribuir positivamente<br />
com o crescimento econômico de seu país<br />
e do mundo, fazendo valer o direito de escolher<br />
aqueles fornecedores que respeitem<br />
o meio ambiente e o ser humano. Ou, como<br />
reforça Helio Matar, é preciso entender<br />
que, “quando fazemos uma compra,<br />
estamos escolhendo também o mundo em<br />
que viveremos amanhã”. ❚<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 17
LITERATURA<br />
ADORÁVEL<br />
CAVALEIRO<br />
Dom Quixote, de Cervantes, chega aos<br />
400 anos seduzindo novas gerações de<br />
estudiosos e leitores; São Paulo tem<br />
acervo raro com edições ilustra<strong>da</strong>s<br />
Por Cássio Ventura<br />
TESOURO<br />
Edições raras, escritas<br />
em mais de 40 línguas<br />
diferentes e ilustra<strong>da</strong>s<br />
por mestres como<br />
Salvador Dali e Picasso,<br />
estão reuni<strong>da</strong>s numa<br />
biblioteca em<br />
São Paulo<br />
18 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
Os dias corriam ligeiros naquele começo<br />
do século 17. A Europa entrava na I<strong>da</strong>de<br />
Moderna sacudi<strong>da</strong> por grandes<br />
transformações e efervescia com o desenho<br />
<strong>da</strong>s bases do Estado Moderno, a<br />
Reforma e a Contra-Reforma na Igreja<br />
e um intenso movimento artístico e intelectual. Nesse<br />
cenário, surge na Espanha aquele que viria a ser<br />
considerado o primeiro romance moderno: é Dom<br />
Quixote, o Engenhoso Fi<strong>da</strong>lgo de La Mancha que, quatro<br />
séculos depois, continua a cumprir seu destino<br />
de obra-prima ao influenciar não só outros autores<br />
como também pintores, cineastas, músicos... É, segundo<br />
estudiosos, o segundo livro mais lido em todo<br />
o mundo – perde apenas para a Bíblia.<br />
Escrito por Miguel de Cervantes, Dom Quixote veio<br />
à luz em janeiro de 1605 e alcançou êxito imediato,<br />
com seis edições logo no primeiro ano. Pouco depois,<br />
foi traduzido para o inglês e o francês. O maior<br />
responsável pelo livro ter caído nas graças do leitor<br />
é justamente o personagem que lhe dá nome, o venerado<br />
Dom Quixote. Ao longo dos séculos, ganhou<br />
tamanha notorie<strong>da</strong>de que se tornou mais conhecido<br />
que seu próprio criador. Alguns fatores contribuíram:<br />
a obra faz uma sátira <strong>da</strong>s novelas de cavalaria, em<br />
voga na I<strong>da</strong>de Média e ain<strong>da</strong> muito li<strong>da</strong>s na Espanha<br />
naquele início de século 17; há a figura burlesca do<br />
fiel escudeiro, Sancho Pança, e o amor idealizado do<br />
herói por Dulcinéia Del Toboso.<br />
Personali<strong>da</strong>de<br />
Mas é bom não esquecer que Dom Quixote sobreviveu<br />
incólume ao fim <strong>da</strong>s novelas de cavalaria e atravessou<br />
o tempo fascinando leitores de novas gerações.<br />
O segredo talvez esteja na personali<strong>da</strong>de do “Cavaleiro<br />
<strong>da</strong> Triste Figura”; ou seja, o próprio Quixote. Descobrir<br />
que perfil é esse não é tarefa fácil, principalmente<br />
neste aniversário de 400 anos, quando as considerações<br />
são as mais varia<strong>da</strong>s: seria ele um doido varrido,<br />
um idealista sonhador, um visionário, um pacifista,<br />
um rematado idiota, um ingênuo pobre coitado,<br />
um personagem com um profundo senso de justiça?<br />
“Dom Quixote é tudo isso e muito mais, pois ao<br />
criá-lo Cervantes contemplou to<strong>da</strong>s as facetas do ser<br />
humano”, avalia o bibliotecário do Unibero (Centro<br />
Universitário Ibero-Americano), Manuel Maria <strong>da</strong> Sil-<br />
va, leitor voraz do clássico de Cervantes e autor de<br />
estudo acadêmico tendo o cavaleiro como tema central.<br />
“É um personagem tão complexo que estudiosos<br />
vivem escarafunchando a obra à procura de novas<br />
facetas”, ressalta. Diante de um personagem com<br />
tamanha complexi<strong>da</strong>de, ca<strong>da</strong> leitor tende a se identificar<br />
com determinados traços <strong>da</strong> multifaceta<strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de<br />
do fi<strong>da</strong>lgo, que teria enlouquecido de tanto<br />
ler os famigerados romances de cavalaria.<br />
Ledor contumaz <strong>da</strong> obra cervantina, José Alexandre<br />
Tavares Guerreiro, professor <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Direito<br />
do Largo São Francisco <strong>da</strong> USP, enxerga em<br />
Dom Quixote “o personagem que faz a apologia <strong>da</strong><br />
Justiça e <strong>da</strong> Liber<strong>da</strong>de”. Ele vê ain<strong>da</strong> no cavaleiro “o<br />
idealista que quis mu<strong>da</strong>r o mundo, inconformado<br />
que era com a baixeza e a mediocri<strong>da</strong>de humana”.<br />
“Cervantes construiu seu personagem com extrema<br />
habili<strong>da</strong>de e sutileza, <strong>da</strong>ndo a ele uma profun<strong>da</strong> di-
Quixote observa as<br />
brincadeiras com seu<br />
escudeiro, numa ilustração<br />
de Portinari<br />
mensão <strong>da</strong> alma humana”, aponta.<br />
A professora Mônica Derito Ramos, coordenadora<br />
do Setor de Publicações Acadêmicas do Unibero, acredita<br />
que Cervantes tenha criado seu famoso personagem<br />
tendo por base o binômio coragem/idealismo.<br />
Essas duas características, segundo ela, fizeram de<br />
Dom Quixote um ícone do objetivo humano de querer<br />
realizar o irrealizável. “Ele é corajoso, destemido,<br />
obstinado e, sem medo do ridículo, sai em busca de<br />
seus ideais. Para alcançá-los, enfrenta gigantes imaginários<br />
e investe contra moinhos de vento”.<br />
Na opinião <strong>da</strong> professora, a grandeza do protagonista<br />
reside justamente em sua capaci<strong>da</strong>de de acreditar<br />
em seus sonhos e batalhar para realizá-los. Para<br />
ela, a discussão sobre a insani<strong>da</strong>de de Quixote é<br />
secundária. “Afinal, ele é mesmo insano ou simplesmente<br />
ingênuo?” Em sua avaliação, o recado do cavaleiro<br />
an<strong>da</strong>nte é claro: “Devemos sonhar com o im-<br />
REPRODUÇÕES DE GERARDO LAZZARI<br />
possível e procurar atingir alturas inatingíveis”.<br />
Ao contrário <strong>da</strong> maioria dos leitores e mesmo de<br />
alguns estudiosos <strong>da</strong> obra-prima de Cervantes, que<br />
falam de Dom Quixote como quem se refere a um<br />
ser humano de carne e osso, e não como um simples<br />
personagem, Ana Lúcia Trevisan Pelegrino procura<br />
colocá-lo no devido lugar. “Vejo Dom Quixote<br />
apenas como um texto literário que sai viajando pelo<br />
mundo”, afirma a professora de Literatura Hispano-Americana<br />
<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Mackenzie.<br />
Para Ana, a obra coloca em primeiro plano a discussão<br />
do que é a construção do discurso e a representação<br />
<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. “O Quixote é uma figura que surge<br />
do próprio texto, se sustenta o tempo todo apenas como<br />
texto literário e que cai em profun<strong>da</strong> solidão to<strong>da</strong><br />
vez que se vê impossibilitado de expressar sua discursivi<strong>da</strong>de”.<br />
Daí, segundo a docente, a importância do fiel<br />
escudeiro no romance, Sancho Pança, que mantém o<br />
diálogo com o fi<strong>da</strong>lgo durante todo o tempo.<br />
Raros<br />
Ao contrário <strong>da</strong>s discussões acerca <strong>da</strong> importância<br />
do livro de Cervantes para a literatura universal e <strong>da</strong><br />
complexi<strong>da</strong>de de seu mais ilustre personagem, sempre<br />
presentes entre literatos e leitores e amplamente<br />
divulga<strong>da</strong>s, são poucos os que conhecem um rico e<br />
curioso acervo formado exclusivamente por edições<br />
ilustra<strong>da</strong>s do Dom Quixote. Fica em São Paulo e é<br />
composto por mais de 600 edições que integram a<br />
Biblioteca Cervantina Públio Dias, do Centro Hispano-Brasileiro<br />
de Cultura, enti<strong>da</strong>de mantenedora do<br />
Unibero.<br />
Entre as rari<strong>da</strong>des destacam-se edições vin<strong>da</strong>s de<br />
diversos países, escritos em mais de 40 línguas, livros<br />
impressos há séculos, exemplares com dedicatória<br />
de escritores renomados e ilustrados por grandes<br />
artistas. “É a maior coleção de ‘Quixotes’ ilustrados<br />
de que temos conhecimento em todo o mundo”,<br />
garante o bibliotecário Manuel Maria <strong>da</strong> Silva. “Há<br />
exemplares que não são encontrados sequer na Biblioteca<br />
Nacional <strong>da</strong> Espanha”, prossegue o responsável<br />
pela manutenção do valioso acervo.<br />
Um dos destaques <strong>da</strong> rara coleção é uma edição<br />
em espanhol, mas impressa em Bruxelas, na Bélgica,<br />
no distante ano de 1662. Também chama a atenção<br />
uma edição de 1863, ilustra<strong>da</strong> por Gustav Doré, artista<br />
francês que deu ao Quixote as feições que mais<br />
se aproximam <strong>da</strong>s descrições de Cervantes. Em meio<br />
aos diversos artistas renomados que retrataram o<br />
Quixote, figuram ícones <strong>da</strong> pintura como Salvador<br />
Dali, Francisco Goya e Pablo Picasso.<br />
Entre os brasileiros, sobressai-se um portifólio com<br />
21 lâminas com pinturas de Cândido Portinari. Os<br />
desenhos retratam cenas do Quixote e são acompanhados<br />
de poemas de Carlos Drummond de Andrade<br />
inspirados no livro de Cervantes. Há também volumes<br />
que levam a assinatura de autores nacionais<br />
que doaram livros ao colecionador Públio Dias – Mário<br />
de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Vinícius<br />
de Moraes, Jorge Amado e Manuel Bandeira. A Biblioteca<br />
Cervantina Públio Dias está aberta para visitas<br />
monitora<strong>da</strong>s. Os interessados devem entrar em<br />
contato com o Unibero pelo telefone 3188-6720. ❚<br />
Logo no primeiro ano,<br />
Cervantes emplacou 6<br />
edições de seu livro<br />
PARA CRIANÇAS<br />
Na coleção de “Quixotes”<br />
do Unibero há edições dedica<strong>da</strong>s<br />
ao público infantil,<br />
como uma a<strong>da</strong>ptação<br />
de Monteiro Lobato, na<br />
qual as peripécias do Cavaleiro<br />
<strong>da</strong> Triste Figura são<br />
conta<strong>da</strong>s por Dona Benta.<br />
Will Eisner, que revolucionou<br />
a linguagem <strong>da</strong>s HQ<br />
ao criar o Spirit, também<br />
dá o ar de sua graça, enriquecendo<br />
o acervo com<br />
sua <strong>versão</strong> do Quixote em<br />
quadrinhos.<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 19
SAÚDE<br />
OLHO POR<br />
OLHO<br />
Resolução estabelece<br />
maior repasse à Previdência<br />
por parte de empresas nas<br />
quais funcionários adoecem<br />
mais; bancos produzem<br />
milhares de vítimas<br />
Por Marcelo Santos<br />
Todos os dias os jornais estampam<br />
notícias sobre o déficit previdenciário<br />
do País. O governo<br />
apresenta seu planejamento para<br />
reduzi-lo – em março passado,<br />
pacote de medi<strong>da</strong>s incluía até<br />
a restrição aos pedidos de auxílio-doença.<br />
Mas ao invés de penalizar o trabalhador<br />
ou o aposentado é possível ser mais justo<br />
e arreca<strong>da</strong>r mais, cobrando percentuais<br />
maiores <strong>da</strong>quelas empresas que mais adoecem<br />
seus funcionários. É dessa equivalência<br />
que trata, em linhas gerais, a resolução<br />
1236, elabora<strong>da</strong> pelo Conselho Nacional de<br />
Previdência Social junto com os ministérios<br />
<strong>da</strong> Saúde e do Trabalho. Considera<strong>da</strong><br />
um avanço por especialistas ligados à questão<br />
<strong>da</strong> saúde do trabalhador, a resolução<br />
<strong>da</strong>ta do ano passado, mas ain<strong>da</strong> não foi<br />
coloca<strong>da</strong> em vigor. Torná-la ativa é ponto<br />
fun<strong>da</strong>mental para o Sindicato.<br />
O princípio é muito simples, o mesmo<br />
de qualquer seguradora: quanto maior o<br />
risco, mais caro o valor. E risco de adoecer<br />
é o que não falta nas instituições bancárias.<br />
Quando Benedito Francisco dos<br />
Santos, 36 anos, chegou pela primeira vez<br />
à sede do Real, na Paulista, pensou: “Vou<br />
construir minha vi<strong>da</strong> aí”. Dedicado, trabalhava<br />
na digitação e desconhecia as recomen<strong>da</strong>ções<br />
de descanso de 10 minutos a<br />
ca<strong>da</strong> hora de trabalho e jorna<strong>da</strong> de no máximo<br />
6 horas diárias. “Cheguei a trabalhar<br />
até 18 horas segui<strong>da</strong>s”, conta. Enquanto ganhava<br />
prestígio com seus superiores, ele<br />
não levava em conta que sua saúde poderia<br />
ser prejudica<strong>da</strong>; afinal, seu trabalho não<br />
20 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
era li<strong>da</strong>r com pesa<strong>da</strong>s prensas. Era “apenas<br />
um computador e muitas coisas para digitar”.<br />
Após quatro anos de trabalho, os<br />
primeiros sintomas começaram a surgir e<br />
logo Benedito percebeu que tinha adquirido<br />
lesões por esforços repetitivos relacionados<br />
ao trabalho (LER/ Dort).<br />
Afastado, o bancário viu seus sonhos de<br />
carreira e projetos de vi<strong>da</strong> ruírem. Desvalorizado<br />
no emprego e incompreendido<br />
pela família e colegas, que não aceitavam<br />
um “jovem que fica o dia inteiro em casa”,<br />
hoje ele mal consegue pegar seu filho<br />
de apenas 5 anos. “Sinto fortes dores nos<br />
braços”. Dez anos passados de seu último<br />
afastamento, Benedito não depende mais<br />
de sua hábil digitação e nem dos seus conhecimentos<br />
bancários, mas dos recursos<br />
<strong>da</strong> desgasta<strong>da</strong> Previdência para poder viver.<br />
Embora nem apareçam nos jornais,<br />
histórias como a dele se repetem a ca<strong>da</strong><br />
dia no País. De acordo com levantamento<br />
<strong>da</strong> Previdência Social, no Brasil ocorrem<br />
três mortes a ca<strong>da</strong> duas horas de trabalho<br />
e três acidentes de trabalho a ca<strong>da</strong> minuto.<br />
Isso apenas entre os trabalhadores do<br />
mercado formal e que tiveram a notificação<br />
do acidente, por meio <strong>da</strong> Comunicação<br />
do Acidente de Trabalho – a CAT.<br />
Entre os bancários, segundo <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Secretaria<br />
de Saúde do Sindicato, com números<br />
do Instituto Nacional de Seguri<strong>da</strong>de Social<br />
(INSS), o número de novos afastamentos<br />
por esforço repetitivo ou distúrbios osteomusculares<br />
considerados como previdenciários,<br />
que não foram reconhecidos como<br />
tendo origem no trabalho, cresceu de
Com a<br />
aplicação <strong>da</strong><br />
resolução 1236,<br />
para pagar menos<br />
os empresários<br />
vão ter de investir<br />
na prevenção<br />
JAILTON GARCIA<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 21
765 em 2000 para 1.539 casos em 2004, enquanto<br />
o número oficial de doenças ocupacionais<br />
subiu de 787 em 2000 para 1019<br />
em 2004 em sete bancos analisados. Nos<br />
dois casos, o maior banco privado do País<br />
foi também o maior responsável pelo número<br />
de novos casos de LER/Dort. O Bradesco<br />
apresentou um total de 2.878 vítimas<br />
no período compreendido de 2000 a 2004.<br />
Além <strong>da</strong>s LER/Dort, os transtornos mentais<br />
também são bastante freqüentes entre<br />
os bancários. São casos de estresses e diversos<br />
tipos de síndromes, como as depressivas<br />
e as de pânico. Enquanto 1.152 profissionais<br />
foram afastados por esse tipo de<br />
doença, apenas 38 foram reconhecidos como<br />
sendo por conta do ambiente de trabalho.<br />
“É um fator de risco muito grande<br />
ser bancário hoje. O risco maior é que ele<br />
contraia LER/ Dort e transtornos mentais”,<br />
afirma Rita Berlofa, secretária de Saúde do<br />
Sindicato.<br />
Resolução 1.236<br />
Embora tenha forte caráter arreca<strong>da</strong>tório,<br />
a resolução 1.236, de 28 de abril de<br />
2004, publica<strong>da</strong> em 10 de maio do mesmo<br />
ano no Diário Oficial <strong>da</strong> União, pode<br />
aju<strong>da</strong>r a corrigir distorções como estas. A<br />
resolução cria o Fator Acidentário Previdenciário<br />
(FAP) e altera as normas de recolhimento<br />
do SAT (Seguro de Acidente<br />
de Trabalho), que hoje é dividido em empresas<br />
de risco leve (na qual estão enquadra<strong>da</strong>s<br />
as instituições bancárias), que recolhem<br />
1% sobre o total <strong>da</strong> folha de pagamento<br />
e empresas de risco médio e grande<br />
risco, que recolhem 2% e 3%, sucessivamente.<br />
Com a alteração, as empresas seriam<br />
enquadra<strong>da</strong>s por meio do Código Internacional<br />
de Doenças (CID),<br />
o que significa dizer que seriam<br />
taxa<strong>da</strong>s de acordo com a frequência<br />
de adoecimentos na base<br />
de <strong>da</strong>dos do INSS – tanto os<br />
caracterizados como por acidente<br />
de trabalho como os que<br />
não foram considerados como<br />
de origem no ambiente laboral<br />
– determinando assim seu real<br />
risco ocupacional.<br />
“Por que o banco paga um<br />
por cento enquanto a construção<br />
civil paga três? Não foi feito<br />
nenhum balizamento, não<br />
houve nenhum critério estatístico<br />
para avaliar se o banco causa<br />
mais doenças do que a construção civil”,<br />
explica o diretor do Departamento do<br />
Regime Geral <strong>da</strong> Previdência Social (-<br />
RGPS) do Ministério <strong>da</strong> Previdência, Geraldo<br />
Arru<strong>da</strong>. A mu<strong>da</strong>nça, de pronto, elevaria<br />
a alíquota dos bancos para 2%. E is-<br />
22 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
Rita, do Sindicato:<br />
“É preciso tirar a<br />
culpa pelo déficit<br />
previdenciário<br />
<strong>da</strong>s costas do<br />
trabalhador”<br />
so já está causando mal estar entre os banqueiros.<br />
“O grau de risco para a categoria<br />
bancária é muito alto para ser de apenas<br />
1%”, afirma Rita. Segundo ela, a implementação<br />
<strong>da</strong> resolução possibilitaria à Previdência<br />
uma maior arreca<strong>da</strong>ção sem onerar<br />
o trabalhador. “É preciso tirar a culpa<br />
pelo déficit previdenciário <strong>da</strong>s costas do<br />
trabalhador”, defende.<br />
Mas a idéia principal é fomentar o investimento,<br />
por parte <strong>da</strong>s empresas, na prevenção<br />
de acidentes. Com o FAP, se uma<br />
empresa diminuir o número de adoecimentos<br />
entre seus funcionários, poderá ter reduzido<br />
o repasse à Previdência em até 50%.<br />
Do outro lado, quem não investir na segurança<br />
do trabalhador poderá ser onerado<br />
em 100% sobre o valor principal <strong>da</strong> alíquota.<br />
“O trabalhador não agüenta mais esperar.<br />
Nós precisamos de ações por parte<br />
do governo para pressionar as empresas em<br />
investir em prevenção”, afirma a secretária<br />
de saúde do Sindicato. De acordo com Geraldo<br />
Arru<strong>da</strong>, o objetivo é estabelecer um<br />
incentivo de natureza econômica para que<br />
as empresas possam investir em prevenção.<br />
“Dessa forma, a Previdência vai pagar menos<br />
benefícios por incapaci<strong>da</strong>de. Para o trabalhador<br />
o ganho é a preservação de sua<br />
saúde e sua integri<strong>da</strong>de física”, pondera.<br />
Ônus do empregador<br />
As mu<strong>da</strong>nças previstas na resolução<br />
1.236 do Conselho Nacional <strong>da</strong> Previdência<br />
Social também podem alterar a atual<br />
forma para notificação <strong>da</strong>s doenças ocupacionais<br />
e seu reconhecimento pela perícia<br />
do INSS, que hoje exige a emissão de<br />
CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho)<br />
e avaliação do perito. Com a implantação<br />
do nexo epidemiológico,<br />
o trabalhador, ao apresentar<br />
doença de alta prevalência no<br />
seu ramo de ativi<strong>da</strong>de teria sua<br />
doença ocupacional reconheci<strong>da</strong>,<br />
ficando ao perito o estabelecimento<br />
<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de laboral<br />
ou não. Dessa forma, o ônus<br />
PAULO PEPE<br />
<strong>da</strong> prova <strong>da</strong> relação <strong>da</strong> doença<br />
com o trabalho passaria a ser<br />
do empregador, não mais do<br />
trabalhador. Com isso, se uma<br />
doença for mais freqüente do<br />
que a média em um determinado<br />
setor empresarial será caracteriza<strong>da</strong><br />
doença ocupacional.<br />
No atual modelo, os empre-<br />
gadores relutam em emitir a CAT, uma vez<br />
que, se o empregado obtiver o auxílio-previdenciário<br />
e não o acidentário, a empresa<br />
fica desobriga<strong>da</strong> de recolher o Fundo de<br />
Garantia por Tempo de Serviço e de <strong>da</strong>r<br />
estabili<strong>da</strong>de de 12 meses após o retorno do<br />
DEDICAÇÃO<br />
“RECOMPENSADA”<br />
Benedito:“Cheguei a<br />
trabalhar até 18 horas<br />
segui<strong>da</strong>s”<br />
trabalhador às suas ativi<strong>da</strong>des. “Foi constatado<br />
que um médico do trabalho demora<br />
dois anos para diagnosticar um doente<br />
nesses casos”, revela o médico Paulo Roberto<br />
Kaufmann; ou seja, este profissional<br />
emite uma CAT a ca<strong>da</strong> dois anos. Segundo<br />
ele, apenas uma pequena fração <strong>da</strong>s<br />
doenças ocupacionais é notifica<strong>da</strong> pelas<br />
empresas. Especialista em Medicina do Trabalho,<br />
o doutor Kaufmann relembra que<br />
testemunhou um perito do INSS, ao ministrar<br />
para médicos que estavam se credenciando<br />
no instituto, afirmar que as<br />
CATs emiti<strong>da</strong>s por Centros de Referência<br />
<strong>da</strong> Saúde e Sindicatos não deveriam ser<br />
considera<strong>da</strong>s.<br />
“O trabalhador é atendido internamente<br />
na empresa por determinado perito que<br />
nega a doença ocupacional e o respectivo<br />
nexo e, ao chegar ao INSS para pedir socorro,<br />
lá encontra o mesmo perito para<br />
chancelar o que já foi decidido antes, lá
na empresa”, comenta o advogado trabalhista<br />
Luiz Salvador, que também é articulista<br />
<strong>da</strong> revista Consultor Jurídico. Para<br />
ele, enquanto for possível continuar praticando<br />
as subnotificações acidentárias, jogando<br />
o ônus ao trabalhador infortunado,<br />
ao INSS e à socie<strong>da</strong>de, o governo não<br />
conseguirá controlar o déficit previdenciário.<br />
“Isso é uma vergonha e tem que acabar”,<br />
condena.<br />
No entanto, há quem pense diferente em<br />
relação às alterações <strong>da</strong> resolução. Na opinião<br />
do médico René Mendes, presidente<br />
<strong>da</strong> Associação Nacional de Medicina no<br />
Trabalho, a questão tem sido trata<strong>da</strong> de<br />
forma equivoca<strong>da</strong>. Para ele, utilizar o Ca<strong>da</strong>stro<br />
Internacional de Doenças como parâmetro<br />
para a tarifação individual do Seguro<br />
de Acidentes do Trabalho, coloca em<br />
vala comum as causas de benefícios por<br />
incapaci<strong>da</strong>de de natureza previdenciária –<br />
o que ele aponta como a maioria – e as<br />
causas de benefício por incapaci<strong>da</strong>de de<br />
natureza acidentária.“A adoção do FAP<br />
com a metodologia, do modo que está sendo<br />
anuncia<strong>da</strong>, poderá trazer, como subproduto<br />
indesejável, a utilização de mecanismos<br />
de seleção <strong>da</strong> força de trabalho hígi<strong>da</strong><br />
(“atletas”), predominantemente jovens,<br />
em detrimento dos não tão saudáveis,<br />
nem tão jovens, e eventuais portadores<br />
de doenças crônico-degenerativas que<br />
na<strong>da</strong> têm a ver com o trabalho”, escreveu<br />
em artigo publicado no site <strong>da</strong> associação.<br />
Já para o auditor fiscal <strong>da</strong> Previdência<br />
Social Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira,<br />
idealizador <strong>da</strong> resolução, o novo sistema<br />
não padeceria do vício <strong>da</strong> CAT, uma<br />
vez que independe <strong>da</strong> comunicação do empregador.<br />
“A questão que se coloca é saber<br />
se pertencer a um determinado segmento<br />
econômico constitui fator de risco para o<br />
trabalhador apresentar determina<strong>da</strong> doença”,<br />
sintetiza.<br />
JAILTON GARCIA<br />
Discriminação<br />
No meio do debate, o papel <strong>da</strong>s Comissões<br />
Internas de Prevenção de Acidentes<br />
(Cipas) ganha maior relevância. No entanto,<br />
o funcionário responsável pela Cipa<br />
nem sempre é bem visto pelos superiores.<br />
“Meu gerente chegou a me perguntar se<br />
era a Cipa quem pagava meu salário”, conta<br />
Mário Raia, 40 anos, funcionário do Banespa<br />
e ex-cipeiro. Outro problema é quanto<br />
à elaboração <strong>da</strong> Semana Interna de Prevenções<br />
de Acidente do Trabalho, a Sipat.<br />
“O banco sempre vinha com a Sipat pronta,<br />
sem espaço para que pudéssemos colaborar”,<br />
conta.<br />
Além dos transtornos ocasionados pelas<br />
doenças ocupacionais, o lesionado enfrenta<br />
outro problema grave, a discriminação.<br />
Basta uma pessoa que estava afasta<strong>da</strong><br />
por problemas de saúde relaciona<strong>da</strong><br />
ao trabalho retornar ao seu posto que<br />
logo é coloca<strong>da</strong> de lado e trata<strong>da</strong> como<br />
um fardo a ser carregado. “Quando voltei<br />
me colocaram em uma mesa sem computador<br />
nem na<strong>da</strong>. Disseram que era para<br />
eu ficar lá, já que não poderia fazer<br />
outra coisa”, conta M., que preferiu não<br />
ser identifica<strong>da</strong>. Segundo ela, é comum<br />
ser tratado com desdém pelos demais colegas,<br />
que não compreendem a serie<strong>da</strong>de<br />
do problema. “Só quem possui a doença<br />
sabe como é difícil”, conta ela, vítima<br />
de LER/Dort e funcionária do Banco<br />
ABN Real. Caso semelhante viveu Carolina<br />
de Freitas Mazoli, 27 anos. Ela trabalhava<br />
no Su<strong>da</strong>meris até sua incorporação<br />
ao ABN Real. “O banco sabia do<br />
meu problema (LER/Dort), mesmo assim<br />
optou por me demitir”, conta. Reincorpora<strong>da</strong><br />
devido à ação do Sindicato,<br />
Carolina, hoje afasta<strong>da</strong>, diz se sentir discrimina<strong>da</strong><br />
quando tem que ir ao banco.<br />
“Ninguém quer ser coitado. Quero apenas<br />
respeito por mim e pela minha doença”,<br />
reclama.<br />
São pacientes como elas que a doutora<br />
Maria Maeno, especialista em Saúde do<br />
Trabalhador, costuma atender diariamente<br />
há vários anos. “O ritmo muito intenso<br />
de trabalho, a pressão sofri<strong>da</strong> por metas<br />
impostas e pelos clientes, o enxugamento<br />
do quadro de funcionários e as<br />
ameaças de penalização levam os bancários<br />
a adoecer com muita freqüência”, comenta<br />
a médica, que atua no Sindicato.<br />
Para ela, a resolução 1.236 é imprescindível<br />
para a melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do ambiente<br />
de trabalho dentro <strong>da</strong>s instituições<br />
bancárias. “À medi<strong>da</strong> que houver, de fato,<br />
sua implementação, as empresas mais penaliza<strong>da</strong>s<br />
teriam de encontrar saí<strong>da</strong>s para<br />
diminuir o adoecimento e investir na prevenção”,<br />
aponta. ❚<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 23
PERFIL<br />
PEDRO<br />
MISSIONEIRO<br />
Em mais de três déca<strong>da</strong>s à frente <strong>da</strong><br />
Prelazia de São Félix do Araguaia, Dom Pedro<br />
Casaldáliga construiu uma história de fé<br />
e coragem em defesa dos brasileiros<br />
pobres e perseguidos pela violência<br />
Por Maria Angélica Ferrasoli<br />
Há no município de Ribeirão Cascalheira, nordeste do<br />
Mato Grosso, um santuário diferente dos que existem<br />
por aí. Modesto, abriga fotos e gravuras de mártires<br />
do Brasil e outros países <strong>da</strong> América Latina.<br />
Gente que viveu e morreu lutando, reconheci<strong>da</strong> pela<br />
história ou anônimos guerreiros índios, negros,<br />
trabalhadores. Dessa mesma estirpe, a dos que gritam sem trégua<br />
por um mundo melhor, é o homem que presenciou ao assassinato<br />
que originou a construção do templo e que, com a<br />
população local, soube transformar em vi<strong>da</strong> esta e tantas outras<br />
tragédias. Na região há 37 anos, está Dom Pedro Casaldáliga,<br />
por mais de três déca<strong>da</strong>s bispo de São Félix do Araguaia<br />
(sua sucessão ocorreu oficialmente no último 1º de<br />
maio) e um dos principais expoentes <strong>da</strong> Igreja que faz a opção<br />
pelos mais pobres.<br />
“O Deus de Jesus quer libertar os pobres <strong>da</strong> miséria e <strong>da</strong> exclusão,<br />
e quer libertar os ricos do egoísmo e <strong>da</strong> prepotência.<br />
O Evangelho é: nem ricos, nem pobres; irmãos e irmãs mais<br />
ou menos iguais, que todos somos filhos de Deus”, ensina. Aos<br />
77 anos, esse missioneiro catalão <strong>da</strong> Ordem Claretiana desembarcou<br />
no Brasil em pleno recrudescimento <strong>da</strong> ditadura militar.<br />
Era 1968 e ele tinha pela frente uma missão tão dura quanto a<br />
reali<strong>da</strong>de que acabara de encontrar. Nas terras que formam a Prelazia<br />
de São Félix do Araguaia, hoje com mais de uma dezena de<br />
municípios, havia conflitos de todos os tipos, com a violência<br />
atingindo principalmente índios e trabalhadores rurais. As grandes<br />
fazen<strong>da</strong>s, os latifundiários, banqueiros e até o governo militar,<br />
por intermédio <strong>da</strong> Su<strong>da</strong>m (Superintendência do Desenvolvimento<br />
<strong>da</strong> Amazônia), não queriam conversa com índios, peões<br />
e posseiros, que acabavam explorados, enxotados e assassinados<br />
em nome do “desenvolvimento” <strong>da</strong> região.<br />
A Pedro – como gosta de ser chamado –, o solo era fértil para<br />
plantar justiça e esperança. Mas para isso não bastava clamar pelos<br />
céus: era preciso agir, organizar, denunciar. Ao ser ordenado<br />
bispo, em 1971, lançou um documento que, mais que denúncia e<br />
24 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
AGÊNCIA ESTADO
protesto, era um retrato do Brasil pisoteado pelas grandes<br />
fortunas e por seu próprio governo. “Não podemos<br />
aceitar a dicotomia entre evangelização e promoção<br />
humana”, escreveu. As pressões sobre os padres <strong>da</strong><br />
Prelazia, que já eram muitas – Dom Pedro e seus companheiros<br />
eram chamados de “subversivos”, “comunistas”<br />
e “estrangeiros” – aumentaram. Além <strong>da</strong>s ameaças<br />
de morte, vieram as de expulsão do País. Não<br />
conseguiram, porém, mu<strong>da</strong>r a rota do trabalho.<br />
Em 1975, Dom Pedro liderou o movimento pela<br />
criação <strong>da</strong> Comissão Pastoral <strong>da</strong> Terra (CPT), hoje um<br />
dos principais instrumentos <strong>da</strong> Igreja no Brasil para<br />
defesa <strong>da</strong> terra e seus trabalhadores. Três anos antes,<br />
participara <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção do Conselho Indigenista Missionário<br />
(CIMI), em resposta à intenção do Estado de<br />
tentar integrar indígenas à socie<strong>da</strong>de majoritária como<br />
única alternativa: na região vivem os Karajás, a nação<br />
Tapirapé e os Xavantes, compreendendo metade<br />
do Parque Indígena do Xingu. Em to<strong>da</strong>s essas déca<strong>da</strong>s,<br />
a região <strong>da</strong> Prelazia construiu uma história de coragem<br />
e obstinação. Além de denunciar desmandos locais<br />
e <strong>da</strong> ditadura no País, leigos e religiosos arregaçaram<br />
as mangas para criar uma infra-estrutura<br />
que simplesmente não existia para<br />
aqueles brasileiros. Foram feitas escolas,<br />
promovidos mutirões para construção<br />
de casas e propiciado o acesso à assistência<br />
médica.<br />
Poesia libertadora<br />
“Tenho menos paz que ira, tenho<br />
mais amor que paz”, diz um dos<br />
versos de Dom Pedro no poema<br />
Me chamaram Subversivo. É na<br />
poesia que o religioso encontra<br />
também caminho para cantar a esperança<br />
ou decantar sua santa ira<br />
em prol <strong>da</strong> justiça. Um dos mais<br />
belos trabalhos com sua participação<br />
é Missa dos Quilombos,<br />
disco gravado por Milton Nascimento<br />
em que Dom Pedro,<br />
Pedro Tierra e Dom Helder<br />
Câmara resgatam a cultura<br />
negra e seus líderes, culminando<br />
no belo Invocação à<br />
Mariama, deste último:<br />
“Basta de alguns tendo que<br />
vomitar para comer mais e<br />
50 milhões morrendo de fome<br />
num só ano/Basta de uns com<br />
empresas se derramando pelo mundo<br />
todo e milhões sem um canto onde<br />
ganhar o pão de ca<strong>da</strong> dia”, prega um dos<br />
trechos, lembrando ain<strong>da</strong> que não é suficiente à<br />
Igreja pedir perdão pelos erros passados: é preciso<br />
acertar o passo no presente.<br />
Por essas e outras, Dom Pedro Casaldáliga estava<br />
no time dos religiosos <strong>da</strong> Teologia <strong>da</strong> Libertação que<br />
acabou criticado e até punido pela Igreja: um de seus<br />
interrogadores foi o atual papa, então cardeal Joseph<br />
Ratzinger, que o inquiriu sobre sua atuação, a própria<br />
Missa dos Quilombos, suas visitas à Nicarágua....<br />
“Eu me negava a fazer a visita a Roma que os bispos<br />
devem fazer a ca<strong>da</strong> cinco anos (...). Não ia porque<br />
não concor<strong>da</strong>va com o modo como os bispos<br />
eram recebidos. Não havia diálogo. Nós escutávamos,<br />
fazíamos uma foto e ficava por isso. O que a<br />
gente pede é a comunicação. Eles reclamaram. Eu escrevi<br />
uma carta ao papa, explicando, e com muitas<br />
reivindicações, a respeito do sacerdócio, <strong>da</strong> participação<br />
<strong>da</strong> mulher... Passei por longo interrogatório”,<br />
relatou. Recentemente, ao ser questionado sobre suas<br />
esperanças com a escolha de Ratzinger como Papa,<br />
Dom Pedro não se abalou: lembrou que passa bispo,<br />
passa papa, passa príncipe, passa rei e a luta pelos<br />
mais humildes prossegue. “Devemos continuar<br />
com muita esperança, relativizando o que é relativo.<br />
E não desanimar por na<strong>da</strong>”.<br />
Na última missa de Finados que celebrou, ano passado,<br />
Dom Pedro disse que quer ser enterrado no<br />
velho cemitério de São Félix do Araguaia, ao lado do<br />
rio, na terra de tantos conflitos que o recebeu (ain<strong>da</strong><br />
hoje a CPT denuncia ali casos de trabalho escravo)<br />
e cujo povo soube conquistar. Quando anunciou<br />
a aposentadoria, aos 75 anos, sonhava seguir para a<br />
África, mas a saúde é frágil: Dom Pedro já pegou<br />
malária oito vezes, tem pressão alta e doença de Parkinson.<br />
Além disso, sua sucessão deixou apreensiva<br />
a população local – ele só ficaria se o novo bispo seguisse<br />
apoiando posseiros, peões e índios, e as informações<br />
que chegaram à Prelazia era de que Roma<br />
queria que ele se afastasse para não criar constrangimentos.<br />
Frei Leonardo Ulrich Steiner, que assumiu<br />
no último 1º de maio, pôs fim ao impasse ao declarar<br />
que Dom Pedro é bem-vindo.<br />
O novo bispo de São Félix é primo-irmão do cardeal<br />
emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns<br />
que, para ordená-lo, em abril passado, obteve licença<br />
especial de seu médico para viajar (está se recuperando<br />
de um infarto). Na avaliação de Dom Paulo,<br />
“Dom Pedro Casaldáliga, muito admirado pelo<br />
povo pobre e pelos indígenas, foi muitas vezes mal<br />
compreendido pela imprensa e até por alguns bispos,<br />
seus colegas. Admiro-o como homem corajoso<br />
e defensor dos oprimidos, atitudes que sempre desenvolveu<br />
de forma ao mesmo tempo muito humana,<br />
eficiente e até por vezes poética”, afirmou o cardeal<br />
à RdB. Essas mesmas quali<strong>da</strong>des são exalta<strong>da</strong>s<br />
por Frei Betto. “Há no Brasil um santo e herói: Pedro<br />
María Casaldáliga. Santo por sua fideli<strong>da</strong>de radical<br />
(no sentido etimológico de ir às raízes) ao Evangelho,<br />
e herói pelos riscos de vi<strong>da</strong> enfrentados e as<br />
adversi<strong>da</strong>des sofri<strong>da</strong>s”, aponta.<br />
O que Pedro deve fazer agora que a sucessão se<br />
consumou talvez seja incógnita também para ele.<br />
Procurado pela RdB, declinou <strong>da</strong> entrevista alegando<br />
os vários compromissos do período, não sem antes<br />
man<strong>da</strong>r seu “abraço a todos os bancários/as” e<br />
celebrar a categoria: “Vocês são a profecia no meio<br />
<strong>da</strong> estrutura econômica do pecado...”, destacou, via<br />
e-mail. Duvi<strong>da</strong>-se, porém, que Dom Pedro tenha em<br />
mente a possibili<strong>da</strong>de de enfim, mereci<strong>da</strong>mente, descansar:<br />
“Me chamaram subversivo, e lhes direi: eu<br />
sou. Por meu povo em luta, vivo; Com meu povo,<br />
em marcha, vou”, atesta em seu belo poema. ❚<br />
REAÇÃO<br />
POPULAR<br />
ORIGINOU<br />
TEMPLO<br />
Foi nos anos 70 que<br />
Dom Pedro presenciou<br />
o assassinato do padre<br />
João Bosco Penido Burnier,<br />
que com ele fora à<br />
delegacia socorrer duas<br />
sertanejas que estavam<br />
sendo tortura<strong>da</strong>s. Quatro<br />
policiais militares interpelaram<br />
os religiosos,<br />
o padre acabou<br />
agredido e levou um tiro<br />
na cabeça. Após a<br />
missa de sétimo dia, a<br />
população caminhou<br />
até a cadeia e destruiu<br />
o prédio. No lugar fincaram<br />
uma cruz, que<br />
mais tarde deu origem<br />
ao belo santuário dos<br />
mártires. “Era a cruz <strong>da</strong><br />
libertação no lugar <strong>da</strong><br />
cadeia do cativeiro”,<br />
afirmou Dom Pedro na<br />
celebração <strong>da</strong> Romaria<br />
dos Mártires <strong>da</strong> Caminha<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> América Latina,<br />
em 2001, ao lembrar<br />
os 25 anos <strong>da</strong> morte do<br />
amigo.<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 25
CIÊNCIA<br />
ELEMENTAR,<br />
MEU CARO<br />
WATSON<br />
A partir de pistas deixa<strong>da</strong>s pelos criminosos,<br />
o Instituto de Criminalística de São Paulo aju<strong>da</strong><br />
a eluci<strong>da</strong>r casos que dependem de testes<br />
e análises precisas, produzindo meio<br />
milhão de laudos por ano<br />
Por Plínio Lima. Fotos de Jailton Garcia<br />
Não há vestígio de crime em São<br />
Paulo que não tenha passado<br />
pelas mãos ou olhar atento<br />
dessa turma. Como Sherlock<br />
Holmes, os 991 peritos, 177<br />
desenhistas e 630 fotógrafos<br />
que compõem o quadro do Instituto de<br />
Criminalística (IC) paulista fazem dele uma<br />
<strong>da</strong>s principais referências de análise forense<br />
do País e <strong>da</strong> América Latina. O IC aten-<br />
26 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
de a casos de outros estados e até de países<br />
como Uruguai e Paraguai. Mas, embora<br />
tenha <strong>completa</strong>do 80 anos em 2004 e<br />
atuado em todos os crimes famosos destas<br />
déca<strong>da</strong>s (e também acidentes de grande repercussão,<br />
como a que<strong>da</strong> do avião <strong>da</strong> TAM<br />
ou o incêndio no edifício Joelma), o instituto<br />
ain<strong>da</strong> é desconhecido pela maioria <strong>da</strong><br />
população, que ignora sua assombrosa produção<br />
de aproxima<strong>da</strong>mente 500.000 lau-<br />
LABORATÓRIO DE DNA<br />
São 40 a 50 análises mensais.<br />
Identificação de cadáveres corresponde<br />
a 40% dos casos
NA MOSCA<br />
Do Núcleo de Balística do<br />
IC saem laudos que sustentam<br />
inquéritos. Por lá já passaram<br />
inúmeras armas, inclusive uma<br />
feita com caixas de fósforos<br />
dos/ano. O número equivale a 30% <strong>da</strong>s perícias<br />
feitas em todo o Brasil, e revela que<br />
ca<strong>da</strong> perito criminal <strong>da</strong>li elabora na<strong>da</strong> menos<br />
que quinhentos laudos por ano.<br />
“Um criminoso sempre deixa pista. E são<br />
essas pistas o nosso material de trabalho.<br />
Conseguimos produzir cerca de 75% de<br />
laudos conclusivos; ou seja, <strong>da</strong>mos respostas<br />
exatas às perguntas formula<strong>da</strong>s por delegados<br />
que investigam os crimes do Estado”,<br />
explica o físico Osvaldo Negrini Neto,<br />
diretor do Centro de Análises e Pesquisas<br />
(Ceap) e professor de Criminalística <strong>da</strong><br />
Academia de Polícia de São Paulo. Para<br />
chegar a estes laudos, o IC trabalha com<br />
profissionais de várias áreas, que vão rastrear<br />
desde a trajetória de um projétil até<br />
a composição de um papel para checar se<br />
há falsificação. Entre estes exames estão o<br />
de munições, drogas e documentos, feitos<br />
em núcleos como os de Física, Química,<br />
Balística, Bioquímica e Análise Toxicológica<br />
e Documentoscopia. Os 25% de laudos<br />
inconclusivos devem-se em geral à insuficiência<br />
de material para análise, ocasiona<strong>da</strong><br />
principalmente pela não preservação<br />
dos locais de crime.<br />
Foi fazendo uma análise de estojo de munição,<br />
por exemplo, que o IC conseguiu<br />
estabelecer a relação entre o promotor Igor<br />
Ferreira <strong>da</strong> Silva – acusado de assassinar,<br />
em 1998, a própria mulher, grávi<strong>da</strong> de oito<br />
meses – com o crime. Segundo os peritos,<br />
estojos recolhidos no local do assassinato<br />
foram confrontados com outros, encontrados<br />
no sítio onde o acusado treinava<br />
tiro. O resultado <strong>da</strong> análise ratificou a<br />
suspeita: eram munições <strong>da</strong> mesma arma.<br />
A prova ajudou a condenar o promotor a<br />
16 anos e quatro meses de cadeia, embora<br />
ele permaneça foragido desde 2001. Chefe<br />
do Núcleo de Balística, a dentista Sônia<br />
Viebig, 52 anos, afirma que 75% dos laudos<br />
produzidos ali são conclusivos.<br />
Tiro certo<br />
Em 25 anos de carreira, Sônia relata que<br />
já teve em mãos todos os tipos de armas<br />
imagináveis. “As mais comuns são pistolas<br />
e revólveres. Mas já vi uma feita com caixa<br />
de fósforos que era uma réplica de <strong>da</strong>r inveja<br />
a artesãos, fabrica<strong>da</strong> na cadeia. Mente<br />
vazia, oficina do diabo”, acredita. Segundo<br />
ela, to<strong>da</strong>s as armas são guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s até o final<br />
do processo criminal e depois envia<strong>da</strong>s<br />
ao Exército para destruição. Para atuar ali,<br />
explica, não se exige formação específica:<br />
basta ter concluído um curso universitário.<br />
Mas, pondera, desenvolve melhor a ativi<strong>da</strong>de<br />
o profissional que tem mais afini<strong>da</strong>de<br />
com análises em microscópios e perfil de<br />
observador, de tato apurado e detalhista.<br />
“Dos 15 peritos que temos, 10 são mulheres.<br />
E atiram bem, viu?!”, brinca Sônia.<br />
Ao chegar ao núcleo, as armas recebem um<br />
número de controle interno. Por segurança,<br />
os peritos não sabem a que caso o material<br />
analisado está relacionado. São avalia<strong>da</strong>s<br />
as condições <strong>da</strong> arma, se funciona,<br />
se tem numeração. Em alguns casos é aplicado<br />
nitrito para saber se foi dispara<strong>da</strong> recentemente.<br />
Terminado este procedimento,<br />
inicia-se a segun<strong>da</strong> etapa: atirar. Há dois<br />
espaços para isso. Um é a sala com o tanque<br />
d´água para recolhimento de projétil.<br />
Em uma <strong>da</strong>s extremi<strong>da</strong>des deste tanque há<br />
um orifício no qual o perito coloca a arma<br />
e dispara. Depois, usa uma varinha com<br />
massa de vidraceiro na extremi<strong>da</strong>de para<br />
literalmente pescar as balas.<br />
O outro local é o túnel de revestimento<br />
acústico. O perito atira contra um monte<br />
de entulho ou usa caixas de madeira<br />
cheias de algodão para disparar. Em segui-<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 27
<strong>da</strong> a munição é recolhi<strong>da</strong>. A arma produz<br />
na munição o que os peritos chamam de<br />
“estriamento fino”, uma espécie de ranhura<br />
peculiar a ca<strong>da</strong> armamento, como se<br />
fosse uma impressão digital, única. É esse<br />
estriamento que será comparado à munição<br />
encontra<strong>da</strong> em um local de crime ou<br />
retira<strong>da</strong> do corpo de uma vítima. “É quase<br />
uma sentença”, explica Sônia. Em casos<br />
de confrontos positivos, a ranhura em uma<br />
mostra tem exata continuação na outra. O<br />
núcleo analisa 1.500 casos por mês.<br />
Originalmente falso<br />
Poucos sabem, mas há algum tempo estelionatários<br />
chegaram a falsificar a rubrica<br />
do ex-governador Mário Covas. Copiaram<br />
pela internet, segundo peritos. Com isso,<br />
uma empresa de Ribeirão Preto montou<br />
documento em que dizia ter prestado<br />
serviços ao Palácio do Governo e, com o<br />
endosso <strong>da</strong> falsa assinatura, exigia o pagamento.<br />
Quase recebeu mesmo o dinheiro,<br />
não fosse a Secretaria <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> ter desconfiado<br />
que o valor era muito alto pelo tipo<br />
de serviço. O documento foi enviado ao<br />
Núcleo de Documentoscopia do IC, que garantiu:<br />
era falso.<br />
Na avaliação <strong>da</strong> chefe interina deste núcleo,<br />
a advoga<strong>da</strong> Virgínia Nardi, os estelionatários<br />
produzem falsificações ca<strong>da</strong> vez<br />
mais perfeitas. “Qual é o seu documento<br />
mais importante?”, questiona ela ao repórter.<br />
“Minha certidão de nascimento”. Satisfeita,<br />
esclarece: “Pois é. O documento mais<br />
importante de nossas vi<strong>da</strong>s, que dá origem<br />
a outros como o RG, não é feito em papel<br />
de segurança. Ou seja, falsifica-se facilmente”,<br />
alerta. Virgínia explica que o papel de<br />
segurança geralmente é produzido com algodão.<br />
Já no falso é comum eucalipto na<br />
composição. O núcleo faz análises de to<strong>da</strong>s<br />
as fraudes que envolvem papel. São cerca<br />
de 1.000 casos mensalmente. “Antigamente,<br />
esses criminosos alteravam apenas alguns<br />
<strong>da</strong>dos na folha de cheque. Hoje fabricam<br />
todo um talão”, compara Virgínia. O núcleo<br />
também recebe bilhetes de metrô, ingressos<br />
para entra<strong>da</strong> em estádios de futebol e carteiras<br />
de motorista de ônibus falsos.<br />
As análises são feitas em equipamentos<br />
que têm uma grande varie<strong>da</strong>de de luzes,<br />
desde infravermelho, ultravioleta, até luz<br />
branca e comum. Documentos como RG<br />
ou qualquer outro que tenha papel de segurança<br />
ficam em evidência contra os feixes<br />
de luz. Já os selos de cigarro têm em<br />
sua composição <strong>original</strong> fibras, calcografia<br />
(relevo) e fibras fluorescentes. Os bancos<br />
também têm se empenhado em dificultar<br />
o trabalho dos falsificadores, aumentando<br />
o numero de identificadores de segurança<br />
nos cheques, como linhas sinuosas e códi-<br />
28 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
Bilhete<br />
do Metrô:<br />
um dos campões<br />
de falsificações<br />
FALSO OU VERDADEIRO No Núcleo de Documentoscopia não há margem para dúvi<strong>da</strong>.<br />
Nele se analisam cédulas, bilhetes do Metrô e, num caso curioso, a rubrica de Mário Covas<br />
go numérico magnético, entre outros.<br />
“Nesse departamento podemos ver o quanto<br />
o brasileiro é criativo e muitos bandidos<br />
extremamente caprichosos. Se não gastassem<br />
o tempo enganando poderiam ser<br />
bons profissionais”, observa Virgínia.<br />
Toxicologia e DNA<br />
É também sob a direção de mulheres que<br />
atuam os núcleos de Análise Toxicológica<br />
e o de DNA. No primeiro está Gisela Bernete<br />
Sztulman, 54 anos. Seu núcleo produz<br />
de 900 a 1.000 laudos/mês. Em 90%<br />
dos casos a droga analisa<strong>da</strong> é maconha ou<br />
cocaína. Gisela confirma a nova tendência:<br />
“Ca<strong>da</strong> vez mais nos chega ecstasy para análise.<br />
As drogas sintéticas estão proliferando”,<br />
conta. Ela confessa que tem medo de<br />
perguntar ao filho de 24 anos se ele já usou<br />
drogas. “Me surpreendi quando perguntei
Notas sob luz infravermelha: diferenças na hora<br />
sobre cigarro e esperava que a resposta fosse<br />
negativa. Não quero ouvi-lo falar que<br />
experimentou drogas”, diz, ressalvando, porém,<br />
que o filho tem “cabeça boa”. “Conversamos<br />
bastante. Passo minha experiência<br />
de ver jovens jogando a vi<strong>da</strong> fora e estragando<br />
famílias com o consumo de drogas”,<br />
afirma.<br />
O núcleo é isolado por uma única porta,<br />
de ferro. Para transpô-la é necessário<br />
digitar senha em um teclado numérico. O<br />
entorpecente apreendido em delegacias é<br />
depositado em um gavetão. Junto ao material<br />
vem o pedido de análise, descrição<br />
de quanti<strong>da</strong>de e tipo de embalagem. Se o<br />
material não corresponder à descrição <strong>da</strong><br />
requisição é devolvido. A suposta droga é<br />
pesa<strong>da</strong> e passa pelo processo de constatação,<br />
ou seja, os peritos, através do uso de<br />
reagentes químicos que produzem coloração<br />
específica para ca<strong>da</strong> tipo de entorpe-<br />
cente, vão dizer se é ou não droga. Uma<br />
pequena parte é guar<strong>da</strong><strong>da</strong> para a contraprova.<br />
“Em 98 de 100 casos se constata que<br />
é droga realmente”, ressalta Gisela. O laudo<br />
definitivo é elaborado com a utilização<br />
de técnicas mais apura<strong>da</strong>s, com uso de solventes<br />
ou gases. O perito Marcelo Henrique<br />
Voloch, farmacêutico, 30 anos, explica<br />
que é muito comum a cocaína ter várias<br />
outras substâncias em sua composição,<br />
tão ou mais perigosas. “A sílica pode<br />
causar a Doença do Carvoeiro, em que se<br />
desenvolvem cistos no pulmão. A lidocaína,<br />
choque anafilático em pessoas que têm<br />
alergia a anestésicos”, ensina.<br />
Já o núcleo de análises de DNA é dirigido<br />
pela bióloga, professora e advoga<strong>da</strong><br />
Norma Bonaccorso, 45 anos, que se confessa<br />
apaixona<strong>da</strong> pela profissão. É um dos<br />
mais bem equipados, mas, ao contrário do<br />
que se imagina, não faz testes de paterni<strong>da</strong>de<br />
e nem tem a atribuição de fazer prova<br />
em casos de litígio, por exemplo. “Nós<br />
trabalhamos para a tentativa de eluci<strong>da</strong>ção<br />
de crimes. Portanto, geralmente analisamos<br />
amostras de sangue de uma vítima de homicídio,<br />
de esperma em calcinhas de vítimas<br />
de estupro e, muitas vezes, esse material<br />
é bem escasso, o que dificulta, e muito,<br />
nosso trabalho”, explica Norma.<br />
De acordo com a especialista, o tipo<br />
de análise é obrigatoriamente comparativo.<br />
“Temos que ter uma mostra biológica<br />
de um suspeito ou de prováveis parentes<br />
de uma pessoa morta, sem identificação.<br />
A outra mostra é aquela <strong>da</strong> qual<br />
não se sabe a origem, colhi<strong>da</strong> geralmente<br />
em um local de crime”, afirma. Ela<br />
aponta que sua equipe trabalha, em média,<br />
em 40 ou até 50 casos mensalmente.<br />
Cerca de 49% são <strong>da</strong> capital, outros<br />
51% do interior paulista. Grande parte é<br />
volta<strong>da</strong> para tentar eluci<strong>da</strong>r crimes sexuais:<br />
45% dos casos. O êxito nesse tipo<br />
de análise é de 61%. A identificação de<br />
cadáveres corresponde a 40% <strong>da</strong>s análises,<br />
<strong>da</strong>s quais 70% têm resultado conclusivo.<br />
Os 15% restantes são dedicados a<br />
confrontos genéricos de DNA.<br />
A rotina do núcleo consiste basicamente<br />
em oito procedimentos: a coleta do material<br />
(sangue, esperma, ossos), a extração<br />
do DNA, a quantificação, amplificação, eletroforese<br />
(que individualiza características<br />
<strong>da</strong> amostra), a interpretação dos resultados,<br />
cálculos de probabili<strong>da</strong>des e laudo.<br />
“Para se ter uma idéia <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> em nosso<br />
Estado comparo com um <strong>da</strong>do que o<br />
chefe <strong>da</strong> polícia científica de Tokio, Japão,<br />
me passou em visita que fez ao núcleo. Em<br />
sete anos, eles trabalharam em 80 casos, o<br />
que é quase a nossa produção mensal”,<br />
aponta Norma. ❚<br />
PROJETO VISA<br />
ESTUDAR FAUNA<br />
CADAVÉRICA<br />
Objetivo é criar laboratório<br />
especializado em analisar insetos,<br />
para identificar, por exemplo,<br />
o período do óbito<br />
Negrini: como nos seriados de TV<br />
Subdividido em 19 núcleos na Capital e 11 no Interior<br />
– com 40 equipes desmembra<strong>da</strong>s em 102 uni<strong>da</strong>des<br />
– o IC tem sede no Butantã. Ali funcionam seis<br />
núcleos ligados ao Ceap, nos quais são feitas as análises<br />
de laboratórios, que correspondem a cerca de<br />
70% dos laudos. Ain<strong>da</strong> no prédio, que o IC divide<br />
com o Departamento de Investigações Sobre Narcóticos<br />
(Denarc), funciona o Centro de Perícias de Campo,<br />
com 10 núcleos, entre eles os de Acidente de<br />
Trânsito, de Crimes Contábeis, Crimes contra o Patrimônio,<br />
Contra a Pessoa, Documentoscopia e o Núcleo<br />
de Perícias Criminais <strong>da</strong> Capital e Grande São<br />
Paulo.<br />
Atualmente, além dos vários testes já existentes<br />
no IC, há projetos para a instalação de um laboratório<br />
de Entomologia Forense, especializado<br />
em estudos de insetos que compõem a fauna ca<strong>da</strong>vérica.<br />
“Através <strong>da</strong> análise desses insetos poderemos<br />
descobrir pistas no corpo de uma vítima de<br />
homicídio, como, por exemplo, há quanto tempo<br />
estava morta”, explica o diretor Negrini, adiantando<br />
que o instituto também planeja a montagem de<br />
um laboratório de Botânica. De acordo com o advogado<br />
e professor Celso Perioli, 53 anos, coordenador<br />
<strong>da</strong> Superintendência <strong>da</strong> Polícia Técnico-Científica,<br />
o instituto deve se modernizar em breve,<br />
construindo outras 10 uni<strong>da</strong>des no interior e mais<br />
duas na capital.<br />
“Ain<strong>da</strong> neste ano vamos entregar 250 maletas novas<br />
aos peritos, com todo o aparato importado para<br />
a coleta, observação e análise de material”, afirma.<br />
O IC também abriu inscrições para concurso e<br />
preenchimento de 159 vagas. “É pouco, pois temos<br />
que admitir que o número de profissionais ain<strong>da</strong> é a<br />
metade do satisfatório. Mas é um avanço”, observa<br />
Negrini. Em sua avaliação, o IC está bem dotado<br />
de equipamentos, muitos importados do Japão, Israel,<br />
EUA e Alemanha. “Podemos quase nos comparar<br />
aos laboratórios <strong>da</strong> série de TV norte-americana<br />
CSI, que mostra a rotina de peritos criminais<br />
aju<strong>da</strong>ndo a desven<strong>da</strong>r crimes. E se precisarmos temos<br />
convênio com o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas)<br />
e outros <strong>da</strong> USP”, afirma, lembrando que,<br />
já na déca<strong>da</strong> de 30, um diretor do FBI reconheceu<br />
o IC internacionalmente.<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 29
COMPORTAMENTO<br />
TRAMAS<br />
URBANAS<br />
Entre agulhas, lãs,<br />
linhas e o fio condutor<br />
<strong>da</strong> internet, Tricoteiras<br />
de Sampa ressuscitam<br />
o prazer <strong>da</strong> produção<br />
artesanal em grupo e<br />
encontram tempo até<br />
para o voluntariado<br />
Por Clara Quintela<br />
Quem ouve falar num bando<br />
de mulheres que se reúne para<br />
tricotar enquanto joga conversa<br />
fora pensa logo que a<br />
cena se passa em alguma ci<strong>da</strong>dezinha<br />
do interior, onde<br />
senhoras de i<strong>da</strong>de sentam com as vizinhas<br />
na calça<strong>da</strong> ao final <strong>da</strong> tarde. Embora o pensamento<br />
não esteja totalmente desprovido<br />
de razão, essa é (mais) uma ver<strong>da</strong>de que<br />
está mu<strong>da</strong>ndo. Na cosmopolita São Paulo,<br />
com seus tantos milhões de habitantes, um<br />
grupo de 25 mulheres se encontra pelo menos<br />
uma vez por mês em cafés espalhados<br />
pela ci<strong>da</strong>de com o objetivo de tricotar, trocar<br />
receitas e ter uma tarde de agradáveis<br />
conversas. São as Tricoteiras de Sampa.<br />
O grupo foi fun<strong>da</strong>do em setembro de<br />
2004 pela designer gráfica paulistana Alessandra<br />
Carignani, 33, e o primeiro encontro<br />
aconteceu no mês seguinte. “O objetivo<br />
inicial foi resgatar o prazer de fazer um<br />
trabalho manual em grupo. Através de<br />
blogs, soube de encontros similares que<br />
aconteciam em Portugal e nos Estados Unidos.<br />
Motiva<strong>da</strong> por eles, criei o grupo na<br />
internet”, conta. É bom esquecer também<br />
a idéia de que tricô é coisa para as vovós.<br />
A i<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s participantes varia de 20 até<br />
50 e poucos anos. “Quando disse no meu<br />
trabalho que ia para um encontro de tricoteiras,<br />
meu chefe falou que só ia ter sexagenária.<br />
Mas aqui tem muita gente mais<br />
nova que eu”, diz a analista de sistemas Solange<br />
Ricioli, 37, que tricota desde os oitos<br />
anos e participou, até agora, de apenas<br />
um encontro.<br />
Um exemplo dessa novíssima geração é<br />
a pequena Larissa, de 9 anos (“mas tricoto<br />
desde o ano passado”), que já foi a três<br />
30 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
AQUI NÃO TEM AGULHADA As tricoteiras se encontram para trocar experiências na arte<br />
do tricô <strong>da</strong>s lãs. Ao contrário do que se imagina, no grupo não tem nenhuma vovozinha<br />
FOTOS: PAULO PEPE
euniões acompanhando a mãe, a secretária<br />
Roseli Ribeiro, 39. Além de crochê e<br />
tricô, Larissa aprendeu com as outras participantes<br />
a usar o tear de pregos, e conta<br />
que já tem até encomen<strong>da</strong>s. Para as integrantes<br />
dessa turma, tricotar é um hobby,<br />
embora algumas ven<strong>da</strong>m parte <strong>da</strong> produção.<br />
“É gostoso conhecer pessoas que gostam<br />
<strong>da</strong> mesma coisa que você”, aponta a<br />
arte-educadora Laura Sardinha, 34, que já<br />
foi a dois encontros. “Além <strong>da</strong>s tardes de<br />
humor, você fica mais estimula<strong>da</strong> a pesquisar,<br />
olhar sites. Sou autodi<strong>da</strong>ta, e no<br />
grupo ficou mais fácil tirar dúvi<strong>da</strong>s”. A artesã<br />
Márcia Kazumi, 37, é <strong>da</strong> mesma opi-<br />
nião. “Comecei a tricotar aos 15 anos e parei.<br />
Voltei ano passado para ocupar a cabeça.<br />
É muito bom encontrar pessoas com<br />
a mesma paixão”, avalia.<br />
As tricoteiras chegam às reuniões com<br />
sacolas cheias de lã, agulhas de diversas espessuras,<br />
revistas, fitas métricas e tesouras.<br />
Há quem também use acessórios menos<br />
comuns, como contador de carreiras, ponteiras<br />
(para não deixar os pontos caírem),<br />
agulhas circulares, entre outras bugigangas.<br />
O que não falta é assunto: “Muitas levam<br />
trabalhos prontos para mostrar ao resto<br />
do grupo. Tricotamos, tiramos dúvi<strong>da</strong>s,<br />
aprendemos umas com as outras. Conversamos<br />
a respeito dos lançamentos de lãs e<br />
acessórios. E é claro que, além dos assuntos<br />
‘tricotais’, também falamos sobre outros<br />
temas de nosso interesse, como livros,<br />
filmes, viagens...”, explica Alessandra. A<br />
maioria delas se diz “compulsiva” por lãs<br />
e produtos afins.<br />
Um ponto em comum entre as participantes<br />
é que, muito ou pouco, to<strong>da</strong>s usam<br />
a internet como fonte de pesquisa, informação<br />
e como meio de comunicação. Muitas<br />
possuem ou freqüentam blogs,a maior janela<br />
de divulgação do grupo. Tal fato justificou<br />
a criação do site As Tricoteiras de Sampa<br />
(www.tricoteiras.com.br), no qual são divulga<strong>da</strong>s<br />
receitas e dicas testa<strong>da</strong>s e aprova<strong>da</strong>s<br />
por elas; as últimas notícias dos fabricantes<br />
e a criação de novos grupos, assim como os<br />
projetos em an<strong>da</strong>mento (leia abaixo).<br />
A empatia entre as primeiras pessoas que<br />
aderiram ao grupo terminou estimulando<br />
a criação de uma “diretoria executiva” forma<strong>da</strong><br />
por sete membros: uma designer, uma<br />
fotógrafa, uma tradutora, uma economista,<br />
uma secretária, uma bióloga e uma jornalista.<br />
O “núcleo duro” é encarregado de organizar<br />
regras para gerenciar o grupo, decidir<br />
onde será a próxima reunião, definir<br />
os projetos e cui<strong>da</strong>r do site oficial. A organização<br />
dos encontros é feita exclusivamente<br />
via e-mail, desde a definição do local<br />
(normalmente escolhido em votação) até a<br />
divulgação do dia, horário e endereço.<br />
Para participar do Tricoteiras de Sampa<br />
é necessário morar na Grande São Paulo.<br />
Embora batizado no feminino, com uma<br />
diretoria idem, o sexo oposto também é<br />
GRUPO CONFECCIONA MANTAS PARA ASILOS COM MATERIAL DOADO<br />
Com a receptivi<strong>da</strong>de do público à<br />
idéia do grupo, as Tricoteiras de Sampa<br />
decidiram colaborar com ações sociais,<br />
organizando o Projeto Aconchegar.<br />
Trata-se de uma campanha que<br />
visa arreca<strong>da</strong>r quadrados feitos de<br />
tricô ou crochê em lã, na metragem<br />
de 20cmx20cm, para a confecção de<br />
mantas que serão doa<strong>da</strong>s a instituições<br />
que cuidem de idosos (até ago-<br />
ra não foram defini<strong>da</strong>s quais). “Foi<br />
uma maneira que encontramos para<br />
aju<strong>da</strong>r um pouco quem precisa, fazendo<br />
algo que gostamos muito. Somos<br />
mulheres, gostamos de tricotar<br />
e queremos aju<strong>da</strong>r”, explica Patrícia<br />
Ballarin, 33, economista e uma <strong>da</strong>s<br />
organizadoras.<br />
Para o futuro, garantem as integrantes<br />
do Tricoteiras de Sampa, são<br />
muitos os planos, mas ain<strong>da</strong> secretos.<br />
“Por enquanto, estamos curtindo<br />
o fato de ter colocado o site e o<br />
projeto Aconchegar no ar e o de estarmos<br />
uni<strong>da</strong>s por algo que gostamos<br />
muito. Conforme formos nos estruturando,<br />
acredito que novos planos<br />
irão surgindo naturalmente”,<br />
despista Alessandra. O contato com<br />
o grupo pode ser feito via internet<br />
aceito. Como o grupo prefere manter convívio<br />
mais pessoal entre os integrantes, as<br />
inscrições são limita<strong>da</strong>s e os candi<strong>da</strong>tos<br />
têm de fazer uma carta de apresentação<br />
que será submeti<strong>da</strong> à moderadora do grupo.<br />
Do Tricoteiras também surgiu uma lista<br />
de discussão na web (http://br.<br />
groups.yahoo.com/group/tricoteiras/), <strong>da</strong><br />
qual participam atualmente 128 pessoas de<br />
diversos países, trocando experiências, receitas,<br />
dicas de links e acessórios. Cerca de<br />
25 e-mails são trocados diariamente. O<br />
acesso à lista é livre. “A lista ‘Tricoteiras’<br />
segue as regras básicas <strong>da</strong> ‘netqueta’: os participantes<br />
devem estar cientes de que aquele<br />
é um espaço de troca de informações<br />
voluntárias e amistosas, portanto a cortesia<br />
e o bom senso devem prevalecer”, adverte<br />
Alessandra.<br />
No mundo inteiro<br />
Ain<strong>da</strong> novi<strong>da</strong>de no Brasil, o hobby de<br />
tricotar em locais públicos é mania internacional,<br />
impulsionado depois que as estrelas<br />
hollywoodianas Julia Roberts e o bad<br />
boy Russel Crowell foram flagrados tricotando<br />
nos intervalos de filmagem. Só no<br />
site organizador de grupos Meetup existem<br />
hoje 712 grupos no mundo inteiro apenas<br />
destinados ao tricô. Nos Estados Unidos<br />
está a maior concentração. Algumas ci<strong>da</strong>des<br />
chegam a ter vários grupos. Em Nova<br />
York,o maior deles abriga na<strong>da</strong> menos que<br />
998 tricoteiras.<br />
Aqui a idéia deu tão certo que em pouco<br />
tempo mais e mais fãs do tricô foram<br />
se juntando à lista e ao grupo, por meio<br />
do boca a boca e de blogs <strong>da</strong>s participantes.<br />
O sucesso terminou gerando um contratempo:<br />
na falta de espaço para colocar<br />
as cadeiras na calça<strong>da</strong>, o jeito foi procurar<br />
cafés. No começo deu certo, mas à medi<strong>da</strong><br />
que o grupo foi ganhando novas adeptas<br />
ficou mais complicado. “Alguns cafés<br />
começaram a ter má vontade em nos receber<br />
pela segun<strong>da</strong> vez”, conta Alessandra.<br />
Com isso, uma <strong>da</strong>s últimas reuniões acabou<br />
sendo realiza<strong>da</strong> debaixo <strong>da</strong>s árvores<br />
do Parque do Ibirapuera. Agora, com o inverno<br />
se anunciando, as tricoteiras pensam<br />
em se reunir em salões de festas nos prédios<br />
<strong>da</strong>s participantes. ❚<br />
(mail@tricoteiras.com.br) ou, para<br />
envio dos quadradinhos, pela Caixa<br />
Postal 33728-5, CEP 05787-970, São<br />
Paulo-SP, Brasil, destinado às Tricoteiras<br />
de Sampa-Projeto Aconchegar.<br />
Com a peça, mande também uma breve<br />
apresentação (sobre você, seu trabalho<br />
e o interesse na participação),<br />
ci<strong>da</strong>de e país de origem e e-mail para<br />
contato.<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 31
VIAGEM<br />
Éem meio às montanhas do Vale<br />
do Paraíba, a 171 quilômetros de<br />
São Paulo, que está localiza<strong>da</strong> a<br />
encantadora São Luiz de Paraitinga.<br />
Bastam duas horas de viagem<br />
para se surpreender com esta<br />
pequena ci<strong>da</strong>de onde folclore, tradição<br />
e música dão o tom <strong>da</strong> rotina. Ali vivem<br />
cerca de dez mil habitantes, metade na zona<br />
rural, mas a simplici<strong>da</strong>de e simpatia caipiras<br />
são características generaliza<strong>da</strong>s. Logo<br />
nos primeiros momentos em São Luiz<br />
dá para senti-las na voz do povo, que ain<strong>da</strong><br />
mantém o hábito de cumprimentar as<br />
pessoas nas ruas com um singelo Tarrrde....–<br />
assim mesmo, arrastado e com aquela<br />
deliciosa puxadinha no r.<br />
To<strong>da</strong> cerca<strong>da</strong> de verde, com casarões coloridos<br />
que compõem um dos maiores<br />
acervos de arquitetura colonial do Estado,<br />
São Luiz guar<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> o mérito de ter<br />
como filho <strong>da</strong> terra o médico e sanitarista<br />
Oswaldo Cruz, descobridor <strong>da</strong> vacina<br />
contra varíola. A casa em que nasceu está<br />
preserva<strong>da</strong>, assim como os 91 casarões<br />
e igrejas dos séculos 18 e 19 tombados<br />
como patrimônio histórico. Como acontece<br />
na maioria <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des históricas do<br />
País, em São Luiz algumas ruas são calça<strong>da</strong>s<br />
de pedra.<br />
Como antigamente<br />
Mas não é só a arquitetura que ganha<br />
cui<strong>da</strong>dos especiais de preservação. Da mesma<br />
forma, a população de São Luiz não<br />
abre mão de suas tradições. Durante o Carnaval,<br />
por exemplo, na<strong>da</strong> de músicas baianas<br />
como axé ou samba e pagode. Ali sobrevivem<br />
as marchinhas, com blocos nas<br />
32 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
À MODA<br />
CAIPIRA<br />
São Luiz do Paraitinga fica<br />
a apenas duas horas de<br />
São Paulo, mas é como<br />
se estivesse<br />
noutro tempo<br />
Por Luciana<br />
Mendes.<br />
Fotos<br />
de Paulo<br />
Pepe
ACERVO COLONIAL<br />
As ruas de pedra e o casario colorido<br />
formam a paisagem urbana de São Luiz.<br />
Em volta, o Parque Estadual <strong>da</strong> Serra do Mar<br />
faz a moldura verde. A ci<strong>da</strong>de se orgulha de<br />
ser terra natal do sanitarista Oswaldo Cruz,<br />
conhecido internacionalmente<br />
ruas acompanhados de figuras típicas <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de, caso dos bonecões, e o pastel de farinha<br />
de milho. Tão anima<strong>da</strong> quanto o<br />
Carnaval e os festejos do Divino é a festança<br />
do Saci, mais recente.<br />
Além de festeiro, não por acaso o município<br />
também leva o adjetivo musical.<br />
Mesmo sem uma programação fixa, é possível<br />
ao turista pegar uma “canja” de algumas<br />
<strong>da</strong>s ban<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de nas noites de sábado,<br />
sempre no coreto <strong>da</strong> praça. Neste<br />
mês de junho (dias 17 e 18) a praça será<br />
anima<strong>da</strong> também pelas eliminatórias do<br />
festival de música junina, do qual participam<br />
músicos <strong>da</strong> região. A final está programa<strong>da</strong><br />
para 2 de julho. Outra atração <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de são os contadores de causos Geraldo<br />
Tartaruga e Ditão. São Luiz também<br />
A TERRA DO SACI<br />
Se folclore e tradição são marcas de São Luiz,<br />
na<strong>da</strong> mais natural que aconteça ali, a ca<strong>da</strong> 31 de<br />
outubro, a Festa do Saci. Como neste ano a <strong>da</strong>ta<br />
cairá em uma segun<strong>da</strong>-feira, a programação foi antecipa<strong>da</strong><br />
para o final de semana dos dias 28 e 29.<br />
O evento é manifestação de resistência cultural às<br />
festas americaniza<strong>da</strong>s de Halloween, o Dia <strong>da</strong>s<br />
Bruxas. Foi esse mesmo desejo de defender a cultura<br />
popular brasileira que originou a Sosaci - Socie<strong>da</strong>de<br />
dos Observadores de Saci. Cansado de ver<br />
o imperialismo cultural norte-americano engolir mitos<br />
brasileiros, um grupo de 12 pessoas participou<br />
<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção, em julho de 2003, fazendo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />
reduto <strong>da</strong> saciza<strong>da</strong>.<br />
Atualmente são quase 600 associados, chamados<br />
de saciólogos e saciólogas. O jornalista Mouzar<br />
Benedito <strong>da</strong> Silva, 58 anos, um dos fun<strong>da</strong>dores,<br />
conta que a Sosaci não é uma enti<strong>da</strong>de xenófoba<br />
nem pretende trafegar na contramão do mundo globalizado,<br />
mas sim uma tentativa de preservar a cultura<br />
brasileira. “Acredito que aqueles que comemoram<br />
o “aloins” já estão meio americanizados e até<br />
pensam que Saci é uma bobagem. Preservando nos-<br />
oferece um estilo diferente de artesanato,<br />
com máscaras, fantoches de cabaça com<br />
cabelos de estopa e espelhos que envolvem<br />
o interruptor de luz, pintados à mão.<br />
Passeios e belos visuais<br />
São Luiz do Paraitinga está encrava<strong>da</strong> na<br />
região do Parque Estadual <strong>da</strong> Serra do Mar,<br />
no Núcleo Santa Virgínia, uma reserva ambiental<br />
que compreende parte <strong>da</strong> Mata<br />
Atlântica. Ali há cinco opções de trilhas<br />
com diferentes graus de dificul<strong>da</strong>de, mas<br />
to<strong>da</strong>s com visuais belíssimos. O visitante<br />
encontra corredeiras, cachoeiras e piscinas<br />
naturais forma<strong>da</strong>s pelo Rio Paraibuna e<br />
também caminha às margens do Rio Ipiranga<br />
Parahitinga, por sinal, vem do tupiguarani,<br />
e significa “águas claras”.<br />
To<strong>da</strong>s as trilhas só podem ser feitas com<br />
o acompanhamento de um monitor e é<br />
imprescindível agen<strong>da</strong>r as visitas. Quem<br />
gosta de fortes emoções também tem opções<br />
como rafting, bóia-cross ou rapel. E<br />
há ain<strong>da</strong> cavalga<strong>da</strong>s e visitas às fazen<strong>da</strong>s<br />
próximas, como a <strong>da</strong> Fábrica, onde funcionou<br />
a primeira indústria de tecidos do<br />
Estado. ❚<br />
SERVIÇO<br />
Como chegar : Rodovia Presidente Dutra até Taubaté<br />
e SP-125 (rod. Oswaldo Cruz) ou SP-070 (sist.<br />
Ayrton Senna-Carvalho Pinto). Para agen<strong>da</strong>r visitas<br />
ao Parque <strong>da</strong> Serra do Mar: (12) 3671-9159/3671-<br />
9266. Onde ficar: São Luiz tem hotel e pousa<strong>da</strong>s<br />
simples e confortáveis. Entre as opções estão o<br />
Hotel Fazen<strong>da</strong> Dunas de Pamonã (12) 9118-6184 e<br />
a Pousa<strong>da</strong> Caravelas (12) 3671-1179. Quem tem<br />
acesso à internet também pode saber um pouco<br />
mais sobre a ci<strong>da</strong>de nos sites www.saoluizdoparaitinga.sp.gov.br<br />
(oficial) ou em www.paraitinga.com.br<br />
sa cultura estamos batalhando para não entregar os<br />
pontos às propostas imperialistas, já que há uma<br />
descrença nos partidos políticos”, afirma.<br />
Ele lembra que o Saci é um dos mitos mais brasileiros,<br />
reunindo em um único personagem o negro,<br />
o índio e o branco. Apesar de desejar algo<br />
mais anárquico, Mouzar conta que a idéia de lançar<br />
o “Dia do Saci” já foi oficializa<strong>da</strong> em São Luiz<br />
do Paraitinga, na ci<strong>da</strong>de de São Paulo (em projeto<br />
<strong>da</strong> então vereadora Tita Dias) e no Estado. Ain<strong>da</strong><br />
há projetos tramitando em Juiz de Fora, Curitiba<br />
e São José do Rio Preto. No Congresso Nacional<br />
há duas propostas aguar<strong>da</strong>ndo votação para<br />
lançamento do Dia Nacional do Saci.<br />
Durante os festejos em São Luiz há palestras,<br />
debates e a “saciata”, um passeio pelas ruas nos<br />
quais os últimos 500 metros são percorridos com<br />
uma perna só. A programação inclui ain<strong>da</strong> o passeio<br />
“saciclístico”, feito de bicicleta entre as trilhas<br />
povoa<strong>da</strong>s de histórias narra<strong>da</strong>s por Ditão, um dos<br />
contadores oficiais de “causos” do município. Nos<br />
últimos 800 metros deste passeio só vale pe<strong>da</strong>lar<br />
com um pé só.<br />
REVISTA DOS BANCÁRIOS | 33
ARTIGO<br />
O QUE FALTA É<br />
GENTE<br />
Lei que estabelece prazo para fila em banco tem<br />
de apontar para mais contratações nestas empresas e<br />
fiscalização freqüente, ou não funcionará de forma eficaz<br />
Por Juvandia Leite Moreira<br />
Juvandia Moreira Leite<br />
é secretária-geral do<br />
Sindicato e funcionária<br />
do Bradesco<br />
34 | REVISTA DOS BANCÁRIOS<br />
PAULO PEPE<br />
Éfato notório que as empresas que integram<br />
o sistema financeiro representam o<br />
setor que mais lucra no País. Apenas<br />
no primeiro trimestre desse ano os bancos<br />
Bradesco, Banco do Brasil, Itaú e Unibanco<br />
tiveram um lucro em média 56%<br />
superior ao mesmo período do ano passado. Em<br />
2004, só os 10 maiores bancos que operam no Brasil<br />
lucraram em torno de R$ 15 bilhões.<br />
Se pelo lado dos banqueiros tudo an<strong>da</strong> muito<br />
bem, o mesmo não se pode dizer de seus funcionários<br />
e clientes. Esse mesmo sistema financeiro sofreu<br />
uma série de transformações desde 1994. Entre<br />
elas estão uma forte concentração bancária e<br />
mu<strong>da</strong>nças tecnológicas acompanha<strong>da</strong>s de alterações<br />
na regulamentação pelo Bacen, como as liberações<br />
de cobrança de tarifas indiscrimina<strong>da</strong>mente, do correspondente<br />
bancário, terceirizações etc. Porém, essas<br />
mu<strong>da</strong>nças nem sempre se refletiram em melhorias<br />
para os clientes e para a socie<strong>da</strong>de: os clientes<br />
sofrem com a cobrança de tarifas (basta observar o<br />
crescimento <strong>da</strong>s receitas de prestação de serviços divulga<strong>da</strong>s<br />
nos balanços dos próprios bancos) e com<br />
as filas nas agências bancárias. E a socie<strong>da</strong>de pagou<br />
com o alto índice de desemprego agravado pelas<br />
demissões dos bancários.<br />
As filas nos bancos afetam diretamente clientes e<br />
bancários. Os clientes, pelo tempo desperdiçado e<br />
os empregados, por suportarem a insatisfação dos<br />
clientes e a conseqüente sobrecarga de trabalho pela<br />
falta de funcionários. Muitos municípios, inclusive<br />
São Paulo, aprovaram leis controlando o tempo<br />
de espera nas filas dos bancos, porém essas leis<br />
não prevêem mecanismos eficazes de controle e fiscalização,<br />
nem dialogam com um número de funcionários<br />
suficientes para o bom atendimento nos<br />
bancos. Em São Paulo, a lei passou a valer desde<br />
maio deste ano, mas não prevê as formas de fiscalização<br />
nem a contratação de mais funcionários pa-<br />
ra melhor atender aos clientes e à população em<br />
geral.<br />
Não há estrutura na Prefeitura para efetivar o<br />
controle e aplicação <strong>da</strong> lei. A idéia é que funcione<br />
a partir <strong>da</strong>s denúncias dos clientes, que poderão ser<br />
feitas pelo telefone 156. Se os clientes conseguirem<br />
efetivar sua denúncia, os bancos que não cumprirem<br />
a legislação estão sujeitos a uma multa irrisória<br />
de R$ 564. Em caso de reincidência, o valor dobra,<br />
porém a agência não pode ser interdita<strong>da</strong>.<br />
Em Porto Alegre essa lei já foi aprova<strong>da</strong> há mais<br />
tempo, mas se mostrou omissa nos mesmos pontos.<br />
Lá, os clientes têm que preencher um formulário,<br />
que nunca está disponível nas agências bancárias,<br />
e levar até a Prefeitura, juntamente com testemunhas.<br />
Com tantas dificul<strong>da</strong>des, é fácil imaginar<br />
quantas pessoas conseguem efetivar sua denúncia!<br />
Mas essa lei pode, sim, beneficiar a população,<br />
desde que preveja formas eficazes de fiscalização do<br />
seu cumprimento e não penalize ain<strong>da</strong> mais os funcionários,<br />
que já estão tão sobrecarregados de trabalho<br />
e sofrendo pressão para vender produtos, autenticar<br />
e atender rapi<strong>da</strong>mente aos clientes. Para isso,<br />
é imprescindível que a lei preveja a contratação<br />
de mais bancários, o controle do tempo de permanência<br />
com fiscalizações rigorosas e multas eficientes.<br />
Só assim será possível acabar com as filas e atender<br />
melhor à população.<br />
O Sindicato tem cobrado dos banqueiros cotidianamente<br />
a geração de mais empregos, como na última<br />
campanha que fez esse ano e culminou num<br />
saldo de mil contratações no Grupo Santander Banespa:<br />
Banqueiros no Big Lucro... Fim <strong>da</strong>s Demissões.<br />
Contratações Já! Bancários e clientes podem<br />
aju<strong>da</strong>r muito denunciando e cobrando a responsabili<strong>da</strong>de<br />
social dos bancos, e cobrando também <strong>da</strong><br />
Prefeitura que torne essa lei mais <strong>completa</strong> e realmente<br />
eficiente. ❚